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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Construindo construtivismo: em busca de um modelo analítico para o estudo da política internacional contemporânea

 

 

Bernardo Silva Martins Ribeiro

Mestrando em Relações Internacionais pela PUC Minas, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

 

 


RESUMO

Este paper efeutua a discussão inicial da minha dissertação de mestrado que procura mobilizar um modelo, ou programa de pesquisa, analítico utilizando o framework construtivista a fim de analisar fenômenos da política internacional. Nesta discussão de abertura, um debate teórico e metateorico se estabelece a fim de definir e erigir o modelo a ser utilizado nas análises. Este modelo pretende partir de uma proposta de aproximação entre as vertentes estrutural e regra-orientada do construtivismo através da linguagem que atua na construção da realidade social; e na organização desses fenômenos sociais em uma epistemologia construtivista da construção social do conhecimento. Esta reconstrução tem como objetivo final o de conduzir o painel conceitual e as premissas ontológicas e epistemológicas do construtivismo a fim de atender suas promessas e compromissos empíricos de forma coerente e analíticamente progressiva.

Palavras-chave: Construtivismo, programa de pesquisa, ontologia, epistemologia, agência-estrutura, linguagem, regras, identidade, micro-estrutura, macro-estrutura, níveis de análise.


 

 

1. Dos Compromissos Empíricos do Construtivismo(ou "A Promessa Construtivista")

Construtivismo é uma abordagem teórica que surge e se pretende alternativa às correntes teóricas canônicas na disciplina acadêmica de Relações Internacionais. Porém, a despeito de procurar se estabelecer de maneira sólida e fortalecer seus compromissos conceituais e metodológicos unívoca e progressivamente, o Construtivismo assumiu formas de um debate para si mesmo. Em outras palavras, o que é objeto das alternativas propostas filosóficamente pelos princípios de abertura do Construtivismo, ainda é produto de debates e discussões metateóricas internas. (GUZZINI, 2001, Pg. 147-148)

O que se preserva como central nas interpretações do Construtivismo em RI, é a importância das idéias nas dinâmicas políticas que ocorrem no ambiente internacional e na relação e interação entre seus atores preponderantes, os Estados. Daí, muito se debate a respeito de como categorizar tais idéias de forma a permitir encontrá-las, "palpá-las", no ambiente internacional, sejam elas entendidas na forma de regras, identidades e outras categorias e conceitos afins. (HOPF, 1998)

À respeito destes debates sobre os objetos que configuram e se configuram através das idéias, muito foi escrito e discorrido por autores que hoje são considerados, pela academia de RI, os principais expoentes na abordagem. Entre eles estão Wendt e Onuf figurando como os mais célebres, debatendo um sobre identidades e o outro regras/normas, respectivamente. Mesmo assim, no grande debate entre as teorias da disciplina, o Construtivismo manifesta forças e é alvo de críticas, simultaneamente, sobre esta possibilidade de múltipla interpretação de seus objetos metateóricos. (WENDT, 1999; ONUF, 1989; GUZZINI, 2000)

Stefano Guzzini oferece uma crítica inspiradora a respeito dessa heterogeneidade, mais vezes nociva, que incide sobre as abordagens Construtivistas. Em um artigo publicado no European Journal of International Relations em 2000, ele sugere uma reconstrução metateórica que atue em dois campos filosóficos: um ontológico e o outro epistemológico; quase propondo (sem efetivamente fazê-lo) a fundação de um programa de pesquisa, talvez Lakatosiano por se poder assentá-lo com base em dois núcleos duros. E nessa inspiração, pude produzir um trabalho que opera esta formulação de Guzzini, avançando no sentido supracitado do programa de pesquisa, sendo os dois núcleos:

A construção social da realidade social partindo de um campo ontológico; e a construção social do conhecimento partindo de um campo epistemológico. (GUZZINI, 2000; RIBEIRO, 2008)

