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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Modelos de integração na América do Sul: do Mercosul à Unasul

 

 

Ana Carolina Vieira de Oliveira; Rodrigo Souza Salgado

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo a compreensão da evolução do processo de integração ocorrido na América do Sul no século XX, em especial do Mercosul e da Unasul. O primeiro, constituído em 1991 por quatro países, tinha influências dos processos de redemocratização, da aproximação entre Brasil e Argentina, e de características neoliberais próprias dos governos nacionais. Já o segundo mecanismo, lançado em 2008, está relacionado ao contexto da primeira década do século XXI e à paralisação do Mercosul como arranjo de características mais comerciais. A Unasul passa a ser uma iniciativa de coesão política na região, perpassando por temas sociais e de infra-estrutura; e com menores ambições em termos econômicos. Apesar da análise desses dois processos levar à compreensão por muitos de que a Unasul poderia substituir o Mercosul como agente central na promoção da integração, este trabalho, porém, visa demonstrar que o Mercosul tem características específicas, que ainda o mantém como eixo central da integração regional.

Palavras-chave: Mercosul, Unasul, Integração regional


 

 

Introdução

Este trabalho versa sobre diferentes esforços de integração regional existentes nos dias atuais na América do Sul. A expressão "região" pode ter pelo menos quatro sentidos: geográfico, econômico, sócio-cultural e político.1 Os esforços de integração regional podem assumir, então, diferentes facetas e características, de acordo com a área de atuação do mecanismo elaborado. Neste sentido, nos últimos anos dois mecanismos regionais assumiram centralidade na função de coordenação política e de integração comercial na região sul-americana: são esses a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul).

Levando em consideração que são esforços de cooperação e integração desenvolvidos em etapas distintas da evolução política e econômica regional - com objetivos e funções que variam, e com modelos de maior ou menor institucionalização - cabe avaliar os dois blocos a luz da evolução do regionalismo sul-americano. Através da análise de suas funções e objetivos, buscamos mostrar de uma forma geral que, com distintos enfoques, ambos colaboram para o objetivo geral de aprofundar a coordenação regional sul-americana.

Por fim, o quadro de estagnação pelo qual o Mercosul passa levanta sérias dúvidas com relação à vitalidade de sua atuação futura, o que contrasta com a perspectiva otimista, ainda que precipitada, com relação à Unasul. Este quadro colabora para a compreensão de que a Unasul viria, num médio prazo, substituir o Mercosul enquanto agente central na promoção da integração. Não obstante, o presente trabalho questiona essa hipótese, apontando que o Mercosul, por conta de suas características específicas, continuará tendo um papel central na integração regional.

 

Integração Sul-Americana: processo e história

A noção de que os países latino-americanos formam um espaço distinto, em termos políticos, econômicos e culturais, das demais regiões do globo e que uma das implicações desta distinção é justamente a necessidade de se formar um espaço unificado, seja na forma de uma federação de Estados ou na forma de um bloco político, não é uma noção nova na história do pensamento latino-americano. Apesar de os esforços de integração serem relativamente recentes, não é nova a interpretação existente de que o efeito do processo de colonização sob os países latino-americanos, no sentido da perpetuação da relação desigual entre os países outrora entendidos como metrópole e colônia, sugere uma semelhança de condição entres estes e a viabilidade de um projeto conjunto de superação da condição de dependência.

Pensadores como Andrés Bello, José E. Rodo e Victor Raúl Haya de la Torre, foram atores de destaque na defesa de um espaço latino-americano integrado, tanto em termos políticos quanto econômico.2 Por diversos motivos, que vão desde rivalidades políticas, a existência do pan-americanismo, a falta de convergência econômica e inexistência de conexão física entre os países, a concretização da integração latino-americana foi atrasada durante décadas. Isto só começa a ser modificado na década de sessenta, com a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC).

Esta iniciativa de integração foi criada em fevereiro de 1960, através da assinatura do Tratado de Montevidéu. Este previa a criação de uma Zona de Livre Comércio em 12 anos, com o fim de criar um mercado comum regional. Inicialmente, faziam parte Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, além de Colômbia e Equador que ingressaram mais tarde.

