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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

O papel da cultura nos processos de integração regional: o caso da UNILA

 

 

Beatriz Thomaz CarvalhoI; José Elísio Alves Goiana FilhoII

IMestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UERJ
IIMestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UERJ

 

 


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar o papel da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA) no fomento e na consolidação da integração regional no MERCOSUL. Criada em janeiro de 2010, esta é uma instituição de ensino superior que busca criar um ambiente multicultural e interdisciplinar para o desenvolvimento de profissionais e pesquisadores do continente sul-americano. A iniciativa de criação da universidade faz parte de um esforço crescente do governo brasileiro de consolidar uma política externa cultural e uma identidade para o bloco. Como forma de melhor analisar o estudo de caso da UNILA, o artigo está dividido em quatro partes. Em primeiro lugar será feita uma pequena análise da importância da cultura nas relações internacionais e como um artifício de política externa. Em seguida, será abordado o papel do Estado e dos outros agentes que atuam na área cultural. Uma terceira parte tratará da relação entre a integração regional e os projetos culturais. Por fim, será feito um breve estudo de caso da UNILA e do seu papel como construtora de uma cultura comum e de uma identidade mercosulenha.

Palavras-Chave: Relações Internacionais Culturais; Mercosul; Universidade da Integração Latino Americana (UNILA)


 

 

Introdução

A cultura tem atraído cada vez mais atenção de governos e outros atores internacionais. Aos poucos, fica cada vez mais evidente como esta pode constituir uma forma de se fazer política e, dessa forma, atingir objetivos e buscar realizar determinados interesses. A política cultural pode se dar de diversas formas e através de inúmeros atores, sejam eles estatais ou não, o que garante uma multiplicidade de opções para seu uso.

O presente artigo tem como objetivo analisar uma das ferramentas mais recentes de política cultural exterior do Brasil, a Universidade Federal de Integração Latino Americana, localizada em Foz do Iguaçu. Criada em 2010, esta tem por objetivo incentivar o intercambio de jovens e consolidar uma cultura de cooperação entre os países do continente e principalmente do MERCOSUL. Esta universidade, composta de alunos brasileiros, uruguaios, paraguaios e argentinos, faz parte de uma iniciativa maior do governo brasileiro fortalecer uma identidade mercosulenha e as relações entre os países integrantes do bloco, dessa forma, fomentando a integração regional.

 

A importância da cultura nas relações internacionais

Para alguns autores, a cultura possui uma importância fundamental nas relações internacionais, já que esta também seria uma condicionante do comportamento dos atores no sistema internacional. Hugo Suppo e Mônica Lessa (2007, p.223) afirmam que a cultura, entendida como um sistema de valores, constitui um fator bastante influente na política externa dos Estados, podendo servir como um elemento de aproximação ou de conflito. De forma similar, Pierre Milza (1980, p.362) afirma que a cultura, compreendida em seu sentido mais amplo, ou seja, a produção e o consumo de objetos simbólicos criados por uma sociedade também pode constituir um ator ou fator que influi nas relações entre os Estados. Segundo ele, isso acontece porque a cultura forja mentalidades e orienta o sentimento público.

Diversos outros autores importantes do campo das Relações Internacionais reconheceram o papel da cultura na relação entre os Estados. Alexander Wendt (1999), por exemplo, entende que a cultura, ou seja, o sistema de valores e idéias vigentes, é o principal elemento construtor das identidades e interesses dos atores internacionais. Portanto, o fator cultural seria muito relevante na determinação do comportamento dos Estados e consequentemente nos processos de integração regional, que são o foco do presente estudo.

De maneira similar, Judith Goldstein e Robert Keohane (2003, p.3-4) são dois autores que enfatizam a importância das idéias na formulação de políticas, como forma de explicar as ações humanas. Segundo eles, a definição de preferências e a forma pela qual as identidades são formadas também possuiriam um papel na busca de realizar os interesses dos atores. Portanto, as idéias teriam influência principalmente quando princípios ou crenças incorporadas por estas fornecem diretrizes que aumentam a clareza dos atores acerca de suas metas, quando afetam os resultados de situações estratégicas nas quais não há um equilíbrio e quando se incorporam a instituições políticas.

 

O Papel do Estado

O Estado, indubitavelmente, possui uma função primordial na consecução de processos de aproximação internacionais, seja pela diplomacia cultural, seja por meio de facilitação do fluxo de trocas que os homens, espontaneamente, estabelecem entre si. No entanto, segundo Ribeiro (1989, p. 9):

"Relações culturais são também as comunicações que "grupos sociais", as comunidades acadêmicas, os artistas, os produtores de cultura, espontaneamente, estabelecem entre si, independentemente de fronteiras, com ou sem ajuda estatal e, algumas vezes, até contra a vontade desses estados."

