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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A influência dos direitos de propriedade no desenvolvimento econômico da América Latina no período 2000-2007

 

 

Andréa Freire de LucenaI; Dnilson Carlos DiasII; Denise Talitha Soares CarneiroIII

IDoutora em Relações Internacionais. Professora do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG)
IIDoutor em Economia. Professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG)
IIIGraduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é verificar se os direitos de propriedade influenciam no desenvolvimento econômico da América Latina e Caribe. Neste sentido, foi construído um modelo econométrico utilizando a metodologia de organização de dados em painel, compreendendo os anos de 2000 a 2007 para os seis países com maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) regional: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. O resultado obtido foi que os direitos de propriedade possuem correlação positiva com o Desenvolvimento Econômico (estimado pelo PIB per capita) dos países. Assim, o presente estudo fornece evidências empíricas de que os direitos de propriedade influenciam no desenvolvimento da América Latina e Caribe.

Palavras-chave: Direitos de propriedade. América Latina e Caribe. Desenvolvimento econômico


 

 

1. Introdução

Segundo North (1991), instituições são regras que coordenam e limitam as ações dos indivíduos em sua interação política, econômica e social. Podem ser formais, como as leis e o direito de propriedade, ou informais, como os códigos de conduta. Uma vez que as decisões dos agentes econômicos definem o comportamento na economia, as instituições, ao influenciarem as escolhas dos indivíduos, não podem ser ignoradas nas análises a respeito da governança econômica.

Os direitos de propriedade são também instituições que se manifestam por meios formais (como leis, contratos e patentes) e informais (respeito ao bem alheio). O direito de propriedade, enquanto instituição, também influencia a governança econômica, já que a sua existência gera confiança dos agentes econômicos e isso pode impactar diretamente na decisão de investir em um país e, portanto, no desenvolvimento econômico desse país. Em um país em que há ampla proteção à propriedade intelectual, por exemplo, com estabelecimento de patentes de longa data, os inventores podem gastar menos recursos na tentativa de "esconder" suas descobertas do que em países em que há pouca ou nenhuma proteção a esse tipo de propriedade. Assim, também os direitos de propriedade são fatores que influenciam nas decisões dos agentes econômicos.

O objetivo deste trabalho é verificar se, entre 2000 e 2007, os direitos de propriedade tiveram influência no desenvolvimento da América Latina e Caribe. O artigo utilizou o método estatístico aplicado a Dados em Painel para seis países da região, selecionados como amostra, no período de 2000 à 2007. O critério para a seleção dos países que compõem a amostra foi sua participação no PIB total da região. Os seis países com maior relevância econômica nesses termos são: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.

Os dados coletados para os países foram quatro, a saber: PIB per capita, a proporção de investimento no PIB, o número de publicações científicas, e o Legal Structure and Security of Property Rights. Estes dados foram retirados, respectivamente, das seguintes fontes: base virtual do World Bank (World Development Indicators (WDI)), banco de dados virtual Latin American and Caribbean Macro Watch Data Tool, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), base de dados virtual do grupo de pesquisas SCImago e banco de dados virtual do Instituto Fraser.

O modelo construído tem o PIB per capita como variável dependente e o número de publicações, a proporção de investimento no PIB e o índice de propriedade como variáveis explicativas. O modelo foi testado utilizando o software estatístico Stata, versão 10.0.

 

2. Os Direitos de Propriedade e o Desenvolvimento Econômico

2.1. Custos de Transação

Custos de transação são os custos decorrentes da compra ou venda de bens no mercado. Coase (1988) foi o primeiro economista a desenvolver uma teoria na qual os custos de transação são levados em conta. Antes disso, a teoria econômica trabalhava sob a hipótese desses custos serem nulos, uma vez que eram considerados de pouca importância.

Coase (1937), em seu artigo The Nature of the Firm, chega à conclusão que os custos envolvidos na utilização do mercado pelas empresas são fatores determinantes na decisão de verticalizar a produção pela empresa ou utilizar o mecanismo de preços. Em outras palavras, a produção será realizada pelo mecanismo mais barato para o setor ou empresa específicos.

Mas, afinal, quais são estes custos de utilização do mercado? São de diversas espécies: custos de divulgação do produto (marketing), trabalho de pesquisar fornecedores e preços, elaboração de estratégias de compra e venda, custos de contrato (tanto do estabelecimento quanto de suas quebras e conseqüentes ações judiciais envolvidas) etc.

