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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Emergindo de onde e para onde? Países "emergentes" e a possibilidade de configuração de uma nova ordem mundial*

 

 

Ana S. Garcia

Doutoranda em Relações Internacionais, PUC-Rio. Contato: anasaggioro@gmail.com

 

 


RESUMO

Questionamentos sobre a perda de poder dos EUA, e a ascensão de países com economias chamadas "emergentes", em especial a China, como possíveis novos pólos de poder, e assim desafiadores da posição dominante dos EUA e Europa, se tornaram senso comum dos debates políticos e meios de comunicação no final da primeira década do século XXI. Porém, em que medida a atual ascensão de países chamados "emergentes" configurariam uma perspectiva de ordem não-hegemônica (ou mesmo contra-hegemônica)? Ou, ao contrário, em que medida estes países, e as diferentes das forças sociais, reproduzem a lógica de acumulação capitalista, levando assim a um novo ciclo de expansão do capital global? Este breve ensaio visa problematizar a noção de mudança na ordem mundial a partir de diferentes abordagens e perspectivas político-teóricas. Buscaremos contribuir ao refinamento dos instrumentos de reflexão e análise para que possamos ir além do senso comum, na tentativa de desconstrução de consensos. Esses apresentam supostas "necessidades" sobre crescimento econômico e caminhos para o "desenvolvimento" que ofuscam indagações sobre para quê e para quem crescer e se desenvolver. Afinal, de onde e para onde estamos "emergindo"? Após uma breve apresentação sobre quem são os chamados "emergentes", este ensaio discorre sobre diferentes perspectivas: aquelas que contemplam ajustes e acomodações para manutenção da ordem, aquelas que vêem mudanças e descolamentos do centro de acumulação, podendo significar uma transição do próprio capitalismo e, por fim, aquelas que analisam mudanças e configurações históricas que desembocam no aprofundamento das relações sociais (e entre Estados) capitalistas. Argumentaremos que é necessário atentar para o papel das forças sociais na construção de uma possível contra-hegemonia.

Palavras-chave: hegemonia - imperialismo - BRICS - teoria crítica


 

 

1) Introdução

Em que medida os EUA estão perdendo poder e posição na ordem mundial? Em que medida a China, juntamente com outros países com economias chamadas "emergentes" estão desafiando a posição dominante dos EUA e Europa, e indicam um novo pólo de poder no futuro? Estes questionamentos se tornaram senso comum dos debates políticos e meios de comunicação no final da primeira década do século XXI. A década é encerrada com uma profunda crise da economia capitalista, gerada pela sobre-acumulação financeira e falta de demanda efetiva nos países centrais. Ela reflete também uma crise ambiental e climática, uma crise social e de acirramento das desigualdades, de paradigmas de vida, e da "guerra sem fim" (Wood 2003), com objetivos inalcançáveis e contra inimigos difusos, criados pela própria civilização ocidental contra um "Oriente" sobre o qual ela constrói sua "superioridade". Crises indicam também certo esgotamento de ciclos e modelos de acumulação, e com isso oportunidades de mudança. Mas o que entendemos por mudança na ordem mundial? Quais são as ferramentas que podem nos ajudar na reflexão mais profunda sobre mudanças, possibilitando romper com certos consensos construídos, e compreender diferentes formas, espaços, tempos e agentes de transformação?

Em 1981, Robert Cox fez uma das mais importantes críticas ao paradigma dominante das teorias de Relações Internacionais durante a guerra fria, o neo-realismo. Ele introduziu a diferenciação entre a "teoria de solução de problemas", que estaria preocupada no melhor funcionamento, com a finalidade manutenção de dada estrutura e ordem mundial, de um lado, e a teoria crítica, que se preocuparia com a contextualização histórica e com as possibilidades de mudança em dada ordem, de outro. Estas teorias seriam perspectivas que informam certa visão de mundo. O método materialista histórico poderia superar uma abordagem estruturalista abstrata, introduzindo a reflexão histórica numa visão dialética, que identifica nos conflitos a fonte de transformação. Dois elementos essenciais para a desconstrução da visão de mundo neo-realista foram a introdução do complexo "Estado-sociedade" como unidade de análise, e o papel das forças sociais, que derivam das relações sociais de produção, e interagem no Estado e para além dele (Cox 1981/2000: 1540-46).

A interação e encaixe entre idéias, capacidades materiais e instituições constituem estruturas em determinados períodos históricos. Estas estruturas históricas irão compor formas específicas de Estados, forças sociais e determinadas ordens mundiais. Estes três elementos estão em interação e influenciam um ao outro de forma dinâmica (ibid.: 1548-51). Com isso, as relações inter-nacionais não podem ser vistas a partir do Estado como ator unitário, conciso, cujo poder reflete suas capacidade materiais e bélicas, que é constrangido pelo sistema de forma mecânica, conforme concebem os neo-realistas. Estados são entendidos por Cox de forma ampliada e dinâmica (sociedade política e civil). A ordem mundial pode se transformar na interação entre diferentes formas de Estado e forças sociais. Uma ordem hegemônica deve ser, portanto, contextualizada historicamente. Para tanto, é necessário buscar explicações no âmbito das forças sociais moldadas pelas relações sociais de produção1. O mundo pode ser representado como um padrão de interação de forças sociais, no qual os Estados jogam um papel intermediário, mas autônomo, entre estrutura global das forças sociais e configurações locais e nacionais (ibid.: 1554).

Em termos gramscianos, a hegemonia é constituída pelas classes dominantes, que lideram na sociedade civil e, ao chegaram ao poder do Estado, são capazes de representar seus interesses particulares em termos universais. O projeto hegemônico é assim percebido como algo que abarca os interesses de grupos subordinados. Ao falarmos de hegemonia no nível mundial, devemos compreender a forma como as classes dominantes transnacionais chegam a um consenso hegemônico entre os principais países e são capazes de implementar seu projeto em outros países através da atuação de instituições internacionais (e nacionais). Com isso, uma hegemonia mundial é um projeto da classe dominante num determinado Estado dominante, mas vai além dele, sendo capaz de construir globalmente um consenso em torno do seu projeto hegemônico e implementá-lo em outros países do sistema. Desta forma, é necessário pensar o papel das classes e forças sociais na construção da hegemonia mundial e da contra-hegemonia. Em que medida a hegemonia pode ser desafiada por países nos quais as classes dominantes estão comprometidas com o próprio projeto hegemônico?

Para Cox, forças sociais geradas pelas mudanças no processo de produção são o ponto de partida para pensar sobre possíveis futuros, podendo combinar diferentes configurações. A primeira perspectiva seria uma nova hegemonia baseada na estrutura global de poder gerada pela internacionalização da produção, com a tendência contínua de dominação do capital internacional e a internacionalização do Estado. A segunda seria uma estrutura não hegemônica de centros de poder em conflito, com ascendência de coligações neo-mercantilistas ligadas a capitais nacionais e trabalhadores estabelecidos, com formas de Estados corporativismos industriais nacionais. A terceira e remota possibilidade seria o desenvolvimento de uma contra-hegemonia baseada no "terceiro mundo", contra a dominação dos países centrais, e objetivando desenvolvimento autônomo (ibid.: 1562-4).