Essas definições possuem uma série de implicações que, ao fim e ao cabo, vão consubstanciar os elementos e as possibilidades da pesquisa empírica em RI, via Construtivismo. Mesmo que ainda sucite novos debates internos, elas tendem a organizar duas frentes de construção metateórica para o Construtivismo:

A primeira delas se desprende do campo ontológico para conceber os, chamemos, fenômenos da Construção Social da Realidade Social. Em outras palavras, por quem, e como, a realidade social é construída. Aqui destaca-se o nivel da ação, num esquema intersubjetivo mais do que individualista. Então, devem ser identificados - como a própria dimensão filosófica sucita - o elementos que fazem essa realidade ser o que ela é. São definidos os objetos, sujeitos e conceitos que devem fazer parte da ontologia Construtivista, com o fim de compreender como os fenômenos da Construção Social da Realidade ocorrem em suas dinâmicas sociais. (GUZZINI, 2000, Pg 162-164; RIBEIRO, 2008, Cap 2)

Do campo epistemológico, desprendem-se concepções de como ocorrem os fenômenos da Construção Social do Conhecimento. Aqui destaca-se o nível a observação, que distingue uma teoria sobre conhecimento. O teórico Construtivista deve conceber, nesta dimensão, como a construção social da realidade gera conhecimento ou objetos de conhecimento. Nesta perspectiva, as estruturas sociais, tais quais construídas através dos instrumentos e processos ontológicos estudados nos parâmetros do campo anterior, se organizam, referem-se e são referenciados aos e pelos sujeitos sociais. A importância de um esquema de dupla-hermenêutica aqui é fundamental. (GUZZINI, 2000, Pg. 156-162; RIBEIRO, 2008, Cap 3)

É possível fazer uma analogia com a idéia de contexto. Enquanto a dimensão ontológica mostra quais os elementos que são mobilizados na construção de contextos a partir da ação social, a dimensão espistemológica mostra como são organizados estes contextos internamente e entre si, bem como eles informam a ação social nos mais diversos momentos em que ela se dá.

Exemplificando toda esta dinâmica, o Construtivista pode estudar como o Estado é construído socialmente, tanto em termos conceituais como na vida prática. Seja mobilizando uma identidade unificadora dos povos naquele Estado e território, como brasileiros, por exemplo; seja na definição de regras, normas e práticas que definem um Estado, consubstanciado em suas instituições governamentais e sistema de leis, por exemplo.

Uma vez isso estudado, do ponto de vista ontológico, o Construtivista pode dar um passo à frente observando como os indivíduos daquele Estado referem-se a ele e se organizam nos termos através dos quais eles construiram-no. Submeter-se às leis, reconhecer cidadania, participar da política e até mesmo das instituições de governo; são ocorrências que obedecem a uma série de elementos que emanam da identidade, das normas, das regras, das práticas e até mesmo do conceito de Estado em questão. E esta parte do estudo, reflete os compromissos epistemológicos do Construtivismo.

Pode-se dizer, assim, que o Construtivismo explora duas dimensões: Uma dimensão individualista porém coletivizada por focar no ator em sociedade, e que estuda a intersubjetividade, a construção das identidades e de seus objetos de análise, as regras/normas/costumes/práticas que são construídas por atores sociais; a linguagem e o discurso que são efetivamente utilizados pelos agentes em toda essa dinâmica. A segunda dimensão é estruturalista, uma vez que procura estudar como as construções observadas nessa primeira dimensão, devidamente convertidas em conhecimento, tornam-se referência para a vida em sociedade e até mesmo para construções subsequentes e complementares.

