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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A iniciativa para a integração da infra-estrutura regional da américa do sul (IIRSA)

 

 

Angelita Matos Souza

Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pelo IFCH/Unicamp; Doutora em Economia Aplicada pelo IE/Unicamp. Professora junto ao Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (DEPLAN) da Unesp de Rio Claro/SP

 

 


RESUMO

Em meio ao novo desenvolvimentismo transnacional que orientou a política econômica dos governos Lula, existe a continuidade da iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul (IIRSA). O objetivo é criar/incrementar canais de intercâmbio e fluxo de mercadorias por meio da integração física entre os 12 países participantes (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela), com investimentos maciços em infra-estrutura concentrados nos setores de transporte, energia e telecomunicações. Além da abordagem dos objetivos, relacionando as críticas principais ao empreendimento, interessa-nos tecer breves considerações sobre as pretensões de liderança do Brasil e os limites financeiros para tanto, assim como acerca das crescentes acusações de imperialismo do país sobre a região.

Palavras-chave: IIRSA; expansionismo e liderança regional brasileira.


 

 

A iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) constitui um mega projeto de integração visando à exploração e comercialização de recursos energéticos e minerais estratégicos da América do Sul. O planejamento estatal em torno de eixos de integração e desenvolvimento (EID) pretende avançar na interação entre economias de escala, custos de transporte e distribuição espacial da produção, além de incorporar as preocupações contemporâneas de sustentabilidade ambiental e social (embora os críticos da Iniciativa contestem tais preocupações).

O projeto tem como pressuposto a adoção de um "modelo de desenvolvimento para fora", orientado, em grande parte, pelo estudo do ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Eliezer Batista da Silva, "Infra-Estrutura para o Desenvolvimento Sustentado e Integração da América do Sul", de 1995.Estudo que defende a integração física, por meio da construção e aprimoramento da infra-estrutura no espaço sul-americano, como forma de ampliar as vantagens comparativas e a inserção competitiva da região ao mercado mundial, com a logística por eixos articulados de investimentos em transporte, telecomunicação e energia estimulando o comércio e os investimentos, adicionando valor e reduzindo custos.

Lançado ao mundo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 2000, as trocas de governos desde então não implicaram em abandono do projeto, o que significa que mesmo governos considerados à esquerda o aprovam1. Na reunião de Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004, os presidentes dos 12 países reafirmaram seu compromisso com a Iniciativa e aprovaram a "Agenda de Implementação Consensual 2005-2010", que definia os 31 projetos prioritários a serem concluídos até 2010. A agenda consensual seria bem mais modesta face às metas do projeto inicial, conforme Araújo Jr. (2009), os governantes incluíram nela aqueles projetos que, com base nas informações disponíveis em dezembro de 2004, seriam certamente concluídos até 2010. Dentre os dez eixos iniciais seriam agora priorizados sete e os mais de 300 projetos reduzidos a 31 - dois na área de comunicações, um na área de energia e 28 na área de transportes.

 

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Em maio de 2008, em Brasília, quando foi criada a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), os compromissos seriam reafirmados e os resultados comemorados, dos projetos da agenda consensual, sete haviam sido concluídos e 11 estavam com o cronograma em dia. Em termos de valor, os 18 projetos representavam cerca de 80% dos investimentos totais da agenda; sendo o número de projetos em andamento maior, pois o Brasil executa com o Programa de Aceleração do Crescimento 34 projetos previstos na IIRSA e o PAC foi lançado no início de 2007, indo além da agenda de 2004.

No entanto, para Araújo Jr.(2009), o conjunto mais limitado de investimentos prejudicaria uma das características centrais da IIRSA: a lógica da complementaridade entre os projetos previstos, cada eixo organizado em torno de um determinado número de projetos âncora, buscando sua implantação simultânea a fim de evitar a geração de novas disparidades regionais. Mas o autor reconhece que obras públicas de longo prazo raramente são executadas de acordo com os planejamentos e cronogramas originais, geralmente alterados ou interrompidos ao sabor dos rumos políticos e econômicos locais e internacionalmente. Risco, segundo ele, particularmente alto no caso da IIRSA, cuja continuidade dos projetos depende que a cada renovação de presidentes nos doze países se mantenha o apoio à iniciativa.