Podemos observar aqui um diálogo implícito com Wallerstein (1974) para quem a semi-periferia buscava mudar seu papel econômico, em diferentes estágios históricos, através de estratégias mercantilistas, buscando industrializar-se e tornar-se centro2. Em que medida a atual ascensão de países chamados "emergentes", não-ocidentais, "semi-periféricos", configurariam uma perspectiva de ordem não-hegemônica (ou mesmo contra-hegemônica)? Ou em que medida estes países, e as diferentes das forças sociais, reproduzem a lógica de acumulação capitalista, levando assim a um novo ciclo de expansão do capital global? Ao longo deste breve ensaio apresentaremos diferentes abordagens e perspectivas político-teóricas, a fim de contribuir ao refinamento dos instrumentos de reflexão e análise sobre mudanças na ordem mundial. Buscamos assim instrumentos que permitam refletir sobre certos consensos, para que possamos desconstruí-los, descortinando conflitos, lutas e contradições, abrindo o imaginário para possíveis novas realidades. Iniciaremos com uma breve apresentação sobre quem são os chamados "emergentes", para logo discorrermos sobre diferentes perspectivas: aquelas que contemplam ajustes e acomodações para manutenção da ordem, aquelas que vêem mudanças e descolamentos do centro de acumulação, podendo significar uma transição do próprio capitalismo e, por fim, aquelas que analisam mudanças e configurações históricas que desembocam no aprofundamento das relações sociais e entre Estados no capitalismo atual. Argumentaremos que é necessário atentar para o papel das forças sociais na construção de uma possível contra-hegemonia. Cox e Poulantzas, ambos baseados em Gramsci, nos alertam para a complexidade de construções sociais como os Estados. Para compreendermos processos como hegemonia e contra-hegemonia em sua totalidade, temos que enxergar não somente Estados na sua forma simples, mas reconhecer o papel das forças sociais dominantes, dominadas, e das lutas sociais que se dão nas diversas esferas sociais, locais, nacionais e transnacionais.

 

2) Os chamados países emergentes

Brasil, Índia, China, Rússia, entre outros, se inserem no grupo dos chamados "países emergentes", cujo crescente protagonismo na política e na economia mundial tem gerado análises que apontam para uma transformação da ordem global. Os chamados "BRICs" têm sido utilizados no discurso político para qualificar algumas das principais forças políticas dessa nova ordem. O termo surgiu em 2001 a partir do relatório do banco de investimentos estadunidense Goldman Sachs. O criador do conceito prevê que os "tijolos" da economia mundial Brasil, Rússia, Índia e China terão uma economia superior a dos países do G6 em 2050. Dados e simulações reforçariam o potencial de seus mercados, a complementaridade econômica, o protagonismo político dos países do bloco e possivelmente, uma aliança entre eles3.

Para além da necessidade de questionarmos o status de Rússia e China como "futuras" potências dessa ordem, uma vez que estas configuraram as principais potências do bloco socialista durante a guerra fria4, existem muitos debates, que não caberiam no escopo deste trabalho, sobre a pertinência de agrupar países tão distintos em um mesmo bloco. A abstração e construção discursiva dos BRICs, na formulação do banco, tem o sentido de identificar novos espaços e oportunidades de mercado para a reprodução do capital, parecendo estar, deste modo, aquém de indicar transformações concretas nas estruturas de poder. A tentativa de agentes econômicos globais de buscarem, na inserção de países antes denominados "semi-periféricos", estratégias privadas de mercado não confere uma novidade e acompanha o processo de transnacionalização econômica destes países, que se acelerou na década de 1990.

Da mesma forma que a introdução do neoliberalismo tomou um formato de "receituário", conhecido como "Consenso de Washington", e foi imposto como condição de empréstimo e renegociação de dívidas em programas de ajuste estrutural das instituições financeiras multilaterais, os chamados "working papers" do banco Goldman Sachs também expõem determinados caminhos a serem seguidos pelos países, para que continuem crescendo e, assim, tornem-se economicamente mais fortes que o G6 nas próximas décadas. Estas medidas se referem ao ritmo de crescimento econômico, políticas de estabilização fiscal e macro econômica, eficiência das instituições domésticas, manutenção de um mercado aberto para comércio e "amigável" a investidores externos, e capacitação da mão de obra, qualificando trabalhadores para este crescimento (Wilson/Purushothaman 2003). Segundo os membros do banco, estas medidas são necessárias para que suas previsões se realizem, e os BRICs alcancem ("catch up") os países desenvolvidos. Podemos observar a formulação, uma vez mais, de "receitas" homogeneizantes, expostas como "necessidades" para alcançar a "modernização", que têm efeito disciplinador sobre as políticas públicas.  Não são consideradas especificidades, condições sociais das populações, setores específicos, diferenças históricas, geográficas, culturais etc. Busca-se repetitivamente a produção de um consenso sobre o crescimento econômico como um "bem em si mesmo". Este crescimento vincula-se a modelos de desenvolvimento, que nesses países muitas vezes estão baseados na expropriação e exploração de trabalhadores/as e do meio-ambiente de forma flagrante.

A crise econômica mundial iniciada nos EUA em 2008 foi, para muitos, um evento que gerou impulso e aceleração do protagonismo desses países emergentes, que, por sua vez, levou a diferentes reações. Para aqueles que falam do centro hegemônico, e buscam "aflitamente" manter sua posição de poder, os EUA devem buscar meios de integrar esses países nas instâncias internacionais, de modo a dividir o peso e a responsabilidade de saídas da crise, mas de forma cuidadosa, sem alterar as regras, normas e valores existentes. Não deve haver "ilusões" quanto às intenções destes países, que, com freqüência, se opõem aos valores estadunidenses. Seriam potenciais rivais e devem ser contidos nas suas aspirações crescentes por mais poder e participação (Patrick 2010). Em outras palavras, se estes países não assumirem responsabilidade "dentro da ordem", não será possível reformar as estruturas de governança global mantendo a ordem liberal ocidental que os EUA criaram e defenderam (ibid.: 44)5. Do lado oposto, vozes mais otimistas percebem a crise como "catálise" de mudanças das relações hierárquicas de poder e possibilidade de reforma das instituições internacionais. O G20 teria se tornado o fórum central de coordenação entre os principais países (e não mais o G8), no qual os "emergentes" e "intermediários" buscam acertar uma estratégia de mudança "from within". Enquanto que, antes da crise, os países emergentes buscavam criar fóruns e articulações entre si, alternativos aos dos países centrais, após a crise, sua estratégia teria mudado para uma ação diplomática mais direta, advogando por reformas na arquitetura global. O resultado esperado dessa nova estratégia seria uma difusão do poder e da influência internacional, que pode levar a uma ordem mais diversificada, e uma estrutura de governança descentralizada, com múltiplos centros e níveis. Isto já estaria sendo alcançado com a reforma do Fundo Monetário Internacional (Chin 2010)6.

 

3) Uma nova ordem mundial?

Expusemos acima análises conjuntais sobre a atuação dos emergentes e possibilidades ou não de se contrapor aos EUA. Buscaremos agora expor diferentes visões sobre mudança ou formas de manutenção na ordem mundial existente. Iniciaremos com a perspectiva de autores que vislumbram ajustes e acomodações na ordem, de modo a preservar o poder e a liderança dos EUA. Logo, discorreremos sobre aquelas que buscam movimentos históricos que possam indicar, para alguns, o declínio do poder dos EUA ou, para outros, uma transformação que acaba por aprofundar este mesmo poder. Dentro da Economia Política Internacional, os autores/as selecionados/as se aproximam de correntes de pensamento da teoria crítica e marxista, realista e institucionalista das Relações Internacionais.