Os custos da utilização do mercado, antes ignorados, passam a ser fator determinante na decisão de como produzir e distribuir os recursos.  Na verdade, existem poucos mercados e situações reais em que os custos de transação possam ser negligenciados (FURUBOTN; PEJOVICH, 1972). As empresas existem justamente para tornar estes custos menores, barateando os bens em geral.

2.2. Definição de Direitos de Propriedade

Os direitos de propriedade são um conjunto de direitos que ditam o que é legal a um indivíduo fazer com um bem. Os diversos detalhes desse conjunto dependem das leis que cada comunidade possui. Em geral, é possível definir o direito de propriedade como o direito ao uso exclusivo de determinado recurso e à distribuição dos frutos desse uso, assim como o direito de transferir a propriedade totalmente ou em partes (como exemplos, a venda e o aluguel, respectivamente) e de modificá-la (FURUBOTN; PEJOVICH, 1972; PRZEWORSKI, 2008). Tais direitos não são irrestritos, a lei pode, por exemplo, proibir certas construções que prejudiquem outros indivíduos, como prédios que abalem a estrutura da região ou barragens de água que afetem a utilização do rio.

Outra característica importante da propriedade é o fato de que ela ocorre em relação ao proprietário e aos outros indivíduos, e não em relação ao proprietário e à propriedade (FURUBOTN; PEJOVICH, 1972). Se uma pessoa vivesse só no mundo, não faria sentido dizer que ela possui isso ou aquilo, ou que tudo é seu. A partir do momento em que surgem outras pessoas, tornam-se necessárias tais definições, de forma que a propriedade é uma relação entre indivíduos a respeito dos bens.

Portanto, quando indivíduos negociam um determinado bem estão na verdade negociando os direitos sobre este (FURUBOTN; PEJOVICH, 1972). Em conclusão, dizer que um indivíduo possui propriedade sobre determinado bem equivale a afirmar que o indivíduo em questão possui um conjunto de direitos em relação a determinado bem perante a comunidade em que vive.

2.3. Tipos de Propriedade

A propriedade se manifesta de diversas formas, algumas delas difíceis de serem mensuradas ou mesmo observadas. Ela ocorre em relação a objetos físicos - como a terra, construções, animais roupas e jóias -, a bens intangíveis - tais como propriedade intelectual, patrimônio intelectual e força de trabalho - e até características mais abstratas - a vida, a liberdade e os direitos. Esta diversidade complica o estudo, uma vez que é difícil mensurar e estudar grande parte desses aspectos, principalmente os mais subjetivos (PIPES, 1999). Mesmo dos bens físicos é difícil mensurar o valor por causa de sua quantidade e diversidade, tanto que a maioria das famílias não tem muita certeza quanto ao valor total de seu patrimônio.

Para exemplificar: como o patrimônio intelectual de um país pode ser medido? Vários indicadores podem e são utilizados, como a escolaridade, a produção científica e o avanço tecnológico. No entanto, apesar de ser possível estimar o patrimônio intelectual a partir desses indicadores, seu valor será impreciso, pois não é possível encontrar sua capacidade exata, quanto mais seu valor monetário.

Para a investigação científica dos direitos de propriedade, esta não pode ser definida de forma tão vaga que abranja todos os seus tipos. É importante limitar o objeto de estudo a suas manifestações que possam ser observadas e quantificadas, para que o estudo possa ser válido e passível de refutação. Com este intento, os estudiosos distinguem três tipos de propriedade, a saber: comunal, privada e estatal.

A propriedade comunal pertence a todos os membros da comunidade, assim não é permitido que uns excluam outros do uso ou imponham limites a este. Os frutos das árvores plantadas em lugares públicos é um exemplo; utilizar a praia é outro. No caso da propriedade privada, um membro ou conjunto de membros da comunidade possui direitos exclusivos ao uso, e pode excluir os outros. Por fim, o Estado possui direitos exclusivos ao uso e aos frutos da propriedade estatal, e possui o direito de excluir a comunidade ou parte dela de seu usufruto (DEMSETZ, 1967).

Essas três divisões do direito de propriedade tornam possível uma definição mais precisa do termo, que pode abranger uma infinidade de objetos e características. O tipo que será tratado no presente estudo é a propriedade privada.