Nada disso ocorre de forma isolada, nem mesmo auto-suficente, quando se trata de observar empiricamente. Não é possível analisar e compreender apenas como identidades formatam, por exemplo, o comportamento dos Estados no ambiente internacional. A lógica da dupla-hermenêutica surge nesse momento como um elo fundamental entre a dimensão ontológica e a dimensão epistemológica do Construtivismo. (GUZZINI, 2001, Pg. 160, 162) Para deixar isso claro, cabe uma argumentação mais minunciosa:

As dinâmicas de construção da realidade social, para os Construtivistas, obedecem a uma lógica de co-constituição. Isso abre a possibilidade de dizer que a origem de todos os elementos que constituem esta realidade - sejam eles de caráter onto- ou espistemológico - é difusa. Não se obtém, por exemplo, uma resposta objetiva e unívoca para a questão das origens da soberania. Se ela advém do povo, consubstanciada no Estado, ou no princípio de não-intervenção operado no internacional; é uma questão de difícil apreciação e de reposta mais difícil ainda. Porém, o que a lógica da dupla-hermenêntica permite observar é como os elementos que compõem o cotidiano das coisas do mundo - no exemplo em curso, da soberania - se articulam construindo ou sendo construidos por eles; gerando sentido e tornando-se parte prática e abstrata do cotidiano social. (GUZZINI, 2001, Pg. 160, 162)

Em outras palavras, ainda mobilizando o exemplo da soberania, o Construtivisa está atento aos significados atribuidos à soberania tanto enquanto conceito, quanto enquanto prática e/ou atributo dos Estados. Do ponto de vista ontológico, ele refere-se ao conjunto de normas, práticas, costumes e regras que permitem referênca e uso da soberania no cotidiano político das relações internacionais. Além disso, essa percepção permite ao Construtivista perceber a força da soberania na constituição das identidades dos Estados em razão de permitir observar o valor social a ela atribuída.

Por outro lado, do ponto de vista epistemológico, o Construtivista é capaz de observar e compreender como os atores estatais se apropriam da, e lêem a soberania, enquanto prática e/ou atributo, e demais elementos adjacentes, no cotidiano político do internacional. Aqui são avaliadas a importância política, no sentido de poder e legitimidade, que se depreende da soberania. Quando, por exemplo, organizam-se políticas e práticas internacionais de intervenção, articulam-se conteúdos sobre soberania, intervenção e não-intervenção que organizam esquemas de poder e legitimidade para fundamentar o próprio arranjo de intervenções internacionais. E é isso que interessa ao Construtivista nessa dinâmica.

Por fim, o Construtivista em RI, além disso tudo, precisa ter clareza sobre como observar o funcionamento desses campos, dessas dinâmicas, nos diferentes níveis de análise que influenciam o internacional. Aqui cabe uma importante discussão a respeito desses níveis, tal qual Hollis e Smith (2003) levantam no livro "Explaining and Understanding in International Relations".

Há muitos debates sobre como enfrentar a questão dos diferentes níveis de análise quando se trata das relações internacionais. A principio essa lógica de níveis obedece ao fundamento do inside/outside que delimita o ambiente internacional como anárquico, no sentido de não haver um governo sobre os Estados; e o ambiente doméstico dententor de ordem política com um governo capaz de criar, sancionar e manter leis. (HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 07).

Isso, na argumentação de abordagens pós-estruturalistas, permitiu que o estudo científico das relações internacionais se diferenciasse teórica e metodológicamente da ciência política, atribuindo uma dicotomia que organiza características únicas para o internacional que assim requerem exame especializado. (WALKER, 2001)

Para o Construtivismo, essa relação entre níveis deve sucitar uma discussão diferente. O salto entre níveis de análise deve oferecer uma lógica analítica que permita ao estudioso verificar relações diferenciadas entre sistemas e unidades, entre ontologia e espistemologia. Hollis & Smith chamam atenção para uma caracerística interessante desse debate, levantada por David Singer, ela refere-se à discussão sobre "o problema de se o comportamento do sistema internacional deve ser considerado em função dos Estados que o compõem, ou vice-versa". (SINGER, apud, HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 07, tradução livre).

Essa relação entre sistema e unidades, observada sob o prisma dos níveis de análise mostra percursos que podem apresentar uma série de ganhos em uma análise teórica em relações internacionais e política internacional. Especialmente quando se trata do estudo de como políticas são formadas e então conformam os atores que nelas se inserem. O exame interno entre os niveis de análise desvela relações entre atores e sistemas que modifica a natureza de determinadas unidades em função do salto entre níveis. O debate sobre as características do internacional e o comportamento das unidades que o compõem assume contornos especiais diante desta ótica e mais ainda com o auxílio da noção de dupla-hermenêutica do construtivismo.