Apesar de avanços relevantes num primeiro momento,3 as limitações para seu desenvolvimento a médio prazo não eram poucas. Como mostra Menezes e Filho (2006), a taxa de comércio entre os países da região antes da formação do bloco era incrivelmente pequena, beirando os 6%, subindo para 10% com a ALALC. Ou seja, o fluxo de comércio da região estava praticamente todo voltado para os grandes pólos econômicos: Europa e Estados Unidos. Estes números ajudam a comprovar outro problema do bloco: as economias não eram complementares, ao contrário, competiam entre si. Nos poucos casos aonde chegou a existir alguma espécie de concessão das principais economias do bloco para as menores, não havia sequer produtos para serem comercializados.

Todos estes fatores somados contribuíram para o malogro da iniciativa de integração da ALALC. Em 1980 foi estabelecida a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), em substituição à primeira, que foi uma continuação das tentativas de integração, só que de modo mais flexível e na forma de um marco institucional para outros processos de integração. Entretanto, apesar do fracasso da ALALC, o consenso que se estabeleceu foi que esse processo serviu de grande aprendizado para as futuras tentativas de integração.

No intermédio da evolução da ALALC, formou-se ainda o Pacto Andino. Este bloco foi constituído em 1969, através do Acordo de Cartagena, e durante sua história já foi composto por Venezuela, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia. Em geral, o objetivo da criação deste bloco foi o de permitir o aprofundamento da integração entre países com maior grau de simetria. O estágio atual da integração andina, que tem forma na Comunidade Andina, é de aparente desintegração, com a saída da Venezuela e com a perspectiva de assinatura de acordos de livre-comércio com os EUA por parte do Peru e Colômbia.

A cooperação política regional, por sua vez, seguiu uma tendência histórica de menor destaque na América do Sul. Sua essencialidade somente começou a ser notada pelos países da região recentemente, por volta da década de 1980. A formação do Grupo de Contadora (1983), composto por Venezuela, Colômbia, Panamá e México, como resposta a política intervencionista norte-americana na América Central, e a formação do Grupo de Apoio à Contadora (1985), formado por Argentina, Brasil, Peru e Uruguai, são destaques na evolução da cooperação política regional. Com a junção de ambas as instâncias foi formado o Grupo do Rio (1986). Além desses, destaca-se também ainda a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (1978).

É na década de noventa, com o fim da Guerra-Fria e com o avanço da tendência de regionalização, que a integração regional ganha impulso e maior relevância para os países. Sob a liderança brasileira, a integração regional assume novos contornos geográficos, privilegiando a perspectiva sul-americana em detrimento da latino-americana. Nesse sentido, a despeito do avanço da integração sub-regional do Mercado Comum do Sul, o governo brasileiro propõe em 1993 a formação da Área de Livre-Comércio Sul-Americana. Não obstante, deve-se analisar tal proposta no contexto da expansão da integração norte-americana e no esforço do governo brasileiro de tentar contrabalancear esta expansão.4 Esta perspectiva foi abrandada durante boa parte do governo Cardoso e só seria retomada ao fim de seu governo.

Com o fracasso das reformas neoliberais na região, a integração sul-americana retoma sua perspectiva de aprofundamento. Neste sentido é formada a Comunidade Sul-Americana das Nações (2003), no contexto de aproximação entre a Comunidade Andina e o Mercosul e com o objetivo de promover a cooperação política e a integração comercial. Entretanto, a ênfase do bloco repousa sobre o aprofundamento da "integração física, energética e de comunicações".5

Tais antecedentes históricos influenciam o Mercosul e a Unasul da seguinte forma: a adoação de um modelo sub-regional de integração pode ser entendido como um reflexo da flexibilização empreendida pela ALADI; O fim da Guerra-Fria e o avanço da perspectiva de regionalização incentivam os países da América do Sul a formular mecanismos de cooperação política e integração regional.

 

Mercosul: estratégia comercial

O Mercosul, organismo criado em 1991, por meio do Tratado de Assunção, é colocado como consequência das aproximações entre seus principais sócios, Brasil e Argentina, durante as décadas precedentes6. Apesar da existência de outros mecanismos de integração, o Mercosul marcou pelo forte caráter liberal presente na região na década de 1990, fruto da reinstauração de governos democráticos e da aplicação de ideias advindas do pensamento do Consenso de Washington7. Marcou também pelo abrandamento do caráter conflitivo das relações de Brasil e Argentina, que se estendia por mais de século, constantemente provocado pela instável região da Bacia do Prata e pelas incertezas causadas por pretensões de liderança.

