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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

O Mercosul e os impactos econômicos e políticos da adesão da Venezuela

 

 

Marcos Antonio da SilvaI; Anatólio Medeiros ArceII

IUniversidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Professor-adjunto da UFGD. Doutor em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo, PROLAM/USP - 2006. E-mail: marocam@terra.com.br
IIMestrando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, onde desenvolve o projeto "O governo Chávez e a política externa da Venezuela (1999-2005)". Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Grande Dourados onde foi aluno de Iniciação Científica 2007-2008/2008-2009/2009-2010. E-mail: anatólio.arce@r7.com

 

 


RESUMO

Este artigo tem o objetivo de discutir os impactos e implicações inerentes ao processo de adesão da Venezuela ao MERCOSUL. Em primeiro lugar, o trabalho busca analisar as motivações por parte da Venezuela ao ingressar no MERCOSUL e, em seguida, procura compreender os impactos e as implicações provocadas por tal adesão em duas dimensões específicas. A primeira delas se ocupa do significado econômico que a adesão venezuelana pode provocar, apontando para a ampliação do PIB, do mercado consumidor, as possibilidades de aumento no comércio intra-regional do bloco e da inserção internacional desta região. A segunda dimensão discute os impactos políticos e geopolíticos do ingresso da Venezuela, direcionando para a ampliação de seu eixo rumo ao norte, bem como para o processo de incremento de complexidade na dinâmica da política regional, ampliando as possibilidades de alianças e de superação das assimetrias no bloco.

Palavras-chave: Assimetrias; Integração; MERCOSUL; Venezuela


 

 

INTRODUÇÃO

No dia 26 de março de 1991 o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi oficialmente instituído, mediante a promulgação do Tratado de Assunção, estabelecido entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Ao longo de sua história, o MERCOSUL passou por momentos de euforia e pessimismo, produto do árduo e tortuoso caminho rumo à integração regional, a eliminação de tarifas alfandegárias em mercados de difícil acesso e no combate ao uso de táticas protecionistas. Entretanto, em dezembro de 2005, um novo capítulo na economia-política sul-americana começa a ser escrito, pois é neste momento que a Venezuela faz o seu pedido formal de adesão ao MERCOSUL. Este país, que décadas anteriores nem ao menos cogitava integrar-se com seus vizinhos, redireciona sua agenda de atuação devido às mudanças na alçada política e nas assimetrias econômicas, ocorridas em seu plano interno (CERVO, 2003, p. 157-180). Desta forma, começam-se os esforços de adaptação do próprio bloco para receber este quinto membro, não sem antes ponderar as dificuldades inerentes em setores da sociedade civil dos países, que se declaram contra a entrada da Venezuela ao MERCOSUL. Não obstante, a realidade é que o bloco deve se preparar para os impactos que a entrada deste grande produtor e exportador de petróleo irá causar na estrutura organizacional dos países mercosulinos, bem com os efeitos econômicos com o aumento do mercado consumidor e/ou da oferta de petróleo e demais hidrocarbonetos para os países que não são produtores e enfrentam problemas com o fornecimento de energia, exemplos do Uruguai e da Argentina nas questões elétricas e do Paraguai no petróleo. Este trabalho, portanto, analisa os impactos e as implicações da adesão da Venezuela, relacionando sua dinâmica política e inserção internacional com os desafios enfrentados para a consolidação e aprofundamento deste processo de integração regional, bem como discute a repercussão desta para as relações regionais.

 

ADESÃO DA VENEZUELA AO MERCOSUL: os impactos políticos e econômicos

Os passos institucionais a serem percorridos para que a Venezuela integre o MERCOSUL se iniciaram com a assinatura do chamado Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao MERCOSUL1. São ao todo doze artigos que traçam os requisitos e o processo pelo qual o pedido de adesão deve transpor.  Neste, fica evidente as motivações do país, bem como os ajustes necessários para que tal processo possa apresentar um bom termo. Desta maneira, o presente Protocolo foi assinado por todos os Presidentes dos países mercosulinos, sendo que os mesmos reafirmam em doze artigos a comum vontade de receber a Venezuela no MERCOSUL e que esta nação concorda em respeitar os dispositivos inerentes nos Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto I e II e no Tratado de Olivos, dentre outros. Contudo, o processo de adesão da Venezuela não poderia ter transcorrido de outra maneira senão igual ao seu perfil político atual, isto é, de forma polêmica e considerada conflitiva. O traço político venezuelano é de certa maneira controverso, pois se confunde inevitavelmente com a figura de seu líder, Hugo Chávez, hábil no manejar da chamada "diplomacia presidencial", que se destaca por ser o grande incentivador do ingresso de seu país ao MERCOSUL, na qualidade de membro permanente e não apenas como um associado. Ademais, a atuação política de Chávez é marcada pela condução do país a uma forte polarização (social e política), pelo desenvolvimento de mudanças radicais no âmbito institucional (as diversas reformas e referendos relativos à Constituição) e na economia (a tentativa de implementar do "socialismo do século XXI" 2) e, certamente, uma inserção internacional marcada pelo conflito e confronto com a única superpotência internacional (os EUA).

