3, v.1Democracia e política externaMercocidades e governança multinível no processo de integração regional sulamericano author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  




Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Atuação diplomática brasileira nas negociações internacionais do meio ambiente*

 

 

Ariane C. Roder Figueira

Professora e pesquisadora da UFRJ

 

 


RESUMO

Desde que a temática ambiental foi inserida oficialmente na agenda global, muitas transformações estruturais ocorreram no sistema internacional. Países como o Brasil, com economias em desenvolvimento, ingressaram na categoria de emergentes, passando a obter novos papéis de representação na dinâmica mundial. No caso particular do meio ambiente, o Brasil de uma postura reativa às demandas mundiais sobre ações ambientais, passou a desempenhar um posicionamento pró-ativo, alcançando, em muitos momentos, o papel de liderança em mesas de negociações internacionais sobre o tema. Neste sentido, o artigo tem como propósito demonstrar as continuidades e descontinuidades do posicionamento brasileiro nas negociações do meio ambiente. Em outros termos, o debate perpassará pela reconstrução do histórico da relação entre a evolução do regime internacional do meio ambiente e o posicionamento brasileiro, sendo que a finalidade é identificar o ponto de inflexão, verificando quando efetivamente o país passou a incorporar o problema em suas preocupações domésticas.

Palavas-chave: meio ambiente, política externa, negociações internacionais


 

 

1. A inserção da temática ambiental na agenda diplomática brasileira

A questão ambiental é parte integrante da agenda soft que durante grande parte da história das relações internacionais não esteve no centro das preocupações dos Estados, cujos esforços direcionavam-se, sobretudo, para temas envolvendo a segurança nacional (agenda hard). Foi a partir das décadas de 1960 e 1970 que temáticas como o meio ambiente passaram a adquirir relevância na agenda internacional, sendo esse movimento engendrado por comunidades epistêmicas, Organizações Não-Governamentais e opinião pública que, a partir de estudos técnicos e influenciados por catástrofes naturais decorrentes do período, direcionaram as preocupações públicas para o problema da degradação ambiental e os efeitos deste para vida humana.

Os movimentos ambientalistas também ganharam maior dimensão por estarem em grande medida associados aos movimentos políticos de contestação que circulavam por todo o mundo em 1968. O Clube de Roma divulgou nesse período dois estudos que expressavam resultados catastróficos para a humanidade "The Club of Rome Project on the Predicament of Mankind" (1971) e "The Limits to Growth" (1972), cujos documentos atribuíam a necessidade de colocar barreiras para o crescimento da humanidade, especialmente controlando a natalidade em países em desenvolvimento, indicados como principais responsáveis na geração dos problemas mundiais envolvendo a questão ambiental.

As percepções negativas crescentes em relação aos efeitos da degradação ambiental motivaram os países a convocarem, mediante a resolução 2398 da XXIII Assembléia Geral da ONU, uma Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, colocando pela primeira vez a temática ambiental para ser debatida e concebida multilateralmente, inserindo-se como tema de preocupação coletiva na agenda internacional. A Conferência foi realizada em Estocolmo em 1972, mas antes do encontro ocorrer foram realizadas reuniões preparatórias envolvendo 27 países, que formaram o grupo ad hoc para organização e preparação do evento.

As preocupações dos países do terceiro mundo incluindo o Brasil direcionaram-se, sobretudo, a forma como seria conduzido o debate mundial sobre o assunto, tendo em vista que a proposta dos países desenvolvidos atrelava degradação ambiental aos países pobres, responsabilizando-os principalmente pelo mau uso dos recursos naturais. No entanto, esse receio envolvendo os países subdesenvolvidos foi amenizado mediante a resolução 2657 da XXV Assembléia Geral da ONU, momento em que ficou estabelecido que a Conferência daria especial atenção as preocupações dos países de terceiro mundo. Assim, também, a convocação de um Grupo de Peritos sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - que teria como responsabilidade desenvolver um documento técnico envolvendo a problemática ambiental e a questão do desenvolvimento-, além das convocações de Comitês Regionais das Nações Unidas para o debate, motivaram os países do terceiro mundo a buscarem um espaço dentro desse diálogo mundial que envolvesse proteção ambiental com incentivo dos Estados ricos na promoção do desenvolvimento nessas regiões (LAGO, 2007).