Na década de 1980, com o desequilíbrio econômico mundial e a retomada das democracias na América do Sul, viu-se nesta região movimentos para integrar, principalmente no quesito econômico, os países, sobretudo porque enfrentavam altos índices inflacionários. No caso do Brasil, os movimentos de aproximação com a Argentina se intensificaram, e os dois juntos firmaram acordos como a Declaração de Iguaçu, em 1985, o Programa de Integração Econômica, em 1986, A Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, e o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em 19888. Este último já previa a formação de um mercado comum em um prazo de dez anos.

Em 1990 foi assinada a Ata de Buenos Aires, que anteciparia o mercado comum para 1994. Como Argentina e Brasil estavam se aproximando bastante, viu-se que a entrada de seus vizinhos menores, Uruguai e Paraguai, seria benéfica para o equilíbrio e a estabilidade da região, com democracias ainda frágeis. Neste momento, já em 1991, com Uruguai e Paraguai incorporados à Ata de Buenos Aires, foi assinado o Tratado de Assunção, que instituiria o Mercosul. Este novo mecanismo, considerado um Acordo de Complementação Econômica no âmbito da ALADI, tinha por objetivo, a partir de 1994, entrar em vigor uma união aduaneira, que daria as bases para o mercado comum desejado9.

De caráter comercial, o bloco contribuiu para o arranque da interação não só de Brasil e Argentina, mas também dos dois países menores. Mesmo com preocupações estruturais e políticas, este novo bloco que se formava tinha maior ênfase econômica. Como o contexto externo não era favorável, as economias regionais passaram a se complementar. Prova disso foi o aumento do comércio intrarregional, em que o bloco foi responsável, por exemplo, por receber cerca de 1/3 das exportações argentinas10.

Bouzas (2001) reconhece na história do Mercosul três momentos relevantes. O primeiro, chamado de "período de transição" (1991-1994), caracterizou-se pelo aumento de fluxos e da interdependência entre os países formadores do bloco. O segundo momento, chamado de "era dos mercados" (1994-1998) iniciou-se com a aplicação do Plano Real, em 1994, aumentando ainda mais os fluxos intrarregionais e a chamada "Brasil-dependência" por parte da Argentina11.

Bouzas (2001) ainda coloca um terceiro momento, que não encerrou seu ciclo, iniciado a partir do ano de 1998. Apesar do Mercosul ter trazido para seus membros benefícios econômicos durante, pelo menos, sete anos da década de 1990, o ambientes externo e interno prejudicaram o andamento do bloco. A crise mexicana em 1994, e posteriormente a crise asiática em 1997 e a russa, em 1998, fizeram com que a liquidez se enxugasse e a situação do Mercosul enfrentasse problemas. Internamente, os planos de estabilidade brasileira e argentina davam sinais de incapaz continuidade.

Como politicamente o Mercosul não havia se desenvolvido amplamente até então, a desvalorização do Real em 1999 foi uma catástrofe para o bloco. A "Brasil-dependência" não pôde continuar. Este foi o primeiro grande choque dentro do Mercosul, uma vez que alguns membros dos governos de Argentina, Uruguai e Paraguai viram a medida de desvalorização do Real como unilateral.

Economicamente falando, a Argentina, por exemplo, não conseguiria se manter com a política de "currency board" por muito tempo; e a desvalorização do Real apenas foi um catalisador para a real crise econômica12. No entanto, houve debates políticos acerca da medida unilateral brasileira. Foi questionado o motivo pelo qual o Mercosul existia como bloco, uma vez em que, quando os interesses nacionais - nesse caso os interesses econômicos brasileiros - estavam em jogo, o comprometimento com a região ficava em segundo plano.

O Mercosul, mesmo que gerando avanços no quesito comercial, não havia gerado as conseqüências desejadas. Porém, o início do século XXI foi marcado pela ascensão de governos de caráter esquerdista na América do Sul. No Brasil, em 2002, era eleito o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, e na Argentina, em 2003, subia ao poder Néstor Kirchner, ex-governador e membro do partido peronista.