2.4. Direitos de propriedade como forma de redução dos custos de transação

Como visto anteriormente, as empresas existem para tornar menores os custos de transação (COASE, 1960). Quanto mais reduzidos forem esses custos, mais eficiente é a alocação de recursos em uma economia, pois menos dinheiro é desperdiçado no mecanismo de mercado. O desenvolvimento econômico, por sua vez, é maior quanto melhor for a utilização dos recursos.

Empresas e contratos são formados levando em conta diversos Direitos de Propriedade. Como já dito, estes estabelecem as relações dos indivíduos entre si a respeito das coisas. Não seria possível, portanto, formar unidades produtivas de maior ou menor complexidade sem estabelecer como os recursos serão alocados entre os agentes econômicos, afinal empresas e contratos são formas organizadas e formalizadas de alocação de recursos.

Suponha que a propriedade não exista. Como seria possível a existência de uma empresa? Ainda que pequena, uma empresa precisa de algum patrimônio para existir, pode-se citar, por exemplo, local para se estabelecer, matéria-prima para transformar e produtos para vender. É imprescindível à empresa a posse e o controle sobre determinados recursos, ainda que sejam poucos. Também é necessário que haja ao menos um trabalhador, e isto só é possível se a empresa oferecer algo em troca a ele, pois é improvável que trabalhará de graça. Ou seja, para pagar o trabalhador, a empresa deve ser dona de algo valioso para ele. Não há como, portanto, existir uma empresa na ausência de propriedade.

Como a função da empresa é reduzir os custos de transação, na inexistência dos direitos de propriedade os recursos são alocados de forma extremamente ineficiente, uma vez que todo o custo de transação que as empresas eliminam afetaria o mercado. Com maiores custos e dificuldades, haveria maiores entraves ao desenvolvimento econômico: quanto pior a alocação dos recursos, menores resultados são gerados.

Os direitos de propriedade, ao permitir a existência de empresas e contratos, diminuem os custos de transação e permitem que os recursos sejam melhor alocados, ampliando a quantidade e a qualidade dos produtos e serviços. Dessa forma, retiram os entraves à prosperidade e garantem maior desenvolvimento econômico.

2.5. Evidências Empíricas

Ultimamente, várias pesquisas econométricas têm sido realizadas com a finalidade de verificar o impacto dos direitos de propriedade no desenvolvimento econômico. Tais estudos são importantes, uma vez que fornecem evidências empíricas à teoria.

Um estudo reconhecido foi o realizado por Acemoglu e Johnson (2005), no qual se construiu um modelo de regressão cuja variável dependente foi PIB per capita, como proxie do desenvolvimento; e as variáveis explicativas, os direitos de propriedade e as instituições de contrato (segurança de que os contratos estabelecidos serão cumpridos). O modelo foi aplicado em 90 países para a década de 1990. O resultado obtido foi que os direitos de propriedade influenciam diretamente, no longo prazo, o crescimento econômico e o investimento.

Lewer e Sáenz (2005) também encontraram resultado semelhante, ao testar a hipótese em 101 países no período de 1990 à 2002. Sua variável dependente, proxie do desenvolvimento, foi a taxa de crescimento do PIB real. As variáveis explicativas foram os crescimentos da força de trabalho, do capital real e do comércio internacional, o nível de escolaridade secundária e o índice de direitos de propriedade.

Também podem-se citar outros autores. De Soto (2000) encontrou grande disparidade em relação aos direitos de propriedade entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Besley (1995) encontrou evidências empíricas de que os direitos de propriedade influenciaram o investimento em duas regiões de Gana. Alston et. al. (1996) verificaram que o título de posse da terra nas fronteiras brasileiras contribuía para o investimento nas propriedades.

Em geral, assim como os exemplos citados anteriormente, as pesquisas realizadas neste campo têm verificado uma correlação positiva entre os direitos de propriedade e o desenvolvimento econômico. Isto é fundamental, uma vez que oferece respaldo científico à teoria.

 

3. Medindo o Impacto dos Direitos de Propriedade no Desenvolvimento Econômico

Estimar o grau de aplicação de um direito é uma tarefa difícil, uma vez que consiste em atribuir um número ou classe a algo subjetivo que possui diversas formas de se manifestar. Os direitos não podem ser apenas mensurados pelas leis, pois estas nem sempre são aplicadas de forma rigorosa. No entanto, para avaliar a proteção aos direitos de propriedade em um país de forma que se possa relacioná-la com a de outros países e com o desenvolvimento, é necessário encontrar uma forma de medir tal proteção.