Ajustes e acomodações dentro da ordem

Conforme observamos na introdução, as principais correntes teóricas das Relações Internacionais, o realismo e o institucionalismo, preocuparam-se em explicar a estabilidade e manutenção da ordem e não a mudança. Elas têm um viés conservador no sentido do que Cox chamou de "solução de problemas". Seu objetivo é a elaboração de mecanismos e princípios para o melhor funcionamento das relações em uma estrutura previamente dada, não contemplando, portanto, uma transformação radical. Nesse sentido, elas buscam explicar ajustes e acomodações dentro da própria ordem. Enquanto realistas tinham no mecanismo da balança de poder a principal fonte de ajustes mútuos na competição por poder no sistema, os institucionalistas se centraram na capacidade das instituições que gerar cooperação entre Estados para maximizar seus interesses, influenciando também o comportamento destes.

Gilpin introduziu certa noção de mudança na teoria "estática" do realismo com sua teoria da guerra hegemônica, porém essa noção nos parece limitada7. Ele aponta, na verdade, para a necessidade de um hegemon para manter a estabilidade do sistema. Da mesma forma, na economia é necessário uma liderança forte e estabelecida que possa promover a cooperação e impor regras que sustentem o sistema capitalista de forma "justa"8. Ele aponta para o relativo declínio econômico dos EUA e, com isso, de sua liderança. A década de 90 intensificou as relações de interdependência com a crescente integração de mercados financeiros e de processos industriais através da globalização. Esta "revolução financeira" vem aumentando o capital disponível e acelerando o desenvolvimento econômico do Leste Asiático, ao mesmo tempo em que deixa a economia global mais vulnerável, tendo gerado diversas crises ao longo dos anos 90. Os investimentos diretos estrangeiros tornaram as empresas multinacionais importantes vetores de fluxo de capital, comércio e a localização das indústrias, determinando o grau de bem-estar econômico dos países (Gilpin 2004: 41). As empresas multinacionais acabam sendo atores centrais não somente na economia, mas sua atuação têm também efeito político, o que já tinha sido apontado por Gilpin décadas atrás. Para ele, os pilares da hegemonia dos EUA são a posição do dólar como moeda de troca internacional, a supremacia militar e nuclear, e a atuação das corporações internacionais e os investimentos diretos em todo o mundo (Gilpin 1975). Os três elementos se complementam mutuamente, mas o autor enfatiza o papel das empresas multinacionais, que se tornam o principal instrumento da hegemonia global americana, uma vez que os interesses das corporações e o interesse nacional dos EUA se sobrepõem e complementam (Gilpin 1975: 146-7). No entanto, Gilpin afirma que a construção de hegemonia através de alianças (em especial com Europa e Japão no pó-guerra) demandou concessões9, gerando um desequilíbrio potencial entre os compromissos políticos globais assumidos e os recursos econômicos necessários para sustentá-los.

Hoje, o autor vê uma transformação do sistema econômico e político mundial com a globalização econômica, a revolução tecnológicas, questões demográficas, e a redistribuição de poder econômico do Ocidente industrializado para as economias de rápida industrialização na Ásia. Para ele, há um declínio relativo de poder econômico dos EUA para a China (Gilpin 2004: 54), em especial como efeito da transferência da produção. A migração de indústrias tradicionais assim como de tecnologia avançada para a China e Leste Asiático aconteceu com extrema rapidez para padrões históricos, intensificando a concorrência e acelerando a difusão de tecnologias sofisticadas através das empresas. Estas buscam aumentar a competitividade global combinando mão-de-obra barata na Ásia e no Sul com técnicas de manufatura avançadas do Norte. Com isso, agrava-se o desafio dos EUA e das outras economias industrializadas frente ao enorme número de trabalhadores de baixos salários, que entram em concorrência com outros numa "rede mundial de trabalho". A rápida industrialização da Ásia e Pacifico, e o repentino surgimento de muitos países como exportadores de peso, teria levado a uma redistribuição na balança internacional de poder e competitividade econômica (ibid.: 58-9). Segundo Gilpin, embora a ordem econômica internacional do pós-guerra esteja se diluindo, ainda não há acordo sobre regras e princípios básicos para uma nova ordem econômica mundial. Ainda não seria possível falar a ascensão de um novo hegemon. Ele enfatiza a primazia de fatores políticos sobre os econômicos: seria necessária a constituição das bases políticas para uma economia mundial estável (ibid.: 459). Estas bases são, para Gilpin, a possível retomada da capacidade e disposição de liderança dos EUA como "hegemon benevolente" para manter estabilidade e paz. Seria necessário preservar, para isso, sua presença militar na Europa e na Ásia, e evitar o protecionismo comercial e a regionalização de acordos que excluíssem os EUA, coordenando uma estratégia política com as demais economias (ibid.: 460-5).

Ikenberry (2001) busca explicar a acomodações na ordem a partir das instituições. Para ele, historicamente "após a vitória" de uma guerra hegemônica, os Estados optaram por transformar seu poder abundante em uma ordem que assegurasse ser durável. Essa depende da capacidade do hegemon de construir instituições e mecanismos que "aprisionem" (lock in) determinadas regras, normas, princípios e possibilidades de ação, condicionando assim escolhas futuras. Além disso, depende da habilidade em auto-restringir de forma estratégica seu poder dentro dessas instituições, de modo que Estados menores ou mais fracos legitimem a ordem (Ikenberry 2001: 37-41). Desta forma, o hegemon economiza custos de uso da força e de convencimento, uma vez que sua habilidade de restringir seu poder a partir de mecanismos institucionais faz com que os outros Estados tenham limitadas possibilidades de contestar a própria ordem hegemônica. Combinada auto-restrição com mecanismos institucionais de "lock in", o autor sustenta que hegemons com caráter democrático foram capazes de construir ordens institucionais duráveis com um viés constitucional. O autor se baseia em especial na construção da hegemonia estadunidense pós segunda Guerra Mundial, cujas bases seriam a própria democracia liberal americana. Princípios multilaterais, espaços para barganha e institucionalização de regras e normas com participação e consentimento dos demais países - tudo isso teria conferido à ordem estadunidense características de uma "hegemonia de acionistas" (Ikenberry 2001b), refletindo também características de suas instituições domésticas10.

Ikenberry se aproxima de Keohane (1993), quem buscou explicar porque os regimes permanecem mesmo após declínio da hegemonia. Os regimes fortes construídos numa ordem hegemônica com viés constitucional tendem a durar, porque os outros Estados vêem mais vantagens em permanecer no regime do que fora dele11. Ao contrário do que sustentam marxistas e realistas - os regimes e instituições refletem o poder do mais forte no sistema - para estes institucionalistas, os regimes limitariam o excesso de poder.

A ascensão econômica de países não ocidentais tem levado a uma relativa contestação da ordem e uma rivalidade com os EUA e Europa. Se historicamente desafios a potências hegemônicas podem levar a transformações e guerras, hoje existiriam, segundo Ikenberry/Wright (2008), canais e mecanismos de integração e incorporação de Estados emergentes em arranjos de governança da ordem anterior. A institucionalização impulsionada pelos EUA é mais difícil de ser derrubada, precisamente porque é mais acessível. Para os autores, a ordem institucional dá aos emergentes certa proteção, pois elas teriam estruturas flexíveis, sendo relativamente simples crescer nas suas hierarquias. Suas características, constrangimentos e incentivos apontariam para a acomodação e não transformação da ordem. Os emergentes teriam interesse em manter uma ordem estável e aberta, tendo incentivos de apoiar regras em favor desta estabilidade e abertura (Ikenberry/Wright 2008: 5-6).

