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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Teoria das alianças e os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China): uma análise de sua formação e dinâmica*

 

 

Antonio Henrique Lucena Silva

Doutorando em Ciência Política/Estudos Estratégicos pela UFF antoniohenriquels@gmail.com

 

 


RESUMO

Desde o surgimento do acrônimo BRIC, a sigla que representa Brasil, Rússia, Índia e China, está cada vez mais presente no cenário internacional. Identificamos que as análises dos BRICs possuem uma deficiência em considerar a Teoria das Alianças em seu estudo. A formação de uma aliança é instrumento importante para que os Estados possam avançar nos seus interesses nas mais distintas esferas, como amplia sua área de influência. Uma aliança também serve como uma forma de galgar oportunidades e grandiosidade no sistema internacional. Refletindo sobre esses problemas, este artigo tem como objetivo realizar uma análise dos BRIC através da Teoria das Alianças. Nesse sentido, buscaremos responder algumas perguntas: 1ª) Os países dos BRIC podem ser considerados uma aliança? 2ª) Pode-se afirmar que existe algum grau de coesão nas preferências dos Estados? Para clarificar a análise, o artigo está dividido da seguinte forma: Na primeira seção do artigo, fazemos uma revisão de literatura sobre a Teoria das Alianças desde George Moldeski (1963) a John Duffield (2008). Na segunda seção, discutiremos aspectos dos BRICs em relação a si, com ênfase no campo militar. Nas considerações finais realizamos um estudo de caso identificando se o padrão de cooperação entre eles pode ser classificado como uma aliança, entente ou alinhamento.

Palavras-Chave: BRIC, Teoria das Alianças, Alinhamento, Entente, Aliança


 

 

Introdução

Desde o surgimento do acrônimo "BRIC" em um paper da Goldman Sachs, idealizado pelo economista Jim O'Neill, novos estudos no campo da economia têm enfatizado o BRICs como novas forças emergentes (WILSON & PURUSHOTHAMAN, 2003). Apesar de recente, os emergentes têm gerado novos estudos sobre as interações do novo "bloco". Brasil, Rússia, Índia e China são analisados, principalmente, sobre variáveis econômicas. Questões de cunho político-militar não estão recebendo a atenção devida como a possibilidade de cooperação entre si.

Atualmente, a cooperação entre os países vêm aumento, porém, há uma dificuldade na compreensão da natureza dessa relação. É nesse sentido que o artigo busca trazer maior clareza sobre os BRICs ao analisar a relação dos Estados com a Teoria das Alianças. Portanto, cabe a pergunta: Os países do BRIC podem ser considerados uma aliança? Além do mais, em que tipologia das Teorias das Alianças o acrônimo poderia ser considerado? O artigo tem como objetivo analisar os BRIC à luz da TA identificando em que poderia ser classificado o padrão atual de cooperação.

O presente artigo está dividido da seguinte forma: Na primeira seção, faremos uma análise dos conceitos de aliança, entente e alinhamento, mostrando as convergências e divergências que as categorizações trazem além de um quadro sintético sobre o grau de institucionalização de cada uma. Na segunda seção trataremos da problemática da cooperação intra-BRIC, principalmente no setor de defesa. Nas considerações finais abordaremos qual seria a classificação dos BRIC tendo como base as definições da teoria das alianças.

 

Teoria das Alianças: Convergência e Divergência nos Conceitos e Agendas

Uma das agendas de pesquisa nas Relações Internacionais e nos Estudos de Paz são as alianças (SPRECHER, 2006, p.363). Geralmente, as alianças são usadas para diferentes propósitos como: estender o poder de um Estado além de suas fronteiras, para se prevenir ou preparar para um conflito militar. A tradição realista e neo-realista é que têm mais contribuído para a análise dos propósitos de uma aliança. Outras tradições passaram a dar maior atenção ao fenômeno como a economia, mostrando a relação entre alianças, comércio e a provisão de bens públicos. No quadro abaixo elaboramos uma síntese das principais agendas sobre a teoria das alianças e principais autores.

