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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Rumo ao conflito? Brasil e Argentina no contexto da II Guerra Mundial

 

 

Antônio M. Elíbio Júnior

Doutor em História Social pela UNICAMP, Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política/Relações Internacionais - UFPE, Professor do Curso de Graduação em Relações Internacionais da UEPB. tonyelibio@hotmail.com

 

 


RESUMO 

Este artigo  pretende analisar a gestão diplomática do Embaixador José de Paula Rodrigues Alves em missão na Argentina entre os anos de 1938-1944. A partir do influxo da correspondência do diplomata, o que se pretende é, além  de investigar as intensas  articulações políticas e o substancial volume de sua produção epistolar, pesquisaras interpretações do missivista quanto à participação do Brasil e da Argentina na II Guerra Mundial. A experiência diplomática de Rodrigues Alves e a relevância da Argentina no contexto estudado, implica verificar, a partir da correspondência do Embaixador com a chancelaria do Ministro Oswaldo Aranha e com o Presidente Getúlio Vargas, a  condução das relações de política externa com o país Platino. A análise da tessitura histórica produzida entre os missivistas possibilita uma leitura múltipla do campo político das relações internacionais na região. Assim, como resultado pretendido, ao estudar a correspondência de Alves, procurarei perceber os instrumentos e os projetos políticos agenciados por ele junto a burocracia estatal argentina e brasileira.  Nesse sentido, como hipótese de investigação, levanto a questão se na correspondência seria possível vislumbrar se havia correlações entre os relatórios do Embaixador Rodrigues Alves e as relações de política externa bilateral do Governo Brasileiro com a Argentina durante a II Guerra Mundial.

Palavras-chave: Diplomacia, Brasil, Argentina, II Guerra Mundial


 

 

O campo de atuação política do Embaixador José de Paula Rodrigues Alves, titular brasileiro na representação argentina entre os anos de 1938-1944, não se limitava as relações diplomáticas com o Ministro do Exterior José Maria Cantilo e com o Presidente  Roberto M. Ortiz.1 A frente da missão em Buenos Aires, o experiente diplomata desempenhou relevante papel durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente quando o Brasil declarou Guerra a Alemanha em 1942, posição que divergia diametralmente à política de neutralidade assumida pela Argentina. As divergências dos dois maiores países da América do Sul gerou inúmeras ondas de boatos referentes a movimentação militar na fronteira entre as duas nações e sobre o reaparelhamento bélico. Em 22 de junho de 1940, em uma carta enviada ao Presidente Vargas, Rodrigues Alves menciona de forma detalhada, uma reunião que o Presidente Ortiz, junto aos militares mais graduados, trataram  a respeito das forças armadas e do "material de que necessitava para corresponder amplamente à sua nobre missão". Conforme Rodrigues Alves:

"O Governo estaria disposto a não medir sacrifícios, enviando ao Congresso os necessários projetos de lei, acompanhados de créditos capazes de satisfazer amplamente as urgentes necessidades de defesa nacional. Seriam invertidos mais de duzentos milhões de pesos na compra de aviões de artilharia ante-aérea, contemplando-se, ao que parece, quatrocentos milhões de pesos para a Marinha e para outros misteres do Exército."2

A mobilização militar na Argentina, segundo Rodrigues Alves, envolvia a criação de uma indústria bélica para fabricação de munições, de aço, de aviões e de comunicação, inclusive, encampando empresas privadas para essa finalidade. Para o Embaixador, seria irremediável seguir o exemplo do país vizinho, uma vez que tornaria "real e efetiva a nossa defesa". Ferviam as "intrigas e boatos" acerca  da posição do Exército da Argentina, principalmente devido a um forte contingente  simpatizante do III Reich.