Nesse ensejo, o grupo de peritos gerou um relatório conhecido como Founex "Report on Development and Environment", cujo conteúdo trabalhou a correlação entre a temática ambiental e desenvolvimento. O estudo concluiu que a degradação ambiental tinha características bastante diferenciadas quando comparado países desenvolvidos com subdesenvolvidos, sendo que os primeiros tinham como problemas os próprios derivativos dos modelos de desenvolvimento adotado, enquanto nos países pobres as problemáticas ambientais eram decorrentes, sobretudo, da situação de pobreza e da falta de recursos básicos. Esse estudo foi fundamental para dar a ênfase que seria atribuída durante as reuniões da Conferência, e mais do que isso, a forma como a questão passaria a partir daí a ser adotada pelos Estados em suas agendas diplomáticas, ou seja, foi nesse momento que se iniciou um processo de construção do que mais tarde veio a ser conhecido como "desenvolvimento sustentável", conceito esse que teve suas raízes plantadas já no decorrer da primeira Conferência Mundial sobre o tema.

Os resultados angariados pela Conferência foram concretizados na Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano com 26 princípios estabelecidos e um Plano de Ações com 109 recomendações. Além disso, foi também nesse processo que se criou um programa vinculado as Nações Unidas para o tratamento da temática, sendo nomeado como Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA. Assim também, estimulou-se a constituição, no âmbito doméstico dos Estados, de órgãos responsáveis por gerenciar e desenvolver ações contra a degradação ambiental, bem como influenciou o surgimento e/ou o fortalecimento de organizações não-governamentais com características nacionais ou transnacionais responsáveis pelo tratamento societal da temática.

Durante o processo de consolidação do incipiente movimento mundial em torno da problemática ambiental, o Brasil teve um papel atuante na arena internacional, participando ativamente durante o processo de preparação da Conferência e sendo um ator de expressão na formação final dos documentos gerados no encontro. Neste contexto, quem teve papel de destaque foi o diplomata Miguel Osório de Almeida, responsável por desenvolver o posicionamento brasileiro. Em sua tese ele incorporava a correlação entre meio ambiente e desenvolvimento ao mesmo tempo em que rechaçava os estudos advindos dos países ricos e do próprio Clube de Roma, que responsabilizava os países subdesenvolvidos pelos principais elementos da degradação ambiental (LAGO, 2007). Essas formulações tiveram repercussão sendo grande parte incluída no documento final da Conferência, trazendo, com isso, senão ganhos substantivos para o Brasil, o não avanço do debate no sentido do congelamento do desenvolvimento econômico mundial implícito nas propostas dos países desenvolvidos. .

No entanto, paradoxalmente em âmbito interno, o Brasil estimulava ações empresariais como arrendamento de reservas naturais tornando-as áreas produtivas, com vistas a angariar o que mais tarde foi conhecido como "milagre econômico", ou seja, com o objetivo de estimular o desenvolvimento econômico do país, a preservação dos recursos naturais passou a ficar no segundo plano do governo, que se utilizou do tradicional modelo econômico nada sustentável. Assim, associado aos altos índices de degradação ambiental do país, o governo militar e ditatorial brasileiro nesse período também sofria pressões internacionais em relação ao tratamento da problemática dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que se tornara um país suspeito frente ao sistema internacional por pretender obter tecnologia nuclear para fins bélicos, uma vez que o país recusava a comprometer-se com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Em outras palavras, nesse primeiro momento em que a problemática ambiental tornou-se uma preocupação multilateral, o Brasil possuía uma imagem negativa no sistema internacional, pois, dentre outros problemas, era visto como um grande causador de danos ao meio ambiente, o que se potencializava quando associado à idéia de ser também um país possuidor das maiores reservas naturais do mundo (VIOLA, 1987).