Os direitos de propriedade dependem das instituições formais que os definem - por meio de leis, regras e estatutos - e que garantem um ambiente adequado para sua existência. A eficiência e rapidez do poder Judiciário são fundamentais nesta questão, pois de pouco vale a propriedade privada ser plenamente garantida pela lei, se esta não for aplicada ou o for de forma inadequada. Um judiciário lento e corrupto prejudica o direito de propriedade, posto que diminui a garantia deste ao tornar questionável a aplicação das leis.

As instituições informais também são fundamentais para a garantia de propriedade privada. Nada adiantaria boas leis e aplicação eficiente destas, caso os indivíduos não respeitassem a propriedade alheia; ou se os proprietários não tivessem noção de seus direitos. Regras, para funcionarem, devem estar de acordo com os padrões sociais, não só para serem aceitas como também para serem compreendidas. A propriedade é uma relação entre indivíduos a respeito das coisas e, portanto, depende do reconhecimento da maioria dos indivíduos envolvidos a respeito do que é propriedade e quais são os direitos de seu dono.

Dado que a garantia de propriedade está relacionada à proteção dada aos proprietários contra a expropriação de seus bens, seja pelo Estado ou por terceiros, alguns autores, como Acemoglu e Johnson (2005), consideram a probabilidade de expropriação um bom índice para estimar os direitos de propriedade em um país.

Estes, no entanto, são mais amplos, pois também envolvem, por exemplo, os direitos do proprietário contra danos criminosos aos seus bens, ainda que não aconteça a expropriação, e a capacidade de dispor de seus bens vendendo-os, o que depende tanto da possibilidade legal de transferir bens como da efetividade e rapidez do processo legal. Assim, um índice que quantifique a garantia de propriedade privada em um país deve levar em conta todos esses critérios.

3.1. Metodologia

No sentido de verificar se, entre 2000 e 2007, os direitos de propriedade tiveram influência no desenvolvimento da América Latina e Caribe, os países selecionados para representar a América Latina e Caribe correspondem às principais economias da região em termos de proporção no PIB regional: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.

Como forma de verificar se os direitos de propriedade estão de fato relacionados ao desenvolvimento econômico, o modelo foi construído levando em conta quatro variáveis, a saber: PIB per capita, proporção de investimento no PIB, número de publicações científicas e índice de direitos de propriedade:

a) PIB per capita - O PIB per capita é o Produto Interno Bruto de um país dividido pelo seu número de habitantes. É tradicionalmente considerado pelos economistas como um bom índice para medir o desenvolvimento de um país a longo prazo (ACEMOGLU; JOHNSON, 2005). Além disso, segundo a teoria, há pouca ou nenhuma produção na ausência de direitos de propriedade. Esta comparação permitirá verificar se quanto maior forem esses direitos, maior será a produção, ou se esta depende da propriedade apenas para existir, sem influência em sua quantidade. Os dados para o PIB per capita foram retirados do banco de dados virtual do World Bank, o World Development Indicators (WDI), disponível em seu site, na Internet;

b) Proporção de Investimento no PIB - A proporção de investimento no PIB é a porcentagem do investimento em relação a este, também denominada taxa de investimento. Como dito anteriormente, quanto maior a garantia de direitos de propriedade, maior a segurança dos proprietários em relação ao fruto de seus investimentos e, conseqüentemente, mais investimentos serão realizados. Assim, a taxa de investimento é uma medida de como os agentes econômicos avaliam o risco de expropriação, sendo que sua relação se estabelece da seguinte forma: quanto mais alto considerarem o risco, menos irão investir. A taxa de investimento foi retirada da base de dados virtual Latin American and Caribbean Macro Watch Data Tool, no site do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID);

c) Número de Publicações Científicas - O número total de publicações científicas durante o ano será utilizado para representar a propriedade intelectual dos países. A justificativa é que quanto maior a propriedade intelectual, espera-se que maior seja a contribuição científica, tanto de um indivíduo quanto de um país. Os valores utilizados foram retirados do portal virtual do grupo de pesquisas SCImago (SCImago Journal and Country Rank), da Universidade de Granada;