 

 

Para a proposta desse artigo, buscaremos mostrar as diferenças entre as várias abordagens conceituais sobre alianças, ententes e alinhamento e como elas ajudaram a compreender o status atual dos BRICs. Historicamente, estudos das Relações Internacionais possuem diferentes concepções do que seria considerado uma aliança. Desde a Guerra Fria, alianças como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) têm gerado estudos sobre a sua formação e dinâmica (OSGOOD apud MODELSKI, 1963, p. 775). Os conceitos sobre aliança na literatura de Relações Internacionais são diversos e amplos. Portanto, é necessário esclarecer as diferenças entre as conceituações do significa uma aliança e as variáveis que são levadas em consideração. Como as alianças são um componente da política externa de um Estado, elas são fundamentais para se atingir os objetivos traçados na arena política (DUFFIELD et al, 2008, p.232).

George Modelski (1963, p. 773) classificava que as "alianças" era uma das dúzias de termos chave nas Relações Internacionais e não possuía definição consensual. Modelski (idem) colocava que as alianças são um fenômeno da política internacional, distinto da simples cooperação, porque ela ocorre dentro de um processo de manutenção ou mudança da autoridade ou ordem mundial. Nesse raciocínio, a aliança possui uma relação especial porque busca atingir uma meta sobre um objeto específico. O autor ainda ressalta que nem tudo pode ser classificado como uma aliança. Nem toda a cooperação internacional, seja ela política, particularista ou específica tem a conotação de uma aliança (idem, p.774). Os tipos mais amplos podem ser classificados como um "alinhamento" das quais a aliança seria um subtipo. Para Liska e Osgood (in MODELSKI, 1963, p. 774), uma aliança é uma colaboração militar de dois ou mais países preocupados com um terceiro. No caso do alinhamento, ela é um termo que pode ser colocado para todos os tipos de cooperação internacional. A aliança geralmente possui uma articulação para a guerra, enquanto o alinhamento não. Em ações militares conjuntas, envolvimento em hostilidades, cooperação em defesa (técnica, tecnológica e logística) as alianças buscam discriminar o casus foederis - evento em que a aliança é acionada (MODELSKI, 1963, p. 775). Por contraste, os alinhamentos podem surgir sobre qualquer questão política no sistema internacional. Quando se trata de questões militares, os alinhamentos tendem a ser temporários e informais (sem institucionalização). Para os trabalhos desenvolvidos com base no COW (Correlates of War Project), as alianças são definidas como formais, escritas, na maioria das vezes voluntária, acordos, tratados ou convenções entre os Estados com o compromisso de coordenar os seus comportamentos e políticas na contingência de conflito militar (Singer & Small, 1966; Small & Singer, 1969; Gibier & Sarkees, 2004 apud Sprecher, 2006, p.363). De acordo com o COW (idem), a ordem decrescente de comprometimento seriam: os pactos de defesa, tratados de não-agressão/neutralidade e as ententes.

Após o estudo de George Modelski e do COW, outros estudos sobre alianças tomam forma na literatura. Conceitos influentes sobre alianças militares passam a ser explorados, como no campo da economia. O estudo de Olson e Zeckhauser (1966) é um exemplo de como economistas e cientistas políticos aplicaram instrumentos da "public economics" para a compreensão de alianças militares. Para esses autores, uma aliança militar é "um grupo de Nações que são comprometidas a prover proteção a todos os membros (da aliança) de uma agressão de inimigos comuns" (OLSON e ZECKHAUSER, 1966). Para os autores, considerando o nível individual do aliado, a aliança gera segurança militar ou dissuasão a terceiros, gerando um bem público. Warr (1983) também argumenta que há uma relação muito próxima entre a literatura teórica de alianças militares e a literatura sobre a provisão privada de bens públicos. Outros estudos continuaram com essa tradição da literatura como McGuire e Groth (1985) e Conybeare, Murdoch e Sandler (1994).