Se por um lado Rodrigues Alves desempenhava um papel relevante como informante do Governo Brasileiro alertando-o para reforçar os contingentes militares na região lindeira; por outro, tentava dirimir os acirramentos políticos  e militares entre os dois países.  Nesse sentido, o que se percebe é que o campo político e diplomático o domínio do político não tinha fronteiras fixas ou predeterminadas na gestão de Rodrigues Alves. Em outras palavras, a burocracia diplomática em Buenos Aires, sob o comando do Embaixador José Rodrigues Alves, ultrapassava as delimitações administrativas e protocolares. Rodrigues Alves, em diversos "relatórios políticos", elaborava uma análise bastante minuciosa acerca da conjuntura internacional.3

" A 'Ação Argentina' busca convencer ao povo de que desaparecido o poder imenso da Grã-Bretanha no Mundo, as Nações que dela dependem, como a Argentina, se encontrarão fatalmente numa situação de inferioridade palpável, que só não vem nem percebem os que estão influenciados pela excelência de uma ideologia que erigiu a força em principio de direito e a violência como expressão já justiça humana".

Sobre o III Reich Rodrigues Alves afirmava que:

"(...) o principal objetivo do nazismo não será tanto o de instituir o seu regime nos países americanos, mas sim de manter um regime permanente de perturbação e de confusão nos negócios internos de cada um deles, fomentando tudo quanto possa perturbar a ordem e inquietar os espíritos."4

Essas "inquietações",  comentadas por Rodrigues Alves, dizem respeito ao contingente "totalitário" do Partido Radical na Argentina. Conforme o Embaixador, o  governo da Argentina "mostra-se vacilante e indeciso" diante do caos que se avizinhava e das ameaças "totalitárias" que se arvoravam. Simpatizante dos Estados Unidos, Alves criticava a posição contrária "de certos homens" sobre o possível estreitamente da política externa da Argentina com a "grande República do Norte".5

Uma vez que estou partindo do pressuposto de que a esfera do político e diplomático não tem margens e comunica-se com outros domínios (econômico, cultural, militar) amplio o que entendo por objeto político. (RÉMOND, 2003)  Outrossim, concordo com François Sirinelli ao afirmar que o objeto político abrange  mais do que a autoridade de um governo ou de um estado. Antes, essa categoria incidi "na questão da devolução e da repartição da autoridade e do poder no seio de um grupo humano dado e o estudo das tensões, dos antagonismos e dos conflitos daí decorrentes".(BÉDARIDA, 1995,  p.37) Esse campo de análise, conforme Sirinelli, atinente tanto ao tratamento conferido às fontes quanto aquele que diz respeito à seleção dos objetos e ao levantamento das problematizações, se aproxima das considerações de Tétart, concernentes aos campos e objetos de investigação da história política. Segundo ele "da lingüística à prática militante, da flutuação da história das idéias à opinião e da mídia, do estudo dos comportamentos cotidianos ao da filmografia" todos os  "objetos falando do político tecem uma problemática vastíssima e susceptível de desembocar numa explicação globalizante da mecânica social e histórica."(TÉTART, 2000)Semelhante interpretação encontramos em Pierre Rosanvallon em relação ao uso da correspondência como fonte de investigação. Para ele através da correspondência podemos "reconstruir a forma como os atores elaboram sua compreensão das situações". Além disso, esse tipo de documentação permite ao investigador  "detectar as recusas e atrações a partir das quais os atores pensam sua ação, em desenhar a árvore dos impasses e das possibilidades que estruturam implicitamente seu horizonte".(ROSAVALLON, 1995)