d) Índice de Direito de Propriedade - O índice Legal Structure and Security of Property Rights (Estrutura Legal e Segurança dos Direitos de Propriedade) é um dos componentes do índice Economic Freedom of the World (índice mundial de liberdade econômica), calculado pelo Instituto Fraser (os valores foram retirados de sua base de dados virtual disponível em: http://www.freethewold.com, com acesso em: 15 nov. 2010). O índice engloba os seguintes componentes: independência do Judiciário, imparcialidade dos tribunais, proteção dos direitos de propriedade, interferência militar no Estado de Direito ou no processo político, integridade do sistema jurídico, aplicação jurídica dos contratos e restrições à venda da propriedade (GWARTNEY, J.; HALL, J.; LAWSON, R. et. al., 2010). Este será o índice usado para medir os direitos de propriedade em cada país.

3.2. Análise do Modelo

O conjunto de dados coletados foram dispostos na forma de dados longitudinais (também denominados Dados de Painel), o que significa que diferentes dados foram observados em períodos de tempo distintos. Dados longitudinais são uma combinação de dados em corte transversal (diferentes variáveis em um mesmo períodos) e das séries temporais (uma mesma variável em distintos períodos de tempo) (PINDYCK; RUBINFELD, 1998).

Na amostra utilizada, os dados de painel permitem observar a trajetória do desenvolvimento ao longo do tempo para um único país e a variação do desenvolvimento em todos os países da amostra em um único ano. De acordo com Pindyck e Rubinfeld (1998), os dados em painel apresentam uma série de vantagens:

Primeiro, conjuntos de dados normalmente fornecem um maior número de pontos de amostragem, e assim geram graus de liberdade adicionais. Segundo, a incorporação de informações tanto em corte transversal quanto de séries temporais pode diminuir consideravelmente as dificuldades que surgem quando há variáveis omitidas (PINDYCK; RUBINFELD, 1998, p. 288).

O conjunto de observações da amostra constitui um painel equilibrado, ou seja, não falta nenhuma observação em nenhum período do tempo. O modelo utilizado é linear, pois as variáveis são todas variáveis econômicas simples e estas provavelmente possuem distribuição normal. Mais especificamente, foi utilizado um modelo de efeitos aleatórios. Este é aplicado quando assume-se que os efeitos não observados (ou seja, variáveis que influem no modelo mas não se encontram nele por motivo de falta de dados, desconhecimento da variável ou outros) são não-correlacionados com as variáveis explicativas: a covariância entre os efeitos não observados e todas as variáveis explicativas é zero ao longo dos períodos (Wooldridge, 2005).

Este modelo possui sentido na teoria dos direitos de propriedade, pois estes são bastante amplos e se manifestam de várias formas, muitas delas subjetivas ou complexas demais para serem observadas completamente (propriedade intelectual, patrimônio total das famílias etc.). Por sua diversidade, muitas formas de direitos de propriedade são não-correlacionados. Por exemplo, o direito de deixar a propriedade como herança e o direito de patentear uma criação, a princípio, não estabelecem uma relação lógica.

Levando em conta que a variável dependente, no modelo, estima o desenvolvimento econômico, que depende de quase uma infinidade de fatores, a probabilidade de que as variáveis não observadas sejam correlacionadas às explicativas é ainda menor. Isso porque a diversidade dos fatores que influenciam no desenvolvimento é enorme e o modelo trata apenas de um deles, a garantia de propriedade.

Outro modelo linear possível é o método dos efeitos fixos, que deve ser aplicado quando as variáveis não observadas são correlacionadas com algumas das explicativas. A escolha entre os modelos deve ser decidida por um teste estatístico que assume, como hipótese, que "os erros idiossincráticos e as variáveis explicativas são não-correlacionados ao longo de todos os períodos de tempo" (Wooldridge, 2005, p. 445), por meio da comparação entre os modelos de efeitos fixos e aleatórios. Tal teste é denominado Teste de Hausman.

3.3. Modelo Empírico

Com o objetivo de testar se os direitos de propriedade têm influência no desenvolvimento econômico, as comparações entre os indicadores citados foram realizadas por meio de um modelo de regressão múltipla no qual o PIB per capita é tomado como uma proxy do desenvolvimento econômico e, assim, utilizado como variável dependente. O modelo é apresentado a seguir:

 

 

Onde,

= PIB per capita do país i (i = 1,2,3,4,5,6) no ano t (t =1,2,3,4,5,6,7);

= intercepto comum a todos os países;

= parâmetros a serem estimados;

= taxa de investimento do país i no ano t;

= número de publicações científicas no país i no ano t;

= índice de direito de propriedade do país i no ano t;

= erro aleatório ao longo dos anos e países.