Com isso, o papel do Ministério das Relações Exteriores foi primeiramente de descolar suas ações e defesas internacionais das próprias preocupações domésticas, adotando uma postura por vezes dissonante em relação à própria realidade nacional. O objetivo da Chancelaria nesse primeiro grande encontro de países para o tratamento da temática foi primeiramente o de fortalecer a correlação entre meio ambiente e desenvolvimento, buscando defender que os grandes responsáveis pelas péssimas condições ambientais do mundo eram os países desenvolvidos e não o contrário, sendo este decorrente do desenvolvimento irresponsável das grandes potências. Por isso, não poderiam nem responsabilizar os países pobres pelos problemas ambientais, tampouco impedir o desenvolvimento dos mesmos nesse momento colocando barreiras ambientais para o alcance desse processo.

Assim, além de não colocar uma nova barreira para o desenvolvimento desses países, o Brasil também lutou no decorrer do processo para retirar da pauta de negociações uma das questões defendidas pelas grandes potências que tratava sobre o processo de internacionalização das reservas naturais (transformando-as em patrimônios da humanidade), uma vez que, de acordo com os discursos das grandes potências, os países subdesenvolvidos não obtinham recursos para preservação e exploração da biodiversidade biológica altamente presentes em seus territórios (como no caso brasileiro).

Além dos princípios norteadores da ação externa brasileira, outro fator de destaque foi a formação da posição para as negociações em Estocolmo que estiveram concentradas no Ministério das Relações Exteriores, pois naquele momento, o país vivia sob um regime militar totalitário o que significa que nem a opinião pública, nem os movimentos sociais tampouco o próprio Poder Legislativo tinham efetivamente como manifestar suas preferências em relação ao tema. Além disso, como havia um grande descompasso entre as ambições domésticas, direcionadas nesse momento para o desenvolvimento econômico do país, e a postura externa, que visava amenizar a imagem negativa construída sobre o Brasil pela opinião pública mundial, a temática assumia nesse primeiro momento para o país uma característica apenas retórica, ou seja, desprovida de caráter técnico.  Em outras palavras, isso significa que não haveria a necessidade do envolvimento de outras repartições governamentais, uma vez que a discussão temática apenas retórica mobilizava poucos atores, sendo que os debates ocorriam apenas em foros internacionais.  (Figueira, 2009)

Esse quadro foi alterado significativamente com o fim do regime militar e a redemocratização brasileira. A busca pela restauração da imagem internacional do Brasil em âmbito internacional tornou-se primordial já no governo de Sarney, na transição para democracia, adquirindo maior destaque no governo Collor, que expressou essa vontade em grande parte dos seus discursos. Essa restauração de imagem incluía dentre outros temas como a defesa dos direitos humanos, o desarmamento e a consolidação da democracia, a questão ambiental e a sua defesa, que também passou a fazer parte das preocupações domésticas do país (HIRST & PINHEIRO, 1995). A democracia também favoreceu a emergência de grupos ambientalistas e movimentos sociais antes adormecidos pela repressão do regime militar. Essa mobilização política e social foi potencializada já no governo Sarney, quando o Brasil se oferece para sediar a II Conferência Mundial Ambiental. A conquista dessa possibilidade fez com que o tema emergisse com força no cenário doméstico (VIOLA, 1999).

 

2. Mudança de regime e a nova postura brasileira nos debates internacionais sobre o meio ambiente

A II Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento aconteceu em resposta à proposta inclusa no Relatório de Brundtland produzido em 1987, elaborado pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ressaltava em seu conteúdo a noção, que mais tarde viera a se consolidar, de "desenvolvimento sustentável", sendo esse entendido como o desenvolvimento que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das futuras gerações terem suas próprias necessidades atendidas. O relatório também destacava a necessidade de um novo encontro mundial para a discussão da temática da degradação ambiental, bem como apontava para a necessidade do apoio financeiro e da transferência de tecnologia de países ricos aos países subdesenvolvidos para que os mesmos pudessem alcançar um desenvolvimento atrelado à noção de sustentabilidade. .