De nossa parte, consideramos que, politicamente, a probabilidade de continuidade dos apoios é bastante provável, tanto que governantes o têm renovado desde 2000. O que não é difícil de compreender: 1º há interesses poderosos, regionais e internacionais, envolvidos nos projetos de integração da infra-estrutura regional; 2º a Iniciativa não vai de encontro ao modelo de acumulação vigente, especialmente no Brasil.

Como escrevera Carlos Lessa (1998), ao analisar o II PND, a atuação do Estado está balizada por grandes "pactos" que delimitam o raio de manobra às decisões estatais dentro de uma estrutura de dominação. A despeito das dificuldades teóricas envolvidas na definição do que seja "pacto", podemos apreendê-lo como as grandes coalizões de interesses entre os detentores do capital, "praticamente inatacáveis". Seja devido à articulação com o capital internacional hegemônico ou à centralidade que adquirem internamente na equalização dos diversos interesses em jogo (necessária à própria amortização dos conflitos que a articulação com o capital financeiro internacional pode produzir).

Desta perspectiva, no Brasil "moderno", um pacto é de particular importância: o que solda em uma ampla frente de interesses o bloco da grande engenharia nacional com amplas frações do capital industrial nacional e estrangeiro, fornecedores de materiais/equipamentos, e, pelo volume de emprego que gera direta e indiretamente, com a indústria de bens finais de consumo e a produção agrária (sem falar no "mercado de votos"). Ou seja, o setor da construção civil tem um papel crucial, sendo vital à sustentação do ritmo de atividade, pois se articula com diversos interesses da indústria de materiais/equipamentos, setores mercantil, imobiliário e financeiro, além de indiretamente, por meio da geração de empregos, com a indústria de bens de consumo e com a agricultura.

Um "pacto" que mantém uma estreita articulação com os investimentos públicos, que devem obedecer a uma hierarquia de prioridades tendo em vista as articulações dominantes, tais como: 1) construção da infra-estrutura necessária à expansão privada (investimentos no sistema de transporte, comunicações etc.); 2) suprimento de certos insumos, notadamente de geração e distribuição de energia.

A iniciativa de IIRSA encaixa-se perfeitamente à lógica acima, que denominaríamos a política do possível, sem rupturas com o padrão de acumulação vigente. Pela via da contemporização, evitando conflitos de interesses mais agudos; mesmo porque os detentores da riqueza no Brasil dificilmente concordariam com a transferência dos recursos vultosos, por exemplo, à revolução educacional, o que efetivamente deveríamos copiar da experiência sul-coreana que parece servir de inspiração ao governo, especialmente ao presidente do BNDES (no que diz respeito à formação de grandes grupos empresariais, os campeões nacionais). Já o expansionismo financiado pelo Estado é muito bem-vindo.

Por sua vez, a abordagem de Lessa (1998) do circuito financeiro como o banquete "ali na esquina", cuja mesa já estava posta à época em que foi lançado o II PND, serve para entendermos também o "desenvolvimentismo" dos governos Lula: a mesa estava posta e, muito provavelmente, o "sonho de potência" só seria tolerado se não fosse interrompido o banquete. Não obstante, a combinação da política de juros altos com o desenvolvimentismo internacionalista talvez seja contraditória demais para sustentar a "estratégia" expansionista/integracionista no médio/longo prazo.

A principal dificuldade à iniciativa de IIRSA não é, portanto, política e, sim, financeira, de dependência de investimentos estatais, fundamentalmente brasileiros, pois apesar das acusações de imperialismo, efetivamente os países envolvidos esperam que o Brasil assuma definitivamente a iniciativa da integração física regional. Nos últimos anos, o BNDES foi se convertendo no "banqueiro" principal dos empreendimentos2;, entretanto a capacidade de o Banco continuar bancando o capitalista financeiro, via transferências do Tesouro, parece encontrar seu limite, parcerias internacionais têm sido buscadas (se aposta também nos recursos do pré-sal), mas é tudo muito incerto.