A crise mercosulina, que vinha desde meados da década de 1990, parecia retroceder, visto que havia grande intenção, por parte de seus membros mais importantes, de fortalecer a integração sul-americana. Por mais que problemas comerciais fossem insistentes, e até relevantes, principalmente se tratando das relações argentino-brasileiras, foram pensados mecanismos para relançar o Mercosul, agora com um perfil mais social e político, como mostram a criação do Parlamento do Mercosul, em 2006, e do Fundo de Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul, o FOCEM, em 2004. Objetivava-se, com essas iniciativas, ampliar a coesão intrarregional, de modo que as assimetrias existentes entre seus membros fossem atenuadas com o passar dos anos13.

 

Unasul: integração política

A União das Nações Sul-Americanas foi estabelecida em 2008, na reunião de Brasília, e pode ser entendida enquanto evolução da CASA. Objetiva transcender o aspecto puramente comercial da integração e impulsionar os investimentos em comunicação, transporte, infra-estrutura, energia, educação, cultura, ciência e tecnologia e defesa. Quando celebrado o Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-americanas, a Unasul obteve uma personalidade jurídica e uma estrutura institucional. Compõe essas estrutura o Conselho de Chefes de Estado e de Governo, Conselho de Ministros de Relações Exteriores e um Conselho de Delegados. Mais recentemente, formou-se o Conselho de Defesa Sul-Americano.14

Dois aspectos são relevantes na Unasul. Primeiramente, seguindo uma tendência já existente na CASA, a Unasul se propõe a ser uma estrutura capaz de articular e integrar os diferentes blocos econômicos e países existentes na América do Sul. O Mercosul, a CAN, o Chile, a Guiana e o Suriname, viriam a formar uma área de livre comércio sul-americana. Outro elemento importante é que, a despeito dos objetivos ambiciosos do bloco, este deve ter uma característica flexível, respeitando as diferentes dinâmicas existentes nos países. Dentre os objetivos específicos, destaca-se a busca do fim das assimetrias, apontando a necessidade de uma integração mais igualitária, com integração industrial e produtiva. As decisões são consensuais.

Sendo a Unasul a estrutura que busca, de forma geral, conectar o Mercosul e a CAN, formando a espinha dorsal da integração sul-americana, esta se apresenta enquanto elemento garantidor da interlocução entre as sub-regiões. Entretanto, seu caráter flexível e seu compromisso com as diferentes capacidades dos Estados membros levantam dúvidas acerca de sucesso futuro nesta função.

É importante compreender a existência da Unasul enquanto um esforço do governo brasileiro, no sentido de formar um espaço integrado e coordenado e com capacidade própria de inserção internacional. Não obstante seu projeto de potência, o governo brasileiro entende que este só será possível através da conformação de uma parceria estratégica com a Argentina, primeiramente, e com todo a América do Sul, por fim. A Unasul é então idealizada enquanto um "organismo mais amplo, para abarcar e agregar todas as nações da América do Sul que não participam plenamente do Mercosul"15.

Do ponto de vista brasileiro, o incentivo para se criar a Unasul vem justamente da dificuldade de se expandir o Mercosul, por conta de sua natureza até certo ponto rígida, e por conta da perspectiva de expansão da integração sul-americana para áreas não contempladas pelo Mercosul. Se a flexibilidade pode ser entendida enquanto um elemento que dificulta a formação de uma área de livre-comércio, por conta da falta de coerência interna entre os países, ela colabora para a coesão do continente em questões consensuais, como a expansão da infra-estrutura logística.

A Unasul tem sido um importante canal de coordenação política dos países sul-americanos nos temas regionais. Na crise institucional ocorrida na Bolívia, por exemplo, a Unasul foi categórica ao isolar os oposicionistas, e impedir o estabelecimento de uma Guerra Civil, e dar respaldo ao governo. Da mesma forma, se colocou prontamente contra o golpe de Estado ocorrido em Honduras, assim como foi um canal de diálogo entre os países da região e a Colômbia no caso da implantação das bases norte-americanas naquele país.

Apesar do caráter recente da Unasul, é importante compreendê-la sob três pontos de vista. Da perspectiva da integração regional, é o elemento articulador entre os diferentes pólos econômicos da região. Segundo a ótica da cooperação política regional, é um canal de diálogo, com o fim de negociar soluções para os impasses entre os Estados Membros. Por fim, do ponto de vista do relacionamento extra-regional, deve ser entendida enquanto um pólo econômico e político em desenvolvimento, capaz de se articular com os demais pólos em formação, num sistema internacional cada vez mais multilateralizado e regionalizado.