Para melhor compreender essa idéia, olhemos de perto para os níveis de análise tais quais expressos por Hollis & Smith:

 

 

Deixando de lado as idéias subjacentes ao quadro sobre primeiro, segundo e terceiro debates, o que nos importa, e deve chamar atenção, são os três diferentes níveis possíveis de análise para o estudo do internacional e do doméstico. Dessa forma, essa relação de níveis deve inspirar a observação das dimensões interpretativas da relação estabelecida entre unidade e sistema em cada nível assim permitindo perceber se "regras sociais e instituições dão conta da performance de papéis sociais ou vice-versa". (HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 08, tradução livre).

Não obstante os debates, cada nível é referido através do número que dá nome aos debates em sim, e assim serão tratados. Dessa forma, explorando a discussão supracitada, no "Primeiro Nível" observamos o debate entre o "internacional" enquanto sistema e o "Estado" enquanto unidade. Traduzindo, se desdobra a possibilidade de apreciação da idéia de que o comportamento dos Estados pode ser concebido e analisado através das características do sistema internacional ao mesmo tempo em que tais características são organizadas, definidas e construídas através das ações dos Estados, no limite, de seu comportamento. (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)

No "Segundo Nível" descemos para o interior dos "Estados", onde observamos estes último assumindo o papel de sistema em função desse nível de análise; e desvelando unidades, na concepção de Hollis & Smith, baseadas nas "burocracias" que compõem os Estados institucionalmente. (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)

Aqui cabe uma problematização à respeito da relação sobre a composição de sistemas políticos e sistemas sociais em relação a essa dicotomia entre Estado-sistema e burocracias-unidades. Talvez, para sistemas políticos, de um modo mais restrito, permitem a redução de unidades possíveis às burocracias institucionais que compõem o Estado administrativamente, legamente, judiciáriamente. Por outro lado, essa redução pode ser simplista diante das aspirações do Construtivismo ao que ele procura fazer frente analítica a sistemas sociais. Essa noção amplifica a possibilidade de unidades no interior do Estado e que efetivamente conseguem acessar o internacional através deste último já no primeiro nível. Sistemas sociais comportam maior variedade de unidades do que sistemas políticos, que obviamente, restringem-nas ao universo da política.

Assim, chega-se ao "Terceiro Nível" que assume as tais "burocracias" como o sistema e desvela os "indivíduos" que as compõem como unidades. Nesta dinâmica é interessante notar uma preocupação com as pessoas que fazem as burocracias funcionar, que efetivamente as constróem, definem o que podemos chamar de seu mandato, suas regras, seu modus operandi. Para o construtivismo essa noção é fundamental para compreeder como as regras sociais são operacionalizadas em instituições stricto sensu e tornam-se referências, manuais, instrumentos e objetos de conhecimento para a vida em sociedade. Isso não deixa de ser observado, também, nos demais níveis, mas aqui há uma clareza que precisa ser transportada para a análise dos demais. (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)

Serve um exemplo, para notar essa clareza: o código de trânsito é uma sistematização, uma instituicionalização de regras de conduta no trânsito idealizadas pelos indivídios devidamente dotados de legitimidade para tanto, a fim de organizar o trânsito em suas sociedades. Por um lado, as regras que o compõem foram definidas à mercê desses indivíduos, havendo, desta feita, provisões para sua alteração, atualização e melhoria. Por outro lado, os indivíduos que desejam se locomover no trânsito de sociedades que possuem este sistema de regras, deverão obedecê-las sob o risco de punições e até mesmo colocar sua vida em risco. Dessa forma, motoristas param seus veículos diante da luz vermelha dos semáforos. Radicalizando, para fins de argumentação, se todos resolvessem parar diante da luz verde, eventualmente essa regra poderia se modificar, apesar da existência da regra sobre a luz vermelha durante o proceso.

