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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A conferência de Punta del Este: um estudo da VIII reunião de consulta de ministros das relações exteriores das Américas (1962)

 

The Punta del Este conference fifty years later: a study of the eighth meeting of consultation of the ministers of Foreign Affairs (1962)

 

 

Carlos Federico Domínguez Avila

Doutor em História das Relações Internacionais. Docente do Mestrado em Ciência Política do Centro Universitário Unieuro e do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília

 

 


RESUMO

O artigo explora os prolegômenos e alguns desdobramentos derivados das resoluções da VIII Reunião de chanceleres americanos, evento realizado na cidade uruguaia de Punta del Este, em janeiro de 1962. Vale lembrar que a conferência em questão se erigiu em importante episodio das relações hemisféricas e da própria história da Guerra Fria, particularmente no que diz respeito à tentativa de isolar o regime revolucionário cubano. Ao mesmo tempo, cumpre destacar que o trabalho é resultado de pesquisa com fontes primárias consultadas no Arquivo Histórico das Relações Exteriores do Brasil. De forma geral, trata-se de documentação gerada pela chancelaria e pelas representações brasileiras lotadas em diferentes capitais do continente, particularmente em Washington, Havana, e Buenos Aires. Também se utiliza documentação secundária publicada no Brasil e no exterior sobre o assunto - com destaque para os trabalhos de Luiz Alberto Moniz Bandeira, Hélio Franchini Neto, Paulo Vizentini, e Amado Luiz Cervo. Outrossim, em termos teórico-metodológicos procura-se compreender - e eventualmente discutir - a lógica dos principais atores envolvidos na questão. Finalmente, são analisadas as resoluções do conclave e seus desdobramentos imediatos.

Palavras-chave: Organização dos Estados Americanos; Conferência de Punta del Este; Relações Hemisféricas; História das Relações Internacionais
Objetivo do artigo: Revisitar a Conferência de Punta del Este (janeiro de 1962) com documentação brasileira recentemente desclassificada.


ABSTRACT

The article explores the resolutions of VIII Meeting of American chancellors, event carried through in the Uruguayan city of Punta del Este, in January of 1962. The research used primary sources from the Brazilian Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores. Also published secondary documentation is used on the subject. It is looked to understand - and eventually to argue - the logic of the main involved actors in the question. Finally, the immediate resolutions of the Conference and its unfoldings are analyzed.

Key-Word: Organization of the American States; Conference of Punta del Este; Hemispheric relations; History of the International Relations
Objective of the article: To revisit the Conference of Punta del Este (January of 1962) with Brazilian sources.


 

 

1. Introdução

O artigo explora os antecedentes e os desdobramentos da VIII Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores das Américas, realizada na cidade uruguaia de Punta del Este, entre 22 e 31 de janeiro de 1962. O evento em questão foi altamente relevante ao tratar algumas das principais implicações da revolução cubana no continente americano e no mundo. Vale adiantar que uma das mais polêmicas resoluções da conferência de Punta del Este acabou sendo a virtual exclusão do governo revolucionário cubano da Organização dos Estados Americanos, da Junta Interamericana de Defesa e de algumas outras instâncias do sistema interamericano (Boersner, 2007; Tickner, 2000).

A comunicação é resultado de pesquisa com fontes brasileiras, especialmente as resgatadas no Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores (AHMRE, sediado em Brasília). Também foram consultados documentos do arquivo eletrônico da OEA relacionados à conferência de Punta del Este. Outrossim, literatura especializada publicada no Brasil e no exterior sobre o evento e sobre a época formam parte das referências.

Na véspera do cinquentenário do conclave, parece pertinente aprofundar os conhecimentos e refletir sobre um dos acontecimentos mais marcantes da história das relações internacionais contemporâneas da América Latina e do Caribe, e da história da Guerra Fria, em geral (Gaddis, 2005; Cervo, 2000; Vizentini, 2004). Naturalmente não se trata de tentar esgotar uma temática complexa, polêmica e relativamente bem documentada - vale acrescentar que a documentação primária consultada parece ser equilibrada e, em geral, atende os critérios mínimos de uma crítica interna e externa.

 

2. Os prolegômenos da conferência de Punta del Este

Em 9 de novembro de 1961, o governo da Colômbia apresentou no Conselho da Organização dos Estados Americanos proposta para convocação da Oitava Reunião de Consulta do foro, com base no artigo 6º do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca.1 Especificamente, a nota colombiana argumentava que a Reunião de Consulta deveria ter como objeto "considerar as ameaças à paz e à independência política dos Estados Americanos que possam surgir da intervenção de potências extracontinentais encaminhadas a quebrar a solidariedade americana."2

Mesmo que a proposta colombiana não mencionava explicitamente o governo revolucionário cubano - então dirigido pelo Primeiro Ministro Fidel Castro - rapidamente tornou-se evidente para todos os atores com vínculos e interesses no sistema interamericano que o objeto final do processo era tentar disciplinar, excluir e eventualmente acobertar uma ação militar contra Havana, sob o argumento da segurança coletiva hemisférica contra as potências socialistas da época. De fato, nos dias seguintes representantes colombianos - e estadunidenses - reconheceram que a denominada questão cubana era o objeto essencial do requerimento apresentado. Nessa linha, cumpre comentar que, em 14 de novembro de 1961, a representação brasileira na OEA informou ao MRE sobre uma apreciação preliminar da proposta colombiana nos seguintes termos:

Realizou-se hoje uma sessão extraordinária do Conselho para considerar a proposta colombiana. O representante da Colômbia leu extensa justificação de seu pedido, em termos tão genéricos quanto os de sua nota anterior sobre o assunto. Nem uma só vez mencionou sequer a questão de Cuba. Logo a seguir o Delegado do México expôs o ponto-de-vista de seu Governo, mostrando-se, desde logo, abertamente contrário à proposição colombiana, por várias razões, principalmente de ordem jurídica. Os da Guatemala, Estados Unidos e Salvador encarregaram-se de promover conexão entre os dois assuntos, ligando, ostensivamente, a proposta colombiana à questão de Cuba, bem como à iniciativa peruana anterior. Estabeleceu-se, assim, acalorado debate, em que o representante de Cuba acusou acerbamente o Governo norte-americano de estar fomentando cisões no Continente e de constituir os Estados Unidos de América, e não outro país, verdadeiro perigo intervencionista para as nações mais fracas do hemisfério. Acusou a Colômbia de estar-se prestando a desígnios do Departamento de Estado, salientando que o Presidente Lleras não teve as mesmas preocupações pan-americanistas em 17 de abril último, data da invasão frustrada de seu país. Presidiu a sessão o representante da Nicarágua, o qual embora de férias, foi chamado com urgência a Washington, para esse fim. O Presidente do Conselho, ansioso para pôr fim aos incômodos debates e ver aprovada a proposta colombiana, procurou precipitar o desfecho da sessão. Apoiado pelos Delegados dos Estados Unidos da América, Guatemala e Salvador, procuro o Presidente para logo determinar a data próxima para a votação da proposta da Colômbia [...] Posta em votação a proposta chilena [para votação em 4 de dezembro de 1961] foi esta aprovada.3