Sendo assim, na 85a. Sessão Plenária realizada em dezembro de 1989 foi emitida uma resolução 44/228 da ONU, cujo objetivo era estabelecer uma nova Conferência que reunisse os países na discussão sobre a proteção ambiental, atrelando-a ao aspecto do desenvolvimento.  Esse encontro multilateral ocorreu três anos mais tarde, em 1992, no Rio de Janeiro, com a presença de 172 países.  (MMA, 2010)

As principais decisões tomadas durante o encontro foram derivadas das reuniões preparatórias que negociavam previamente o teor dos principais documentos que posteriormente passariam pelo referendo de todos os países presentes na Conferência. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi um dos documentos gerados pela Conferência do Rio que mais resultou em divergências, sendo as mesmas acirradas com o início das negociações do Protocolo de Kyoto em 1997, devido ao estabelecimento de metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, distinguindo a responsabilização entre países desenvolvidos (com metas) e os países em desenvolvimento (sem metas). .

Outro documento resultante dessa Conferência foi a Convenção dasobre Diversidade Biológica negociado previamente pelo Comitê Intergovernamental de Negociação de uma Convenção sobre Diversidade Biológica, cujo objetivo esteve centrado no debate sobre a conservação da biodiversidade e o uso sustentável de seus componentes, além da repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos. (CDB, 1992) O tema também era fonte de controversas, pois os países desenvolvidos defendiam a idéia de que recursos biológicos e genéticos deveriam ser considerados patrimônios da humanidade, o que era fortemente combatido pelos países subdesenvolvidos, uma vez que os mesmos são possuidores naturais da grande maioria dos recursos genéticos mundiais. No entanto, a capacidade de exploração, os recursos tecnológicos e financeiros para isso são, em contrapartida, de domínio dos países ricos, o que levou a um impasse em torno da temática.

Por fim, o princípio da soberania prevaleceu, resultado favorável aos países subdesenvolvidos, que corriam o risco de ver aprovado o princípio da intervenção ambiental, que legitimaria a ação intervencionista de Estados em territórios que não tivessem condições de proteger o seu meio ambiente (princípio defendido pelos países desenvolvidos no decorrer das negociações).

Outros temas que estiveram no centro dos debates e decisões multilaterais da Conferência foram: a Declaração de Princípios sobre as Florestas que regulamentou o direito soberano dos Estados aproveitarem de forma sustentável suas florestas, abrindo possibilidades para o estabelecimento de cooperação com outros países para garantia da proteção ambiental dessas regiões; a Declaração do Rio que além de retomar os princípios estabelecidos pela Conferência de Estocolmo, estabeleceu também novos fundamentos de cooperação entre os Estados, destacando dentre outros elementos a noção de "responsabilidades comuns, porém diferenciadas dos Estados", sendo que os mesmos possuem objetivos comuns em relação ao combate a degradação ambiental, embora possuam capacidades e recursos diferenciados para alcançá-los; a Agenda 21 também caracterizou-se como um importante instrumento derivado do Encontro, estabelecendo, em 40 capítulos, 2.500 recomendações a serem cumpridas pelos Estados, em curto, médio e longo prazo, dando a possibilidade de países, cidades, estados entre outros elaborarem sua própria Agenda 21, com compromissos ambientais definidos a partir da localidade. Esse último documento aprovado na Conferência previu a transferência de recursos financeiros dos países ricos para aqueles em desenvolvimento para que os mesmos pudessem alcançar os objetivos traçados no documento supracitado. Neste caso, o Brasil com a contribuição de setores organizados da sociedade civil elaborou sua própria Agenda 21, desenvolvendo programas e projetos para efetivação dos compromissos estabelecidos.    (MMA, 2011.