A Política cultural externa, segundo Mônica Leite Lessa (2002, p.15), "compreende um conjunto de ações planejado para, a longo prazo, amparar e/ou fomentar a difusão e venda dos produtos culturais no exterior". Os produtos aos quais a autora se refere podem ser variados, como língua, teatro, música, culinária e etc. A política cultural ajuda a estabelecer projetos de cooperação técnica e científica, intercâmbios, exposições internacionais, eventos, festivais, entre outros. Lessa (2002) ainda enfatiza que essa política, deve ser executada pelo Estado, ou pelo menos estar e acordo e apoiada pelo mesmo.

Dessa forma, entende-se que o sucesso de tais relações depende da formação da uma cultura e uma identidade nacional sólidas. O Brasil possui uma grandiosa produção cultural, cada vez mais popular no mundo. A identidade brasileira se consolida em todo o globo e possui, ainda, enorme potencial de expansão.

Os agentes culturais podem ser de vários tipos: diplomatas, cientistas, professores, intelectuais, artistas, entre outros. Mesmo que suas ações não partam de uma iniciativa estatal, irão beneficiar a estratégia do Estado, direta ou indiretamente através da difusão de uma imagem positiva de nação ou cultura, de propaganda cultural, de criação de um mercado consumidor de bens culturais, de criação de uma opinião pública favorável ou ainda de estreitamento de laços entre governos (LESSA, 2002, p.18). Acreditamos, portanto, que uma forte diplomacia cultural se faz necessária e que as relações culturais com as nações vizinhas não devam ser restritas à iniciativa popular, por meio dos trabalhos de artistas, intelectuais, professores e pesquisadores universitários, que assumem programas de cooperação, de mobilidade de docentes e de alunos em universidades parceiras.

 

Cultura e política externa brasileira

Celso Lafer não deixa de ter razão quando destaca os fatores de continuidade da Política Externa Brasileira (LAFER, 2007). No entanto, as mudanças ocorridas no período atual de nossa história, processo iniciado a partir da década de 1990, são inegáveis. A partir do citado período, a Política Externa Brasileira tem experimentado reconfigurações em nível estratégico e operacional. Observa-se, de um lado, um aumento da participação de atores na sua formulação e, de outro, uma atuação marcante, centrada na figura do chefe do poder executivo, na condução dos assuntos de política externa. Em razão disso, a agenda internacional do país é capaz de seguir uma cartilha propositiva de prioridade não-excludente, como anteriormente apresentada, diversificando suas parcerias.

Urge, portanto, o aproveitamento da atual janela de oportunidades por parte do governo. Há 20 anos, o diplomata Edgar Telles Ribeiro apresentou critérios para defender a consecução de uma política cultural ativa1 por parte do governo brasileiro, que auxilie o país na construção de uma imagem que o favoreça frente a seus novos e antigos parceiros.

"Se nos fosse permitido um exercício simplificador de desmembramento, poderíamos dizer que a diplomacia política persegue objetivos políticos, a diplomacia comercial objetivos comerciais, a diplomacia econômica objetivos econômicos e assim por diante. A diplomacia cultural, no entanto, vai muito além: ao lograr objetivos culturais - tarefa em si mesma fundamental - facilita, por via indireta, a consecução de objetivos políticos, comerciais, econômicos e quaisquer outros a que a política externa de um país se proponha." (1989, p.31)

Portanto, a motivação do tema proposto repousa no fato de que a política cultural deve servir de apoio à política externa de um Estado, ao tratar das Relações Culturais Internacionais como redes de troca entre sistemas de valores e representações que servem como referência para a identificação de grupos nacionais.

O poder estatal brasileiro precisa, ainda, ajustar sua posição em tal cenário. Por deter função primordial na consecução de processos de aproximação internacionais, seja pela diplomacia cultural - exercida por seus órgãos oficiais de governo, notadamente o Ministério das Relações Exteriores, algumas vezes em parceria com o Ministério da Cultura - seja por meio de facilitação do fluxo de trocas que alguns homens estabelecem espontaneamente entre si. Destacamos o conceito apresentado por Ribeiro (1989), ao afirmar que as relações culturais são também as comunicações que "grupos sociais", as comunidades acadêmicas, os artistas, os produtores de cultura, espontaneamente, estabelecem entre si, independentemente de fronteiras, com ou sem ajuda estatal e, algumas vezes, até contra a vontade desses estados.