Porém, o que mais interessa para a discussão em pauta, muito mais do que a exata composição de cada nível de análise, é o que Hollis & Smith chamam de relação top-down. bottom-up. Por top-down entede-se uma relação epistêmica entre sistemas e stores. Por bottom-up entende-se uma relação ontológica entre atores e sistemas. O Construtivismo elaboraria esta relação, que ocorre em co-constituição, nos seguintes termos: as idéias seguem até o topo (top) criando referências até o fundo (bottom). (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)

Dessa maneira, a função dos níveis de análise para este modelo construtivista é o de fornecer bases para sustentar a elaboração de uma série de variáveis que efetivamente mobilizem e tornem observáveis empíricamente os elementos e conceitos que compõem as caracterizações ontológicas e epistemológicas. Portanto, para que essa discussão tenha sequência e tais variáveis possam ser apresentadas neste modelo, é importante seguir a uma discussão essencial sobre tais caraterizações, conceitos e categorias definidas pelas abordagens construtivistas como centrais na relação entre Estados no Internacional a partir das perspectivas nucleares aqui defendidas.

 

2. Construção Social da Realidade Social e do Conhecimento

O grande esforço metateórico que o Construtivismo em Relações Internacionais se propõe a efetuar incide diretamente na exploração dos elementos ontológicos que são mobilizados pelos agentes em sociedades. Mais do que compreender quais as "forças que movem o mundo", o desafio dessa abordagem é o de compreender como tais "forças" ocorrem em primeiro lugar, partindo da noção de que uma dinâmica cíclica de construção e reconstrução ocorre entre elementos da estrutura e seus agentes.

As alternativas originais do construtivismo derivam dessa perspectiva e procuram observar o papel central dos agentes nessa dinâmica de Construção Social da Realidade e do Conhecimento. Eles mobilizam uma série de elementos que fundamentam a ação humana para tanto. Tais elementos, trabalhados na seção anterior, se aliam a fortes compromissos epistemológicos que resultam nos efeitos finais dessas mobilizações ontológicas. Esses compromissos desembocam na Construção Social do Conhecimento, e se organizam das mais variadas formas na edificação de arranjos sociais que vão, ao fim, consubstanciar o mundo, a realidade ou a estrutura, sociais. (GUZZINI, 2000.;ONUF, 1989, Cap. 6)

A realidade, o mundo, ou a estrutura social, depende de esforços estruturantes fundamentados nas idéias e na ação humana. Por outro lado, as estruturas que formam tal realidade apresentam também resultados na construção das agências. Assim sendo, a epistemologia construtivista da Construção Social do Conhecimento permite iluminar os mecanismos que informam aos agentes sobre os elementos da realidade social, tal qual ela é construída. (GUZZINI, 2000)

Os elementos da ontologia: linguagem, idéias, atos de fala, regras, normas, identidades; surgem como instrumentos de relacionamento entre atores, e agentes e estruturas. De uma perspectiva ontológica, tais elementos são mobilizados pelos agentes em relação à estrutura. Do outro extremo, quando tais elementos são mobilizados pela estrutura em relação aos agentes - numa perspectiva abstrata - tem-se uma perspectiva epistemológica. (RIBEIRO, 2008, Cap 3)

Dessa maneira, esta perspectiva apresenta uma heurística estrutural, não na acepção neorealista do termo, mas na idéia de que a realidade social agrega uma série de elementos que se organizam em uma lógica estrutural tal qual comumente teorizada na Sociologia por Giddens, por exemplo. O trunfo construtivista está no fato de não tomar esta estrutura como dada, assim como o fazem boa parte das teorias estruturais. O Construtivismo nunca concebe a realidade, o mundo, ou a estrutura social sem procurar destrinchar os elementos que a compõem e que efetivamente são moblizados pelos agentes nessa composição. (HOPF, 1998; GIDDENS, 2003; WIENER, 2006)

Esse elementos todos se agrupam e se organizam em objetos de conhecimento. Para não ter que 'inventar a roda' para sempre, os objetos de conhecimento funcionam como referência para praticamente toda interação entre agência e estrutura e entre agentes e até mesmo para ações individuais. São, assim, compartilhados intersubjetivamente ou formalizados das mais diversas maneiras - como Organizações Internacionais, no caso das relações internacionais.