O intenso influxo epistolar entre Buenos Aires e o Rio de Janeiro, constituía um elemento importante para o Governo brasileiro administrar suas relações com o país vizinho.  Claro está, que o Presidente Getúlio Vargas e o Chanceler Ministro Oswaldo Aranha, não dependiam exclusivamente dos relatórios do Embaixador Rodrigues Alves para definir a política externa brasileira com a região platina. Em 23 de julho de 1942, o Embaixador Carlos Martins6, de Washington, envia ao Ministro Oswaldo Aranha uma missiva descrevendo as repercussões das ações do Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Enrique Ruiz Guinãzu. O desconforto trazido com as declarações de Guinãzu colocavam as relações bilaterais Estados Unidos-Argentina, numa situação bastante delicada. A colaboração com Eixo, a crítica à política externa dos Estados Unidos, sobretudo em suas relações com os países latinos e a complacência do Diplomata a respeito do torpedeamento do vapor argentino "Rio Terceiro" por submarinos alemães adriçavam as rusgas entre os dois países. Para Guinãzu, conforme Carlos Martins, "o torpedeamento fora mero acidente, despido de significação política". Para o Embaixador  Carlos Martins, as acusações se elevavam a um nível crítico e a atitude da Argentina:

"(...) deita raízes no passado das relações argentino-americanas, no antagonismo para como Brasil e no poder das forças políticas conservadoras e favoráveis ao regime totalitário existente no país, não menos do que à própria posição geográfica da Argentina fora do roteiro estratégico direto de eventual tentativa germânica contra o Hemisfério Ocidental."7

Ao que tudo indica, perfazia as fontes de informações do Governo Federal de Getúlio Vargas, além dos relatórios diplomáticos, também ofícios e memorandos militares. O Ministério da Guerra contava com uma rede de informantes e adidos militares em diversas capitais no continente americano, que enviavam farta correspondência à Chefia do Estado Maior do Exército sediada no  Rio de Janeiro e que, por sua vez, a burocracia militar sintetizava em relatórios encaminhados ao Presidente Getúlio Vargas. O Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, em 27 de julho de 1940, reenvia ao    Presidente Vargas um extenso relatório sobre a "situação da Argentina". Com efeito, fica evidenciado no texto, a questão fundamental para política externa da Argentina, ou seja, "a estrita neutralidade" diante da guerra. Essa posição acentuava o caráter de autonomia que a Argentina procurava atribuir àquela circunstânciabeligerante. Além disso, havia uma preocupação dos governos platinos quanto a "interferência  dos Estados Unidos nos negócios da América do Sul".

"Neste particular não há nos meios militares vozes discordantes, afinando todas por este diapasão: 'é preciso evitar o imperialismo norte-americano na América do Sul, imperialismo já iniciado com o oferecimento de proteção, que pedimos e de que não carecemos, bem como de organização de bases navais e aéreas sob direção americana"8

Como se pode observar, portanto, o rechaço as investidas dos Estados Unidos na região parecia ecoar nos diversos círculos políticos e militares na Argentina. Por sua vez, no interior dos círculos militares brasileiros algumas arestas vinham se acumulando dramaticamente entre o Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e o General Góes Monteiro. Em uma carta enviada ao Presidente Vargas,  o Ministro Gaspar Dutra reclama severamente sobre o descalabro das informações publicadas no jornal de Buenos Aires. Segundo Dutra, o General Góes Monteiro, entrevistado pelo Jornal La Razon, afirmava que o ""O Brasil e a Argentina, unidos, podem pesar sobre a política não só do continente, como também do mundo'". Para Dutra, a atitude do General Góes  Monteiro violava a hierarquia militar, pois não havia sido tratado antecipadamente tais conversações com o titular da pasta da Guerra. Trata-se de uma questão de "segurança nacional" e, nesse sentido, a "estranheza" do Ministro pelo desacato do General Góes Monteiro.9 A situação criada pelas declarações de Góes Monteiro ao jornal argentino demonstra a insubordinação da hierarquia militar uma vez que caberia ao General a obediência ao comando do Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra.

Da Comissão Consultiva de Emergência  para Defesa do Continente, o General Góes Monteiro envia um "memorandum" relatando ao Chanceler Oswaldo Aranha, em março de 1944,   suas "impressões" acerca da Argentina. Para o General Góes Monteiro o Brasil deveria se preocupar em conter o avanço da Argentina na América do Sul. O General lista diversos pontos procurando justificar a rivalidade militar com a Argentina, entre os quais: a superioridade naval e a produção de combustível.10 Nesse sentido, as pastas militares também se ocupavam em estabelecer uma relação de comunicação direta com o Presidente Getúlio Vargas, somando aos relatórios enviados pelos Embaixadores brasileiros em missões diplomáticas, informações atinentes a política externa e interna da Argentina.