Em uma diferente definição de aliança da tradição de Olson e Zeckhauser (1966), Stephen Walt (1987, p.1) descreve como uma relação formal ou informal de segurança entre dois ou mais Estados soberanos. Outros acadêmicos como Michael Barnett e Jack Levy (apud DUFFIELD, 2008, p. 293), assim como Patricia Weistman que descrevem uma aliança como sendo acordos bilaterais ou multilaterais para prover algum elemento de segurança entre os signatários (idem). Essas definições mais amplas são criticas por serem muito abrangentes e tornar difícil a compreensão de outros tipos de acordos. Definições desse cunho possuem outro tipo de entrave à clareza teórica: Não fazem outro tipo de distinção entre os vários tipos de arranjos de segurança coletiva.

Uma concepção muito ampla de aliança pode levar a uma interpretação errônea do que um alinhamento seria. Como foi colocado acima, um alinhamento geralmente se refere a grau de amizade, relações amistosas entre os Estados nas relações internacionais. Dois ou mais Estados se alinham porque há uma congruência em interesses, políticas ou assuntos particulares. Glenn Snyder argumenta que as expectativas (que formarão o alinhamento) dos Estados sobre como eles serão apoiados ou sofrerão oposição nas suas transações futuras. Ele completa enfatizando que as alianças formais: "are one simply behavioral means to create or strengthen alignments. Thus, alliances are a subset of alignments those that arise from or are formalized by an explicit agreement, usually in the form of a treaty" (SNYDER, 1997, p.6).

Ainda seguindo essa linha de raciocínio, uma "entente" seria uma forma de alinhamento. O termo entente, como utilizado na Primeira Guerra Mundial, não possui a mesma conotação e refere-se a uma forma de alinhamento que possui pouco tempo de duração, sendo diferente de uma aliança total. Robert Kann (1976, p.611) define entente como um acordo mais flexível do que uma aliança entre duas potências. Bruce Russett (1971) adiciona que numa entente os Estados cooperam ou consultam em questões políticas e não exclusivamente temas militares. Para Russett (idem), uma entente seria um tipo de aliança, mesmo sendo o conceito de entente mais amplo do que de uma aliança. Neste caso, Robert Kann é mais preciso que Russett na definição do termo, porque coloca como um tipo de alinhamento em que não há compromissos como um tratado, por exemplo. A dimensão militar de uma aliança é mais explícita que uma entente, sendo que a cooperação militar pode ser aprofundada, porém, a natureza da relação sofre uma mudança. Em uma aliança, a ameaça externa é bem definida, como foi o caso da OTAN contra os Estados comunistas ou do Pacto de Varsóvia (LINDLEY-FRENCH, 2007). Portanto, ententes são alinhamentos com uma grande gama de possibilidades que inclui desde a cooperação militar, atividades não-militares ou cooperação em assuntos humanitários. Berridge (1989, p.258) afirma, por serem mais amplas que as alianças, as ententes são preferíveis que as alianças, dependendo da política adotada pelas potências envolvidas, por propiciarem mais mudanças políticas do que grandes alianças.

Tanto Bruce Russett (1971) quanto Glenn Snyder (1997) possuem um conceito similar do que seriam alianças. Para Russett uma aliança é um "formal agreement among a limited number of countries concerning the conditions under which they will or will not employ military force" (1971, p.262). Snyder (1997) define como "formal agreements, which are conclude by states, involving military matters and other orientation about states outside the membership". Mais recentemente, outros autores de vertentes teóricas diferentes, como a Escola Liberal e Realista das Relações Internacionais afirmam que alianças são instituições internacionais, não especificamente em termos militares, mas que podem mudar o comportamento de um Estado ou a distribuição de poder. Na escola liberal, Robert O. Keohane (1988) define instituições como alianças. O autor enfatiza as regras que todos os atores estão submetidos caso entrem em uma instituição internacional. Por outro lado, Jon Mearsheimer (1995, p.2) reconhece as instituições internacionais, assim como as alianças, como uma forma das grandes potências manterem ou aumentarem o seu poder.