Portanto, neste contexto, os setores contrários a adesão venezuelana tendem a destacar que a mesma parece não cumprir requisitos básicos, apontados nos Tratados que normatizam a inserção dos países no MERCOSUL (já citados), referentes à democracia, direitos individuas e liberdade de expressão, entre outros. De qualquer forma, este parece ser um processo irreversível que revela os limites da cláusula de ingresso no bloco, tanto em relação à condução deste processo como das exigências que o MERCOSUL deveria impor aos que desejam se tornar membros do mesmo. Segundo o ex-embaixador Rubens Ricupero (2009), ao comparar a adesão da Venezuela ao MERCOSUL com as negociações para ingresso da China e Rússia na OMC nos anos 90, enfatiza: "em qualquer organismo baseado na ideia de concessões comerciais o país interessado em ingressar precisa pagar um preço - e o preço estabelecido é a redução de suas barreiras. São negociações extremamente difíceis, que envolvem, além dos tratados coletivos, acertos bilaterais, com cada um dos membros" (RICUPERO, 2009, p.1).  Neste caso, o mesmo aponta que houve o inverso e colocou-se "o carro na frente dos bois".

Tal polêmica ainda pode ser mais bem compreendida, quando se observa as considerações de Coutinho (2009), ao afirmar que a adesão da Venezuela fortalece o PIB do bloco e ameniza os impactos da entrada de produtos chineses na América do Sul. Entretanto, na tese do mesmo, o efeito mais positivo estaria no fortalecimento de laços entre os países da região sul-americana e contribuiria para que o governo Chávez recuasse em seu recrudescimento, pois seria um país integrado e não isolado. Em sua visão, quando se isola determinado país a tendência é que haja um recrudescimento de seu regime interno, pois se justifica tal isolamento para endurecê-lo e enfraquecer a democracia. Com a Venezuela no MERCOSUL, este autor pondera que há mais condições para que o Brasil "controle" de forma mais segura o que se passa naquele país e reforce as instituições democráticas existentes no mesmo, as quais em alguns momentos se encontram ameaçadas por uma política de recrudescimento do "chavismo", utilizado como uma forma de "resposta" a rejeição de outros países.

Desta forma, além de um ganho territorial que o MERCOSUL passaria a dispor3, no que se refere aos índices populacionais também haveria um aumento significativo com a adesão venezuelana, o que resultaria em um mercado consumidor maior para o bloco. No primeiro caso, além do aumento territorial, o ingresso deste país significa uma ampliação e reorientação da inserção internacional do MERCOSUL. Trata-se da incorporação de boa parte da região amazônica, do redirecionamento do mesmo para o norte da América do Sul e, principalmente, da possibilidade de transbordamento do mesmo para toda a região, contribuindo para o fortalecimento de outros processos ou tornando a opção mais viável para os demais países. Em suma, permite que o modelo mercosulino atinja toda a região, não apenas o Cone Sul. Ainda, permite um incremento populacional significativo. Atualmente, o MERCOSUL possui uma população de aproximadamente 243 milhões e 836 mil pessoas. Com esta adesão, as cifras populacionais do bloco passam para números aproximados em 272 milhões, 419 mil e 366 habitantes, um aumento de 11,72%, pois a Venezuela contribuiria com 28 milhões 583 mil e 366 habitantes. O que chama a atenção não é apenas o número em si, mas o impacto que tal população, enquanto mercado consumidor, terá no desenvolvimento do comércio regional. Neste sentido, vale destacar que a Venezuela é grande importadora de produtos (desde alimentos até manufaturas) e possui grande capacidade de importação, devido ao petróleo, o que poderá servir de estímulo para oxigenar o comércio intra-bloco4.