O fenômeno da globalização, apoiado na economia de mercado e no desenvolvimento tecnológico, pode ser observado na parcela sulamericana do continente por meio de iniciativas de cooperação e integração regional, com destaque para o MERCOSUL, entre outros outros mecanismos de integração como a ALCSA, a IIRSA e a UNASUL. Em meio a tais iniciativas de integração, a política brasileira, segundo Pinheiro, é conduzida com um norte que aponta para a busca do protagonismo em tais processos - objetivo observável quando das propositivas participações do país, nos mais variados foros regionais, de modo a consolidar uma imagem de liderança moderada frente aos contenciosos regionais - sem que, contudo, o país comprometa sua autonomia (PINHEIRO, 2004).

Paralelamente, a discussão sobre acordos de livre comércio e a análise das políticas implementadas nas últimas décadas, com o aumento das pressões externas a favor da liberalização econômica e comercial, apontam para um cenário de mercantilização de diversos setores, entre eles a educação, onde a principal estratégia discursiva que dirige tais reformas tem base em ideais neoliberais, de tendencias regionalizantes, de integração não apenas física, mas também economica (KRAWCZYK, 2001). A interdependência e a subordinação em escala global sustentam a necessidade de produção de abordagens regionais inclusivas que permitam a promoção conjunta do desenvolvimento econômico e social, que tenham como objetivo principal reforçar os direitos e capacidades dos cidadãos.

Frente a tais fenômenos, nossa proposta parte da importância do papel cultural e na essencialidade que as instituições de ensino possuem, com ênfase na produção de conhecimento voltado para a integração. Cabe destacar a ambigüidade que o próprio termo "cultura" contém. Deve-se tomar especial cuidado a fim de evitar projeções próprias, idéias preconcebidas, do que seria "cultura". Utilizamos um conceito amplo na presente análise, que abarca não apenas a "indústria cultural", as "artes", ou mesmo a "cultura popular" e o "consumo cultural", mas também manifestações que, normalmente, não se inserem no campo semântico de "cultura" como, por exemplo, uma metodologia de ensino.

A América Latina apresenta uma bagagem histórica significativa e sua característica multicultural e intercultural deve ser melhor aproveitada. Seria necessário reconhecer e difundir os modos de produção de conhecimento e acumulação que tenham origem nos povos indígenas e nos povos africanos como parte de nosso legado colonial, como forma de buscar uma herança histórica comum.

 Podemos afirmar que sem a colaboração intercultural na produção do conhecimento sobre o povo latino-americano, torna-se impossível compreender nossa experiência social. A cultura, portanto, poderia servir como um elemento importante para a integração regional (RIVAS, 2003). A disseminação de idéias de que os povos do Mercosul partilham de interesses e identidades comuns poderia ser um catalisador da integração política e cultural do bloco através da criação de uma identidade regional que englobasse todo o Mercosul. Para tanto, ganham destaque as ações culturais dos Estados e outros agentes privados.

 

A integração regional e os projetos culturais

Com o processo de integração cultural, econômica e política que foi iniciado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai com da criação do MERCOSUL, abre-se um espaço para a análise da formação cultural da região e de sua influência na vida comunitária de seus povos formadores. Identificam-se, também, as transformações culturais que forneçam um sentido de unidade e uma aproximação identitária entre os povos dos países citados. Cumpre destacar que as bases dessa integração cultural no MERCOSUL se assentam na matriz indígena dos povos pré-colombianos, amalgamada, com o passar dos anos, à diferentes etnias que se transferiram à América Latina (BERTAZZO, 2003).

O Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores brasileiro tem apresentado negociações envolvendo a questão cultural, dentre as quais podem ser citadas as tratativas junto à UNESCO e ao MERCOSUL2. Dentro desse contexto, os vários atores envolvidos e os diversos tipos de ação são importantes.

O projeto de Integração Cultural do MERCOSUL exprime-se no Preâmbulo do Tratado de Assunção3, no qual se afirma que de, sua criação, emana o intuito de afirmar "[...] sua vontade política, de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, [...]". Observa-se que, originada de uma antiga idéia, advinda da vontade política de seus governantes, somada à vontade soberana de suas comunidades, a integração cultural se apresenta na região espacial integrada pelo bloco.