Afinal, a proposta colombiana acabou sendo submetida e aprovada pelo Conselho da OEA em 4 de dezembro, e finalmente a Reunião de Consulta foi confirmada para os dias 22 a 31 de janeiro, na cidade de Punta del Este (Franchini Neto, 2005).

Certamente os antecedentes que motivaram a proposta de Bogotá estavam ligados ao devir das relações hemisféricas (monroismo-bolivarismo), ao triunfo da revolução cubana, às crescentes divergências Havana e Washington - bem como entre Havana e outras capitais latino-americanas -, e à lógica da Guerra Fria imperante na época, dentre outras questões (Moniz Bandeira, 1998).

Cumpre acrescentar que a tentativa de impulsionar uma Reunião de Consulta para abordar a questão cubana era parte da agenda hemisférica desde a assunção de John F. Kennedy na presidência dos Estados Unidos (em janeiro de 1961), e que ao longo desse ano a proposta colombiana tinha sido precedida por iniciativas semelhantes impulsionadas pelos governos da Guatemala e do Peru - em ambos os casos, com apoio tácito dos norte-americanos. Essas tentativas guatemaltecas e peruanas foram rejeitadas pelos governos do Brasil, México, Argentina, Bolívia, Equador, Chile, Uruguai e Venezuela - geralmente sob o argumento da adesão irrestrita aos princípios de não-interveção, autodeterminação e soberania dos Estados-membros do sistema interamericano. Contudo, a proposta colombiana logrou uma melhor articulação das forças anti-castristas, e certamente a pressão norte-americana e de outros países com interesses na questão terminou sendo determinante para a sua aprovação.4

Vale destacar que em 10 de novembro de 1961, isto é, no dia seguinte à apresentação do requerimento colombiano na OEA, o chanceler brasileiro Francisco Clementino San Tiago Dantas enviou nota ao seu colega andino José Joaquin Caicedo Castilla expressando entre outras ponderações que, mesmo reconhecendo a relevância das Reuniões de Consulta, na opinião do governo brasileiro "não atende aos interesses de nossa comunidade pôr em marcha um processo político de última instância sem previamente acertarmos com precisão os objetivos e os resultados colimados pela ação."5 O chanceler brasileiro alertou contra um eventual intervencionismo e contra os riscos de abrir as perspectivas de sanções de ordem militar contra um Estado americano. Outrossim, argumentou o seguinte:

O problema de Cuba só é um problema Hemisférico na medida em que se lhe procure solução dentro dos limites das convenções interamericanas que preconizam, como regra, a solução pacífica das controvérsias. Só assim atingiremos, num caso como o de Cuba, resultados duradouros e capazes de fortalecer o sistema interamericano e cada um dos Estados que dele fazem parte.

Não dúvida o Brasil que o Governo colombiano esteja imbuído dos mais nobres e altos propósitos ao sugerir a conveniência de ação diplomática conjunta por parte dos Estados americanos. Mas não podemos ignorar os riscos a que ficamos expostos se ao iniciar-se o processo de consultas não tiverem sido tomadas as cautelas necessárias para que seu curso não venha a ser desviado, como severo prejuízo para as conquistas acumuladas em séculos de esforço e luta pelo direito à existência soberana dos Estados mais fracos. Uma vez ferida a intangibilidade do princípio de não-intervenção, ainda que por motivos que possam na conjuntura parecer suficientes para tão grave atitude, que limites se poderia impor, no futuro a outras iniciativas de natureza semelhante e de motivação imprevisível? Temos todos bem viva a consciência de que, no mundo atual, com as imensas disparidades de forças, a preservação da incolumidade de certos princípios é a melhor, senão a única defesa das Nações militarmente fracas.6

Ainda que possa parecer redundante, parece interessante para os fins dessa comunicação comentar que em circular da chancelaria às representações brasileiras em diferentes países do continente americano também se sustentou um parecer contrário à proposta colombiana nos seguintes termos:

O ponto-de-vista do Governo brasileiro em relação a essa nova iniciativa [colombiana] é o mesmo já adotado em relação à proposta peruana apresentada com idêntico objetivo ao Conselho da OEA e transferida ao exame de sua Comissão Geral. Entende o Governo brasileiro que não é conveniente à salvaguarda do princípio de não-intervenção, em que se baseia o respeito à soberania dos Estados Americanos, dar inicio a um procedimento de consulta sem terem sido previamente exploradas as suas eventuais consequências, através de conversações entre as Chancelarias. De fato, toda solução que não alcance eficácia por meios inteiramente pacíficos pode comprometer de maneira imediata e por longo tempo o sistema interamericano. Daí parecer-nos preferível antes da Reunião de Consulta um exame em nível ministerial e através de contatos bilaterais das possibilidades de uma solução que exclua o emprego da violência e que faça valer os princípios da Declaração de Santiago do Chile firmada na V Reunião de Consulta [em agosto de 1959] por todos os Chanceleres americanos, inclusive o Doutor Raúl Roa. [...] Recomendo a Vossa Excelência que dê conhecimento dessa posição do Governo brasileiro à Chancelaria desse país, exprimindo-lhe a satisfação com que veríamos uma identidade de vistas entre os nossos Governos nesse assunto.7

Seja como for, a proposta colombiana contava com um expressivo apoio político-diplomático de mais de 10 Estados-membros da OEA - inclusive do governo norte-americano.8  Observe-se que para certos governos latino-americanos, particularmente os localizados na bacia do Caribe, a proposta colombiana parecia atender às suas respectivas preocupações de ordem política-ideológica, além de serem convergentes com as prioridades estratégicas de Washington no continente.9 Note-se também que em sua carta de resposta à correspondência do chanceler brasileiro, o ministro andino ponderou o seguinte:

Encontro na sua carta uma viva preocupação pela possibilidade de que a Reunião de Chanceleres possa ordenar o emprego de sanções ou medidas de ordem militar. Parece-me infundado esse temor. A proposta colombiana de convocação do Órgão Principal de Consulta e as formulas que poderíamos apresentar na Reunião de Chanceleres não respondem a essa finalidade. Ao contrário, a inatividade da OEA nessa matéria, a oposição de alguns países em aceitar um procedimento coletivo, poderia fortalecer àqueles que preconizam o emprego da força armada para resolver o problema de Cuba. Isso causaria notável detrimento ao sistema interamericano.