E seria importante evitar controles "desde fora" (além da demanda), impedindo a participação majoritária do capital estrangeiro. Mesmo assim, não está descartado que se entregue tudo aos "imperialistas" por excelência na 1ª crise mundial que atingir decididamente o Brasil, com o apoio dos governos dos países membros na empreitada. Ou não, e aí tudo pode ficar mais estimulante. A idéia da integração envolve tantas contradições que o desfecho pode ser inusitado e positivo, como foi no caso do gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL), que pode ser considerado o ponto de partida à iniciativa de IIRSA. Um empreendimento, de início, ruim para os dois países sul-americanos.

Ao Brasil, por impor a dependência externa de um país caracterizado pela instabilidade política, comprometendo-se a adquirir o insumo energético além da demanda local (a ser fomentada), cuja exportação estaria sob controle de multinacionais norte-americanas. Ademais, sua realização corroborou com a redução/suspensão dos investimentos em hidrelétricas e/ou outras fontes de energias renováveis, ecologicamente mais acertadas. Sem falar nos prejuízos à imagem do Brasil, acusado de "imperialista" à época das nacionalizações do governo Evo Morales.

Efetivamente, o empreendimento foi lucrativo para o Brasil, sendo os danos para Bolívia incomparáveis: recursos estratégicos do país passaram ao controle de multinacionais, os preços acordados eram baixos e grande parte dos ganhos seria utilizada para pagar dívidas adquiridas no financiamento da construção do gasoduto em solo boliviano. Não obstante, com os acordos entre os governos Lula e Morales e avanços alcançados nas negociações de preços e definição de metas e prioridades favoráveis aos bolivianos, é possível afirmar que, ao final das contas, a obra é defensável: legou à Bolívia um grande investimento de infra-estrutura e supriu uma carência energética brasileira3. Depois, a integração maior com o país vizinho (rico em recursos naturais, como o lítio) pode ser ainda mais promissora para ambos num futuro próximo.

Por certo que, ao mencionarmos o caso, não queremos defender que nossos vizinhos devem abraçar o expansionismo brasileiro porque, em termos de "imperialismo", o Brasil seria melhor que os outros, contudo, é evidente que é mais fácil negociar/barganhar com um país periférico, sem grande poder de imposição (inclusive militar), que o contrário. Correto seria o Brasil orientar o expansionismo econômico (se for para prosseguir nesta direção) e sua política diplomática decisivamente no sentido de estimular a solidariedade e complementaridade entre os países sul-americanos, colocando ênfase sobre a integração/cooperação. E como tudo se decide no campo da luta política, a reação ao "imperialismo" brasileiro da parte dos países receptores de investimentos - como ocorreu na Bolívia - e a concorrência asiática podem contribuir para impor a integração baseada na cooperação/solidariedade sobre a tendência à exploração.

Em meio às acusações de imperialismo ao Brasil, tem chamado atenção certa retomada das teses de Rui Mauro Marini, que busca apreender o expansionismo brasileiro por meio da noção de "subimperialismo". Definida como a forma que a economia dependente pode assumir na etapa monopolista, exercendo uma política expansionista em cooperação antagônica com as economias centrais, Marini desejava com a noção entender a internacionalização da economia brasileira na época do regime militar4.Mesmo simpatizando com as posições do autor e apostando que sua retomada possa ser produtiva, consideramos que o expansionismo das economias dependentes só pode ser tema de pesquisa empírica, tendo em conta, no plano interno, o papel do Estado a sua realização e, no externo, a competição intercapitalista mundial em conjunturas concretas. Isto é, não vemos sentido em falar numa "teoria" do subimperialismo.

No que tange à análise da integração sul-americana, a idéia de "cooperação antagônica" de Marini parece-nos mais produtiva, especialmente à investigação das relações com a China. A expansão chinesa na região é bastante problemática às ambições de liderança regional brasileira, pois governantes locais podem explorar a "competição" entre os dois países - o que, evidentemente, é acertado, se a atuação do Brasil também for eminentemente imperialista5.