 Para José Flávio Sombra Saraiva (2003, p.19) as indústrias culturais dentro do MERCOSUL vem atuando, mesmo que de maneira invisível, como agentes de integração. Segundo o mesmo (2003, p.56), são os novos atores internacionais (artistas, intelectuais, professores, pesquisadores universitários, empresários e ONGs) que mais têm colaborado para as atividades culturais no MERCOSUL. Sua atuação tem gerado redes de pesquisadores, esportistas, artistas, que possibilitam a realização de exposições, de programas de cooperação e de mobilidade de docentes e alunos. Portanto, essas iniciativas, em sua maioria não advém de políticas culturais estabelecidas pelos Estados, mas sim das relações pessoais entres os atores dentro do bloco.

Certas questões culturais em âmbito regional permanecem, ainda, em estágio embrionário. O vasto patrimônio cultural dos Estados-membros permanece restrito aos seus territórios. A ata da XXVIII Reunião4 dos Ministros da Cultura do Mercosul revela iniciativas limitadas, que deixam transparecer certa subestimação quanto aos efeitos da diplomacia cultural junto aos países do Bloco, cujas prioridades são claramente de natureza comercial. Parece não haver utilização estatal de tais instrumentos na construção de vínculos de confiança e de cooperação entre seus povos.

Segundo Mônica Lessa (2010, p.50), o Mercosul Cultural ainda não recebe grande quantidade de atenção dos países mercosulenhos. Em dezembro de 1996, foi aprovado o Protocolo de Integração Cultural do Mercosul, que serviria como documento estruturante da política cultural do bloco, entretanto, passada mais de uma década, os avanços concretos foram poucos.   Já em 2001, a cultura passou a ser reconhecida como um catalisador da integração regional e do desenvolvimento (LESSA, 2010, p.57).

Em sua análise, Saraiva (2003, p.66-67) aponta que a cultura tem sido pouco valorizada e utilizada dentro do MERCOSUL para o estabelecimento de pontes e relações entre os países do bloco, mesmo com a aprovação do "Protocolo de Integração Cultural do MERCOSUL". A comunicação seria insuficiente para criar imagens favoráveis dos países integrantes. Além disso, o conhecimento fraco da história, cultura e economia dos vizinhos é essencial, o que torna necessário o estímulo a estudos e pesquisa sobre esses temas dentro das universidades, centros de pesquisa e instituições regionais.

Para Estevão C. de Resende Martins (2002, p.160), o Mercosul "(...) deve representar o ponto de partida para uma integração mesorregional efetiva". O bloco poderia incentivar o crescimento da consciência histórica coletiva dentro de seu âmbito, ou seja, seriam capazes de enxergar um percurso comum em cooperação com sociedades análogas: "A consciência histórica da integração (real ou possível) é um fator impulsionador da aproximação social e política dos sujeitos (...)" (MARTINS, 2002, p.161).

Posto isto, ressaltamos que o MERCOSUL, enquanto proposta de integração, não deve se furtar na busca de uma integração social e cultural, para que vá além dos fenômenos econômicos. Cabe a seus estados membros, o estabelecimento de políticas culturais que resultem na convergência dos anseios populares e permitam aproximações identitárias. O papel dos Ministérios da Cultura e das Relações Exteriores dos estados membros na formulação de programas políticos de difusão externa das culturas nacionais que, preocupados com questões de identidade, objetivem uma integração regional, ganham enorme relevo.

 

A UNILA, um breve estudo de caso

Muitas foram as mudanças trazidas pelo advento da pós-modernidade com relação à identidade em geral. Stuart Hall (2000, p.73) aponta para um suposto enfraquecimento das identidades nacionais, que abriria caminho para o reforço de outros laços e lealdades culturais, "acima" ou "abaixo" do nível estatal. Dentro desse contexto está o renascimento dos nacionalismos étnicos e a criação de identidades macro-regionais. Essas novas identidades abrem janelas de oportunidade para a criação de novos tipos de relações entre os atores. A aproximação entre os países do Mercosul e a criação de uma identidade mercosulenha está inserida nesse contexto.

Configura exemplo digno de destaque, o funcionamento da UNILA - Universidade da Integração Latino Americana, que pretende aprofundar os laços entre os povos latinos preservando sua diversidade cultural. Uma avaliação do funcionamento de tal instituição de educação merece, portanto, uma maior atenção da academia.

Em dezembro de 2007, o Ministério da Educação submeteu ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, um projeto de lei propondo a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), instituição com sede em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, em razão da confluência da fronteira de três países sulamericanos, o que reforça o caráter simbólico da idéia de diálogo e interação regional.