 

Do Mercosul à Unasul

Após estudo específico da evolução do Mercosul e da Unasul, este tópico tem o objetivo de responder primeiramente a seguinte questão: De que forma cada uma dessas instituições colabora para a integração regional? Salientamos que, de uma forma geral, a Unasul colabora para a expansão quantitativa da integração sul-americana e o Mercosul para uma expansão qualitativa. A Unasul, ao incentivar a formação de uma área de livre-comércio entre a Comunidade Andina e o Mercosul, intensifica o aspecto horizontal integrativo, juntando diferentes atores. A integração sul-americana assume, então, contornos regionais, superando a lógica sub-regional. Porém, a simples formação de uma área de livre-comércio ainda é uma proposta tímida diante dos benefícios da integração e dos desafios do mundo globalizado.

O Mercosul, por outro lado, é o instrumento capaz de dar profundidade e substância à integração regional, por meio dos esforços de integração econômica. É o elemento capaz de assegurar um grau mais elevado de interdependência regional, que preveniria sua dissolução por motivos momentâneos e passageiros. A perspectiva de consolidação de um mercado comum na América do Sul, que seria feita a partir do Mercosul, teria um efeito muito mais importante no sentido de gerar uma dependência mútua entre os países, do que uma simples área de livre comércio. Uma questão subsequente que se impõe é a seguinte: se o Mercosul desempenha um papel relevante para a integração, em termos de fomentar laços mais estreitos entre os países, qual o motivo da criação da Unasul?

A criação da Unasul diz respeito à necessidade de dar prosseguimento à integração regional, diante da paralisia momentânea do Mercosul. Além disso, por conta de seu caráter de menor institucionalização, é um caminho mais simples de implementar a cooperação regional em temas importantes que não o econômico/comercial, sem que seja necessário o longo período de negociação e adaptação econômica, como se daria no Mercosul. E, como já dito, é uma instituição que colabora para a aproximação entre a Comunidade Andina e o Mercosul, o que tem seu valor.

É importante apontar que, em parte, a paralisia do Mercosul se deve à crescente assimetria existente no bloco e que o viés liberal comercialista adotado acentua esta perspectiva. Entendemos que uma solução cabível para esta questão seria a retomada da perspectiva de coordenação econômica e industrial que existia nos diálogos iniciais para a formação do bloco. É importante apontar que o Mercosul sofre de um mal que já se apresentava no período da Alalc.

Naquele período, por conta da forte assimetria entre as grandes economias e as menores, formaram-se dois grupos distintos: os comercialistas e os desenvolvimentistas. Os comercialistas eram aqueles que buscavam no bloco apenas a expansão do mercado consumidor para suas empresas nacionais. Os desenvolvimentistas eram aqueles que buscavam no bloco um instrumento capaz de incentivar seu desenvolvimento.16 O período recente da integração regional também é marcado pelo avanço da assimetria, com o descolamento econômico do Brasil do restante da região. Mas uma mudança de pensamento por parte do governo brasileiro pode representar um importante incentivo para o aprofundamento da integração, e neste cenário o Mercosul assumiria nova importância.

Primeiramente, é importante entender o Mercosul e a Unasul enquanto projetos estratégicos formulados e incentivados pelo governo brasileiro. Apesar de serem projetos criados em períodos distintos, de uma forma geral, surgem como resposta à dinâmica internacional compreendida da seguinte forma: "o cenário internacional terá assim como atores principais em 2022 gigantescos blocos de países que exercerão uma força centrípeta sobre Estados menores e um grupo de grandes Estados".17 Deste modo:

"Cabe ao Brasil, diante desta tendência inexorável, em primeiro lugar, não se deixar incorporar a nenhum desses blocos de forma absoluta ou mesmo parcial, o que afetaria sua capacidade de executar políticas de desenvolvimento com base no fortalecimento do capital e da mão-de-obra nacional; em segundo lugar, prosseguir na árdua tarefa de construção de um bloco sul-americano, região em que há muito maior homogeneidade e muito menos ressentimentos do que em outras regiões do globo, tais como a Europa ou a Ásia, para participar de forma mais eficiente do jogo político internacional de formulação de regras e para organizar um mercado maior para sua economia e a de seus vizinhos".18

Se a Unasul é entendida pelo governo brasileiro enquanto um canal de articulação e de conformação de posições comuns entre os países da região, o Mercosul deve ser entendido enquanto um instrumento capaz de acentuar interdependência regional, através da distribuição de ganhos econômicos entre os demais países sul-americanos, o que permitiriam uma vinculação estrutural, e não apenas conjuntural, entre tais países e os interesses estratégicos brasileiros de integrar a região sob sua liderança e garantir uma inserção internacional mais eficiente num sistema internacionais cada vez mais regionalizado.