  [...] Não é a Reunião de Consulta que pode destacar a existência de divisões entre os governos do Hemisfério. Ao contrário, a Reunião se justifica porque a divisão existe e precisamente seu objetivo é buscar a forma de pôr-lhe fim mediante um adequado remédio. O fato de que a metade das nações americanas tenha rompido [relações diplomáticas] com Cuba, é prova indiscutível da divisão referida e se a OEA não age, se fica de braços cruzados, se governos tão importantes como o do Brasil não participam em procedimentos coletivos consagrados em tratados vigentes, a própria OEA ficaria em perigo de desaparecer. A proposta colombiana procura na realidade a consolidar a Organização dos Estados Americanos, a que se não age ficaria quebrantada. Não há que fechar os olhos diante desse fato indiscutível da vida internacional americana.10

Reações mais ou menos semelhantes foram expressas por outros governos simpáticos à proposta colombiana.11 De fato, a documentação consultada demonstra uma intensa troca de correspondências e consultas no período entre 4 de dezembro de 1961 e 22 de janeiro de 1962.12  E pouco antes da abertura do evento parecia possível verificar as posições de três grupos de países: (a) o governo cubano, no fundamental contrário à sua eventual exclusão do sistema interamericano,13 (b) os países favoráveis à iniciativa colombiana, inclusive à exclusão do governo revolucionário do foro hemisférico, e (c) os países neutralistas, autonomistas e/ou céticos com relação ao argumento da segurança coletiva na questão cubana (Brasil e outros).14

 

3. A posição brasileira na Oitava Reunião de Consulta

Segundo a documentação consultada a posição brasileira diante a Conferência de Punta del Este foi objeto de cuidadoso processo de tomada de decisões, que contou com a participação de diplomatas, de outras autoridades do governo - lembrando que na época dos fatos o Brasil tinha um governo parlamentarista - e da sociedade civil. Acontece que a questão cubana tinha muita relevância e interesse social e político no Brasil e na maioria dos outros países latino-americanos. Também foi possível verificar contatos com representantes de outros países, troca de correspondências e visitas recíprocas.

Em 12 de janeiro de 1962, o chanceler San Tiago Dantas solicitou a presença dos Embaixadores dos países americanos acreditados no Brasil para divulgar aspectos fundamentais da posição brasileira perante a reunião de consulta de Punta del Este. Destacou-se a proposta de "criação de um órgão especial, integrado pelas diversas correntes de opinião representadas na consulta e com latitude suficiente para tomar a si o estudo das obrigações e a elaboração do estatuto das relações entre Cuba e o hemisfério sobre o qual, ouvidas as partes, se pronunciaria o Conselho da OEA."15

Em um outro documento da época - intitulado: "Instruções confidenciais do Conselho de Ministros à delegação do Brasil à VIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA"16 - se pondera que a delegação do Brasil à Conferência de Punta del Este deveria pautar-se pela defesa de três princípios: (a) a preservação da unidade do sistema interamericano, (b) a defesa dos princípios jurídicos em que esse sistema se baseia, e (c) robustecendo a democracia representativa no contexto global da Guerra Fria. Alem disso, considerou-se essencial manter uma defesa intransigente dos princípios de não-intervenção e autodeterminação dos povos.

A delegação brasileira também deveria defender a posição de que o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca era instrumento de preservação da paz e da segurança, e não um bloco ou aliança militar. Igualmente, a delegação brasileira deveria alertar de que um tratado somente poderia ser reformado e/ou substituído por outro que obedeça aos mesmos trâmites de conclusão e ratificação pelos parlamentos dos diferentes Estados. Nessa linha, colocava-se que para que Cuba pudesse ser excluída da OEA seria necessário que a Carta dessa organização internacional, que não previa na época a exclusão dos seus membros, fosse reformada de acordo com mecanismo nela previsto para tal e com a correspondente ratificação dos diferentes Estados-membros.

No próprio discurso do chanceler San Tiago Dantas na conferência de Punta del Este é possível verificar os traços fundamentais da posição brasileira.17 Resumidamente o discurso colocou como problema fundamental a defesa da democracia como um aspecto da Guerra Fria. Também se advogou por uma solução construtiva para a questão cubana, deixando abertas as portas para um eventual retorno ao convívio interamericano, bem como se condenou a aprovação de sanções militares, econômicas ou diplomáticas. San Tiago Dantas apresentou novamente a ideia de criar um Comitê para o exame de uma eventual neutralização ou finlandização de Cuba, limitando drasticamente suas atividades em outros países da região. Em outras palavras, aceitava-se o critério da incompatibilidade do processo revolucionário cubano com o pan-americanismo, porém rejeitando-se sanções de cumprimento coletivo ou obrigatório de natureza político-diplomática, econômica ou militar.18

A ideia de uma neutralização ou finlandização de Cuba era uma alternativa que chegou a ser discutida inclusive com os soviéticos.19 Basicamente a finlandização da ilha seria lograda através de um acordo de concessões mutuas entre Estados Unidos e Cuba (Blasier, 1989). De um lado os norte-americanos renunciariam às compensações pelas expropriações econômicas de capitais estadunidenses na ilha e às  tentativas de destruir a revolução. De outro, Havana cessaria seus ataques políticos contra os Estados Unidos e se comprometeria a abster-se de apoiar atividades consideradas subversivas na América Latina. Para o Embaixador soviético em Havana a ideia brasileira de finlandização de Cuba era "plausível, pois a Finlândia e a URSS, apesar de diferentes tendências políticas e da tradição, mantém boas relações, sobretudo no campo econômico, situação esta que poderia ter seu equivalente futuro nas relações entre Cuba e os Estados Unidos."20 Cumpre acrescentar que, segundo a Embaixada brasileira em Washington, a reação norte-americana diante a eventual neutralização ou finlandização cubana foi basicamente negativa nos seguintes termos:

Em conversa informal com funcionários do Departamento de Estado fui informado de que as Missões Diplomáticas da União Soviética e dos países socialistas na Europa estariam realizando gestões oficiosas de apoio à fórmula brasileira de possível neutralização de Cuba no hemisfério, com a promessa implícita de obter do Governo cubano a aceitação dessa solução. Tais sondagens, em lugar de tranquilizar o Departamento de Estado, pela garantia que parecem apresentar, de aprovação, por parte do bloco soviético, de limitação  e mesmo de esterilização da capacidade expansionista da revolução castrista, contribuíram para fortalecer a oposição à formula neutralizadora, pelo fato de procederem dos países comunistas, que seriam os maiores interessados na sobrevivência do atual regime cubano. Procurei, em vão, convencer aqueles funcionários das vantagens que decorreriam do apoio soviético à referida fórmula, não só na hipótese da violação do Estatuto neutralista por Cuba, como também pela possibilidade de sua generalização a outras áreas de guerra fria mais afastadas do território norte-americano. Tudo indica que o Governo norte-americano continua a opor-se a qualquer solução que signifique o reconhecimento formal do direito de coexistência de um regime comunista no continente, no que é apoiado pela quase totalidade da opinião pública deste país.21

A intransigência norte-americana na questão cubana explicar-se-ia sob o argumento de que a administração Kennedy era vigorosa e sistematicamente pressionada pelo Congresso do seu país, bem como pelas contradições próprias da Guerra Fria. Alguns analistas da época ponderavam que, na ausência de medidas contra o governo revolucionário cubano, Washington poderia ser "obrigado" a tentar uma ação militar unilateral contra a ilha - e de fato, não faltaram observadores que consideravam a exclusão de Cuba como um primeiro passo na implementação de ações militares, mais ou menos semelhantes às observadas no Zaire, na Coreia ou na República Dominicana.22 Obviamente, nesse contexto de ameaça real e iminente de invasão por parte da principal potência do continente e do bloco ocidental, o governo de Havana acabou aproximando-se ainda mais da União Soviética e do bloco socialista (Blasier, 1989; Moniz Bandeira, 1998;  Gaddis, 2005).23

 

4. A Conferencia de Punta del Este e suas resoluções

Em 31 de janeiro de 1962 os representantes de 20 Estados-membros da OEA aprovaram nove resoluções.24 Evidentemente, as resoluções mais polêmicas e transcendentais acabaram sendo a exclusão do governo revolucionário cubana da OEA e da Junta Interamericana de Defesa.

A primeira resolução de Punta del Este trata sobre uma suposta Ofensiva do Comunismo na América. Segundo os chanceleres americanos essa ofensiva sino-soviética colocava em risco as instituições democráticas do continente. A segunda resolução propôs a criação de uma Comissão Especial de Consulta sobre Segurança contra a Ação Subversiva do Comunismo Internacional, além de recomendar que cada Estado-membro adotasse as medidas necessárias para evitar a penetração da ameaça sino-soviética no continente.

A terceira resolução de Punta del Este insiste na adesão dos Estados-membros aos princípios de não-intervenção, autodeterminação e soberania popular. A quarta resolução reitera a relevância das eleições livres, da democracia representativa, do Estado de direito, e do respeito aos direitos humanos. A quinta resolução trata sobre a criação da Aliança para o Progresso, programa do governo norte-americano destinado a contribuir ao desenvolvimento social e econômico dos países latino-americanos.

A sexta resolução - oficialmente intitulada de Exclusão do Atual Governo de Cuba da sua Participação no Sistema Interamericano - foi, como mencionado anteriormente, a mais importante das determinações adotadas em Punta del Este. A parte resolutiva dessa resolução expressa fundamentalmente o seguinte: (a) que a adesão de qualquer Estado-membro da OEA ao marxismo-leninismo e seu alinhamento com o campo socialista constituiriam atos que destruiriam a unidade e a solidariedade do Hemisfério, e (b) que, por haver-se identificado com o marxismo-leninismo, o governo revolucionário cubano era incompatível com a OEA, em consequência deveria ser excluído de participar no sistema interamericano. Cumpre acrescentar que essa resolução foi aprovada por 14 delegações e seis delegações - inclusive o Brasil - se abstiveram. A sétima resolução excluía a Cuba da Junta Interamericana de Defesa.

A oitava resolução de Punta del Este decretou um virtual embargo de armas e outros materiais estratégicos à ilha. E finalmente a nona resolução recomendava ampliar e fortalecer as atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Observe-se que as Resoluções foram aprovadas por 2/3 dos países membros, e sua aplicação passou a ser imediata (especialmente no que diz respeito à exclusão cubana da OEA e da Junta Interamericana de Defesa).

Cumpre insistir que a Resolução VI, que implicou na exclusão de Cuba da OEA, foi essencialmente política, dado que a Carta dessa instituição não previa a exclusão de um Estado-membro. Esse esclarecimento foi explicitamente mencionado nas Declarações individuais incorporadas como adendos à Ata Final da Reunião de Consulta pelas representações do México, do Brasil e do Equador. Em consequência, esses países não aceitavam um rompimento compulsório ou obrigatório dos Estados da OEA diante de Cuba. Afinal, predominou o entendimento de que cada país poderia implementar sua política bilateral com relação à ilha. Assim, no caso brasileiro, durante os seguintes anos o governo de Goulart tentou reaproximar o governo cubano à comunidade interamericana.

 

5. Desdobramentos imediatos das Resoluções de Punta del Este

As resoluções da Conferência de Punta del Este provocaram importantes consequências hemisféricas e ao interior dos diferentes países do continente americano. Para os fins do presente artigo, e levando em consideração as limitações de espaço próprias de uma comunicação científica, parece suficiente comentar os seguintes desdobramentos: (a) a Segunda Declaração de Havana, (b) o golpe de Estado na Argentina e a posterior onda de regimes autoritários em quase todos os outros países latino-americanos, e (c) o crepúsculo das relações bilaterais brasileiro-cubanas.