Mas sem negar que as acusações ao Brasil de práticas imperialistas têm fundamentos concretos, é preciso também reconhecer que o expansionismo de países mais ricos sobre os mais pobres pode ser elemento motor do desenvolvimento/crescimento econômico. As obras de infra-estrutura (hidrelétricas, rodovias, ferrovias, oleodutos, gasodutos, telecomunicações) na região não deixam de ter efeitos positivos para a economia dos países em questões, a despeito das vantagens para o Brasil (bem maiores segundo os críticos).

Enxergamos positivamente a idéia da integração física regional até pelo embate político regional que deve fomentar, mas, sobretudo, como condição de maior influência global e estímulo aos avanços da integração no sentido político-institucional. É claro que os empreendimentos precisam ser amplamente divulgados e o debate incandescido, sendo as mobilizações/ativismo político fundamentais à responsabilidade sócio-ambiental na condução do processo de integração6.

Para os críticos, o projeto responde a um desenho estratégico desde os centros do poder hegemônicos (nos Estados Unidos e, atualmente, também à China), articulado a grandes interesses econômicos locais, consistindo numa versão light da ALCA, com o Brasil no papel de comandante-mor dos interesses das grandes corporações mundiais, interessadas em extrair o máximo da integração sul-americana, sobretudo no que tange à exploração dos recursos energético/minerais. Sendo que alguns dos projetos previstos na área de energia visariam à exploração de recursos de países fragilizados economicamente - como a Bolívia e Peru - para abastecimento energético de regiões no Brasil em benefício de empresários locais.

De maneira geral, os críticos da iniciativa encaram os projetos como investimentos que interessam muitíssimo ao Brasil, com as obras de infra-estrutura ainda rendendo juros e venda de engenharia/equipamentos7. Alegam ainda que, se a iniciativa for integralmente realizada, mais da metade das áreas de conservação ambiental na região Amazônica será afetada, com a destruição de territórios indígenas e modos de vida de populações locais. E estaríamos assistindo à crescente "flexibilização" das leis ambientais pelos governos sul-americanos e à grande imprensa criminalizando as tentativas de resistência popular (dos camponeses, indígenas e quilombolas), tratadas como empecilho ao desenvolvimento regional.

E o fato é que os projetos de IIRSA vêm acrescentando mais lenha à fogueira das manifestações de descontentamento com o "imperialismo" brasileiro, que têm crescido nos meios acadêmicos e de comunicação latino-americanos devido ao expansionismo de empresas brasileiras pela região. Recentemente, por exemplo, alguns jornais noticiaram que os presidentes de Peru, Chile, México e Colômbia pretendiam oficializar a criação de um novo bloco econômico, o "bloco do Pacífico", chamado de Área de Integração Profunda (AIP). O objetivo do "bloco liberal" seria fazer frente ao poder regional do Brasil, conforme teria dito em entrevista ao jornal New York Times o presidente da Colômbia. (Folha de São Paulo, 25/04/2011).

No entanto, o resultado das eleições no Peru pode ter enterrado o projeto do bloco liberal8, pois Ollanta Humala é mais afinado com a "nova" esquerda latino-americana, mas já reivindicou investimentos produtivos do Brasil que resultem em avanços industriais, salientando: "Não queremos repetir com o Brasil o ditado mexicano, que diz que a desgraça do México é estar tão longe de Deus e tão perto dos EUA" (Folha de São Paulo, 10/04/2011)9.

Nos últimos anos, empresas brasileiras têm aumentado a presença no Peru10. A Petrobrás é hoje o segundo maior produtor no país; a Vale explora recursos de fosfato; a Votorantim comprou a maior produtora, refinaria, metalúrgica de zinco, e também a companhia mineira MinCo, que tem 66% das jazidas desse produto mineral; a Gerdau a maior siderúrgica, a SiderPeru. Empreiteiras brasileiras (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, doadoras nas campanhas eleitorais peruanas) estão envolvidas em grandes projetos de infra-estrutura no país. Metade da "estrada do Pacífico" foi construída por dois consórcios liderados por empresas brasileiras: o CONIRSA liderado pela Odebrecht e o INTERSUR, formado pelas empresas Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. Os trechos construídos já estão operando e as empresas obtiveram 25 anos de concessão à administração da estrada.