Ainda, o ingresso da Venezuela trará um impacto significativo naquele que, talvez, pode ser considerado o "calcanhar de Aquiles" da Integração Regional. Referimo-nos a questão das assimetrias. Em todas as suas dimensões (econômica, política, infraestrutural, social, educacional, etc.), as desigualdades existentes entre os dois gigantes (Brasil e Argentina) e os dois pequenos (Paraguai e Uruguai) têm sido apontadas, por inúmeros especialistas, como o grande obstáculo para o aprofundamento institucional do bloco. Desta forma, a ampliação permite discutir a redução (ou não) destas assimetrias, como apontaremos adiante.

Considerando a possibilidade de fortalecimento econômico e uma diminuição do peso relativo de Brasil (isoladamente) ou Brasil e Argentina, podemos apontar que o bloco terá uma modificação relativa. Tais dados nos conduzem a duas observações. Por um lado, a enorme assimetria entre o Brasil (maior PIB) e Paraguai (menor PIB) ou, ainda, entre Brasil e Argentina que concentram mais de 90% do PIB regional.

Certamente esta força econômica também implica em maior ou menor capacidade de atuação política e de interferência na dinâmica da integração. Por outro lado, cabe observar que os dados da Tabela 1.1 que demonstram serem inegáveis que as crises fincaram abalos no processo de integração no MERCOSUL de uma maneira ou de outra. Porém, mesmo que tenha havido tais oscilações bem como instabilidades no bloco, o PIB do MERCOSUL apresentou um crescimento significativo próximo a 74%, em quase vinte anos após o Tratado de Assunção, ainda sem contar com a Venezuela. É necessário ponderar que o crescimento, em alguns casos de menor ou maior número, ultrapassou a cifra de 1 trilhão de dólares após 2005 e se manteve-se em constante êxito até 2008, data que antecede a crise financeira mundial.

 

 

Por isso, os efeitos no PIB da entrada da Venezuela ao bloco podem ser calculados e vislumbrados pela Tabela 1.2, que mostra uma projeção total do PIB do MERCOSUL desde 1991 até 2008, se caso a Venezuela já estivesse aderido ao bloco deste o começo. Aliás, os impactos nos números do PIB haveriam de ter ocorrido por causa da força que a presença de uma economia petroleira (tal como é a venezuelana) angariaria a fim de "encorpar" os números deste bloco econômico. Ademais, se estabelecermos um quadro comparativo entre as Tabelas 1.1 e 1.2, percebe-se que há um aumento no volume total do PIB do MERCOSUL, caso a Venezuela já estivesse no bloco. No contexto comparativo entre os anos de 1991 e o de 2008, pode-se vislumbrar que sem a Venezuela o PIB do MERCOSUL é de 739,2 bilhões de dólares. Se a Venezuela estivesse no bloco, seria de 843,7 bilhões, um incremento de 12,38% no PIB mercosulino deste ano. Considerando 2008, temos um PIB de 1,285 trilhão de dólares sem a Venezuela, que subiria para 1,451 trilhaõ de dólares com o ingresso da mesma, o que corresponde a um aumento de 11,40%. Portanto, a média percentual deste aumento seria de 11,89%.

 

 

Todavia, os efeitos calculados, embora não sejam suficientes para equilibrar os números do PIB dos países em relação ao Brasil, já são perceptíveis e significativos para diminuir as assimetrias dentro do MERCOSUL. Isto é demonstrado porque a economia venezuelana e seu potencial econômico não podem ser desprezados, mesmo apresentando limitações. O PIB deste país de 1991 a 2008 cresceu cerca de 58,28%, números, por seu turno, semelhantes se caso compararmos com o crescimento dos demais países mercosulinos, registrados em 87,8% (Argentina); 68,4% (Brasil); 55,7 (Paraguai); 70,7% (Uruguai). A conclusão que se pode tirar disto é que o MERCOSUL não será o mesmo após a adesão venezuelana, pois não há como as estruturas do bloco permanecer de igual forma depois que os venezuelanos aderirem. Além do mais, é importante destacar que neste ínterim a Venezuela passou por crises que tiveram efeitos mais profundos em sua sociedade do que os demais países do MERCOSUL, o que já lhe confere um status diferenciado e um perfil político, econômico e estrutural também diferente. Os resultados destas mudanças atingiram a política e a estrutura da sociedade venezuelana, que foram bem impactantes para sua economia, pois a história recente da Venezuela diferencia-se de seus parceiros mercosulinos pela ausência de experiências autoritárias nas décadas entre 1960, 1970 e 1980 (AMORIM NETO, 2003, p. 85-110; VILLA, 2005, p.153-172).