A Segunda Declaração de Havana, apresentada em 4 de fevereiro de 1962, perante um milhão de cubanos reunidos na capital da ilha, representou não somente uma resposta à Conferência de Punta del Este, como também um chamado à luta revolucionária em todo o continente - e certamente é um dos documentos mais emblemáticos dos primeiros anos da revolução cubana.25 No documento em apreço Castro questionou categoricamente a política estadunidense para América Latina e o domínio das oligarquias sobre os povos da região. Em 5 de fevereiro de 1962, a Embaixada brasileira em Havana constatou que "a segunda Declaração de Havana, é sem dúvida, um chamado à revolução pela situação definida na América Latina e, pelo qual, Cuba responde à sua exclusão da OEA, cortando irremediavelmente os laços com o mundo democrático e apelando diretamente aos povos do Continente com abstenção total de seus Governos."26 E em 7 de fevereiro a Embaixada informou ao Itamaraty o seguinte (citado por extenso devido à sua considerável relevância para os fins deste artigo):

Permito-me voltar ao assunto da segunda Declaração de Havana para assinalar a Vossa Excelência os seguintes pontos: 1º pela primeira vez o Governo revolucionário, de maneira clara e definitiva, coloca o problema cubano no quadro da luta entre o Ocidente e o Oriente; 2º também, pela primeira vez,  surge neste Continente, não mais uma central de difusão de propaganda preparada alhures, mas, sim, um centro gerador de ideologia marxista plenamente adaptado às condições históricas e regionais da América Latina; 3º nesse sentido, os partidos comunistas do Continente são colocados em posição secundária de agências distribuidoras de ideologia formulada em Havana que passa a orientar a maneira pela qual a luta revolucionária deve ser dirigida; 4º tal orientação tem especial aplicação para o Brasil na parte em que assinala a importância decisiva dos movimentos camponeses que, dirigidos pelos intelectuais e operários, iniciarão luta revolucionária à maneira de guerrilhas e a partir de reivindicações sociais e econômicas; 5º por isso a "declaração", como está redigida, se destina ao consumo operário e intelectual da América Latina; 6º a primeira Declaração de Havana, de setembro de 1960, embora de inspiração comunista, tem ainda um sentido nacional cubano ao procurar justificar a política exterior do país, contendo até algum acento romântico; a segunda Declaração é francamente internacional, trabalho mais sério de cientista do partido e em sua parte histórica da luta de classes chega a ser calcado no manifesto de Marx e Engels.27

Vale acrescentar que gradualmente Cuba passou a desempenhar um papel desproporcionalmente relevante no cenário internacional e hemisférico - fundamentalmente no contexto dos conflitos Leste-Oeste e Norte-Sul. A peculiar convergência entre Havana e Moscou continuaria vigente até o inicio da década de 1990. Porém, ao contrário da experiência soviética, o processo revolucionário cubano - com seus acertos e seus erros - continuou vigente até nossos dias (Moniz Bandeira, 1998).

Mesmo após a conferência de Punta del Este a questão cubana continuou provocando significativas repercussões sociais e políticas ao interior de numerosos países latino-americanos, sendo o caso argentino, e especificamente a queda do governo democrático de Arturo Frondizi (em 29 de março de 1962), o primeiro de uma série de golpes que abalaram a democracia no continente nas décadas de 1960 e 1970 (Llairó e Siepe, 2003).

Ainda que Frondizi, já bastante pressionado pelos militares desde antes da conferência de Punta del Este, determinasse o rompimento das relações diplomáticas com Havana e a saída de diplomatas ligados ao denominado "frigerismo" - isto é, ligados ao controverso político local Rogelio Frigerio -, a governabilidade democrática do país ficou comprometida após as eleições legislativas e provinciais de março de 1962. Paradoxalmente Frondizi, que pretendia renovar seu prestígio político nos comícios, acabou perdendo as eleições e, ao negar-se a desconhecer o pleito, também acabou sendo derrubado pelos militares e substituído por José Maria Guido - homem de confiança daqueles. Certamente a delicada situação interna do país acabou incidindo na discreta e moderada posição Argentina na Oitava Reunião de Consulta. E poucos dias após o conclave a Embaixada brasileira em Buenos Aires informou ao Itamaraty, por exemplo, o seguinte:

A crise militar provocada pela atuação da Delegação Argentina à Conferência de Punta del Este entrou em compasso de espera na sexta-feira, com o comunicado dado a conhecer pelo Governo, no qual afirma sua firme disposição de cumprir todas as resoluções acordadas naquela Conferência, devendo em conseqüência proceder cuidadosamente ao estudo das relações argentino-cubanas, para o que foi determinado o regresso do Embaixador da Argentina em Cuba.

[...] Nas conversas que mantive hoje com o Chanceler [Miguel Angel] Cárcano e o Subsecretário [Oscar] Camilión, depreendi que reputam grave a atual crise militar. A crise tem raízes muito profundas na política interna, na cerrada e permanente oposição militar ao Presidente Frondizi, na suspicácia dos altos Chefes militares a uma política considerada neutralista e a reboque da diplomacia brasileira e no seu desejo de liquidar politicamente o atual Governo antes das importantes eleições de março, e ainda no temor que suscitou a possibilidade da volta do Perón ao cenário político. Nessa ordem de ideias, Cuba constituiria um pretexto para derrubar o Governo e a atuação da Delegação argentina em Punta del Este propiciaria a oportunidade de fazê-lo.28

Seja como for, dois meses depois da conferência de Punta del Este o governo de Frondizi foi derrubado. E nos meses e anos seguintes foram observados golpes mais ou menos semelhantes no Peru, Guatemala, Equador, República Dominicana, Honduras, Brasil, Bolívia, Panamá, Uruguai e Chile. Uma verdadeira onda autoritária, inspirada quase sempre na Doutrina da Segurança Nacional, acabou deixando um rastro de repressão na região latino-americana. O projeto democrático latino-americano somente recuperaria impulso no inicio da década de 1980. Em conseqüência, parece provável que a própria democracia tenha sido outra das vitimas - indiretas - das resoluções de Punta del Este e de seus desdobramentos (Tickner, 2000; Cervo, 2001).