Sumariamente, as partes que compõem o mundo, a realidade ou a estrutura social são formadas pelos elementos mobilizados pelos agentes na Construção Social da Realidade Social. (GUZZINI, 2001; RIBEIRO, 2008, Cap 03)

Para exemplificar, o modelo político de organização de sociedades através do um Estado-Nação, tornou-se um objeto de conhecimento. O Estado-Nação é resultado de um esforço na construção social dos elementos que devem defini-lo, como o uso legítimo da força em um determinado território. Desta feita, quando um povo procura emancipar-se e organizar-se socialmente, procura uma referência através da qual alcançar esse objetivo. Na modernidade o Estado é a referência ideal, é o objeto de conhecimento legítimo que incorpora formas de organização de sociedades da maneira mais aceita e flexível. Alternativamente poderiamos pensar em tribos, cidades-estado, feudos. Não obstante a primazia do Estado, na modernidade, as alternativas ainda estão presentes, abstratamente falando, no leque de opções disponível como objetos de conhecimento na realidade social.

A própria linguagem, instrumento de significação do mundo e dos elementos da estrutura social, torna-se um objeto de conhecimento com suas regras gramaticais, vocabulário, símbolos, etc. (BERGER & LUCKMAN, 1996)

Expressos pela linguagem, os objetos de conhecimento obedecem a diferentes lógicas da relação entre os agentes e o mundo social. Considerando, na lógica construtivista, que ocorrem via atos de fala, gerando regras (formais e/ou informais). (ONUF, 1989, Cap. 02) Assim, é possível perceber essas lógicas de relação agentes-mundo social da seguinte maneira:

Há esforços de encaixe de palavras ao mundo. São fruto de relações interpretativas, ao que se organizam fenômenos da materialidade e expressões humanas dessa maneira, objetificam-se elementos que dotam as coisas do mundo de características. Isso permite que a acessibilidade às coisas do mundo sejam intuitivas e possam partilhar de experiências pregressas, sem a necessidade de recorrer à reinterpretação sempre. Esse eforço também apresenta claras intenções de organizar os elementos que compõem o mundo de forma a dotá-los de sentido e, ao fim e ao cabo, de funções. Essa função de encaixe e significação é o fundamento das regras (originarias de atos de fala) assertivas, que são sentenças sobre o mundo. (ONUF, 1989, Cap 02; RIBEIRO, 2008, Cap 02)

Há esforços de encaixe do mundo às palavras. O efeito conduz coisas do mundo a idealizações humanas. Há uma forte função emancipatória nesse aspecto, uma vez que procurar transformar o mundo através da ação humana. Ao encaixe do mundo às palavras precede o ideal que procura forçar elementos da materialidade e da condição humana a ideias das mais variadas formas. Tanto regras diretivas, sentenças onde o locutor demanda ação de outro ator sobre o mundo; quanto regras compromissais, que estabelece o compromisso com um estado futuro de coisas; geram regras que obedecem a essa lógica de encaixe. (ONUF, 1989, Cap 02; RIBEIRO, 2008, Cap 02)

Na lógica da dulpa-hermenêutica, ao mesmo tempo em que o agente produz estes esforços no sentido de construir o conhecimento, isto sendo intersubjetivamente reconhecido e aceito, os agentes irão reagir e interagir com o mundo em resposta aos objetos de conhecimento que o compõe.

O Construtivismo promete perceber não apenas os objetos de conhecimento sobre as coisas do mundo, de certa maneira tidas como externas aos agentes. Também permite conceber os objetos de conhecimento sobre os agentes em sociedade e o que os compõe. Suas identidades. Elas permitem interpretações e predições sobre todo o ato socialmente signficativo quando exercido por outros atores.