Os autores vêem, portanto, que as formas possíveis de transição na ordem atual são diferentes do passado, em especial a recorrência histórica de guerras hegemônicas12. O desenvolvimento de armas nucleares teria tornado difícil a chance de uma guerra hegemônica nos dias atuais. Eles afirmam que confrontar os EUA significaria confrontar todo um bloco aliado. Segundo Ikenberry/Wright, quanto mais a ordem hegemônica for baseada em instituições e regras, for aberta e consensual, quanto mais forem distribuídos os benefícios materiais da ordem, é mais provável que Estados emergentes asseguram seus interesses integrando-se à ordem, e não a desafiando (ibid.: 9). Além disso, os autores buscam demonstrar que os países emergentes não agem em bloco, senão que têm preferências e estratégias diferenciadas de acordo com as instituições e regimes nos quais atuam. Eles consideram que as instituições e regimes, por terem regras universais, possibilitam a proteção dos emergentes contra ações discriminatórias dos EUA, servindo assim para a restrição de poder do hegemon. Ao buscarem correr a via institucional e implementar políticas e ações unilaterais, os neoconservadores na administração da política externa americana estariam corroendo a própria forma de manutenção da hegemonia estadunidense (ibid.: 28)13.

Tendências a mudanças na ordem mundial e deslocamento do centro de acumulação

Wallerstein se destaca dentre aqueles que desde a década de 1970 vislumbrava um declínio da hegemonia estadunidense. O período hegemônico se revela para o autor como um breve intervalo de tempo, no qual a potência tem simultaneamente vantagens financeiras, agro-industriais e de comércio acima dos demais países. Este intervalo se encontra numa linha histórica fluida de rivalidades entre potências (Wallerstein 1991). Com isso, ele afirma que, de 1945 a 70, a hegemonia dos EUA foi inquestionável, mas a partir do anos 70 ela começa a declinar. No início do século XXI, Wallerstein afirma que os EUA, com as políticas unilaterais do governo Bush, buscaram recuperar sua posição, mas estas políticas surtiram o efeito oposto, acelerando e aprofundando o declínio. Diversos eventos seriam sinal claro do colapso do poder americano, e o mundo teria adentrado uma divisão geopolítica de poder multilateral, com diferentes centros de poder, destacando-se a união da Ásia Oriental (Wallerstein 2009).

Cox (2009) também aponta para a ascensão de uma ordem mundial plural. A crise econômica atual teria gerado um bloqueio no sistema, levando a que os Estados buscassem uma auto-organização. Esta auto-organização advém do fato de não haver um poder dominante que possa impor sobre outros uma forma determinada de saída da crise e reorganização do sistema. Assim como "neurônios no cérebro" que se auto-organizam para superar um bloqueio, o sistema de Estados atual busca formas coletivas de regulação da economia global, uma vez que os EUA já não podem impor de forma efetiva sua força. Nesse sentido, o problema se torna o de possíveis graus de  auto-organização e a mudança para um grupo maior de países como o G20 demonstra a necessidade de coordenação para a saída da crise econômica (Cox 2009). Dessa forma, a perda de poder dos EUA estaria demonstrada, mas não haveria ascensão de um novo poder hegemônico, mas sim uma ordem plural.

Dentro dessa ordem plural ou não hegemônica, a ousada tese de Arrighi (2008) aponta para uma releitura de Adam Smith para vislumbrar a possibilidade de surgimento de uma sociedade de mercado mundial, regulada pelos Estados. Para esse, o comércio mundial, mesmo que baseado numa divisão desigual do trabalho que conduzia a uma especialização com base na exploração dos povos e seus recursos, levaria ao maior intercâmbio que complementasse as necessidades, beneficiando assim todas civilizações. A "riqueza das nações" seria fruto do livre comércio mundial, mesmo que a "superioridade de força" dos Europeus permitisse que injustiças cometidas em terras distantes ficassem impunes. Segundo ele, ao longo do tempo, o comércio permitiria que outros povos se tornassem fortes e a Europa enfraquecesse, levando à igualdade de forças entre as diversas partes do mundo, tendendo assim a um maior respeito entre todos (Smith apud Arrighi 2008: 19). Smith falava a partir do império britânico, e sua teoria sustentava ideologicamente a política de livre comércio inglês, cujo nível de produção era mais alto que seus "parceiros" comerciais. Com base na idéia inicial de Smith, Arrighi sustenta que "o fracasso do Projeto para o Novo Século Norte-Americano e o sucesso do desenvolvimento econômico chinês, tomados juntos, tornaram mais provável do que nunca (...) a concretização da idéia de Smith de uma sociedade mundial de mercado baseada em uma maior igualdade entre civilizações" (ibid.: 24).

Arrighi afirma que a "mão invisível" referida por Smith é o Estado, que deveria dominar de forma descentralizada com mínima interferência burocrática (Arrighi 2009). Numa sociedade mundial de mercado, os países estariam em relação uns com os outros através de mecanismos de regulação estatal, portanto não auto-regulado. O mercado seria assim um "instrumento dos governos" para seu desenvolvimento (Arrighi 2008: 57). Com essa leitura de Smith, Arrighi interpreta que o Estado chinês utiliza os mecanismos de mercado em prol do seu "interesse nacional", inversamente de Estados capitalistas, nos quais o interesse do capital domina o interesse nacional. A China teria implantado reformas de maneira gradual, e teria seguido os conselhos do Banco Mundial em termos e condições que serviam ao seu interesse nacional, e não os interesses do capital ocidental. O governo chinês garante a concorrência entre capitais estrangeiros e nacionais, mas não colocando trabalhadores para competir por salários. O desenvolvimento agrícola e a prioridade à formação do mercado interno pavimentaram o caminho para posterior  industrialização e incrementação do comércio exterior, o que corresponderia ao que Adam Smith chamou de "caminho natural" do desenvolvimento (ibid.: 361-4).

Assim como para Wallerstein, Arrighi sustenta que o Projeto do Novo Século Norte-Americano do governo Bush após 2001 foi uma recusa em aceitar o declínio de seu poder e a tentativa de retomar um projeto de império global. Enquanto que a crise econômica da década de 70 e a derrota dos EUA no Vietnam foram um sinal de crise do regime de acumulação (sinalizando o início do declínio da hegemonia), a crise econômica atual e o fracasso no Iraque podem significar uma crise terminal. A função do atual governo dos EUA seria a de administrar o declínio, acomodar as mudanças das relações de poder e não buscar "re-erguer" um império, lançando novas guerras como o governo anterior (Arrighi 2009)14.

A criação de uma nova hegemonia mundial com base na China é, contudo, incerta. Em trabalhos anteriores, Arrighi afirma que um Estado se torna hegemônico mundialmente (após a formação social hegemônica das classes dominantes no âmbito doméstico) quando pode reivindicar com credibilidade que é a força-motriz da uma expansão universal do poder coletivo de seus dominantes com relação a outros Estados, assim como com relação às classes subalternas. Em situação de "caos sistêmico", um Estado em condições de satisfazer a demanda de saída do caos e estabelecimento de ordem se apresenta como potencial hegemon (Arrighi 1993)15. O autor aponta que, assim como os três ciclos hegemônicos anteriores (holandês, britânico e norte-americano), a superioridade militar e de recursos de um novo hegemon só seriam relevantes na medida em que exista pré-disposição e capacidade de lidar com eles de forma inteligente, o que vai depender das condições de caos sistêmico e demanda por ordem. Capacidades militares e econômicas não são per se condições suficientes.Como ciclos de acumulação, ciclos hegemônicos não ocorrem de forma padronizada. Arrighi afirma que os Estados hegemônicos dos sucessivos ciclos foram cada vez "menos capitalistas" que os anteriores, ao passo que o sistema inter-estatal se tornava mais capitalista, na medida em que mais Estados estavam sujeitos à lógica capitalista de poder. Nesse sentido, próximos hegemons seriam menos capitalistas nas suas estruturas internas de representação (ibd.: 183-5).