Para tanto, ao invés da conformação com a condição atual do Mercosul, enquanto um espaço paralisado por disputas econômicas entre o Brasil e entre os países com economias menos dinâmicas, deve-se reorganizar o Mercosul para que este seja o catalisador do desenvolvimento regional tendo como base o avanço recente da economia brasileira. Ao permitir uma distribuição simétrica dos benefícios econômicos da integração, potencializados por conta do crescimento brasileiro, o Mercosul assumirá nova relevância no quadro geral de integração regional.

Os agentes econômicos e políticos brasileiros devem abandonar a perspectiva de um Mercosul comercialista, que por conta do dinamismo da economia brasileira concentra os ganhos econômicos, e adotar a perspectiva de um Mercosul enquanto instrumento de desenvolvimento regional, tendo uma perspectiva maior de ingresso de produtos das economias pequenas e médias e maiores investimentos por parte do governo brasileiro.

Neste sentido, retomamos a questão. A Unasul substitui o Mercosul como estratégia de integração para seus membros na América do Sul? Nossa hipótese para isso é de que não substitui, uma vez em que são mecanismos complementares e, ao mesmo tempo, diferentes. Segundo este pensamento, o Mercosul, inclusive, não deixou de ter papel central no projeto integracionista sul-americano, sendo relevante para as políticas externas de seus membros, principalmente Brasil.

O Mercosul pretendeu ser um mercado comum. Entretanto a caminhada para a concretização deste objetivo tem sido lenta. Atualmente o Mercosul é considerado uma união aduaneira19 repleta de falhas, sobretudo no que tange sua tarifa externa comum. Há diversos contenciosos comerciais envolvendo seus membros, gerando mal-estares diplomáticos entre os mesmos. Após as crises econômicas do final da década de 1990 e início da de 2000, o entendimento ficou ainda mais difícil, o que gerou desconfiança. A instabilidade econômica interna dos países permitiu que essa situação se transformasse em algo constante. Neste sentido os países optaram por privilegiar suas necessidades imediatas internas do que o avanço da integração.

Com a entrada de novos governantes, a integração mercosulina ganhou novo impulso. Um novo contexto regional permitiu que o Mercosul se transformasse, garantindo o aprofundamento da integração de outros elementos que não o comercial. Nesse sentido, projetos políticos, culturais, sociais e de infraestrutura foram valorizados, de modo que o Mercosul não esteve em absoluta paralisia. Porém, problemas comerciais ainda existem, como a última situação entre Argentina e Brasil por conta da entrada de automóveis argentinos em mercado brasileiro, fruto, também, da retaliação à política de restrição de importações feita pelo país vizinho a diversos produtos brasileiros. O principal percalço do bloco ainda existia.

Apesar disto tudo, a questão que queremos apresentar aqui é que, para os países pertencentes ao Mercosul, principalmente Argentina e Brasil - que possuem maior voz política em cena internacional - o fim do Mercosul e sua completa substituição não seria vantajoso do ponto de vista do que o bloco conseguiu até hoje. Mais do que abertura de mercados intra-bloco, o Mercosul é instrumento de inserção internacional. É por meio dele que os países, principalmente Brasil, se lançam em organismos como a Organização Mundial do Comércio com uma posição coesa e capaz de ser forte para ser ouvida.

O "efeito Mercosul" frente a outros países e blocos deve ser valorizado. Neste sentido, as mudanças feitas dentro de seu escopo foram, a nosso ver, possibilidades de colocá-lo, novamente, no centro de cada estratégia nacional. De toda forma, não podemos negar que os próprios impasses dentro do Mercosul existem, como os problemas comerciais ou reclamações diplomáticas. Mas vemos que situações, como, por exemplo, a ameaça de serem fechados acordos de livre comércio entre os Estados Unidos e Paraguai e Uruguai, são estratégias de angariarem mais força e melhores condições em um bloco que ainda sofre com as assimetrias. Se o Mercosul não tivesse mais essa força estratégica que tem, determinados tipos de atritos não conseguiriam ser resolvidos, ou ao menos postos para conversação.