A Oitava Reunião de Consulta também provocou alguns impactos nas relações bilaterais brasileiro-cubanas (Bezerra, 2010). Mesmo que o voto de abstenção da Delegação brasileira foi significativo, e que nos meses seguintes o governo brasileiro trabalhou no sentido de tentar uma reincorporarão do governo cubano ao convívio hemisféricos - além de assumir a representação de interesses cubanos em terceiros países que tinham rompido relações diplomáticas com Havana -, também tornou-se evidente que Brasília reconheceu - tacitamente - a orientação socialista da elite revolucionária cubana, constatação sumamente relevante no conturbado contexto Leste-Oeste vigente naquela época. Outrossim, a proposta brasileira de procurar uma "finlandização" - isto é, uma neutralização - de Cuba também não prosperou. E certas iniciativas panfletárias da representação diplomática cubana no Brasil, dirigidas a setores esquerdistas e outras minorias do país, terminaram provocando irritação no governo. Nesse contexto, logo após o golpe militar que derrubou o presidente Goulart, em abril de 1964, seguiu-se o rompimento das relações brasileiro-cubanas, situação que se manteve até o ano de 1986, no contexto da redemocratização brasileira. Assim, parece pertinente verificar que Punta del Este foi um dos momentos mais importantes da denominada época da Política Externa Independente, implementada durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart. Sendo que a questão cubana era tópico particularmente relevante da agenda político-diplomática brasileira do período (Vizentini, 2008).

 

6. Considerações finais

A determinação de excluir ao governo revolucionário cubano da OEA foi essencialmente de natureza política e ideológica. Sua base de sustentação jurídica é discutível, devido a que a Carta do foro hemisférico não contemplava a possibilidade de exclusão dos seus Estados-membros. Mesmo assim, afinal predominou a vontade da maioria qualificada dos países contrários à presença cubana nesse foro. Naturalmente, essa decisão da conferência de Punta del Este também refletiu as circunstâncias econômicas, políticas, sociais, estratégicas e ideológicas próprias do sistema interamericano no inicio da década de 1960. Seja como for, o isolamento cubano no continente americano foi, em certo sentido, compensado pelo diálogo de Havana com o campo socialista, com o mundo afro-asiático, com os não-alinhados e com grupos insurgentes latino-americanos.

Cumpre acrescentar que a exclusão cubana da OEA continuou vigente até o XXXIX período de sessões da Assembleia Geral da instituição, evento realizado na cidade hondurenha de San Pedro Sula, em junho de 2009. Nessa oportunidade, os representantes do continente reverteram a determinação de Punta del Este ao instruir o seguinte: "Que a Resolução VI adotada em 31 de janeiro de 1962 na Oitava Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores, mediante a qual se excluiu ao Governo de Cuba de sua participação no sistema interamericano, fica sem efeito na Organização dos Estados Americanos (OEA)."29 Cumpre acrescentar que, segundo o documento em apreço, uma eventual incorporação de Cuba à OEA deverá ser realizada por iniciativa de Havana e "de conformidade com as práticas, os propósitos e princípios da OEA." Contudo, no mesmo dia, o presidente Raúl Castro afirmou que Cuba jamais voltará ao foro hemisférico.30

 

7. Referências

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CERVO, Amado L. Relações Internacionais da América Latina/ Velhos e novos paradigmas. Brasília: FUNAG e IBRI, 2001.

_____. "Latin America and the Cold War", Via Mundi/ Boletim de Análise do Estado da Arte em Relações Internacionais, Vol. 2, 2000, pp. 2-4.

BLASIER, Cole. The Giant's Rival/ The USSR and Latin America. Pittsburgh: Pittsburgh University Press, 1989.

BOERSNER, Demetrio. Relaciones Internacionales de América Latina. 6ª ed. Caracas: Grijalvo, 2007.

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LLAIRÓ, Maria de Monserrat, e SIEPE, Raimundo. Frondizi/ Un nuevo modelo de inserción internacional. Buenos Aires: Eudeba, 2003.

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel/ A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

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TICKNER, Arlene (organizadora). Sistema Interamericano y Democracia. Bogotá: Uniandes, 2000.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. "A Política Externa Independente (1961-1964): história e diplomacia." In: Alvaro da Costa Franco (organizador). Documentos da Política Externa Independente. Volume II. Brasília: FUNAG, 2008, pp. 17-31.

_____. Relações Exteriores do Brasil (1945-1964). Petrópolis: Vozes, 2004.

 

 