Desdobramentos do realismo nas Relações Internacionais sobre as alianças podem ser percebidas na Teoria de Balança de Poder. Neste sentido, a contribuição teórica é para se entender a formação de alianças. Usando diferentes tipos de balanceamento, Estados entram em alianças como estratégia para reduzir o poder de um país hegemônico ou para prover segurança para estados mais fracos. T.V. Paul (2004, p.3) identifica três formas de balanceamento: Hard Balancing, Soft Balancing, Asymetric Balancing. A primeira forma compreende uma corrida armamentista aberta, criar ou manter uma aliança ou as duas formas. A segunda corresponde a um balanceamento tácito ou um aumento limitado na aquisição de material bélico. Nesse conceito, os Estados buscam engajar-se em ententes ou formas de segurança que visam balancear o estado "ameaçador" ou a potência emergente. No último, envolve tanto atores estatais quanto não-estatais como grupos terroristas, utilizam essa estratégia porque não possuem força ou poder suficiente para um engajamento direto com a potência hegemônica. T.V Paul (2007, p.7) ainda argumenta que o balanceamento regional tem como objetivo gerar uma distribuição mais estável de poder de uma maneira a prevenir a guerra. É comum que uma estratégia de balanceamento envolva um alinhamento, entente ou aliança com uma potência extra-regional para a aquisição de material bélico, modernização do material militar ou obter vantagens militares.

Não obstante das diferentes abordagens e teorias, alianças possuem funções de segurança coletiva como: Identificar ameaças, traçar estratégias para confrontá-las, planejar operações militares, conduzir exercícios militares conjuntos e mostrar a adversários potenciais alguma força militar com fins de dissuasão. Essa formação também é importante para o pessoal militar e civil intercambiar experiências, idéias, informação, documentos, tecnologia e doutrinas. Outra função de uma aliança é facilitar o contato entre as elites dos países (DUFFIELD et al, 2008, p.299).

Com base na literatura acima, o quadro 2 mostra as diferenças entre os conceitos.

 

Pavimentando o caminho: Cooperação entre os BRIC

China e Índia são um dos maiores importadores de material bélico do mundo (SIPRI, 2009). Os países são o primeiro e segundo recipientes de sistemas de armas (idem), apesar de possuírem grande complexos industriais voltados para o campo militar. No setor de defesa, a cooperação intra-BRIC, especialmente para China e Índia, retoma ao período da Guerra Fria. Devido a dificuldade em aquisição de equipamento militar dos Estados Unidos, os Países viram na então União Soviética como um importante aliado. No caso indiano as compras de material bélico tornam-se mais evidentes, sendo que no período da Guerra Fria 70% das transferências de armas totais da Índia eram compras feitas à União Soviética (LUCENA SILVA, 2010).

Um entrave é a situação geopolítica da região Ásia-Pacífico. Preocupados com a ascensão chinesa, os EUA vêm na Índia um importante ator para contrabalancear uma preponderância chinesa na região. Douglas Feith cunhou a expressão "aliados naturais" para descrever a relação entre EUA-Índia (COHEN & DASGUPTA, 2010, p.166) e a importância de uma Ásia estrategicamente estável (idem). Os Soviéticos ajudaram os chineses a desenvolveram a sua indústria de defesa durante as décadas de 1950 e 1960. A "parceria estratégica" entre China e Rússia renasceu com a queda do muro de Berlim. Atualmente, uma parceria frutífera no setor aeroespacial Sino-Russo é o desenvolvimento do caça J-10. Com aviônica embarcada da Rússia, assim como cooperação técnica, o caça entrou em atividade. A Índia possui uma cooperação com a Rússia no desenvolvimento do míssil de 5ª geração BraHmos. Brasil e China na década de 1980 firmaram parceria para o desenvolvimento conjunto do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, o CBERS. A parceira continua até hoje, sendo um marco entre a cooperação espacial dos países.