Na obra do brasilianista Stanley Hilton intitulada "O Brasil e a crise internacional - 1930-1945" o autor argumenta, que o governo argentino teria sido "inegavelmente favorável aos Aliados no período anterior à queda da França" que ocorreu em 1940.(HILTON, 1977 ) Hilton investiga a proposta de mudar a política  hemisférica da neutralidade para "não-beligerância", do então Ministro do Exterior da Argentina José Maria Cantilo. O historiador trabalha principalmente com a troca de missivas entre o Embaixador do Brasil em Buenos Aires José P. Rodrigues  Alves e o Ministro José Cantilo. Hilton procura entender as tratativas   e diferenças em torno da posição argentina a partir do Ministro Cantilo e do Presidente Roberto M. Ortiz. Quando da Conferência do Panamá e a invasão alemã da Dinamarca e Noruega em 1940, o governo do Presidente Ortiz afirmou sua disposição em defesa dos "princípios de ordem e justiça internacional, e dos direitos dos neutros". Conforme destacou Hilton,   a política de neutralidade argentina baseava-se na suposição de que os Aliados pudessem "impedir a realização dos objetivos agressivos do regime nazista, e na esperança de que o conflito pudesse ser restringido ao continente europeu". Nesse sentido, a cooperação de seus vizinhos latinos e, principalmente, do  Brasil, estreitava o diálogo diplomático entre as duas nações. Todavia, a insistência de Cantilo em alterar a situação de "neutralidade" para "não-beligerante" encontrou resistências tanto entre o Embaixador dos Estados Unidos Norman Armour, o Secretário de Estado norte-americano Cordel Hull, o subscretário Sumner Welles e também do embaixador alemão na Argentina Von Thermann, que esperava a manutenção da posição de Buenos Aires.  Para o embaixador brasileiro Rodrigues Alves,  o qual Cantilo procurou convencer quanto a mudança de status, havia uma contundente ressalva pois, para ele, a neutralidade garantiria a "unidade continental" e manteria o hemisfério isolado da guerra.

Essa delicada situação política foi se agravando na medida em que a guerra na Europa avançava e o exército alemão anexava territórios de países que haviam se declarado neutros. Sobre essa questão Stanley Hilton afirma que os elementos simpatizantes aos Aliados, "desacreditados pela revelação pública e rejeição hemisférica do plano de Cantilo, e pela invencibilidade aparente da máquina militar alemã" perdia espaço para os grupos antidemocráticos e eixistas. A atuação diplomática do Embaixador brasileiro Rodrigues Alves, nesse aspecto, foi fundamental para manter o governo brasileiro a par da posição do país vizinho. Para o Embaixador o governo argentino oscilava entre a posição pró-Aliados ou pró-Eixo. As "armas do Reich", alertava Alves, concorriam para atrair simpatizantes "à causa germânica".11 Em uma carta enviada pelo Embaixador Rodrigues Alves apenas uma semana depois do ataque japonês contra a base naval americana de Pearl Harbor, ocorrido em 7 de dezembro de 1941, o diplomata afirmava que seria fundamental reagir "adotando medidas de solidariedade, de assistência recíproca e cooperação defensiva, tão sabiamente previstas nas últimas conferências panamericanas e reuniões de consultas de Ministros de Buenos Aires, Lima, Panamá e  Havana."12 Diferente do Governo Vargas que, segundo Alves, havia declarado "solidariedade" aos Estados Unidos, o governo argentino "mostrou-se vacilante e os grupos de tendência nacionalista procuraram desviá-lo do bom caminho, pretendendo que ele declarasse a sua neutralidade no novo conflito." Além do estado de sítio declarado na Argentina, Rodrigues Alves alertava o Governo Vargas quanto a mobilização "nazista na Argentina" e a "campanha violentíssima contra os Estados Unidos, principalmente no jornal El Pampero".13 Outrossim, em reunião com o vice-presidente Castillo, em 25 de fevereiro de 1942, Rodrigues Alves recebia do político as justificativas da posição de neutralidade da Argentina. As alegações de Castillo, que deveriam ser transmitidas ao Presidente Vargas,  advogavam a não ruptura imediata das relações com os países do Eixo, "por dificuldades de ordem interna e pelo fato de não estar o país militarmente preparado para afrontar qualquer situação de caráter bélico". Todavia, na interpretação de Alves, o governo Argentino havia tomado todas as medidas necessárias para impedir prejuízos aos interesses brasileiros e dos Estados Unidos, principalmente no que tange ao controle comercial de empresas alemãs.14