1. O artigo 6º do TIAR diz que uma Reunião de Consulta reunir-se-á em caso de uma agressão, de um conflito extra-continental ou intra-continental, "ou por qualquer outro fato ou situação que possa pôr em perigo a paz da América". Essa última frase acabou sendo particularmente importante para justificar a Oitava Reunião de Consulta. Conferir: "Tratado Interamericano de Assistência Recíproca", Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1947, disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/tiar.htm, consulta em 22 de junho de 2011.
2. "Acta Final de la Octava Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores para servir de Órgano de Consulta en aplicación del Tratado Interamericano de Asistencia Recíproca", Punta del Este, 31 de enero de 1962, disponível em: http://www.oas.org/consejo/sp/RC/Actas/Acta8.pdf, consultada em: 22 de junho de 2011.
3. Aluysio Guedes Regis Bittencourt ao MRE, Telegrama 388 Confidencial-urgente, Washington, 14.11.1961, AHMRE.
4. A aprovação da proposta colombiana foi facilitada por um discurso de Fidel Castro, em 1 de dezembro de 1961, em que manifestou sua simpatia e aderença ao marxismo-leninismo desde antes do triunfo da revolução cubana (Moniz Bandeira, 1998). Ainda que a Embaixada brasileira em Havana informasse ao MRE que esse discurso teria sido "imposto pelos comunistas" e também como uma forma de comprometer ainda mais o apoio soviético à ilha, certamente essa declaração acabou impactando fortemente no processo de tomada de decisão em curso na OEA. E assim, por exemplo, o voto brasileiro, que inicialmente tinha sido definido como contrario à proposta colombiana, acabou sendo de abstenção.
5. Ministério das Relações Exteriores [no sucessivo MRE] para a Embaixada em Bogotá, Telegrama 124 (Confidencial), Rio de Janeiro, 10.11.1961, Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores [no sucessivo AHMRE]. Também disponível em: Documentos da Política Externa Independente, Vol. I, Brasília: FUNAG, 2008, pp. 192-194.
6. Ibid.
7. MRE para as Embaixadas na América com exceção do Canadá, Circular Nº 4132 (Confidencial-urgente), Rio de Janeiro, 11.11.1961, AHMRE.
8. Em 17 de novembro de 1961, o Embaixador brasileiro em Washington, Roberto de Oliveira Campos, informou ao Itamaraty o seguinte: "Entrevistei-me ontem, no Departamento de Estado, com o Secretário Adjunto [Robert] Woodward, em companhia do Representante interino do Brasil no Conselho da OEA. Expus a Woodward, nessa ocasião, a posição brasileira no tocante à proposta colombiana, no seu duplo aspecto formal e substantivo, a saber: 1) inconveniência da convocação de reunião de consulta sem prévios entendimentos entre as Chancelarias sobre seus possíveis resultados, a fim de evitar repetição, num ambiente ainda mais tenso, da experiência da reunião de Costa Rica; 2) necessidade da preservação do princípio de não-intervenção no continente americano. Perguntei-lhe qual a posição do Governo norte-americano sobre a proposta da Colômbia e qual a interpretação americana da fórmula Lleras Camargo. Disse-me Woodward, quanto ao primeiro ponto, que esse Governo (a) não podia recusar-se a apoiar as iniciativas dos países que se sentiam diretamente ameaçados pela infiltração cubana e (b) considerava que a atitude cubana cobria de ridículo o Tratado do Rio de Janeiro, por implicar em aliança com a única potência extra-continental capaz de ameaçar a segurança do continente, motivos pelos quais dava pleno respaldo à proposta colombiana. Quanto ao segundo, disse que contemplava a formula Camargo em duas fases: 1) apelo dos países americanos a Cuba no sentido de reintegrar-se no sistema interamericano, limitando-se esta a relações normais com o bloco soviético, mas renunciando à semi-aliança militar e econômica que transparece dos comunicados de Praga e Pequim; 2) adoção de medidas defensivas através da criação de uma comissão de vigilância que observaria as violações da soberania dos países americanos, por atos de infiltração ou subversão e faria recomendações sobre os mesmos" (Roberto de Oliveira Campos ao MRE, Telegrama 775 Confidencial, Washington, 17.11.1961, AHMRE).
9. Ibid. O documento em apreço também inclui as seguintes ponderações: "Perguntei a Woodward: 1) se o Governo norte-americano apoiaria uma resolução adotada no Conselho da OEA por maioria que não incluísse os países de maior expressão política no continente; 2) se as autoridades americanas apoiariam a realização de consultas informais sugeridas pelo Governo brasileiro, como requisito prévio para a convocação da reunião de consulta. Respondeu-me: 1) que, embora não houvesse decisão definitiva sobre o assunto, era provável que os Estados Unidos apoiassem uma resolução adotada por maioria, desde que esta incluísse, pelo menos, um dos chamados três grandes da América Latina; 2) que este Governo era favorável, em princípio, à ampla troca de pontos-de-vista entre os países americanos sobre o assunto, em caráter informal, mas considerava que esse processo já estava em marcha, por que a formula colombiana havia sido submetida às Chancelarias americanas há bastante tempo. Acrescentou que considerava uma intensificação dessas consultas como algo útil, mas não um requisito sine qua non, para fixação da data da Reunião Ministerial" (Roberto de Oliveira Campos ao MRE, Telegrama 775 Confidencial, Washington, 17.11.1961, AHMRE).
10. José Joaquin Caicedo Castilla a Francisco Clementino San Tiago Dantas, Bogotá, 20.11.1961, AHMRE.
11. Em 17 de novembro de 1961, o Embaixador brasileiro em Washington informou ao MRE o seguinte: "Da conversa com [Robert] Woodward e com os representantes da Venezuela e Colômbia, torna-se claro inexistir clima adequado para procrastinação indefinida da reunião de consulta, quer por parte dos Estados Unidos, quer da maioria dos países latino-americanos." Outrossim, "noto crescente sensibilidade nos círculos políticos e jornalísticos daqui, os quais interpretam a posição brasileira como indo além da atitude de simples oposição à reunião de consulta, baseada em argumentos jurídicos como o México, mas de ativo aconselhamento de outras Chancelarias em favor de uma atitude dilatória, o que nos colocaria numa posição demasiado assimilável à de Cuba e pouco compreensiva das dificuldades internas dos Estados Unidos e da ameaça de infiltração e propaganda subversiva [à] que estão sujeitos os países mais próximos de Cuba e de estrutura política e social mais débil" (Roberto de Oliveira Campos ao MRE,  Telegrama 775 Confidencial, Washington, 17.11.1961, AHMRE).
12. Logo após a aprovação da proposta colombiana, a Embaixada brasileira em Havana informou ao MRE o seguinte: "O Ministro das Relações Exteriores  convocou-me hoje e solicitou-me informasse Vossa Excelência de que na opinião dêste Governo a convocação para próxima Conferencia dos Chanceleres não passa de uma tentativa dos Estados Unidos da América de destruir a revolução cubana […] Solicitou-me ainda o Ministro [Raúl] Roa que expressasse a Vossa Excelência a gratidão do Governo de Cuba ao Governo brasileiro pelo voto de abstenção na última reunião da OEA" (Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, Telegrama 327 Confidencial-urgente, Havana, 11.12.1961, AHMRE).