Além disso tudo, a construção do conhecimento e das coisas do mundo obedecem duas lógicas de criação humana: a lógica que poderíamos chamar de tecnológica, que seriam transformações e/ou adaptações de elementos da natureza para garantir a consecução de objetivos humanos; e a lógica social, que seriam criações ideacionais humanas que procuram fomentar a coordenação de atividades humanas em sociedade.

Na lógica teconológica podemos destacar as ciências naturais, a própria tecnologia, engenharia, e outras coisas criadas materialmente, transformando e adaptando condições da natureza, com objetivos individuais, coletivos ou coletivizados.

Na lógica social há criações fundamentalmente ideacionais, que podem ter expressões materiais ou não, como o dinheiro, mas não dependem da materialidade para existir. O Estado, a justiça, o internacional, ideologias, mitologias, culturas, são exemplos de arranjos estruturais que obedecem a lógica social.

Toda essa lógica de estruturação que o construtivismo permite conhecer pode ser sintetizada na seguinte idéia: os agentes constróem séries de objetos de conhecimento através das mais diversas funções ontólogicas que compõem a ação humana. Estes objetos de conhecimento se organizam epistemicamente através de arranjos estruturais. Tais arranjos incidem sobre os agentes oferecendo seus objetos de conhecimento como referências para a ação dos agentes. Em um dado momento, esses esfoços assumem um fluxo cíclico, na forma da dupla-hermeneutica, os agentes constróem as estruturas ao mesmo tempo em que são informados por elas, modificando-as ou por elas sendo constrangidos e até modificados. (RIBEIRO, 2008; ONUF, 1989, Cap 02 e 05; GUZZINI, 2001).

Com isso esclarecido, é hora de adicionar um dos elementos mais importantes para este modelo: os níveis de análise.

Na cultura teórica de Relações Internacionais é fundamental que se executem investigações empiricas no primeiro nível, o do Internacional. De fato, não se pode abandonar a certeza de que o nível do internacional é o mais importante para o estudioso das relações internacionais. Dessa maneira é imprescindível destacar do que este nível é composto. Primeiro através de um debate metateórico, se diferenciam os elementos de um nível de análise entre agência e estrutura, em outras palavras, quem são os agentes e o que pode ser identificado como estrutura.

Assim, é possível destacar, já num debate diretamente teórico, no primeiro nível, do Internacional, que os Estados são os agentes e as estruturas estão embebidas na própria organização do chamado sistema internacional, isto é, em uma série de elementos que compõem abstratamente o que se chama de ambiente internacional.

Na lógica de Robert Putnam haveria mais um nível passível de consideração: o nível doméstico. Porém a própria lógica compreensivista do Construtivismo permite desmembrar este nível, além do fato dos debates metateóricos em RI já terem feito este desmembramento.

Assim, um segundo nível, refletindo tanto o segundo debate quanto o desmembramento do modelo de Putnam, é do Estado em relação às suas burocracias. No mesmo esquema de identificação entre agentes e estruturas, o Estado (que no primeiro nível era agente) torna-se a estrutura. Os agentes seriam as burocracias do Estado, mas isso definitivamente não basta ao Construtivismo. Como ele opera em uma lógica social, onde agentes e estrutura vão se formatando em função da vida em sociedade, o que de fato interessa ao Construtivismo enquando agentes nesse segundo nível são grupos sociais. Os Estados organizam estes grupos e são organizados por eles na lógica da dupla-hermeneutica.

Por fim, chegamos ao terceiro nível, objeto do terceiro debate, e também fundamental para o construtivismo. Ele descortina os grupos sociais como arranjos estruturais em relação, finalmente, aos indivíduos - os atores individuais.

É fundamental perceber, portanto, que ao deslocar a análise entre estes três diferentes níveis, ocorrem também deslocamentos de agentes e estruturas. Assim, a lógica da dupla-hermeneutica é quem permite conceber como esquemas de 'estruturação dos agentes' e 'agenciamento das estruturas' trespassam os relacionamentos exclusivamente de um ou outro nível.