Nesse sentido, a correspondência do Embaixador Rodrigues Alves enviada para Oswaldo Aranha e/ou diretamente para o Presidente Getúlio Vargas, demonstrava a preocupação do diplomata pertinente aos acontecimentos da II Guerra Mundial e, principalmente, expressava as incertezas relacionadas a Argentina. Havia, para Alves, um inquietante movimento totalitário e uma "pronunciada simpatia pela Alemanha".15

Buscando, pois, analisar a trajetória do Embaixador José de Paula Rodrigues Alves, quando esteve em missão diplomática na Argentina entre 1938 e 1944 (quando faleceu em pleno exercício do cargo), e, concomitantemente, procurando investigar seu campo de atuação junto ao Governo daquele país, esta pesquisa se justifica na medida em que parto do argumento de que na correspondência do diplomata pode-se observar o campo das lutas políticas que envolvia o expediente administrativo e perfazia a atuação burocrática do brasileiro. Quando analisada  como processo, essa documentação comporta dimensões conflituosas e subjetivas pois, como afirma o próprio missivista, trata-se de "impressões confidenciais e pessoais".16 Embora tenham o caráter de "relatório", pois na correspondência o Embaixador procurava "informar de tudo quanto de mais importante" ocorria na Argentina  a partir de "informantes secretos", considero as missivas como uma fonte em que  devem ser apreendidas como constitutivas de uma arena do qual fazem parte concorrências e competições, articulações políticas e gestão governamental.  Uma vez que principio desse pressuposto de que as epístolas diplomáticas constituem um dos campos das lutas políticas, buscarei  compreendê-las como elementos essenciais na condução da política externa brasileira no período aludido. Acredito, nesse sentido, que a correspondência de Rodrigues Alves (passiva e ativa) tem   importância fundamental para se compreender os mecanismos pelos quais o Governo de Getúlio Vargas e o Chanceler Ministro Oswaldo Aranha definiam a relação do Brasil com a Argentina.

Desde o século XIX a Argentina representou para a diplomacia brasileira um importante ator nas relações de política externa.17 Em algumas circunstâncias, inclusive, o país vizinho desbancou os Estados Unidos na ordem das prioridades diplomáticas do Brasil. No contexto da II Guerra Mundial, a Argentina ganhava novo contorno para a Política Externa Brasileira, principalmente devido à emergência de desacordos políticos. Se por um lado o Brasil,  com o alinhamento pró-Aliados a partir de 1942, se lançava como o país de maior prestígio na América do Sul; por outro lado, a Argentina enfrentava relações estremecidas com  os Estados Unidos. A manutenção das relações diplomáticas com o Eixo, ao menos até janeiro de  1944, e seu intenso intercambio militar com a Alemanha, colocava o país platino em uma situação de atrito com os Estados Unidos. No crepúsculo da II Guerra Mundial, os Estados Unidos tentam forçar esse país a "aderir a seus esforços bélicos, intimando-o a declarar guerra aos alemães, interrompendo assim  o processo de compra e venda de produtos do velho mundo, na medida em que suas embarcações poderiam ser afundadas a qualquer momento pela marinha germânica". (CAVLAK, 2008)