Nessa Conferência, diferentemente do que ocorrera na anterior, o Brasil posicionou-se internacionalmente em consonância com os interesses governamentais, pois o processo de redemocratização do Brasil bem como as pressões mundiais que vinha sofrendo o país devido a seu posicionamento relutante em desenvolver ações convergentes à preservação ambiental e às preocupações mundiais sobre o tema levaram, nesse novo contexto, o governo brasileiro adotar uma postura pró-ativa tanto na preparação como no próprio decorrer do Encontro (Viola, 1999). Também diferentemente do que ocorrera em momento anterior, na Conferência do Rio várias pastas ministeriais participaram ativamente do processo de preparação da posição brasileira, rompendo com o modelo centralizado no Itamaraty. (Figueira, 2009)

Foi também nessa fase de preparação que o Brasil buscou de forma estratégica articular posições com os países da região para assumir um espaço mais relevante no processo negociador que prometia ser bastante controverso. Ocorreram no Brasil em 1989, a IV Reunião Ministerial sobre Meio Ambiente da América Latina e Caribe e a I Reunião dos Presidentes dos Países Amazônicos; no México, em 1991, uma Reunião Preparatória da América Latina e do Caribe, que gerou a Plataforma de Tlatelolco sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em 1992, no Brasil, a Reunião dos países membros do Tratado de Cooperação Amazônica e a Reunião dos países membros do Mercosul, mais Bolívia e Chile. (Lago, 2007)

Também em âmbito doméstico, com vistas a fortalecer a mudança de posição e da imagem do Brasil no exterior, o governo brasileiro adotou algumas iniciativas. Foi lançado em ambiente doméstico, em 1988, o Programa Nossa Natureza ou Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal. Os objetivos convergiam para a idéia de combater a ação predatória na exploração dos recursos naturais, a preservação amazônica e a geração de uma consciência ambiental através de programas educacionais. Além disso, rompeu-se com a política anterior de incentivo fiscal a projetos agropecuários em áreas de florestas tropicais; criou ainda o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) em substituição de outros órgãos existentes na área.

As ações governamentais passaram a partir dos anos 1990 a criar ações e programas nacionais em convergência com as demandas internacionais em torno da temática ambiental. Estabeleceu-se, para isso, a articulação entre os diversos órgãos do Estado tanto em nível federal como no âmbito local, tendo em vista a transversalidade temática do assunto, que envolve e sobrepõem competências regimentais dos Ministérios. Além disso, também houve um crescimento da participação da sociedade civil, seja mediante aos grupos empresariais, ONGs ou comunidades epistêmicas, na elaboração e na implementação dessas políticas. (Figueira, 2009)

Os documentos produzidos também como resultado da Conferência do Rio passaram a exigir a construção de mecanismos internos de articulação visando o cumprimento das metas estabelecidas/ recomendadas.

 

3. Quase vinte anos após a Eco-92: o que mudou?

A terceira conferência mundial do meio ambiente ocorreu em 2002 em Joanesburgo e teve como objetivo criar mecanismos para viabilização das metas recomendadas no decorrer da Conferência do Rio de Janeiro, o que significa que nesse novo encontro a finalidade central não foi estabelecer novos compromissos internacionais multilaterais concretizados mediante aos atos diplomáticos e sim buscar a aceleração da implementação dos princípios fundamentados na Declaração do Rio. Em outras palavras, como previsto pela resolução da ONU de dezembro de 2000, estabeleceu-se a realização de uma nova Conferência para examinar os avanços obtidos em 10 anos e criar mecanismos mais eficientes para implementação dos preceitos evocados pela Agenda 21. (Goldemberg, 2002)

Uma diferença marcante entre esses dois encontros, além dos objetivos primários, foi o contexto internacional, sendo esse segundo momento caracterizado pelo aprofundamento do processo de globalização, pela nova atenção atribuída pelos Estados às questões de segurança, decorrente, sobretudo, dos ataques terroristas de 11/09/2001 nos Estados Unidos, além da relevância atribuída à agenda de liberalização comercial com o início da Rodada de Doha em 2001. Outro fator determinante no ressurgimento na pauta de Joanesburgo dos compromissos estabelecidos no encontro em 1992 no Rio de Janeiro foi a permanente relutância de diversos Estados em ratificar compromissos presentes nas Convenções e Protocolos referentes ao estabelecimento de metas, o que passou a inviabilizar em muitos casos o avanço e a aplicação dos princípios do desenvolvimento sustentável (LAGO, 2007). .