Aparentemente Arrighi preparava o caminho teórico para apontar para um novo ciclo hegemônico no leste asiático. Mas o autor atenta para as especificidades e para a não repetição de padrões anteriores (diferenciando-se de realistas). Arrighi observa que o capitalismo tem uma natureza fluida, adaptável e seu desenvolvimento se transforma historicamente dentro da estrutura do sistema inter-estatal. Para ele, não se pode dizer com certeza se a China é capitalista e, se assumimos que ela é, não seria do mesmo tipo de períodos anteriores. É necessário, portanto, atentar para as especificidades (Arrighi 2009). O autor afirma que se a China vier a ser um hegemon global, teria características histórico-geográficas distintas de potências anteriores, e seu poder cultural e econômico seriam muito mais relevantes que o poder militar (ibid.). Uma nova época asiática, se existir, seria portadora de uma "hibridização fundamental" dos legados ocidentais e orientais (Arrighi 2008: 25).

Essa tese de Arrighi gerou polêmicas tanto para marxistas quanto para não-marxistas. Iremos discorrer visões críticas, que partem de perspectivas diferentes, porém chegam a conclusões próximas, que é o aprofundamento do poder estadunidense e das relações capitalistas.

Tendências a mudanças sem alterar o poder dos EUA

Fiori (2008) contesta as "profecias terminais" sobre o poder americano. O autor trabalha a partir de Braudel, diferenciando mudanças de tempo breve, ciclos econômicos e mudanças de "longa duração". Essa diferenciação o permite afirmar que, embora os EUA estejam sofrendo uma crise de sua liderança no tempo breve, e algumas crises econômicas, isso não implicaria num colapso do poder americano como mudança de longa duração histórica. Teóricos dos "ciclos hegemônicos" confundiriam, segundo o autor, momentos conjunturais com mudanças estruturais. O que eles perderiam de vista é que o declínio relativo do poder do hegemon relacionado à reconstrução e ao crescimento econômico de outros Estados é parte da contínua grande transformação do sistema mundial, na qual a própria potência hegemônica tem papel decisivo, implicando em maior acumulação e poder dela mesma (Fiori 2008: 20-1).

O autor propõe uma leitura do sistema mundial moderno como "universo em expansão", na qual as potências lutam por poder global. Essa expansão é precedida por um aumento da "pressão competitiva", provocada pelo expansionismo de uma potência líder, intensificando conflitos, culminando numa "explosão" ou alargamento das fronteiras desse "universo"16. Desde a década de 1970, estaríamos num momento de "explosão expansiva" do sistema mundial, com o aumento da "pressão competitiva" provocada pela estratégia expansionista e imperial dos EUA, mas também pela multiplicação de Estados no sistema e pelo crescimento de poder e riqueza da China (ibid.: 24). A competição e a guerra, na busca por acumulação de poder e riqueza, não seriam sinal de colapso, mas sim partes inerentes ao processo expansionista do sistema, que ocorre de forma desordenada e desequilibrada, mas contínua. O hegemon precisa, muitas vezes, destruir regras e instituições criadas por ele após a vitória de uma a guerra hegemônica, para seguir se expandindo. Ao contrário do que sustentam teóricos da estabilidade hegemônica, não haveria paz nem hegemonia estável: o "universo em expansão" precisaria das guerras e crises para poder se "ordenar" e "estabilizar" de forma transitória, para seguir mantendo as estruturas e relações hierárquicas (ibid.: 31).

As economias nacionais e a moeda são instrumentos essenciais na acumulação de poder. As moedas internacionais foram ao longo da história sempre "as moedas nacionais dos Estados vencedores" (ibid.: 33). Para Fiori, a substituição do padrão dólar-ouro pelo "dólar flexível", apesar de ter tornado os EUA um devedor mundial, permitiu a ele exercer um poder monetário e financeiro internacional sem precedentes. A crise dos anos 70 levou a um aprofundamento do capitalismo e ao aumento do poder americano, transformando o sistema mundial numa ordem com características imperiais (ibid.: 18)17. Assim, o que para Arrighi, Wallerstein e outros, sinalizava o início do declínio da hegemonia estadunidense, para Fiori é parte necessária da acumulação de poder e riqueza da potência.

O autor aponta para o crescente dinamismo dos países emergentes, que reivindicam mudanças nas regras de "gestão" do sistema mundial e na distribuição desigual de poder. Contudo, estes países teriam mais diferenças que similitudes na sua inserção internacional, com a China distanciando-se progressivamente dos demais. Fiori relaciona o crescimento da China não com uma rivalidade, mas com o próprio expansionismo dos EUA. Entre eles haveria uma "relação siamesa": a China foi incluída no mercado e capital financeiro norte-americano, aumentou o poder do dólar e dos títulos de dívida do governo dos EUA e, assim, a capacidade de multiplicação de seu capital financeiro. O Estado chinês teria intermediado e usado a força da expansão americana a seu favor, iniciando assim uma estratégia de expansão do seu próprio poder relativo. Deste modo, a internacionalização americana associada ao crescimento chinês teria produzido "uma mudança estrutural de longa duração no sistema mundial", criando um novo "centro nacional de acumulação de poder e capital" (ibid.: 67). Se, de um lado, devemos nos preparar para uma nova corrida imperialista e a intensificação dos conflitos (nova "pressão competitiva"), não devemos esperar um "duelo final" entre China e EUA. Ao contrário, Fiori aponta para uma "fusão financeira" entre os dois países (ibid.: 68).

Entendendo o imperialismo nos tempos atuais

Panitch (2010) contesta a argumentação de Arrighi a partir de dois elementos fundamentais: seu conceito de "império informal americano" e a função do Estado nas relações capitalistas18. Sua leitura de Smith como teórico do mercado "como um instrumento de governo" tem implicações para o entendimento de Arrighi sobre o sistema econômico na China. Para Smith, a livre competição de mercado gerará benefícios econômicos para todos, sendo necessário para o "bom funcionamento" do mercado (evitando a centralização e concentração) a operação da "mão invisível" que, na leitura de Arrighi, é a regulação do mercado pelo Estado. O Estado chinês faria este papel, utilizando o mercado e a livre-concorrência como instrumento de desenvolvimentos econômico, realizando assim seu "interesse nacional". Desta forma, os interesses do capital não se imporiam sobre o interesse nacional, mas o inverso. Com isso, Panitch afirma que Giovanni Arrighi chega a uma definição de capitalismo que é central para seu livro: a principal diferença entre uma sociedade de mercado capitalista e não-capitalista seria o poder e a capacidade de capitalistas de impor seus interesses de classe às custas do interesse nacional (Panitch 2010). Para ele, Arrighi não problematiza termos como "interesse nacional" ou "interesse público" como construções ideológicas - notando que Smith escrevia no mesmo período das conquistas violentas, saques e expropriações em outros continentes - tratando-as como categorias objetivas. Além disso, essa definição ofusca a questão fundamental da lógica e dinâmica do capitalismo como sistema de produção, que é a relação entre produtores diretos com os meios de produção. Se a economia política marxista foi sistematicamente criticada por seu "determinismo econômico", Panitch afirma que a leitura de Arrighi sobre Smith para sua análise do caso chinês sofreria de um "determinismo político" (ibid.).