Não obstante, os números demonstram que as crises enfrentadas pela economia venezuelana contribuíram de forma significativa para que o país apresentasse reduções na soma das riquezas produzidas, que somente demonstrou recuperação após o ano de 2005. A partir desta data, o crescimento do PIB venezuelano em quatro anos é de 19,6%, melhor do que nos quatro anos anteriores, pelo qual apresentou baixa de 1999 até 2003. Desta maneira, a Venezuela também contribuiria no sentido comercial a começar pelo fato de apresentar uma Balança Comercial favorável devido ao maior número de exportações do que de importações, tal como demonstra a Tabela 1.3.

 

 

Os números da Balança Comercial da Venezuela nos últimos três anos são favoráveis, índices estes que no MERCOSUL somente Brasil e Argentina apresentam, pois Paraguai e Uruguai têm suas respectivas Balanças Comerciais desfavoráveis tendo em vista que mais importam do que exportam. O saldo favorável na Balança Comercial venezuelana indica que a economia deste país é forte e competitiva em certos setores, seja de bens ou de serviços. Por isso, tem uma capacidade considerável para produzir em grande escala determinado produto para atender uma demanda do mercado internacional. No caso da Venezuela este produto em questão é o petróleo. Ademais, para fins de análise, a competitividade da Venezuela no setor petrolífero bem como a sua importância na exportação internacional desta fonte de energia pode ajudar o MERCOSUL de uma forma nítida, pois a Venezuela poderia ser a fornecedora em potencial deste produto aos países do bloco, tendo em vista que, exceto o Brasil, os demais países mercosulinos (Argentina, Paraguai e Uruguai) necessitam desta fonte de energia e não a produzem em seu território. Portanto, o petróleo pode ser considerado "um caso a parte" na alçada do MERCOSUL porque seria considerada uma "necessidade dos outros".

Além disso, a Tabela 1.3 demonstra que o saldo da Balança Comercial da Venezuela em 2008 foi a maior dentre todos os membros do MERCOSUL e, consequentemente, do que a Balança Comercial de Brasil e Argentina, países que ao lado dos venezuelanos apresentam índices superavitários. Todavia, no que se refere aos números do comércio exterior da Venezuela em comparação com os países mercosulinos, mediante a análise da Tabela 1.46 se pode compreender que as exportações de produtos primários corresponderam a aproximadamente 92,7% do volume total das exportações venezuelanas nos últimos três anos, o que corresponde basicamente ao petróleo e seus derivados.

 

 

Este número, por sua vez, é considerado alto, porém parecido com o de seus parceiros do Cone Sul se levarmos em consideração que o volume das exportações neste setor para o Brasil é de 50%; Argentina 69% (carne e cereais); Paraguai 92% (soja) e Uruguai 70% (gado e derivados). Desta maneira, percebe-se que há certa "dependência" dos países do MERCOSUL assim como da Venezuela no que se refere à comercialização destes produtos oriundos do setor primário com o exterior, em suma da postulante Venezuela e do Paraguai. Por outro lado, a exportação de produtos classificados como manufaturados é considerada de percentual baixo, pois a Venezuela exporta uma cifra volumétrica para este tipo de produto somente em torno de 8% do total daquilo que o país comercializa no exterior, enquanto a Argentina comercializa em torno de 31%; Brasil 50%; Paraguai 10% e Uruguai 31% do volume total de seus respectivos comércio exterior.

Ao analisarmos tais dados sob o olhar específico do setor agrícola, caça, silvicultura (cultura de árvores florestais) e pesca os números indicam que o volume monetário aproximado de exportações venezuelanas neste sub-setor foi de aproximadamente 83,8 milhões de dólares. Enquanto isso, a Argentina comercializa 15.414 bilhões de Dólares neste mesmo sub-setor comercial, Brasil 22.618 bilhões, Paraguai 2.046 bilhões e Uruguai 1.355 bilhões. Destaca-se, portanto, que o comércio exterior venezuelano no campo da agricultura, caça, silvicultura e pesca não é volumoso se compararmos com seus parceiros do MERCOSUL. Entretanto, o quadro atinge proporções inversas no setor de minas, pedreiras e extrativismo em geral, o comércio exterior venezuelano possui números considerados altos, maior que das quatro nações mercosulinas. Portanto, o volume monetário em Dólares do comércio exterior venezuelano no extrativismo em geral7 é de aproximadamente 47.005 bilhões de dólares, contra 33.131,4 bilhões do Brasil; 4.318,5 bilhões da Argentina e, em menor escala, 3 milhões do Paraguai e 6,2 milhões do Uruguai8.