 

4. Resultados e discussão

O modelo (1), descrito anteriormente, apresentou correlação positiva entre o PIB per capita e as variáveis explicativas (taxa de investimento, índice de propriedade e número de publicações científicas). De forma que, para a amostra estudada, os direitos de propriedade apresentaram influência no desenvolvimento.

O modelo utilizado, escolhido pelo teste de Hausman, foi o de efeitos aleatórios. Os resultados são apresentados na tabela 1. Nota-se que todas as variáveis explicativas possuem mais de 99% de significância, ou seja, sua influência no PIB per capita não pode ser rejeitada. Tais resultados indicam que os direitos de propriedade tiveram impacto positivo no desenvolvimento em Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru (países que compõem a amostra) no período estudado.

Os resultados obtidos e apresentados na Tabela 1 corroboram a teoria apresentada no sentido que os direitos de propriedade influenciam o desenvolvimento econômico de três formas: diminuindo o risco dos investimentos e, com isso, incentivando-os; reduzindo as externalidades, o que leva a diminuição dos custos sociais e a uma alocação mais eficiente de recursos; e reduzindo os custos de transação, pois diminui os custos de contratação e possibilita a existência de empresas que surgem justamente afim de otimizar a alocação de recursos.

Em termos numéricos, os resultados apresentados na Tabela 1 calcularam os impactos sobre o PIB para os países analisados em termos dos logaritmos naturais ou variações percentuais dos dados referentes aos Direitos de propriedades, publicações e investimentos, sendo que seus coeficientes foram significativos e positivos. O Teste de Hausman apresentado mostrou que o modelo de Efeitos Fixos foi adequadamente utilizado e a hipótese inicial deste trabalho de que os direitos de propriedade influenciaram o desenvolvimento da América Latina e Caribe durante o período de 2000 a 2007 se mostrou estatisticamente verdadeira, constituindo assim mais uma evidência empírica da teoria econômica dos direitos de propriedade.

 

5. Considerações finais

Os Direitos de Propriedade possuem papel fundamental no desenvolvimento econômico de um país ou região, pois diminuem os riscos de investir, as externalidades e os custos de transação. Quanto mais seguros e garantidos forem os direitos de propriedade, menor a chance de que os proprietários tenham seus bens expropriados e, assim, menor é o risco de investir na produção ou melhoria de um bem. Em outras palavras, há incentivo ao investimento, fator essencial para o desenvolvimento econômico.

Como a propriedade internaliza, para o proprietário, os custos e benefícios do uso de sua propriedade, há um forte incentivo para usá-la da forma que traga mais benefícios. Este fato faz com que as externalidades sejam reduzidas e ajuda no desenvolvimento econômico, pois os recursos são utilizados de maneira mais proveitosa. Os direitos de propriedade também possibilitam a existência de empresas, que, ao verticalizar a produção, diminuem os custos de transação, gerando alocação mais eficiente dos recursos e, conseqüentemente, estimulando o desenvolvimento econômico.

Com base na teoria, este trabalho buscou responder a seguinte pergunta-problema: "há evidências que, no período de 2000 à 2007, os direitos de propriedade influenciaram no desenvolvimento econômico da região da América Latina e Caribe?" A hipótese adotada foi que sim, os direitos de propriedade influenciariam no desenvolvimento da região. Os países escolhidos para compor a amostra foram Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Esta escolha foi feita por esses países representarem, sozinhos, mais de 80% do total do PIB regional.

Apesar das economias da ALC não serem homogêneas, há entre elas várias características em comum, como o grau de desenvolvimento, a trajetória de crescimento, a alta dependência de recursos externos, a grande porcentagem de divisas provenientes de turismo ou remessas internacionais e a exportação composta principalmente de produtos primários e manufaturas, destinados a poucos mercados.

Os resultados da regressão indicaram correlação positiva entre as variáveis explicativas e a dependente, todas com alto grau de significância. Assim, para a amostra escolhida, pode-se afirmar que, de acordo com a teoria econômica dos direitos de propriedade, estes possuem influência positiva no desenvolvimento dos países. Este trabalho, portanto, é mais uma evidência empírica da teoria.

 

6. Referências bibliográficas

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