Com isso, chegamos à questão fundamental para Panitch, que é a conceituação de Estado e sua relação com o capital. Conforme dito, o que determinaria o capitalismo para Arrighi seria, em última instância, a subordinação do Estado, que representaria o interesse "geral", aos interesses do capital, que seriam estreitos e particularistas. Para Panitch, no entanto, o que é determinante do Estado capitalista é a sua relação com a classe dominante como um todo, e não com setores específicos que são ou não colocados em concorrência uns com outros. É o Estado quem garante a condições de concorrência no mercado capitalista, uma vez que este mantém relativa autonomia frente às diferentes frações e setores da burguesia, mas de modo a garantir os interesses da classe capitalista como um todo. O modo específico de organização do Estado capitalista, sua função de garantidor das relações de propriedade, reprodutor da relação capital-trabalho, e sustentador da acumulação estariam fora da conceitualização frágil de Arrighi19. Seguindo esta linha, torna-se difícil aceitar a  noção não problematizada de "interesse nacional" numa sociedade de classes. Para Panitch, a comodificação da força de trabalho e a integração de trabalhadores numa sociedade mercantilizada e baseada na produção e consumo através de relações de troca, definem a natureza do desenvolvimento econômico na China contemporânea (Panitch 2010).

Esta autonomia relativa com a finalidade de garantir a acumulação global de capital também se aplica ao "Estado imperial capitalista". Panitch discorda de Arrighi sobre a perda de capacidade dos EUA de sustentar seu poder imperial, uma vez que isso confundiria contradições conjunturais ("sinais de crise") com contradições estruturais de longo prazo (conforme também expõe Fiori). O fluxo de capital dos EUA para a Ásia Oriental, além de cobrir o déficit comercial, indica como os circuitos de capital global sustentam o poder estadunidense. Central para o conceito de Panitch do "império informal americano" é a construção do poder global estadunidense sem necessariamente estender sua soberania ou ocupar territorialmente outros Estados como estratégia prioritária. Mais importante foi a capacidade do Estado americano de penetração estrutural em antigos rivais e coordenação com outros Estados líderes capitalistas (Panitch/Gindin 2004: 17). Com isso, foi possível garantir no período pós Segunda Guerra a estruturação de outros Estados independentes como Estados capitalistas, ou seja, que sustentam a acumulação de capital e protejam a propriedade privada (e não somente a propriedade do Estado imperial) dentro de seus territórios. O projeto americano foi, portanto, não governar o mundo diretamente, nem repassar essa tarefa às instituições internacionais, mas sim conceber um projeto de capitalismo global consistente com a tentativa de tornar ou manter outros Estados capitalistas, com instituições e práticas burocráticas, coercivas e jurídicas que assegurassem a acumulação de capital em todos os lugares (Panitch/Gindin 2004; Panitch 2010). Essa natureza dos EUA como império capitalista do século XX teria sido mal compreendida por Arrighi, ao entender que os EUA buscaram frustradamente construir um "Estado global" com ocupação territorial direta e defesa dos interesses do capital americano de forma estreita. A abertura de mercados e a extensão da competição faz parte da estratégia do Estado americano de garantir lucros e os interesses da classe capitalista americana como um todo. Para Panitch, as bases materiais do império americano estão longe de serem exauridas.

A capacidade do império informal estadunidense de "governar por meio de outros governos" ilumina a compreensão mais sofisticada e complexa do conceito de imperialismo nos dias atuais, relacionado à expansão internacional do capital. Essa concepção compreende um movimento histórico, indo além da noção inicial de imposição e ocupação territorial direta e percebendo como principal meio de dominação a coordenação da política em outros Estados, de modo a garantir a reprodução das relações capitalista em nível global. Isto nos permite avançar na análise do papel dos chamados países emergentes nesta reprodução. Não somente a China, mas Brasil, Índia e outros estariam na órbita da expansão das relações capitalistas, reproduzindo também - e a seu modo peculiar - um lógica imperialista.

Ruy Mauro Marini já nos trazia desde a década de 1970 a noção de "sub-imperialismo"20. Virgínia Fontes (2010) parte de Marini, mas busca avançar na compreensão do papel do Brasil na estrutura de expansão internacional do capital, a partir do que chamou de "capital-imperialismo". Esse expressa a fase atual do capitalismo, que cresce de forma não linear, contraditória e atravessado de lutas de classe. Segundo a autora, o capital-imperialismo reflete o duplo movimento de concentração de capital (através de processos de financeirização e o papel do capital portador de juros) e a exacerbação das expropriações e da mercantilizarão que se espalha "de forma capilar" nas bases sociais. Assim como o "império informal" exposto por Panitch/Gindin, ele é um movimento expansionista do capital para dentro e para fora dos Estados, intensificado pelas expropriações da população de suas condições de produção, de direitos, assim como das próprias condições ambientais e biológicas de vida, modificando o capitalismo nos próprios países centrais. Ele significa, assim, não um movimento linear de dentro para fora com uma simples dominação de um Estado sobre outro, mas a dominação interna do capital e sua expansão externa (Fontes 2010: 148-9)21. O capital-imperialismo não é portanto uma política, mas uma forma de extração de mais-valor (dentro e fora dos países), forçando-nos a uma análise da totalidade, na qual as lutas de classe voltam a ter papel central. Ao passo que o capital se expande, as lutas sociais são "encapsuladas" no interior dos países. No Brasil, organizações filantrópicas fazem o trabalho de convencimento e apaziguamento, enquanto o Estado não pode prescindir da violência e da repressão das populações mais pobres. A burguesia dependente se fortalece com a entrada de capital estrangeiro e passa a integrar a órbita internacional de capitais a partir de suas bases locais, acopladas ao processo de concentração guiado pelo fortalecimento do capital financeiro. Contraditoriamente, o "anti-imperialismo" na América Latina não resulta necessariamente em anti-capitalismo: setores populares se posicionam "contra os EUA", mas a favor de um desenvolvimento nacional entendido como expansão do mercado e de processos produtivos capitalista. Com isso, Fontes afirma que o capital-imperialismo se estendia "de forma tentacular", passando a constituir interesses diretos nos "países secundários" como o Brasil, implantando-se localmente, enraizando-se na vida social, econômica e cultural, acirrando ainda mais as desigualdades (ibid.: 207-8). Desse modo, os interesses capital-imperialistas ultrapassam os limites do próprio capital estadunidense e passam a operar através dos outros Estados, que redefinem seu papel, de modo a atuar no conjunto de investimentos transnacionais, contendo a força de trabalho dentro das fronteiras, garantindo a mobilidade do capital, e impondo regimes liberais democráticos como forma de governo universal (ibid.: 209).

Os EUA como epicentro do capital-imperialismo forjaram, portanto, uma expansão com contradições e tensões. Os países emergentes como Brasil, Índia, e outros, surgem dessa nova dinâmica, e podem ser caracterizados por seu desenvolvimento desigual e combinado no plano interno e pelo forte compromisso entre setores dominantes industriais e agrários (ibid.). Para Fontes, os chamados BRIC são profundamente diversos e de difícil comparação, mas têm em comum a subalternização de imensas camadas populares e um ritmo elevado de expropriações, e sua integração aos padrões internacionais do capital-imperialismo.

 

4) Conclusão

Este breve ensaio teve a finalidade de expor diferentes perspectivas sobre as tendências atuais de transformação na ordem mundial. Iniciamos com visões que não contemplam mudanças, mas sim ajustes e acomodações. Essas têm uma normatividade (ora implícita), que é a manutenção da própria ordem mundial sob dominação dos EUA. Buscamos, logo, apresentar algumas visões da teoria crítica e marxista sobre mudança e declínio da hegemonia estadunidense em direção a uma ordem plural, e o possível deslocamento do centro de poder e acumulação de capital para o Leste Asiático. Isto, por sua vez, é revidado por outros realistas e marxistas que, partindo de visões de mundo e métodos diferentes, chegam a conclusão de que a expansão econômica na Ásia (em especial da China) se situa dentro da estrutura de poder capitalista estadunidense, não implicando em uma "ameaça" a esse poder. A expansão global do capital é, desse modo, reproduzida "de forma tentacular" pelos países emergentes e intermediários, impulsionando um novo ciclo imperialista. Enquanto que a visão realista atenta para a ascensão e queda de poder e riqueza dos Estados, marxistas apontam para as contradições e implicações que isso abarca para as lutas sociais e de classes. Acreditamos que foi possível fornecer instrumentos para reflexão mais aprofundada sobre o conceito de mudança, que contribuam para ir além do senso comum, na tentativa de desconstrução de consensos. Esses representam supostas "necessidades" sobre crescimento econômico e caminhos para o "desenvolvimento" que ofuscam indagações sobre para quê e para quem crescer e se desenvolver, e de onde e para onde estamos "emergindo".