Além destes aspectos, o MERCOSUL se depara com outros empecilhos considerados de caráter transitório em seu processo de consolidação: as enormes assimetrias (econômicas, populacionais, territoriais, etc.) existentes entre as nações mercosulinas. Na realidade, o grande problema nas questões referentes às assimetrias é que há um país considerado "gigante" no MERCOSUL que contribui de forma significativa para que estes números sejam tão altos: o Brasil. Por outro lado, leva-se em conta o indiscutível gigantismo do Brasil, o fato é que os demais países do bloco apresentam índices considerados muito baixos em relação ao seu vizinho e continental país em vários aspectos, seja nos econômicos, territoriais e em especial no PIB, sendo que o mais próximo é a Argentina. Portanto, o contexto apresentado revela que os números demonstram largas disparidades. Para se ter uma noção, estas assimetrias existentes contribuem para que o Brasil desponte como "hegemônico", pois possui sozinho aproximadamente 66,42% do PIB do bloco, tal qual mostram dados recentes e expostos nas Tabelas 1.1, 1.2 e, sobretudo na 1.5, que demonstram percentualmente o tamanho da diferença destes países em relação ao Brasil. Além do mais, é possível percebermos na Tabela 1.5 que a média das assimetrias ao longo dos anos para os países do MERCOSUL em relação ao Brasil é de aproximadamente 67,8%, considerado alto e de relevância se formos destacar em termos práticos que quase 70% de tudo que o MERCOSUL apresenta é oriundo de um único país, o que lhe proporciona um poder no bloco que pode prejudicar o andamento do processo de integração.

 

 

Desta forma, é possível vislumbrar um quadro das assimetrias ao longo dos anos no que tange a economia do Brasil e o enorme "fosso" existente em relação aos demais países, mesmo em períodos em que o MERCOSUL passou por momentos complicados em que os brasileiros desvalorizaram sua moeda, em 1999. Por outro lado, mesmo a economia brasileira enfrentando um processo de recessão naquele período, a Argentina também entrou em colapso pouco tempo depois (2001), atingindo tanto Uruguai quanto o Paraguai, o que contribuiu para que as assimetrias continuassem altas e oscilassem menos em favor dos três países menores no período mencionado.

No entanto, o fato a ser analisado com mais atenção no que se refere às assimetrias mercosulinas está em vislumbrar as novidades e as mudanças inerentes ao processo de adesão venezuelana ao MERCOSUL e se porventura a entrada da Venezuela contribuiria ou não a fim de impactar favoravelmente nas assimetrias econômicas do bloco, diminuí-las ou até mesmo equilibrá-las. Para tanto, seria necessário enxergar o quadro da adesão venezuelana em um patamar diferenciado e irrestrito aos números colocados nas tabelas sobre o PIB dos países membros do MERCOSUL e confrontá-los com a Venezuela. Os impactos gerados pela inserção de uma economia latino-americana de peso no setor petrolífero, tal como é a Venezuela, sem dúvida não vai permitir que a estrutura do MERCOSUL fique ilesa e nem igual à antes. Entretanto, ao analisarmos as mudanças inerentes na entrada da Venezuela pela premissa de compararmos as Tabelas 1.5 e 1.6 podemos enxergar um quadro parecido.

 

 

No primeiro, encontram as assimetrias econômicas do MERCOSUL ao longo dos anos sem incluir a Venezuela, já no segundo repetem-se os números incluindo a Venezuela. Ou seja, este confronto entre as tabelas deixa mais claro os impactos econômicos que a adesão venezuelana traz no campo das assimetrias econômicas do MERCOSUL, ao termos a oportunidade de enxergar como é a questão assimétrica sem a Venezuela e podermos ver como seria se caso a Venezuela já estivesse no MERCOSUL, para que assim se perceba até que ponto a mesma contribui a fim de diminuir estas nítidas assimetrias existentes.