Entretanto, quanto ao objetivo principal da estrada - a saída para o pacífico -, o coordenador da IIRSA no Brasil, Ariel Cecílio Garces Pares, descarta sua viabilidade econômica, pois o transporte de grandes cargas em caminhões por terrenos com forte inclinação é muito difícil. Conforme Pares, a abertura à Ásia para os produtos brasileiros através de países vizinhos só virá com a construção da via férrea até o mar, utilizando-se uma rota com variações de altitude bem menores. Assim, o principal objetivo dessa nova estrada seria estimular o comércio dentro do continente, e não para fora dele11. O foco seria então mais a integração e o comércio regional, com boas oportunidades de vendas pelos comerciantes peruanos ao norte do Brasil, cujas mercadorias do sudeste chegam muito caras (porém não são poucas as denúncias de danos sócio-ambientais promovidos pela obra).

A obra está conectada à ligação viária entre os oceanos atlântico e pacífico do Eixo Interoceânico Central da IIRSA, que envolve um corredor rodoviário dos portos de Santos, em São Paulo, aos de Arica e Iquique, no Chile, atravessando a Bolívia. O Eixo Interoceânico Central atravessa transversalmente a América do Sul através do Peru, Chile, Bolívia, Paraguai e Brasil. O território delimitado incorpora os departamentos de Arequipa, Moquegua, Puno e Tacna no Peru; as Regiões XV, I (Arica e Parinacota, e Tarapacá, respectivamente) e a Província Loa da II Região Antofagasta do Chile, os departamentos de Beni, La Paz, Oruro, Potosí, Tarija, Cochabamba, Chuquisaca e Santa Cruz da Bolívia, a República do Paraguai e os Estados brasileiros de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.

 

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Nos limites deste texto, não teríamos como abordar, sequer superficialmente, os 31 projetos da iniciativa à IIRSA. A título de conclusão, apenas arriscaremos defender a iniciativa, acreditando que as vozes contrárias, que focam no reforço do setor primário-exportador, de certa forma, ignoram que é outro o contexto, muito favorável às exportações de commodities devido ao crescimento da China. E talvez esteja mais que na hora de se atrelar definitivamente o desenvolvimento à distribuição de renda, aos serviços sociais básicos de qualidade, ao incremento das capacidades imateriais, sendo que aumentar a renda das exportações - por meio de investimentos em infra-estrutura que facilitam o fluxo de mercadorias - pode ser bastante acertado. A negação pela negação (do desenvolvimento capitalista "globalizado") é que não nos parece fazer o menor sentido.

Como observou Antonio Barros de Castro, numa entrevista ao jornal Folha de São Paulo (11/04/2011), com a ascensão do leste asiático, capitaneada pela China, "países mais atrasados compram manufaturados baratos e exportam matérias-primas cada vez mais caras". E viria aí a "China 2", em busca de produtos menos poluentes, verdes. "A China 1 é a do "made in China", e eles deram uma surra baseada em trabalho barato e em imitação tecnológica". A nova China será a do "created in China". Tendo em vista este contexto novo, o autor propõe uma alternativa, diríamos, "adaptada" à China, priorizando setores nos quais os chineses não estão nem estarão:

Seriam setores protegidos pela especificidade dos nossos recursos naturais, por costumes, estrutura industrial e demanda. (...) Não proponho uma volta ao agrário. O agrário é uma trégua para você, por exemplo, construir uma indústria ligada ao pré-sal, de satélites, de novos materiais, de aços especiais. É aplicar os conhecimentos existentes para desenvolver coisas próprias e originais. A química do etanol permite desenvolver plásticos verdes. A indústria automobilística chinesa deseja vir para cá? Vamos fazer um acordo para em dez anos os plásticos serem todos verdes; nós garantimos a evolução do produto. É usar a China como mercado. É possível mudar os tratores para que eles se adaptem às necessidades do Brasil. Não é pegar o americano e fazer outro um pouco mais sofisticado. É fazer máquinas adaptadas às condições tropicais de solo, clima (grifo nosso).

Ampliar as possibilidades de exportação de commodities, por meio da integração física, pode alavancar recursos para estratégias na linha da proposta do autor, sendo desnecessário salientar que, tendo em vista sua dimensão territorial/populacional e o dinamismo urbano-industrial, o Brasil não pode embarcar na re-especialização produtiva, assim como não deve ignorar a importância da integração regional na busca de posições internacionais mais relevantes que resultem em maior poder de barganha e autonomia político-econômica à região.