Se voltarmos às conclusões de Cox em seu artigo de 1981, verificamos a possibilidade hoje da construção de uma ordem não hegemônica, porém não contra-hegemônica. Uma hegemonia é construída e desconstruída pelas classes e forças sociais. Estas terão que construir ativamente um consenso na esfera da sociedade civil, que é, ao mesmo tempo, garantido e sustentado através de mecanismos de coerção, sejam eles armas ou condições/condicionalidades econômicas. Um Estado, mesmo que periférico e subalterno, não pode buscar construir uma "nova hegemonia" se suas classes dominantes estiverem comprometidas com o próprio projeto de dominação existente. Neste sentido, preferimos tratar a expansão capitalista através das novas configurações do imperialismo. É necessário abrangermos e analisarmos a totalidade dos fenômenos, atores e relações sociais, para descortinarmos as tensões e desdobramentos das mudanças e movimentações de estruturas de poder. Nessa nova configuração, nossos estudos devem voltar-se ao papel das resistências e lutas sociais, de onde nascem e partem as mudanças concretas das relações sociais e das formas de vida, que são as bases para a criação de um novo mundo igualitário e justo.

 

Referências

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* Artigo apresentado no workshop "BRICS e a ordem internacional", 3. Encontro Nacional da ABRI, "Governança Global e Novos Atores", de 20 a 22 de Julho de 2011, São Paulo.
1. Cox argumenta que prefere usar o termo "forças sociais" ao invés de classes, pois esta refletia a natureza de sociedades industriais, que hoje são mais complexas e diferenciadas. Para ele, hoje, trabalhadores estabelecidos podem ser representados como "privilegiados" frente às massas desempregadas e em empregos precários e informais. Em algumas sociedades, populações indígenas não se encaixariam no conceito de "proletariado". O termo "forças sociais" é explicitamente vago, forçando-nos a averiguar historicamente e em cada sociedade quem são as populações expropriadas e os agentes de transformação. Estes não estão previamente definidos, serão construídos em determinados processos de lutas emancipatórias (Cox 2009). Devemos notar, no entanto, que a noção de "burguesia" ou "classes dominantes" se caracteriza por uma maior coesão de interesses, que estão ligados de forma transnacional. Mas esta impressão de coesão não deve esconder conflitos entre as diferentes frações de classe e setores diferenciados. O Estado exerce, nestes casos, a importante função de organizar uma unidade entre os diferentes interesses das frações de classe burguesa através de sua relativa autonomia frente a estas frações específicas (Poulantzas 2000).
2. Para Wallerstein, o capitalismo é economia do sistema de Estados moderno ("sistema mundo"), e suas posições estruturais de centro, semi-periferia e periferia. Os Estados jogam um papel estrutural nesta economia mundial, e as forças de mercado mundial acentuam e institucionalizam as diferenças entre entres, tornando difícil superá-las. A posição da semi-periferia, e sua burguesia dependente, teria um papel mais político que econômico, para fazer o capitalismo funcionar de forma fluida, pois ela mediava (assim como as classes médias nas sociedades capitalistas) entre dois pólos opostos, contribuindo para a estabilidade política (e por sua vez econômica) do sistema como um todo. Ela assume um duplo papel, de explorada e exploradora, fazendo com que o centro não sofra uma oposição unificada (Wallerstein 1974: 403-5).
3. http://www2.goldmansachs.com/ideas/brics/BRICs-and-Beyond.html http://www2.goldmansachs.com/ideas/brics/index.html
4. No âmbito da Organização das Nações Unidas e do ponto de vista militar elas já tem um status diferenciado.
5. Patrick chega a afirmar que o "cenário ideal" seria que Washington formulasse um acquis communautaire nos moldes da União Européia para que os países ascendentes abraçassem as regras, princípios e normas ocidentais existentes. Mas estes estariam interessados em alterar tais normas e não adotá-las por completo (ibid.: 47). Os EUA não teriam outra escolha senão contar com países emergentes para enfrentar os desafios globais após a crise econômica, porém não haveria garantia nem formas de controle sobre as escolhas destes países. Ele aponta para a necessidade de "ajustes psicológicos" dos tomadores de decisão estadunidenses, que há meio século comandaram a política mundial e usaram instituições e regras "ao seu bel prazer". Agora, os EUA deveriam construir uma ordem verdadeiramente multilateral, de modo a acomodar os emergentes, dando-lhes obrigações, e evitando que estes utilizem as regras e instituições de forma voluntarista (ibid.: 53).
6. Os países emergentes já se tornaram doadores não somente do Fundo, mas de fundos de cooperação bilateral com países "menores", e as empresas com sede nos países do BRIC se tornaram multinacionais, alcançam altos índices de investimento externo direto, em especial na África, Oriente Médio e America Latina, mas não somente (IPEA 2010).
7. Gilpin (1981) é reconhecido nas Relações Internacionais por ter introduzido elementos de mudança na estrutura internacional através de ciclos de guerras hegemônicas. Estes são, contudo, ciclos padronizados, que seguem as mesmas etapas de ascensão, contestação, guerra e nova hegemonia, num movimento intercalado, porém repetitivo, entre guerra e paz hegemônica. Ele trata hegemonia em termos racionalistas: relação custo-benefício para que o Estado até então dominante mantenha ou recupere sua posição de poder, e o Estado em ascensão use oportunidade de crise para conseguir crescer. Seu conceito de mudança no sistema nos parece, portanto, limitado. Seus ciclos hegemônicos indicam uma constância de desigualdades e estruturas hierárquicas, nas quais há ajustes, mas não rupturas.
8. O autor se apóia da teoria de estabilidade hegemônica de Kindleberger (1973). Para este, a crise e a Grande Depressão dos anos 30 poderiam ter sido evitadas se a Inglaterra tivesse tido capacidade, e os EUA vontade política de exercer liderança Ambos foram incapazes de preservar o "bem público", a responsabilidade de estabilizar o sistema com políticas anti-cíclicas de movimento de capital e promoção do comércio internacional, gerando crescimento econômico (Kindleberger 1973: 291-2). O sistema econômico internacional precisaria assim de uma única liderança para manter sua estabilidade.
9. Segundo Gilpin, Europa e Japão aceitaram o papel dos EUA como "banqueiro mundial" e apoiaram o papel do dólar como reserva em troca de ter sua segurança garantida pelos EUA. Assim, os EUA puderam manter seu déficit fiscal sem constrangimento, o que possibilitou sua expansão militar e de capital para fora (ibid.: 154).
10. Autores de viés gramsciano como Arrighi e Cox tenderiam a convergir com realistas no que diz respeito à relativa estabilidade do sistema através da formação de uma ordem mundial hegemônica, e também com os institucionalistas sobre o papel das instituições nesta relativa estabilidade. No entanto, ao contrário da noção de uma hegemonia "benévola", a teoria gramsciana aponta para as desigualdades e relações de poder opressoras na ordem mundial. A estabilidade da ordem hegemônica é constituída através de uma ordem hierárquica de Estados poderosos e as classes dominantes mundiais sobre as classes subalternas e Estados na periferia, que são submetidos aos disciplinamento econômico e político ditado de cima para baixo. O poder hegemônico se caracteriza por conseguir apresentar seu interesses particulares como universais, garantindo que grupos subalternos sejam complacentes e assumam o projeto hegemônico como parte de seu próprio interesse. Assim, a hegemonia na ordem mundial não significa somente a dominação de um Estado sobre outro, mas também seu consentimento ideológico em torno do projeto de poder, que não é necessariamente "benevolente" para todos de maneira igual, apesar de aparentar tal universalidade. A hegemonia está "inscrita nas mentes" (Cox 1989).