Em março de 2008, o Projeto de Lei chega ao Congresso Nacional, a entidade é apresentada como:

 "(...) formadora de recursos humanos com lucidez e competência para contribuir com o desenvolvimento e integração cultural e econômica latino-americana, fomentando o intercâmbio científico e tecnológico entre as universidades e institutos de pesquisa da região, caracterizando sua atuação pela ênfase no intercâmbio acadêmico e na cooperação solidária com os países do Mercosul e restante da América Latina, oferecendo cursos e desenvolvendo programas de pesquisa em estudos sociais e linguísticos, relações internacionais e áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento e integração regional"5.

Destaca-se a exposição de motivos elencados na iniciativa interministerial, na qual se reconheceu ''a urgência de promover, por intermédio do conhecimento e da cultura, a cooperação e o intercâmbio solidários com os demais países da América Latina,'' aspiração histórica que vai ao encontro do que o presente trabalho defende. É possível observar na declaração, o reconhecimento das universidades como instituições voltadas, também, para a integração regional ao compartilhar o saber e a tecnologia, bem como ao produzir cultura. A iniciativa faz parte do chamado REUNI - Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras6, implementado em razão do significado estratégico que as universidades possuem no desenvolvimento econômico e social7.

No dia 2 de setembro, durante a aula inaugural da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, o presidente Lula destacou que após 200 anos a América Latina está "aprendendo a andar por suas próprias pernas, falar por suas próprias bocas e pensar pela nossa cabeça"8. O presidente destacou ainda que tal iniciativa tem papel fundamental no processo de ''independência intelectual'' da região. Ainda de acordo com os ideais integracionistas presentes no desenvolvimento da UNILA, destacamos o discurso do ministro da educação Fernando Haddad sobre o desafio que ''a primeira universidade internacional brasileira''- visto que além de brasileiros, a universidade abriu 150 vagas para alunos da Argentina, Uruguai e Paraguai, cujas inscrições são recebidas pelos Ministérios da Educação dos respectivos países - enfrentará ao formar cidadãos que reflitam sobre a integração regional de um ponto de vista cultural.

Os discursos selecionados transparecem a idéia de que as sociedades dependem do grau de liderança intelectual e social formado nas universidades, ao passo que os objetivos da UNILA, expressos na Lei nº 12.189, de 12 de janeiro de 2010, parecem partilhar dos mesmos preceitos. Tais objetivos são os seguintes: formar recursos humanos com lucidez e competência para contribuir com o desenvolvimento e integração cultural e econômica latino-americana, fomentando o intercâmbio científico e tecnológico entre as universidades e institutos de pesquisa da região; caracterizar sua atuação pela ênfase no intercâmbio acadêmico e na cooperação solidária com os países do Mercosul e com os demais países da América Latina; e oferecer cursos e desenvolver programas de pesquisas em áreas de interesse mútuo dos países latino-americanos com ênfase nos recursos naturais, estudos sociais e lingüísticos, relações internacionais e áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento e integração regional.

A análise dos chamados três pilares base do projeto da Universidade, não poderiam deixar de observar os mesmos ideais de integração regional, presentes até o momento: I - Interação em termos nacionais e transnacionais de forma solidária e com respeito mútuo; II - Compromisso com o desenvolvimento econômico sustentável, tornando-o indissociável da justiça social e do equilíbrio do meio ambiente; e III - Compartilhamento recíproco de recursos e conhecimentos científicos e tecnológicos com professores e estudantes da América Latina.

A universidade oferece os cursos de Ciências Biológicas; Relações Internacionais e Integração; Economia, Integração e Desenvolvimento; Sociedade, Estado e Política na América Latina; Engenharia Ambiental e Energias Renováveis; Engenharia Civil de Infraestrutura; Antropologia com ênfase em Diversidade Cultural Latino-Americana; Ciências da Natureza com ênfase em Biologia, Física e Química; Geografia com ênfase em Território e Sociedade na América Latina; História com ênfase em Direitos Humanos na América Latina; Letras com ênfase em Expressões Literárias e Linguísticas; e Desenvolvimento Agrário e Segurança Alimentar. A faculdade possui, ainda, uma iniciativa metodológica que a distingue de outras instituições, todos os cursos citados compreendem a formação nas áreas de metodologia, línguas e estudos da América Latina em seu primeiro ano. Após tal etapa, os estudantes iniciam a formação específica na área escolhida.