Além de condição de maior influência global e estímulo aos avanços da integração no sentido político-institucional, enxergamos positivamente a idéia da integração física regional até pelo embate político que deve fomentar. A dificuldade principal, como já indicamos, diz respeito à capacidade financeira do Brasil para liderar o projeto; além de ser um tanto complicado para um país, com problemas sociais graves internamente, arcar com os custos de tal integração, mesmo que centrada na cooperação econômica e investimentos em infra-estrutura que devem incrementar as relações comerciais, intra-regionais e com o mercado mundial.

Nos últimos anos, tem suscitado críticas e polêmicas o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de "banqueiro" principal da política externa expansionista/integracionista do Brasil. Ainda que o Banco venha alcançando êxito na maioria das suas operações, cumprindo com os objetivos de lucro e obrigações ao Tesouro, o endividamento público promovido pelo diferencial entre o custo de captação do Tesouro e a taxa a ser recebida no crédito contra o BNDES está no centro do debate.

Certamente, a política de juros altos é o "banquete" que engorda todo o grande capital, à diferença que os agraciados pelos recursos do BNDES ganham no circuito financeiro e com os investimentos financiados pelo Banco. Neste cenário, consideramos menos mal que os recursos sejam direcionados aos investimentos em infra-estrutura no país e/ou em países vizinhos, é mais produtivo que financiar compras/fusões entre empresas privadas - ao menos os financiamentos representam ganhos de infra-estrutura à região. O Banco tem contribuído decisivamente para tanto, todavia a obsessão pelos "campeões nacionais" persegue a Instituição (estando por trás da política de incentivo à internacionalização).

Além do diferencial nas taxas de juros que recaem sobre o Estado brasileiro; os críticos apontam à falta de transparência na atuação do Banco (e/ou mesmo de planejamento adequado); à transferência de recursos públicos para o setor privado segundo critérios "patrimoniais"; também levantam dúvidas quanto à política de fortalecimento do capital nacional, combinada ao expansionismo internacional, como caminho para o desenvolvimento. Investimentos no exterior ainda são vistos como desvio de recursos que poderiam ser direcionados às obras em infra-estrutura local e outras necessidades sociais prementes do país - críticas que são rechaçadas pelos defensores da internacionalização sob o argumento de que os IBD no exterior são, indiretamente, investimentos no país.

Outra dimensão importante diz respeito à autonomia dos Estados sul-americanos, mormente o brasileiro, para cobrar das grandes empresas envolvidas nos projetos de infra-estrutura as metas de desempenho e o cumprimento das regras contratuais estipuladas, especialmente a qualidade dos serviços prestados por empresas nacionais em outros países, a fim de se evitar conflitos como os que envolveram, por exemplo, as atividades da Odebrecht no Equador. E muitos outros questionamentos poderiam ser arrolados: por exemplo, seriam os governos locais capazes de manter a propriedade de empresas capitalizadas com recursos públicos predominantemente em mãos sul-americanas? Os grandes investimentos em infra-estrutura não estariam dominando a agenda da integração em prejuízo do MERCOSUL, obstaculizando os avanços político-institucionais (a integração política) desejados por defensores do Bloco? Seria essa a melhor alternativa?

Quanto às acusações crescentes de imperialismo, valeria a pecha de imperialista por causa de investimentos no campo das atividades primárias e/ou negócios no setor da construção civil/infra-estrutura básica, em países caracterizados pela instabilidade política? Seriam os governos da região capazes de coordenar grandes obras de infra-estrutura com responsabilidade sócio-ambiental e/ou a "sociedade civil" capaz de reagir/impedir as arbitrariedades existentes ou que forem surgindo?