A Unasul, por já ter sido concebido para ser um ambiente de integração mais voltado para questões de política e infraestrutura - com pretensões econômicas flexíveis -, exerce um papel político mais intra-regional, com menos atritos entre seus membros, e sem muitos efeitos de discurso no espaço externo. Por ser um mecanismo ainda recente, pode ser que a Unasul ainda não tenha angariado o peso do Mercosul. Mas acreditamos que o "efeito Unasul" em aspectos políticos seja mais palpável e real. Já o peso político do Mercosul recai sobre o discurso.

Por fim, devemos ressaltar mais uma vez que esta perspectiva de médio e longo prazo em que se insere o Mercosul não aponta para uma falta de função da Unasul. Esta cumpre o importante objetivo de articular a cooperação política regional no sentido de se apresentar enquanto um canal de diálogo e de solução de conflitos. Podemos destacar as importantes contribuições desta instituição na crise interna equatoriana, no segundo semestre de 2010, e na crise política Equador e Colômbia. Neste sentido, visto a crescente instabilidade política de parcela importante de países da região, a Unasul assume importância ainda maior na função de estabilização. Um importante elemento neste sentido foi a recente criação da Cláusula Democrática da Unasul20, que prevê sanções para países cujo governos forem constituidos por meio de golpe de Estado. Neste sentido, acreditamos na convivência entre ambas as instituições, pelo menos num período de médio prazo.

A percepção dos governos sul-americanos também parece caminhar neste sentido. Como afirma Dilma Rousseff, em seu discurso de posse no Congresso em 1º de janeiro de 201121:

"Podemos transformar nossa região em componente essencial do mundo multipolar que se anuncia, dando consistência cada vez maior ao Mercosul e à Unasul.".

No mesmo sentido, o ministro das relações exteriores argentino, Héctor Timerman, em discurso em fevereiro de 2011 de boas-vindas aos novos diplomatas pelo Instituto del Servicio Exterior de la Nación (ISEN)22, enquanto fala da representatividade do país no exterior e da atuação dos jovens diplomatas, afirma:

"En todos estos lugares tendrán la oportunidad de desarrollarse en los múltiples ámbitos en los que, hoy en día, Argentina participa activamente a nivel mundial: Mercosur, UNASUR, Naciones Unidas, en temas tales como medio ambiente, seguridad, promoción cultural, asistencia a argentinos, entre muchos otros."

O presidente paraguaio, Fernando Lugo, também coloca em seu discurso a importância de ambos os blocos, sem esquecer o peso do Mercosul. Em um discurso realizado na Alemanha em maio de 201123, Lugo diz que

"El MERCOSUR y la UNASUR, constituyen la apuesta decisiva hacia una integración regional con rostro humano, construcciones que se desarrollan en un marco de pluralismo, de respeto de la soberanía y de la autodeterminación. Es este proceso de integración el que nos garantiza la estabilidad política en la región y en cada país."

Estes exemplos mostram que a importância construída do Mercosul ainda se mantém, ainda que neste momento inicial divida espaço com a Unasul. Demonstramos com isso que, ao contrário do que alguns afirmam, o Mercosul continua com seu papel, com certos progressos em determinadas áreas; e ainda mantém o caráter de disposição de cada país membro em negociar. Atualmente possui um mecanismo diferenciado, voltado mais para o seu peso estratégico. E cada membro, assim como cada ator externo, tem consciência do espaço que o bloco já alcançou.

Países como Brasil e Argentina, portanto, utilizam o Mercosul como eixo central de suas políticas externas. Esse eixo se expande - o chamado spillover - para áreas maiores, abarcando, portanto, a Unasul e instrumentos mais amplos. Por isso o Mercosul não pode ser esquecido, muito menos substituído.

 

Conclusão

Concluímos desta forma que tanto a Unasul quanto o Mercosul tem funções específicas no processo de integração sul-americano. A Unasul colabora para o processo de integração sul-americano ao incentivar a criação de uma área de livre-comércio na América do Sul, através da aproximação entre Mercosul e Comunidade Andina. Além deste aspecto comercial, pelo fato de ser um instrumento de diálogo e cooperação política, colabora para a construção de entendimentos entre os países e para a formação de uma identidade política sul-americana.