Brasil, Índia e China buscaram, ao longo de 50 anos, a construção de uma indústria de defesa moderna no intuito de dar maior autonomia no suprimento de material de defesa dos países mais avançados (LUCENA SILVA, 2010). A Rússia seria uma potência decadente que tenta se sustentar apoiada com seu complexo-industrial militar criado na época da Guerra Fria (TSAI, 2003). Tomados em conjunto, os BRIC são de relevância para a política internacional porque "esses países parecem dispor de recursos de poder militar, político e econômico; alguma capacidade de contribuir para a gestão da ordem internacional em termos regionais ou globais, além de um grau de coesão interna e capacidade de ação estatal efetiva" (HURRELL et al, 2009, p.10). No caso de Índia e China, os países se destacam pelo seu alto nível de crescimento econômico e pelas conseqüentes projeções sobre implicações geoeconômicas do desenvolvimento econômicos desses países (idem). O autor acrescenta que China, Índia e Brasil estão "adquirindo poder suficiente para alterar a realidade da política e economia globais" (GARTEN apud HURRELL, 2009). No entanto, o grupo carece de maior institucionalização. Por ocasião da 61º Assembleia Geral das Nações Unidas, em 23 de setembro de 2006, o grupo passar a trabalhar de forma coletiva.

Para o Itamaraty o BRIC:

"Como agrupamento, o BRICS tem um caráter informal. Não tem um documento constitutivo, não funciona com um secretariado fixo nem tem fundos destinados a financiar qualquer de suas atividades. Em última análise, o que sustenta o mecanismo é a vontade política de seus membros. Ainda assim, o BRICS tem um grau de institucionalização que se vai definindo, à medida que os cinco países intensificam sua interação" (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2011).

Ainda de acordo com o Itamaraty (idem), as três cúpulas realizadas pelo grupo buscaram ampliar a cooperação intra-grupo com ênfase no campo econômico-financeiro. As temáticas de segurança alimentar, agricultura e energia também passaram a ser abordadas pelos BRIC. O espaço de discussão dos membros é amplo: 1) diálogo, identificação de convergências e concertação em diversos temas; 2) ampliação de contatos e cooperação em setores específicos. Na Declaração de Sanya (ibidem), última reunião do grupo, o item 6 coloca que os BRICs buscam avançar na cooperação intra-bloco, apesar de não colocar explicitamente o aprofundamento de uma cooperação militar.

De acordo com DUFFIELD (2008, p.298-299), dois elementos devem ser considerados para a institucionalização de uma aliança. Primeiro, as alianças devem incluir ou desenvolver organizações inter-governamentais para facilitar a cooperação entre os seus membros. Para essas organizações deve-se criar uma burocracia com membros, orçamento e localização física. Geralmente, os atores das alianças quando criam essas organizações buscam ter direito a possuir uma autonomia decisória, sem tratados que vão limitar a atuação política dos Estados. Segundo, as alianças devem conter ou adquirir capacidades institucionais para tarefas que vão além das que originaram a sua formação. Ou seja, os Estados podem utilizar o arcabouço institucional a que possuem para dirigir as atenções para novas ameaças e questões de segurança. Convém ressaltar que alianças com alto grau de institucionalização tendem a perdurar no tempo (idem).

Outro fator que pode contribuir para a longevidade de uma aliança é o seu "grau de socialização" (DUFFIELD, 2008, p.299). As alianças tendem a persistir quando, através desse processo, as elites políticas e o público têm a possibilidade de participar. Esse tipo de interação na aliança leva ao desenvolvimento de visões de mundo comuns e, dependendo do contexto, a uma identidade comum. Alianças institucionalizadas facilitam o contato de suas elites com encontros regulares, dentro a organização o pessoal militar e civil trabalham lado-a-lado com os seus pares. O aprofundamento no nível de institucionalização acarreta uma maior troca de ideias, capital, conhecimento, tecnologias, informações e pessoas.

As dificuldades em uma maior cooperação intra-bloco provém de Índia e China. Os dois países ainda possuem dificuldades em estabelecer estruturas permanentes de uma maior integração, em parte devido à desconfiança mútua. China e Índia travaram uma guerra, a do Himalaia em 1962, que levou à derrota do Exército Indiano. Desde então, os gastos militares indianos aumentaram muito (LUCENA SILVA, 2010, p.62) levando a maiores desconfianças com uma possível cooperação. As transferências de armas da China para o Paquistão (idem), considerado rival pela Índia, devido a disputa pela região da Caxemira, mostra que os dois países ainda têm interesses de segurança divergentes na região da Ásia-Pacífico. Esses entraves de segurança são um exemplo de que os BRICs possuem deficiências que levem a uma aliança na sua plenitude.