Assim, durante o processo preparatório o objetivo dos países em desenvolvimento foi manter os princípios já estabelecidos no Rio de Janeiro, principalmente no que confere o compromisso igual, porém diferenciado entre Estados com condições de desenvolvimento econômico distintos. Além disso, buscou-se priorizar temas como a erradicação da pobreza, alteração dos padrões insustentáveis de produção e consumo, os meios de implementação das ações recomendadas na Agenda 21 e o fortalecimento do princípio da governança. Essas prerrogativas foram sustentadas pelo relatório desenvolvido e publicado pela ONU pouco antes da realização da Conferência de Joanesburgo nomeado de "Desafios Globais, Oportunidades Globais", que constatou dados alarmantes sobre os aspectos evolutivos da destruição ambiental no mundo.

Nessa mesma direção, o "Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável: de Estocolmo a Joanesburgo - Rio + 10 Brasil (2002)" realizada pouco tempo antes da Conferência de Joanesburgo também teve como preocupação central destacara correlação sustentada no encontro anterior de atrelar a noção de desenvolvimento à proteção ambiental, reafirmando preceitos como o princípio da soberania e refutando a idéia de uma possível intervenção ambiental, além de defender o princípio da cooperação técnica e financeira entre países. Em outras palavras, a finalidade do evento era buscar o comprometimento dos Estados na reafirmação do "Legado do Rio", além de propor novos avanços, especialmente na área da implementação dos compromissos assumidos e do apoio financeiro. Como proposta para o fortalecimento do posicionamento dos países em desenvolvimento, os mesmos procuraram costurar um posição prévia ao encontro da cúpula mundial com vistas a angariar resultados favoráveis nas negociações. O Brasil na liderança desse movimento regional organizou consultas, tendo como resultando a construção da Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC), que incorporava em seu conteúdo, dentre outras coisas, a proposta brasileira em defesa do uso de energias renováveis. (Lago, 2007)

A preparação brasileira para a Conferência ocorrida na África do Sul seguiu o padrão do evento anterior, ou seja, a construção do posicionamento foi articulada entre os Ministérios mediante a constituição de uma Comissão Interministerial para a Preparação da Participação do Brasil na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. A diferença foi que nesse momento a participação de setores da sociedade civil foi maior, organizando-se em redes políticas de natureza societal, que por vezes se cruzaram com os espaços institucionalizados de articulação governamental. (Figueira, 2009)

Dessa forma, a coordenação política envolvendo a temática ambiental adquiriu a partir das preparações para a Conferência de Joanesburgo uma característica ainda mais abrangente do que apresentada no Rio, com a incorporação e a mobilização de atores sociais e empresariais em articulação com os setores governamentais na formulação do posicionamento brasileiro para o encontro e, mais do que isso, para a criação de mecanismos mais eficientes de implementação das políticas e preceitos propostos na Agenda 21.

Contudo, os resultados do encontro não foram tão frutíferos como no Rio, pois nesse evento nenhum novo compromisso foi estabelecido em termos vinculantes. Assim, a proposta brasileira de tornar a utilização de 10% energias renováveis na matriz energética mundial não foi aprovada, mantendo a questão apenas como cláusula de intenção e sugestão. Mas houve avanços que merecem ser destacados como a criação do fundo contra a pobreza, que concretiza a inclusão do problema nos debates sobre desenvolvimento sustentável e também a articulação entre as esferas governamentais e os atores não-estatais na promoção de ações integradas.