Pode-se observar que as assimetrias econômicas do bloco não sofrem impactos drásticos com a adesão da Venezuela ao MERCOSUL, porém contribui para diminuir a preponderância do Brasil em termos numéricos. As assimetrias econômicas dos países em relação ao Brasil, na qual sem a Venezuela é de aproximadamente 67%, ao incluir este país passa para 60%, isto é, diminui e se caso levarmos em consideração que estamos tratando de economias emergentes a Venezuela proporciona uma contribuição importante a fim de diminuir as disparidades inerentes ao bloco, mesmo não chegando ao ponto de equilibrá-las, o que não poderia ser um encargo exclusivo da Venezuela. Em realidade, é uma diminuição que contribui para um equilíbrio, porém não o promove na prática e tampouco exclusivamente. Já a força das duas economias consideradas "intermediárias" em relação ao Brasil, a Argentina e agora a Venezuela, apresentaram neste período números de crescimento do PIB e de outros fatores econômicos não muito expressivos, decorrente de um contexto de crises pelo qual estas duas economias passavam naquele momento. Portanto, a adesão da Venezuela pode ser considerada como importante a fim de proporcionar uma melhora das assimetrias econômicas do MERCOSUL, pois a Venezuela é um país com números bons em alguns setores econômicos, tais como o petrolífero. Todavia, os números e as disparidades assimétricas também podem ser enxergados ao confrontarmos outros números brasileiros com seus parceiros mercosulinos, incluindo ou não a Venezuela. Desta maneira, ao tratarmos do Brasil estamos por salientar um país que possui quase 200 milhões de habitantes e mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, o que lhe garante a contribuição de no mínimo 50% de tudo o que o MERCOSUL é e representa enquanto bloco.

Contudo, responder de forma específica se a Venezuela equilibraria ou não equilibraria as assimetrias existentes no MERCOSUL constitui-se em algo difícil de ser mensurado, já que o país não possui um peso equivalente a maior economia do bloco e nem apresenta dimensões semelhantes. Na maneira como o contexto está colocado, a Venezuela não daria conta de arcar sozinha com tal incumbência e certamente não aguentaria suprir as necessidades assimétricas em favor dos países menores. Entretanto, não é por causa disso que irá ser considerada uma economia de pequeno porte ou classificá-la como irrelevante no contexto mundial. Ao contrário, esta nação, por seu turno, é uma das maiores produtoras de petróleo do mundo e pode ser classificada no patamar da terceira maior economia do MERCOSUL, isto é, estaria abaixo do Brasil e poderia ser enquadrada com o porte parecido da Argentina.

Além disso, a Venezuela é membro da OPEP, o que lhe garante um peso político no cenário mundial relativamente forte, sobretudo após o revigoramento da força deste cartel no estabelecimento do preço do petróleo, proposta encabeçada pela Venezuela sob o governo Chávez (VILLA, 2004, p. 99-100). Sendo assim, tende a transferir esta força ao MERCOSUL, tornando-o um bloco com um maior peso político nos organismos internacionais como a ONU, OMC, OEA e outros. No entanto, a verdade mais plausível para este caso está em vislumbrar que as mudanças mais claras e significativas para o MERCOSUL com a entrada da Venezuela não está no equilíbrio das assimetrias, mas sim nas questões políticas, geopolíticas bem como politicamente estratégicas. Ou seja, sendo a Venezuela um país que está localizado fora do eixo conhecido pelo nome de Cone Sul, onde estão os quatro países atualmente partes deste bloco, significa que o mesmo poderia superar tal dimensão (a área restrita conhecida pelo nome de Bacia do Prata), o que demonstraria haver uma mudança estrategicamente formada na orientação geopolítica do MERCOSUL e demonstraria, caso a empreitada venezuelana obtivesse êxito, que a mesma pode abrir margem a fim de impulsionar o movimento de integração em toda a América do Sul. Além do impacto geopolítico com o fortalecimento potencial do MERCOSUL e sua ampliação para toda a América do Sul, o ingresso da Venezuela traz inúmeras implicações na dinâmica política regional, ou sul-americana. Por um lado, permite uma ampliação das opções de liderança e aliança no interior do mesmo, tornando mais complexo (e interessante) a política regional e sua condução. Isto porque, uma possível aliança da Venezuela com os demais países, "excluindo" o Brasil, poderia equilibrar o peso hegemônico da presença brasileira gerando uma aliança "contra-hegemônica" que poderia reforçar a distribuição dos custos que todo processo de integração exige. Além disto, ao exercer uma liderança, centrada na crítica do modelo "hegemônico" (capitalista) e no desenvolvimento de uma concepção sintetizada na Alternativa Bolivariana das Américas (ALBA)9, a Venezuela permite que os demais países do bloco possam ampliar o leque de suas relações políticas.