Segundo Lessa (2010, p.54), tal proposta seria uma das poucas iniciativas culturais de integração9 que avançaram no MERCOSUL. Além de promover um vínculo entre educação e cultura, a UNILA também constitui uma tentativa de criação de uma identidade regional "solidária" e "integradora".

Para a autora, a UNILA cumprirá uma das principais propostas do MERCOSUL Cultural que é promover a formação dos estudos universitários na região. Esta seria uma forma de incentivar e consolidar o intercambio entre jovens e a construção de uma cultura de cooperação. O desenvolvimento de um projeto pedagógico que privilegie a multidisciplinaridade serviria como um pólo de discussões sobre a realidade latinoamericana (LESSA, 2010, p.55).

De posse de idéias semelhantes, Saraiva (2003, p. 19) afirma que é necessário um esforço para a reversão nas escolas e na produção cultural da imagem que nutrimos de nossos vizinhos. As imagens profundas de conspiração e desconfiança entre os vizinhos platinos é algo que não foi superado com o aumento das relações econômicas. Além disso, seria necessário superar o ângulo nação, portanto, dando ênfase a lógica da integração.

Diante do quadro apresentado, destacamos a iniciativa de criação da UNILA, instituição de ensino investida do propósito de fomentar a integração regional, como uma etapa estratégica da política externa brasileira. A partir de seus resultados esperados, de longo prazo, o país poderá dar mais um passo importante em seu projeto político de projeção internacional.

 

BIBLIOGRAFIA

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1. A proposta apresentada por Gilberto Gil em seu discurso de posse, em 2003, como titular da pasta da Cultura era de reconhecer as diversas formas de manifestação cultural do Brasil universalizando os serviços culturais, por meio de centros culturais e bibliotecas em todo o país; dando autonomia às diversas formas de manifestação cultural existentes no país e buscando novas formas de diálogo com outras instâncias da sociedade, com a inserção econômica e o desenvolvimento regional.
2. Por meio de políticas como a implementação do selo MERCOSUL Cultural; itinerários/corredores culturais; cooperação na área de patrimônio, da UNASUL, com a coordenação entre o citado MERCOSUL Cultural e o Convênio Andrés Bello e  a inclusão de Guiana e Suriname nas iniciativas do MERCOSUL Cultural, e da OEA, com a Comissão Interamericana de Cultura, dentre outras.
3. Disponível em http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/tratado-de-assuncao-1. Ultimo acesso em: 10/06/2010.
4. Disponível em http://blogs.cultura.gov.br/mercosur/. Ultimo acesso em: 10/06/2010.
5. Disponível em http://www.unila.edu.br/?q=listcronologia. Ultimo acesso em: 10/06/2010.
6. O programa REUNI, na verdade, é parte do Programa de Expansão da Educação Superior Pública - iniciado em 2003, no primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007 - composto de três ciclos, cujo objetivo final possui ênfase nas interfaces internacionais, com a criação de universidades federais em regiões territoriais consideradas estratégicas, com objetivos de ensino, pesquisa e extensão no âmbito da integração e da cooperação internacional sob liderança brasileira.
7. Além da própria UNILA, há projetos de implementação da chamada Universidade Luso-Afro-Brasileira - UNILAB, em Redenção, Ceará, com o objetivo de formar recursos humanos para desenvolver a integração entre o Brasil e os demais países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os africanos; e a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, em Chapecó, Santa Catarina, cujo objetivo é, entre outros, desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão buscando a interação e a integração das cidades e estados que compõem a grande fronteira do Mercosul e seu entorno.
8. Disponível em http://www.unila.edu.br/?q=node/234. Ultimo acesso em: 10/06/2010.
9. A UNILA não é o primeiro projeto desse tipo implementado na América do Sul. Durante o governo Vargas, foram postas em prática políticas de aproximação cultural, principalmente com a Argentina. Tais iniciativas tinham como objetivo conhecer e interagir com a diversidade, desmistificando estereótipos, desconfianças e imagens negativas. Além de um reforço do intercâmbio artístico e intelectual entre Brasil e Argentina, durante a década de 1930 e 1940, os dois realizaram um esforço de intercâmbio escolar. Foram criadas escolas em homenagem à diversos países. Em cada uma delas, estudava-se a cultura de seu país homenageado, concediam-se bolsas de pesquisa para o estudo dos países vizinhos e aplicavam uma proposta pedagógica inovadora, com o intuito de estimular um sentimento de fraternidade continental entre os alunos em relação aos demais países sul americanos (SANTOS, 2009, p. 363-367).