Após essa reunião global o evento que mais ganhou notoriedade pelas expectativas empreendidas foi a COP-15 (Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) ocorrida em dezembro de 2009. O principal objetivo do encontro era renovar os compromissos com a redução de emissão de GEEs (Gases do Efeito Estufa) e garantir a negociação de metas mais ambiciosas para os países do Anexo I (nações industrializadas), já que o prazo para expirar o compromisso assumido no protocolo de Kyoto com a meta de 5,2% é 2012. A expectativa era da constituição de um novo acordo que gerasse o comprometimento das nações desenvolvidas com a redução de 25% a 40% até 2020, considerando seus índices de emissão de 1990. Essas metas mais ambiciosas tinham como propósito evitar o já previsto aquecimento da terra em 2°C. Outra expectativa era dos Estados Unidos, sob nova gestão (Obama), comprometer-se com as metas, já que o país resistiu à adesão ao Protocolo de Kyoto. (COP-15Brasil, 2009)

A demanda sobre os países emergentes, especialmente Brasil, China e Índia, sobre a redução de suas emissões de GEEs esteve atrelada a necessidade de comprometimento por parte dos países industrializados em promover auxílios financeiros e tecnológicos para ações de mitigação. Outra proposta que incluía os países mais pobres e mais vulneráveis às mudanças climáticas era a constituição de um fundo que disponibilizasse recursos financeiros além da transferência de tecnologia para se defenderem e se adaptarem às alterações climáticas e os desdobramentos decorrentes disso.

Embora com demandas bastante consistentes e importantes para o avanço das medidas que visassem a preservação ambiental, os resultados do encontro ficaram apenas no plano discursivo, não havendo o comprometimento formal e vinculativo dos países com novas metas. A grande causa da paralisia das negociações foram os choques de interesse entre Estados Unidos e China sob as condições que estavam sendo negociadas. O Brasil criticou muito a falta de disposição em avançar nas negociações sobre o tema e encerrou sua participação no encontro oferecendo voluntariamente um programa de metas não vinculativas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9%. (COP-15Brasil, 2009)

Um ano depois, durante a COP-16 embora o propósito principal novamente não tenha sido atingido como redigir um novo acordo com plano de metas que venha substituir o Protocolo de Kyoto, alguns avanços foram obtidos, tais como: a criação do Fundo Climático Verde, destinado as nações pobres que precisam se adaptar às mudanças climáticas; a criação de um Comitê Executivo Tecnológico para lidar com a questão das transferências de tecnologia e recursos aos países em desenvolvimento para mitigação e o mecanismo REDD+, cuja finalidade é respaldar ações de redução aos desmatamentos e a degradação das florestas e proteger a biodiversidade.

No ano de 2011 as expectativas estão mantidas para a COP-17 e para a Rio+20, com o aprofundamento dos debates sobre econômica verde e a renovação de compromissos com a causa ambiental.

 

Considerações finais

No decorrer das Conferências de Estocolmo e do Rio de Janeiro as estratégias brasileiras direcionaram-se para fortalecer princípios que articulavam a causa ambiental ao desenvolvimento econômico, ou seja, condicionava a preservação do meio ambiente dos países do terceiro mundo à transferência de recursos e tecnologia das nações desenvolvidas. Além disso, outro fundamento que orientou a ação externa do país ao liderar a causa dos países Mega Diversos foi a luta contrária a aprovação da cláusula que previa a universalização dos recursos naturais, tornando-os bens da humanidade, afetando diretamente a soberania. A postura brasileira defensiva nessas reuniões tinha como objetivo a limitação de danos, especialmente em relação aos seus interesses na Amazônia, fulcro central nos debates sobre o tema. (Azambuja, 1992)

Outro aspecto que fica evidente em todos esses foros de negociação é a polarização entre os países do Norte e do Sul, que apresentam claramente posturas antagônicas em relação aos compromissos e ganhos nessa área. O Brasil adotou nessas negociações a posição de país semi-periférico e intermediador das causas polarizadas entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, com objetivos de aprovar medidas de redução das assimetrias atreladas às ações de sustentabilidade. Com isso, no decorrer dos debates que envolveram a construção da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o Brasil buscou fortalecer em sua posição negociadora a diferenciação nas atribuições de responsabilidades entre os países, o que levou a um sistema de metas diferenciado entre as Partes.