Pressionada pelo Departamento de Estado norte-americano a declarar guerra à Alemanha, a Argentina e o Chile tomaram caminho oposto à posição dos Estados Unidos durante a II Reunião de Consulta de Chanceleres Americanos, realizada no Rio de Janeiro em 1942. Em 1943 foi deflagrado um golpe militar na Argentina por uma ala nacionalista das forças armadas. Esse grupo que tomou o poder (Grupo Obra e Unificação) era simpatizante do totalitarismo nazifascista, questão que levou os Estados Unidos a cogitarem, junto ao General Pedro Aurélio de Góes Monteiro, um plano de invasão conjunta a Argentina. A alegação dos Estados Unidos era de que o Brasil poderia ser invadido pela fronteira do Rio Grande do Sul, o que tornaria inevitável um combate entre os dois países. Entretanto, os  interesses brasileiros na região fizeram com que o Itamaraty e o próprio Vargas dissuadisse o Governo dos Estados Unidos em relação a um possível enfrentamento militar com a Argentina. Não obstante, essa conjuntura internacional na região, tornava ainda mais estratégico para o Governo brasileiro, manter-se informado pela sua Embaixada em Buenos Aires. Nesse sentido, o Embaixador Rodrigues Alves tornou o expediente epistolar a principal fonte de informação que fomentava as análises do Itamaraty sobre a política interna e externa da Argentina. A regularidade das missivas informava o Governo brasileiro sobre as questões militares, sobre a dinâmica econômica, sobre as crises políticas, sobre a influência nazista na região, enfim, sobre a política interna e externa do país platino. Essa pesquisa, portanto, pretende analisar tal complexidade internacional.

 

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1. Roberto Marcelino Ortiz governou a Argentina de 1938 a 1942 quando foi substituído devido sua enfermidade, pelo vice-presidente Ramón S. Castillo.
2. GV c 1940.06.22/1 Carta de José de Paula Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
3. GV c 1940.08.03 Cartas de José de Paula Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
4. GV c 1941.07.23 Carta de Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
5. GV c 1941.07.23 Carta de Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
6. Carlos Martins Pereira e Sousa foi Embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre os anos de 1939-1948.
7. GVc 1942.07.20 Carta de Carlos Martins ao Chanceler Oswaldo Aranha. CPDOC-FGV.
8. GVc 1940.07.27 Carta de Eurico Gaspar Dutra ao Presidente Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
9. GVc 1941.07.11 Carta de Eurico Gaspar Dutra ao Presidente Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
10. GMc 1944.03.08 Carta de Pedro Góes Monteiro ao Chanceler Oswaldo Aranha. CPDOC-FGV.
11. Armour a Welles, 4 de junho 1940. PSF: Welles, Arquivo Roosevelt. Rodrigues Alves ao MRE, 6 de junho 1940, AHI.
12. GVc 41.12.18. Carta de Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
13. GVc 41.12.18. Carta de Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
14. GV c. 42.02.26 Carta de Rodrigues Alves a Getúlio Vargas. CPDOC-FGV.
15. OA c. 40.07.10 Carta de Rodrigues Alves a Oswaldo Aranha. CPDOC-FGV.
16. Rodrigues Alves a Getúlio Vargas, 22 de junho de 1940, Arquivo Aranha, CPDOC-FGV.
17. A primeira viagem oficial da Presidenta Dilma Roussef ocorreu no dia 30 de janeiro de 2011 para a Argentina. A visita oficial teve como finalidade a assinatura de uma aliança para um projeto de construção de reatores nucleares com fins pacíficos. Para o Itamaraty, portanto, a Argentina,  ainda hoje, representa um parceiro estratégico de primeira grandeza e importância fundamental para a Política Externa Brasileira.