Apesar disto, tal adesão também confronta o MERCOSUL com novos desafios. Dois deles devem ser mencionados. O bloco procurou, ao longo de sua existência, desenvolver uma relação de respeito e cooperação com os demais blocos ou países do cenário internacional, entre eles os EUA. Para isto, procurou desenvolver um modus vivendi através de negociações e concessões mútuas, tendo em vista a manutenção das boas relações comerciais com um dos principais parceiros de cada país mercosulino. No entanto, a Venezuela possui relações conflituosas com os EUA, por diversas razões, que coloca em xeque a relação cooperativa entre o bloco e a grande potência mundial. Desta forma, deve-se indagar se o MERCOSUL entrará numa dinâmica de confronto e distanciamento dos EUA (e quais serão os resultados) ou conseguirá, de alguma forma "domesticar" a política venezuelana para este país. A solução deste problema pode indicar a capacidade deste de se tornar um bloco reconhecido e influente no cenário internacional. O segundo desafio refere-se ao tratamento da questão interna da Venezuela. Como se sabe, o governo Chávez tem polarizado a sociedade e a política do país e, cedo ou tarde, o MERCOSUL será convocado a se posicionar sobre estas mudanças. Ou seja, o consenso político que parece prosperar em outros países não ocorre no caso venezuelano e isto é uma novidade no interior do bloco. Tal elemento coloca em discussão a própria natureza mercosulina e a forma como desenvolverá sua própria política, combinando consenso e conflito, continuidade e mudança, mercado e sociedade, democracia formal e novas formas democráticas, em suma, como combinar o modelo venezuelano com os de outros países membros de forma coerente e harmônica?

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que o ingresso da Venezuela trará relativos impactos econômicos, que não devem ser menosprezados. O incremento populacional e o acesso ao petróleo venezuelano, vital para determinados países da região, além da ampliação do mercado consumidor do MERCOSUL poderá significar um impulso necessário ao aprofundamento do processo de integração regional. No entanto, os maiores impactos estão na esfera política e geopolítica. Com tal ingresso, torna-se mais fácil a consolidação do grande projeto de muitos países sul-americanos, que seria formar uma União das Nações Sul-americana de Nações (UNASUL), demonstrando as possibilidades da integração latino-americana, como algo fundamental para a inserção internacional da região, no decorrer deste Século XXI. Com o ingresso da Venezuela no MERCOSUL a liderança do bloco tende a permanecer, ao menos por enquanto, com o Brasil, deixando de lado as disputas com Argentina, na qual as tensões produzidas entre ambos para exercer liderança na região da Bacia do Prata são antigas e transferiam, no passado, para a alçada do mesmo10.

No entanto, o contexto atual imprime uma situação diferente, pois a Venezuela, por seu turno, poderia contribuir para incrementar novas exigências para o líder do MERCOSUL, no caso o Brasil, tendo em vista que a partir da ascensão dos venezuelanos como membro do MERCOSUL, o Palácio Miraflores (Palácio do governo venezuelano) e a Casa Rosada (sede do governo argentino) podem questionar a postura do líder ou a forma de liderança que hoje é exercida pelo Brasil, o que tende a criar atritos internos a serem dirimidos. Portanto, cabe ponderar que disputas inerentes a vaga de líder de um bloco econômico não transcorrem de modo tranqüilo e algumas vezes nem por vias institucionais (seguindo um conhecido jargão, "liderança não se proclama, se exerce"), mas sim levando em consideração alguns fatores que pesam a favor do país que seria o líder, tais como o potencial econômico, a geografia estratégica bem como o peso político que o mesmo tem no cenário internacional11.

Entretanto, com o passar dos anos a funcionalidade do processo de integração, a forma de disputa bem como a natureza das tensões entre o Itamaraty e a Casa Rosada modificou-se.