Em outras palavras, o destaque dos níveis parece à primeira vista, negligenciar como, por exemplo, fundamentos do ambiente internacional - no primeiro nível - afetam os indivíduos no terceiro nível. Mas isso não é verdade. O modelo acima estruturado permite perceber não só tudo o que ele preconiza no interior dos níveis de análise, mas também trans-níveis.

 

3. Conclusão

A partir de toda a formulação desenvolvida acima, o argumento segue a seguinte fundamentação: ao passo que o agente constrói os elementos dos arranjos estruturais em seus respectivo nível que por si incidem estruturalmente sobre os agentes nesse mesmo nível, carregam consigo (os agentes) os resultados e as premissas que foram mobilizadas naquele nível para o nível seguinte, onde ele se transforma em estrutura. Isso, observando o sentido top-down ou outside-inside.

No outro sentido, bottom-up ou inside-outside, há mais clareza ainda em como o modelo opera trans-níveis, uma vez que os esforços construtores perpetrados pelo agentes emergem até as estruturas nos diversos níveis acima a partir da ação das agências nível acima. Os indivíduos organizam os grupos sociais estruturalmente que organizam os Estados estruturalmente que organizam o ambiente internacional estruturalmente. Cada um levando consigo os fenmenos de níveis anteriores.

E essa complexa relação fornece a heurística do modelo, permitindo observar uma série de variáveis e como elas se comportam na construção da política internacional.

O descortinamento de uma séria de funções construtoras que atravessam os níveis de análises em ambos os sentidos, deve ser explorados por um modelo construtivista de modo a permitir que o pesquisador seja capaz de mobilizar a ontologia e da espistemologia da abordagem de forma analítica. É possível, dessa maneira, levantar variáveis que agrupam estes elementos metateóricos no interior dos níveis e via seus processos e dinâmicas.

En função do nível de análise e dos processos de construção social da realidade e do conhecimento é possível destacar a variação de números de agentes operando em cada nível, aumentando no sentido top-down, o que tende a tornar difusa a capacidade de mundaça estrutural de funções ontológicas individuais, diminuindo o poder de agência.

A densidade estrutural, o teor estruturante de cada sistema e o número de arranjos sociais tende a aumentar no sentido top-down exatamente em função dessa variação no número de atores com capacidade para mudança estrutral. Isso tudo em função da diminuição dos locais de legitimação e das estruturas de poder e autoridade que se concentram cada vez mais no sentido bottom--up.

O observação dessas variáveis pode ser fundamental para a emergência de um bom modelo construtivista que possa ser capaz de mostrar a construção social na política internacional, a função dos atores nesses processos e os resultados de esforços em todas estas dinâmicas.

 

Referências Bibliográficas

BERGER, Peter & LUCKMAN, Thomas. A Construção Social da Realidade. 1996. 28a Edição. Editora Vozes. Petrópolis. 247p

GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. 2003. 2a Edição. Martins Fontes. São Paulo. Cap 1.

GUZZINI, Stefano. A Reconstruction of Constructivism in International Relations. European Journal of International Relations Sage Publications. London Vol 06(2), 2000. P. 147-182

HOPF, Ted. The Promise of Constructivism in International Relations Theory. 1998. In. Critical Concepts in Political Science IV.  Capítulo 69. Pg. 1756- 1783.

ONUF, Nicholas G. Constructivism's User Manual. 1998. In KUBALKOVA, Vendulka, et. Al.. International Relations In a Constructed World. M.E. Sharpe. Capitulo 3. Pg. 58-78

ONUF, Nicholas G. World of Our Making. 1989. University of South Carolina Press. Columbia. 34p.

RIBEIRO, Bernardo. Um construtivismo para as Relações Internacionais: uma reconstrução meta-teórica por um programa de pesquisa científica. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Relações Internacionais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientador: Prof. Eduardo Soares Neves Silva.

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WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. 1999. Cambridge University Press. Introduction. 466p.

WIENER, Antje. Constructivist Approaches in International Relations Theory. Puzzles and Promises. 2006. Constitutionalism Webpages, Con WEB No 5/2006.