 

Considerações Finais

Nesse paper buscamos analisar os BRICs através da Teoria das Alianças. Mostramos, através da revisão de literatura, que há uma grande considerável de conceitos que foram explorados na nossa análise. Há divergências e convergências no que seria uma classificação de aliança, entente ou alinhamento. Como foi mostrado no Quadro 2, os conceitos abordam graus de institucionalização de formas diferentes. O alinhamento é colocado como o mais amplo de todos e pode ocorrer em diversas ocasiões. Geralmente ele ocorre quando os Estados percebem convergências de interesses e se alinham em votações, possuem relações amistosas, e no campo militar são temporárias e informais.

. A entente possui o caráter de um acordo flexível, mas a ausência de tratado oferece um grau de institucionalização menor, porém maior que um alinhamento. No âmbito militar, ela envolve cooperação, tendendo a ser mais duradoura e não se esvai completamente. Exercícios militares podem ser observados nesse tipo de arranjo. Quando estados formam uma aliança, o grau de institucionalização é maior e a ocorrência de uma assinatura de tratado é condição essencial na formação desse tipo de organização. A existência de um Casus Foederis, ou seja, quando a aliança será acionada, é um importante passo para dar coesão ao sistema. Atingir metas também faz parte do contexto de uma aliança, além do mais, a segurança coletiva de seus membros e cidadãos é uma condição necessária para o estabelecimento de uma aliança em sua totalidade ou grau mais elevado.

Na revisão de literatura que fizemos, buscamos responder a seguinte questão: Os países dos BRICs podem ser considerados uma aliança? Levando em consideração o grau de institucionalidade de uma aliança, os BRIC não poderiam ser classificados como aliança ou entente. Tendo como base os recentes desenvolvimentos da cooperação entre os Estados, a classificação de alinhamento seria mais adequada. Recentemente, a literatura que aborda os BRICs tem visto o novo arranjo com desconfiança, abordando, principalmente, as deficiências na cooperação interna dos BRICs (ARMIJO, 2007; GLOSNY, 2010). Armijo (2007) coloca que as diferenças entre os Países como, arranjos políticos institucionais (democracias e autocracias), diferenças étnicas, metas internacionais tornariam o acrônimo uma "miragem", no entanto, um critério considerável. Pode ser considerado as diferenças político-estratégicas de seus membros. China e Rússia já tiveram disputas sérias durante o período da Guerra Fria por fronteiras, China e Índia travaram uma Guerra pelo Himalaia em 1962, gerando desconfiança na atuação internacional da relação Sino-Indiana. O Brasil é o único caso em que pesa a ausência de conflitos armados entre os outros membros ao longo da história.

A história da formação de blocos mostra que as diferenças internas sempre estarão presentes, como é o caso da França e Alemanha na União Europeia e Argentina e Brasil no Mercosul. Os BRICs ainda são um caso recente de arranjo político. O agrupamento, como classifica o Itamaraty, precisa evoluir no intuito de reduzir as divergências internas e criar maior convergência em temas, especialmente no campo militar. Cooperações no setor aeroespacial entre Brasil, Rússia, Índia e China parecem promissoras, como é caso CBERS entre Brasil e China e BraHmos entre Rússia e Índia. O caminho na institucionalização de uma aliança pode ser acidentado. Pavimentá-lo é processo que levará tempo e que a integração atinja, também, as sociedades. A troca de ideias e o intercâmbio de nacionais geram mecanismos de confiança mútua e torna as experiências enriquecedoras. O fortalecimento institucional e da cooperação mútua poderá ser um forte indicador se haverá persistência dos BRICs através do tempo.

 

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* 3º encontra nacional da associação brasileiro de relações internacionais - ABRI