Enfim, um leque de questões controversas que deve orientar as pesquisas sobre a integração regional sul-americana. E esperamos ter conseguido traçar um panorama acerca do objeto de estudo IIRSA. Como dissemos, são muitas as contradições e dilemas envolvidos no projeto de integração física sob a liderança do Brasil, o que não significa que não se deva tentar. Até porque, se a alternativa à exploração de recursos naturais for a sua não exploração, parece-nos melhor seguir adiante. Numa aposta arriscada, entre a justiça das críticas e o desenvolvimentismo transnacional deste início de século, estaríamos defendendo este último. Pelas razões indicadas, por apostarmos que tentar é melhor do que não fazê-lo. Não obstante, debates e estudos mais exaustivos a respeito da Iniciativa em andamento sejam fundamentais.

 

Referências Bibliográficas:

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CECEÑA, Ana Esther. "Caminos y agentes del saqueo en America Latina", 23/10/2009. Disponível em: http://alainet.org/active/33914.

COUTO, Leandro Freitas. O horizonte regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul. Curitiba: Juruá, 2009.

DEOS, Simone S de e WEGNER, Rubia. Cooperação financeira e o financiamento da infra-estrutura na América do Sul. Revista OIKOS, Rio de janeiro, v.9, n.2, 2010 (http:// revistaoikos.org).

IPEA, Relatório de Pesquisa - A integração de infra-estrutura Brasil-Venezuela: A IIRSA e o Eixo Amazônia-Orinoco, de 11 de maio de 2011 www.ipea.gov.br/.../110511_relat_brasilvenezuela_integrinfraestrutura/pdf.

LESSA, Carlos. A estratégia de desenvolvimento, 1974-1976; sonho e fracasso. 2.ed. Campinas: IE/UNICAMP, 1998. (30 Anos de Economia-UNICAMP, 5)

LUCE, Mathias. O subimperialismo brasileiro revisitado: a política de integração regional do governo Lula (2003-2007). Porto Alegre: IFCH/UFRGS, 2007. (Tese de Mestrado)

_____________. La expansión del subimperialismo brasileño, Patria Grande, dic. 2008.

SENHORAS, Elói Martins. Regionalismo Transnacional e Integração Física: um estudo sobre a Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Sul-Americana. Campinas: IG/UNICAMP, 2008. (Dissertação de Mestrado)

SOUZA, Angelita Matos. O Expansionismo nos governos Lula e o BNDES. Boletim Meridiano 47 vol. 11, n. 120, jul.-ago 2010.

Site IIRSA (HTTP://www.iirsa.org)

 

 