A diferença está no exercício desta liderança, ou seja, com a entrada da Venezuela o que está em jogo não é mais o comando de um bloco oriundo e atuante apenas no Cone-Sul da América do Sul, com a Venezuela no MERCOSUL a liderança atinge uma alçada maior e se torna uma disputa para ser o líder de um bloco que é também da América do Sul, isto significa que o comandante deste "novo" MERCOSUL terá grandes possibilidades bem como cacife político para se comportar como um potencial líder da América do Sul em um futuro próximo, mediante a consolidação da UNASUL.

 

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SEITENFUS, Ricardo. Líder solitário ou potência egoísta? Os dilemas do Brasil frete ao novo Paraguai. In: Revista Interesses Nacional, outubro de 2007. pp. 1-18. Disponível em <www.seitenfus.com.br> (acessado em 06 de março de 2010).

VILLA, R. D. A Política Externa na administração Hugo Chávez. In: Revista de Política Externa, vol.13 nº1. Junho/Julho/Agosto, 2004. pp: 99-119.

VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez. In. Estudos Avançados USP, Nº55, volume: 19. São Paulo: setembro-dezembro de 2005, pp. 153-172. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000300011>

 

Sites Consultados:

www.agenciabrasil.gov.br

www.cepal.org/brasil

www.eclac.org

www.funag.gov.br

www.ibge.gov.br

www.mre.gov.br

www.seitenfus.com.br

 

 

1. Há este protocolo disponível no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. <www.mre.gov.br>.
2. Em linhas gerais, o Socialismo do Século XXI prega a justiça social, a equidade entre as pessoas, a paz e a autodeterminação dos povos, aliado a um sistema democrático, pelo uso constante de meios plebiscitários de decisões. Segundo Neves (2010: 126) nos últimos anos Chávez vem tentando utilizar o catolicismo e o discurso indigenista como parte construtora deste socialismo a fim de agregar "consenso", pois 96% dos venezuelanos são católicos e/ou mestiços. Porém, não vem sendo um exercício fácil, pois Chávez encontra dificuldades em aliar uma visão marxista e bolivariana sendo que seus adversários constantemente relembram de como Marx foi um grande crítico das ações de Simon Bolívar no século XIX. Em resumo, seria um socialismo que utiliza alguns postulados do conceito de socialismo do século XIX e os adapta aos dilemas do presente ao rechaçar alguns aspectos da experiência malograda do socialismo real.
3. O bloco atingiria uma área de aproximadamente 12 milhões 717 mil e 987 Km2, um aumento de 7,7% em sua amplitude territorial, pois a Venezuela contribuiria com 915 mil e 050 Km2.
4. Os dados a seguir foram extraídos da CEPAL e do IBGE e as tabelas a seguir constam nos anexos.
5. Tratam-se de números aproximados.
6. Números aproximados no intuito de facilitar a leitura dos mesmos.
7. Compreende-se pela exploração do petróleo, gás-natural, minério de ferro, etc.
8. Estes números são fontes no Anuário Estatístico da CEPAL (2009), que compreende os anos de 2006, 2007 e 2008.
9. Alternativa Bolivariana para as Américas. Segundo Rodríguez (2007), a ALBA é uma iniciativa proposta por um grupo de países (Venezuela, Cuba, Nicarágua, Equador e outros) que visa ser um instrumento eficaz de combate as causas que emperram a integração no âmbito da América Latina, tais como a pobreza, as assimetrias entre os países, o intercâmbio comercial injusto e a enorme dívida externa. Ademais, rechaça a imposição de políticas por parte de órgãos internacionais de financiamento como o FMI (Fundo Monetário Internacional), BM (Banco Mundial) e OMC (Organização Mundial do Comércio). Além destas, há o enfraquecimento da sociedade civil dos países latino-americanos (RODRÍGUEZ, 2007:234). Por isso, a ALBA procura ser um caminho alternativo para que os povos latino-americanos não tenham que aderir a ALCA, iniciativa dos Estados Unidos e, portanto, considerada imperialista. Os ideais propostos na ALBA estão calcados nos matizes ideológicos apregoado a Simón Bolívar que luta contra a dominação "imperialista" dos países desenvolvidos e busca uma alternativa "patriótica de libertação" para a América Latina e o Caribe.
10. Em alguns momentos, tais conflitos descambaram para uma corrida armamentista, quando ambos eram comandados por governos autoritários nas décadas de 1960 e 1970.
11. Além destes motivos, também há a pretensão brasileira de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, empreitada que tem ocupado energia da diplomacia brasileira nos últimos anos.