11. Os regimes internacionais para Keohane devem ser entendidos de forma ampla, como modelos de comportamento cooperativo regulados na política mundial. Regimes fortes de distinguem de regimes fracos por estabelecerem um comportamento ordenado e previsível, segundo padrões comuns aos participantes, enquanto que em regimes fracos as regras seriam interpretadas de forma diferenciada, e são freqüentemente rompidas (ibid: 112). O autor coloca que a continua erosão da hegemonia americana influi diretamente no regime internacional de petróleo, mas não leva à desintegração do regime monetário de Bretton Woods, e afeta ainda menos o regime comercial com base no GATT, uma vez que neste os outros Estados viam mais vantagens mútuas. Dessa maneira, Keohane reinterpreta a teoria da estabilidade hegemônica, diferenciando a estabilidade por áreas e regimes.
12. Com exceção da China e da Rússia, as potências emergentes não teriam capacidade militar e seu crescimento econômico seria extremamente dependente do comércio e investimento mundial.
13. Hurrel (2009) converge com a visão institucionalista de que os países emergentes buscam ascender dentro das hierarquias institucionais existentes. Com relação aos EUA, eles teriam a opção de balanceamento de poder, formando coligações para contrapor-se ao poder da potência, ou de "bandwagoning", ou seja, alinhar-se à potência de forma pragmática. Segundo o autor, os países variam em suas estratégias, mas vêm praticando um "balanceamento brando". Os BRICs não têm capacidade de balancear militarmente os EUA, mas buscam equilibrar o sistema por meio de cooperação, entendimentos informais e colaboração em instituições, com o objetivo de complicar ou aumentar os custos das políticas dos EUA em instituições. Desta forma, usaram mecanismos não-militares para atrasar, frustrar e mitigar políticas agressivas e unilaterais dos EUA. Para Hurrel, a necessidade de conter o poder unilateral dos EUA compõe um elemento importante da política dos BRICs (Hurrel: 34-6).
14. Da mesma forma, Cox (2009) afirma que o papel dos outros países e do atual governo dos EUA seria de demonstrar e ajudar a população americana a compreender que os EUA não mais moldarão e determinarão o futuro do mundo. A população americana deverá passar por um árduo processo pedagógico para compreender as mudanças e transições de poder, para o qual ela não estaria preparada devido ao alto grau de ideologização de seu papel de liderança no mundo. Atuais líderes teriam que guiar e ajudar neste processo (Cox 2009).
15. É possível relacionar a posição de Arrighi com a teoria da estabilidade hegemônica de Kindleberger e Gilpin, conforme previamente exposto.
16. Fiori expõe os momentos na história característicos dessa expansão: o primeiro no século XIII (aumento da pressão competitiva provocado pela invasão dos mongóis, expansionismo das Cruzadas, guerras na península ibérica, com posterior nascimento de unidades territoriais soberanas e competitivas); o segundo no século XVI (aumento da pressão competitiva causada pela expansão dos impérios Otomano e de Habsburgo, nascimento dos primeiros Estados soberanos e das potências ibéricas e, depois, dos Países Baixos); o terceiro no século XIX (pressão competitiva provocada pelo expansionismo francês e inglês, o surgimento dos Estados americanos, logo depois, a corrida imperialista entre as potências européias que expandiram as fronteiras coloniais do sistema mundial moderno para a Ásia e a África) (ibid.: 23-4).
17. Para o autor, o período inicial de construção da hegemonia, entre aprox. 1945 a 1967, transcendia o poder militar e estava mais baseado nas instituições. Porém, após a crise econômica foram dadas as condições para um retomada conservadora de organização da ordem mundial. A partir de 1991, a política norte-americana tem sido "rigorosamente imperial (...) o comportamento econômico, cultural e diplomático dos Estados Unidos frente ao mundo tem sido o de um país que não apenas acredita mas se comporta cada vez mais orientado por uma visão unipolar do mundo" (Fiori 1998: 126-7).
18. Um terceira crítica, menos relevante para seu argumento geral, seria que, o que permite Arrighi afirmar que a China não se encaixaria no que conhecemos como capitalismo é sua base na visão do sistema-mundo (seu livro é dedicado a Gunder Frank). Dentro desta concepção que se baseia na divisão internacional do trabalho, o capitalismo é compreendido em termos da relação direta entre desenvolvimento capitalista no centro e subdesenvolvimento na periferia. Com uma divisão geográfica rígida entre Norte e Sul, Ocidente e Oriente, os teóricos baseados no sistema mundo dificilmente enxergam a possibilidade de desenvolvimento capitalista na periferia, de modo que qualquer desenvolvimento econômico nela não poderia ser entendido como capitalista no mesmo modelo que do centro (Panitch 2010).
19. Panitch se baseia na teoria do Estado capitalista de Poulantzas, para quem esse tem uma natureza dinâmica como espaço de relação entre classes, "condensando" as lutas sociais, que são inscritas na "materialidade" (instituições e burocracias) do Estado capitalista (Poulantzas 2000). Sua relativa autonomia frente às diferentes frações da classe burguesa visa organizar uma "unidade conflituosa" do bloco do poder, de modo a garantir a realização do projeto hegemônico. Para isso é necessário desorganizar as classes subordinadas e fazer certas concessões a esta de modo a manter o consenso em torno deste projeto. Poulantzas é influenciado por Gramsci, para quem o Estado garante o "equilíbrio instável" de compromissos entre dominantes e dominados.
20. Para Marini (1977) esta é a forma que assume uma economia dependente ao chegar na etapa dos monopólios e do capital financeiro, com uma composição orgânica média dos aparatos produtivos na escala mundial, e uma política expansionista relativamente autônoma, mas com sua integração no mercado determinada pelos países centrais. O sub-imperialismo brasileiro teve seu início com a ditadura militar. Do lado econômico, ele é resultado de uma crescente captação de dólares no exterior por meio de empréstimos estatais (para investimentos em mega-projetos de infra-estrutura e indústrias de base), assim como a entrada em massa de capital estrangeiro na forma de investimentos privados, especialmente na indústria manufatureira. O seu projeto político foi definido pelo governo militar, que armou a estrutura jurídica e institucional para esta captação de recursos externos e interveio assegurando a demanda da produção,  expandindo investimentos na America Latina e África. O Brasil se lança, assim, na órbita do capital financeiro, ao mesmo tempo, reintegrando parte dele novamente no movimento internacional de capitais, tendo como rampa as matérias primas e fontes de energia, como petróleo, ferro e gás.
21. Em sua crítica ao conceito de Imperialismo de Lênin, que concebia o processo de expansão do capital em estágios, Panitch/Gindin afirmam que não havia somente uma expansão de capital para fora, mas seu aprofundamento simultâneo para dentro (Panitch/Gindin 2004: 6). Esta concepção de movimento expansionista simultâneo "dentro-fora" nos ajuda na compreensão da relação entre modelo de desenvolvimento interno e política externa de um país e sua projeção econômica internacional.