1. A despeito das relações comerciais bastante favoráveis e da presença de empresas brasileiras em vários projetos de infra-estrutura/construção civil na Venezuela, relatório de Pesquisa do IPEA - "A integração de infra-estrutura Brasil-Venezuela: A IIRSA e o Eixo Amazônia-Orinoco"- relata o baixo grau de adesão da Venezuela à IIRSA: "Nos dez anos de IIRSA esse foi o Eixo que registrou menos projetos relevantes apresentados/executados (apenas a ponte que liga o Brasil a Guiana) e a Venezuela sequer tem tentado pautar os debates atuais sobre o redirecionamento da IIRSA. O baixo grau de adesão da Venezuela à IIRSA é revelado tanto no número de participantes enviados às reuniões das instâncias da Iniciativa (CDE, Coordenadores Nacionais e GTEs), como no escalão dos funcionários de governo venezuelanos enviados". Disponível em: HTTP://www.ipea.gov.br/.../110511_relat_brasilvenezuela_integrinfraestrutura/pdf.
2. O que marca uma diferença para com os governos FHC, a ausência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES - e a presença do BID, no qual a influência norte-americana tende a ser muito forte. Nos governos Lula o banco de fomento nacional foi decisivamente incluído à Iniciativa. E, conforme relatório de pesquisa do IPEA (op.cit.): "Em junho de 2010, a IIRSA se tornou órgão técnico do Conselho de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), passando a receber diretrizes políticas dos países da Unasul e reduzindo a influência do trio BID-CAF-Fonplata". Sobre a participação do BNDES, CAF e Fonplata no financiamento da infra-estrutura sul-americana ver Simone Deos (2010).
3. Sobre o gasoduto Brasil-Bolívia, ver tese de doutorado de Victorio Enrique Oxilia Dávalos (2009).
4. Não teríamos como reproduzir essa retomada do pensamento de Marini, uma boa experiência neste sentido é a de Mathias Luce (2007), propondo uma apropriação atualizada das contribuições da "teoria do subimperialismo" de Marini à análise da política de integração dos governos Lula. Além do capítulo 1, as referências bibliográficas do autor dão conta da retomada mencionada. Vale anotar que um argumento contrário a essa retomada seria que o Brasil hoje é uma democracia, limitando a análise de Marini à ditadura militar, como se somente autocracias tivessem práticas imperialistas. Nós preferimos falar em expansionismo com práticas consideradas imperialistas na reflexão sobre os governos Lula.
5. Por exemplo, segundo matéria do jornal a Folhade São Paulo: "o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aposta na parceria com a China para alavancar sua campanha para a reeleição em 2012. Os chineses são sócios dos projetos prioritários do governo - como financiadores, em participação direta ou ambos-, incluindo o megaprograma habitacional lançado no fim de semana. 'Estou apaixonado pela China', disse Chávez em março passado, junto a executivos chineses da empreiteira Citic, que promete construir 40 mil casas até 2012. A soma dos principais projetos habitacionais venezuelanos com que o Brasil, sócio tradicional no setor de construção, está envolvido resulta em 20 mil casas - a metade da meta da Citic. (...) Tanto a paixão de Chávez quanto os ciúmes brasileiros têm razões objetivas. Segundo o Ministério de Economia e Finanças, a Venezuela tem hoje à disposição US$ 32 bilhões de crédito com a China. Segundo o governo, US$ 6 bilhões já estão destinados a 23 projetos prioritários e outros US$ 10 bilhões estão à espera de melhores planos. (...) A queixa de empresários [brasileiros] ouvidos pela Folha é que só os projetos com o selo da parceria com Pequim levam os recursos. (...) A preocupação ocorre ainda no setor de vendas de máquinas brasileiras, de construção ou agrícolas, já que também neste setor os contratos chineses são fechados: financiam, vendem insumos e, agora, operam os projetos". (Folha de São Paulo, 10/05/2011, caderno Mundo)
6. Embora ainda no início de nossa pesquisa, pelo que investigamos até aqui, já podemos adiantar que as expropriações, injustiças sociais, danos ambientais, exploração de países mais pobres (o imperialismo) não são irrelevantes, assim como os movimentos de resistência às mazelas relacionada. Motivo pelo qual o apoio à iniciativa deve ser reiterado (não sem ressalvas): o processo de integração deve acirrar a "luta de classes" na região e julgamos interessante a "união" com povos que têm demonstrado mais combatividade e ativismo político.
7. Por exemplo, Ana Esther Ceceña (2009), grande crítica do projeto, afirma que: "Quizá la empresa latinoamericana más favorecida por la IIRSA actualmente es la Odebrecht, que se anuncia como empresa brasileña. Por tratarse de una empresa de ingeniería y construcción, en esta primera etapa se ha involucrado en proyectos en toda la región de IIRSA. Odebrecht tiene inversiones en América en 13 países, además de Brasil. Abarca geográficamente desde México hasta Argentina, con actividades también en el Caribe (República Dominicana), Centroamérica (Costa Rica, Panamá) y Sudamérica (Venezuela, Colombia, Ecuador, Perú, Bolivia, Chile, Paraguay y Uruguay), como puede observarse en el mapa [no texto da autora], que muestra la cercanía de las áreas de sus proyectos de inversión con las que contienen los recursos más valiosos".
8. Ver artigo de I. Wallerstein, www.cartamaior.com.br 18/07/2011.
9. Não deixa de ser irônica a aproximação do Brasil à experiência mexicana com os EUA; na medida em que na outra ponta está a China (de quem o governo brasileiro também quer investimentos industriais), a ameaçar a liderança regional brasileira.
10. E o Peru está longe de ser uma exceção no expansionismo de empresas brasileiras pela região. Tema abordado por nós em O Expansionismo nos governos Lula e o BNDES. Boletim Meridiano 47 vol. 11, n. 120, jul.-ago 2010.
11. Apud BIDAMERICA, 15/06/2011 (www.iadb.org/idbamerica/index.cfm?thisid=3775)