Em 2002, diferentemente das outras conferências mundiais sobre o tema, o Brasil demonstrou-se mais assertivo ao incluir pontos na agenda de negociação que lhe trouxesse benefícios diretos, tal como a proposta de inclusão de uma meta global obrigatória de 10% de energias renováveis, cuja finalidade seria a mitigação dos efeitos causadores das mudanças climáticas. Essa meta, se aprovada, teria efeitos positivos para a economia brasileira que vem se especializando na produção de energias renováveis, principalmente o etanol. Contudo, embora essa proposta não tenha sido exitosa por resistência de diversos países dependentes de energias fósseis, houve uma demonstração de alteração de postura do país em relação às negociações.

Após a conferência, os avanços nos debates sobre mudanças climáticas nas reuniões entre os Estados realizadas anualmente foram tímidos, já que até o ano de 2010, quando ocorreu a última dessas reuniões (COP-16), o esperado documento substitutivo ao protocolo de Kyoto que determina metas mais abrangentes de redução nas emissões de GEEs não foi concluído. O Brasil nesse encontro teve um papel central de liderança nos debates sobre transferência de recursos e tecnologias aos países em desenvolvimento para efeitos de mitigação, além de ter oferecido meta voluntária e não vinculativa. A internalização desse compromisso através de legislação específica demonstrou a preocupação nacional com a questão e a nova postura que o Brasil vem adotando nessa arena de negociação, sendo a temática um dos principais componentes de seu soft power.

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AZAMBUJA, Marcos C. O Brasil e a Conferência do Rio. Revista Política Externa,1992, vol.1, nº 1, p. 58-64.

BATISTA, Paulo N. O desafio brasileiro: a retomada do desenvolvimento em bases ecologicamente sustentáveis. Revista Política Externa, 1993, vol.2, nº 3, p. 31-42.

FELDMANN, Fábio.Reflexões para o pós-Rio. Revista Política Externa, 1992,vol.1, nº 1, p. 65-74.

FIGUEIRA, A.C.R. Processo decisório em política externa no Brasil. São Paulo: tese de doutorado DCP/USP, 2009.

GOLDEMBERG, José. Um plano de ação para Johannesburg. Revista Política Externa, 2002, vol.11, nº 1, p. 89-96.

HIRST; M.; PINHEIRO, L. A Política Externa Brasileira em dois tempos. In: Revista Brasileira de Política Internacional, 38 (1), 1995.

LAFER, Celso. Brasil: dilemas e desafios da política externa. Estudos Avançados. vol.14, n.38, 2000.

LAGO, André Aranha Corrêa do. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: o Brasil e as três Conferências Ambientais das Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão, 2007.

VIOLA, Eduardo. Movimento Ecológico: A Heterogeneidade Política. LUA NOVA, Sao Paulo, v. 3, n. 45, p. 45-49, 1987.

VIOLA, EduardoA Evolução do Papel do Brasil no Regime Internacional de Mudança Climática e na Governabilidade Global. Cena Internacional, Brasília, v. 6, n. 1, p. 1-25, 2004

VIOLA, Eduardo. O regime internacional de mudança climática e o Brasil. Revista Brasileira Ciências Sociais, v. 17, n. 50, 2000.

VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A política externa do Regime Militar brasileiro: multilateralização, desenvolvimento e a construção de uma potência média (1964 - 1985). Porto Alegre: Editora UFRGS, 1998.

Sites consultados

www.mre.gov.br

www.mct.gov.br

www.mma.gov.br

www.cop15brasil.gov.br

www.mudancasclimaticas.andi.org.br

www.brasil.gov.br

 

 

* 3º Encontro Nacional ABRI (de 20 a 22 de julho de 2011, São Paulo, SP). Grupo de trabalho: Política Externa