O Mercosul, por sua vez, apesar de seu estado de estagnação, continua sendo um instrumento importante de intensificação das interdependências econômicas na região. Além disso, por conta de suas novas atribuições políticas e culturais, se tornou mais amplo. Esta amplitude também colabora para o avanço dos temas de integração regional, principalmente os temas não econômicos.

Por fim, ressalta-se que a Unasul não se apresenta enquanto instituição que concorre com o Mercosul. São instituições complementares, que visam colaborar para a superação dos inúmeros entraves que ainda freiam o êxito da integração sul-americana. Neste sentido, o destino do Mercosul será ditado pela capacidade de seus países membros de reinventarem o bloco, atendendo à evolução das relações internacionais e às mudanças internas nos países.

 

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CARVALHO, Adilson Santana. A Evolução da Política Brasileira de Integração Regional: do Mercosul à Unasul. Orientador: prof. Dr. Antônio Carlos Lessa. Brasília: UNB, 2009, 75 p. Monografia (graduação em Relações Internacionais)

DANTAS, Aléxis Toríbio. "Impactos da ALCA nas relações do Brasil com o Mercosul". In: BERNECKE, Diester; FENDT, Roberto; NASCIMENTO, Renata (org). Brasil na arquitetura comercial global. Rio de Janeiro: Fund. Konrad Adenauer, 2003, p. 135-156.

DELL, Sidney S. Os Primeiros Anos de Experiência da ALALC. In: Wionczek, Miguel S. (org). A integração econômica da América Latina. Edições O Cruzeiro. Rio de Janeiro. 1966

OLIVEIRA, Ana Carolina Vieira de. Estratégias Regionais: O Mercosul na política externa brasileira de 2003 a 2006. Observador On-line. 2010. vol. 5, n. 11. p. 1-33.

PRAZERES, Tatiana Lacerda; DINIZ, Ângela Maria Carrato; ROCHA, Maurício Santoro. O Brasil e a América do Sul: Desafios no Século XXI. Funag. Ipri. Brasília. 2006.

 

 

1. Ver Anderson (1994, p.8) apud Briceño-Ruiz (2006, p.111).
2. Ver Bernal-Meza (2005).
3. As exportações intra-regionais saíram da casa dos 690 milhões para cerca de 980 milhões. Ver Dell (1966, p.126).
4. Ver Prazeres (2006).
5. Op Cit, p.45.
6. Ver Bernal-Meza (2008, p. 156).
7. Expressão cunhada por John Williamson, em 1989. Para mais detalhes, ver Russel, Arnson e Fernández de Castro (2008, p. 11).
8. Ver Oliveira (2010, p. 05).
9. Ver Carvalho (2009. p. 16).
10. Ver Dantas (2003, p. 138).
11. A "Brasil-dependência"se caracteriza por constantes superávits argentinos para com o Brasil, causados, sobretudo, pelo lançamento do Plano Real. Tal superávit equilibrava os déficits argentinos com o resto do mundo. A "Brasil-dependência" foi importante para o Brasil, uma vez em que a Área de Livre Comércio das Américas estava sendo discutida, e a Argentina era aliada política dos EUA.
12. Ibid, p. 141.
13. Ver Almeida (2008, p. 79).
14. Ver Bandeira (2009).
15. Ibid, p.100.
16. Ver Barbosa (1996).
17. Ver Documento Brasil 2022, p.27.
18. Ibid.
19. A União Aduaneira se caracteriza pela abertura de mercados e adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC). Já o Mercado Comum é especificado por todas as características de uma União Aduaneira, com o acréscimo da livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Para mais detalhes, ver http://www.camara.gov.br/mercosul/blocos/introd.htm
20. A Cláusula Democrática, configurada na Declaração de Buenos Aires, se tornou protocolo adicional ao Tratado Constitutivo da Unasul. Para detalhes, ver http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-regional/unasul/protocolo-adicional-ao-tratado-constitutivo-da-unasul-sobre-compromisso-com-a-democracia
21. Para mais detalhes, ver em http://www.camara.gov.br/internet/jornalcamara/default.asp?selecao=materia&codJor=1843&codEdi=2
22. Para discurso na íntegra, ver http://www.cancilleria.gov.ar/portal/prensa/rssfeed.php?id=5014
23. Para mais detalhes ver http://www.presidencia.gov.py/v1/?p=67868