13. Cumpre destacar que, após conversas com altas autoridades da ilha, na opinião Luiz Leivas Bastian Pinto "Cuba pretende comparecer à Reunião de Consulta com atitude flexível e aberta a qualquer especie de negociações […] Cuba deseja não só obter uma solução aceitável em Punta del Este, como também pretende encontrar soluções que lhe permitam continuar convivendo com os demais países latino-americanos e de que, nesse sentido, estaria disposto a fazer certas concessões,  desde que não impliquem na renúncia de aspectos essenciais da revolução. Essa atitude cubana não é ditada por qualquer receio de Cuba em relação às sanções, e sim pela maior confiança com que os dirigentes  cubanos contemplam, atualmente, o futuro desenvolvimento do país, cujo progresso apenas depende, no seu sentir, de um período de tranquilidade" (Luiz Leivas Bastian Pinto ao MRE, Telegrama 37 Confidencial-urgente, Havana, 17.1.1962, AHMRE).
14. Observe-se que o Governo dos Estados Unidos pressionou diplomaticamente os países céticos, procurando a unanimidade no voto contra Cuba na conferência de Punta del Este. Considere-se, por exemplo, a seguinte mensagem: "Sei, que a Embaixada americana não tem poupado esforço, no sentido de demover o Governo boliviano de sua posição de apoio ao Brasil e à Argentina, concernente à questão cubana" (Manoel Antônio Maria de Pimentel Brandão ao MRE, Telegrama 3 Confidencial, La Paz, 10.1.1962, AHMRE). Afinal, o Brasil, o México, a Bolívia, o Chile, a Argentina e o Equador sustentaram as posições juridicamente mais consistentes na conferência de Punta del Este.
15. "Alocução do ministro San Tiago Dantas aos chefes de missão dos Estados americanos." In:Documentos da Política Externa Independente, Vol. I, Brasília: FUNAG, 2008, pp. 262-265.
16. "Instruções confidenciais do Conselho de Ministros à delegação do Brasil à VIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA." In:Documentos da Política Externa Independente, Vol. I, Brasília: FUNAG, 2008, pp. 272-274.
17. "Discurso do ministro San Tiago Dantas na VIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA." Punta del Este, 24.1.1962. In:Documentos da Política Externa Independente, Vol. I, Brasília: FUNAG, 2008, pp. 275-287.
18. Em 29 de janeiro de 1962, pouco antes da votação das resoluções da conferência de Punta del Este, a Embaixada brasileira em Havana enviou a seguinte mensagem: "O Ministro das Relações Exteriores, interino, acaba de pedir-me em nome do Primeiro Ministro Fidel Castro transmitir ao Governo brasileiro, com máxima urgência, que este Governo considera completamente injustificado sua eventual exclusão do Conselho da OEA, ao qual, os cubanos por seu próprio nascimento, se julgam com direito a pertencer, de nenhum modo aquela exclusão facilitaria a solução do atual problema e criaria, pelo contrário, ambiente político e condição jurídica para preparar futura agressão à Cuba. Este Governo permite-se, em vista da posição digna e amistosa de Brasil, dirigir-lhe apelo para que se oponha a qualquer proposta nesse sentido e, em caso necessário, vote contra" (Luiz Leivas Bastian Pinto ao MRE, Telegrama 64 Confidencial-urgente, Havana, 29.1.1962, AHMRE).
19. Cumpre acrescentar que Moscou também era contrário à expulsão de seu aliado cubano do sistema interamericano e advogava por uma reconciliação entre Havana e Washington. Ao respeito, a Embaixada brasileira em Havana chegou a informar o seguinte: "Tive ontem outra longa conversa com o Embaixador russo aqui, que manifestou, com insistência, a esperança de que a Reunião de Consulta chegue a uma solução satisfatória, que permita plena convivência de Cuba com os demais países do Continente. Reafirmou o interesse da URSS em que os Estados Unidos reconheçam a realidade cubana e cheguem a um entendimento com este Governo; estendeu-se sobre as vantagens de restabelecer-se o comércio entre ambos os países" (Luiz Leivas Bastian Pinto ao MRE, Telegrama confidencial 49, Havana, 20.1.1962, AHMRE).
20. Luiz Leivas Bastian Pinto ao MRE, Telegrama confidencial 49, Havana, 20.1.1962, AHMRE.
21. Roberto de Oliveira Campos ao MRE, Telegrama 29 (Confidencial), Washington, 17.1.1962, AHMRE.
22. De fato, na época da conferência de Punta del Este, o governo de Kennedy também trabalhava na denominada Operação Mangusto, destinada a hostilizar com operações encobertas o governo cubano (Moniz Bandeira, 1998).
23. Paradoxalmente a crescente dependência que Castro e outros revolucionários históricos sentiam com relação à União Soviética - e aos velhos comunistas cubanos - terminou gerando um processo de sovietização, colocando em risco a liderança carismática daquele. Seja como for, em março de 1962, pouco depois da conferencia de Punta del Este, Fidel Castro logrou retomar o controle político do país - inclusive expulsando velhos comunistas locais, como Aníbal Escalante. Nessa época também surgiu o projeto de transferência de mísseis nucleares, tropas e outros sistemas de armamentos soviéticos para Cuba - isto é, a denominada Operação Anadyr -, que culminou com a dramática e conhecida crise de outubro de 1962.
24. "Acta Final de la Octava Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores para servir de Órgano de Consulta en aplicación del Tratado Interamericano de Asistencia Recíproca", Punta del Este, 31 de enero de 1962, disponível em: http://www.oas.org/consejo/sp/RC/Actas/Acta8.pdf, consultada em: 22 de junho de 2011.
25. "Segunda Declaración de La Habana", La Habana, 4.2.1962, disponível em: http://www.pcc.cu/pdf/documentos/otros_doc/segunda_declaracion_habana.pdf, consulta em 22.6.2011. Cumpre acrescentar que a Primeira Declaração de Havana foi apresentada em setembro de 1960.
26. Luiz Leiva Bastian Pinto ao MRE, Telegrama 71 (Confidencial-urgente), Havana, 5.2.1962, AHMRE. O documento em apreço prossegue nos seguintes termos: "Como já aconteceu, quando de outros atos contra a revolução cubana, Fidel Castro reagiu às resoluções de Punta del Este com violência desproporcional, [sendo] que, neste caso, em vez de medidas concretas (talvez já esgotadas num país próximo da socialização) a reação passou para [o] plano da ideologia. Não há dúvida de que a 'Declaração' estava preparada há tempos, pelo menos em suas linhas gerais. Creio, também, importante notar, que, desde o inicio da Reunião de Consulta os elogios ao Brasil e aos outros países desapareceram da imprensa e dos discursos, em forte contraste com os que disse Fidel Castro em 2 de janeiro [de 1962]."
27. Luiz Leivas Bastian Pinto ao MRE, Telegrama 74 (Confidencial-urgente), Havana, 7.2.1962, AHMRE.
28. Aguinaldo B. Fragoso ao MRE, Telegrama 46 (Confidencial), Buenos Aires, 6.2.1962, AHMRE.
29. "Resolución sobre Cuba", XXXIX Período da Organização dos Estados Americanos, San Pedro Sula, 3.6.2009, disponível em: http://www.oas.org/columbus/docs/CubaAGSpa.doc, consulta em: 24 de junho de 2011.
30. "Cuba confirmó que no volverá jamás a la OEA, donde fue expulsada tras la Revolución", Kaosenlared, 3.6.2009, disponivel em: http://www.kaosenlared.net/noticia/cuba-confirmo-no-volvera-jamas-oea-donde-fue-expulsada-tras-revolucion, consulta em 25 de junio de 2011.