3, v.1Governança securitária europeia e novos atores transnacionaisSegurança internacional e os atores sociais índice de autoresíndice de materiabúsqueda de trabajos
Home Pagelista alfabética de eventos  




ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Os atores sociais e a teoria das relações internacionais

 

 

Carolina Dantas Nogueira

Mestre em Relações Internacionais PUC MINAS

 

 


RESUMO

Diversos debates teóricos adquiriram maior fôlego a partir da introdução de conceitos como identidade, interesses, cooperação, regimes internacionais, governança global, entre outros. Assim, o foco analítico das Relações Internacionais passou a abarcar questões como o papel de atores sociais domésticos na política internacional. Este debate, que também reflete uma discussão sobre a natureza da realidade internacional e como esta deveria ser explicada, passou gradativamente a se concentrar em argumentos da abordagem construtivista. O foco deste artigo é, portanto, mostrar a importância de se compreender a abordagem construtivista e sua consequente utilidade para as análises sobre a influência dos atores sociais nas decisões de um ator estatal. O objetivo é mostrar que cada vez mais a influência de elementos sociais domésticos cresceu nas decisões em política externa e, portanto, novas ferramentas teóricas adquiriram maior espaço. Diversos autores, desafiando a visão homogeneizadora do comportamento dos Estados, passaram a argumentar em termos de coconstituição de agentes e estruturas, procurando demonstrar que aspectos centrais das relações internacionais podem ser compreendidos através de processos de interação entre os atores e prática social. Destaca-se, assim, a importância do papel de atores sociais para os estudos teóricos, sem desconsiderar o Estado como o ator principal para as análises no campo das Relações Internacionais. Uma abordagem que combine a investigação de fatores políticos, domésticos e internacionais possibilita aos analistas construírem modelos explicativos mais abrangentes acerca da política externa e permite que se chegue a melhores predições sobre o comportamento de um ator específico. Mostrou-se, portanto, a abordagem construtivista como uma opção analítica viável para as análises em Teoria de Relações Internacionais que objetivem compreender o papel dos atores sociais domésticos na construção de política internacional.

Palavras Chave: Teoria de RI, Construtivismo, Atores Sociais, Construção Social


 

 

1) Introdução

Diversos debates adquiriram maior fôlego, principalmente com o fim da Guerra Fria, a partir da introdução de conceitos como governança global, cooperação, regimes internacionais, entre outros. Esses debates redirecionaram o foco analítico das Relações Internacionais para questões como o papel de atores sociais domésticos na política internacional.

O emprego de variáveis da esfera doméstica em questões de política externa, nas análises teóricas em Relações Internacionais, como elementos de constrangimentos sobre as escolhas e ações de um Estado é uma opção analítica que remete à questão metodológica de se as variáveis explicativas para o comportamento internacional dos Estados se localizam no plano externo ou no plano doméstico. Dessa forma, a questão perpassa o debate sobre os níveis de análise nessa área de estudos em que uma referência obrigatória é Kenneth Waltz.

O livro Theory of International Politics de 1979 se tornou um clássico da vertente neorrealista, ao destacar que a busca da causa da guerra somente faria sentido no nível sistêmico de análise. Waltz procurou apresentar uma teoria que definia o campo das Relações Internacionais como distinto de outros campos. Para ele, limitar-se à análise interna dos Estados seria insuficiente para explicar a continuidade e a recorrência de certos fenômenos no sistema internacional. Assim, procurou demonstrar que a estrutura do sistema internacional é que constitui o principal fator explicativo para a ação externa dos Estados (WALTZ, 1979, p.87) e, por isso, a ênfase analítica deveria recair no nível sistêmico a fim de se compreender porque diferentes Estados se comportam de forma semelhante (WALTZ, 1979, p.72).

Nogueira e Messari (2005, p.49) sintetizam que o livro de Waltz "tornou-se a versão representativa e porta-bandeira do realismo", conseguindo colocá-lo novamente no centro do debate teórico como paradigma hegemônico nas Relações Internacionais. A partir do final da década de 80, no entanto, intensificou-se a elaboração de modelos que demonstravam que os Estados podem agir de forma diferente, dados os mesmos estímulos externos, ou que um determinado Estado pode apresentar variações em seu comportamento ao longo do tempo ao interagir com outros atores no sistema internacional. Obras de autores como Katzenstein (1996), Wendt (1999) e outros vieram como alternativa aos pressupostos de Waltz por acreditarem que este apresentou um modelo teórico limitado, quando afirmou que as causas do comportamento dos Estados encontravam-se exclusivamente no nível sistêmico.

Diversos autores, desafiando essa visão homogeneizadora do comportamento dos Estados, passaram a argumentar em termos de coconstituição de agentes e estruturas. Katzenstein, Jepperson e Wendt (1996) destacam que a separação das questões domésticas da política externa de um Estado pode produzir falsos entendimentos, pois as estruturas domésticas introduzem maior complexidade à condução das questões internacionais.

Os estudos sobre o papel dos atores sociais nas Relações Internacionais estão associados a um debate teórico entre os racionalistas - neorrealistas e neoliberais -; e os partidários de estudos interpretativos como os pós-modernos, pós-estruturalistas e teóricos críticos (ADLER, 1999, p.201). Este debate, que também reflete uma discussão sobre a natureza da realidade internacional e como esta deveria ser explicada, passou gradativamente a se concentrar em argumentos da abordagem construtivista ou do construtivismo. Para o construtivismo, "o modo pelo qual o mundo material forma a, e é formado pela ação e interação humana depende de interpretações normativas e epistêmicas dinâmicas do mundo material" (ADLER, 1999, p.205).

Dentro dos debates teóricos em Relações Internacionais, a premissa básica da abordagem construtivista é a de que o mundo está em constante transformação, pois é socialmente construído. Em adição, os atores políticos e as estruturas sociais se coconstituem e as ideias moldam o modo como esses atores definem a si mesmos, os seus interesses e o seu comportamento no sistema internacional. Os interesses, as práticas e as preferências dos Estados seriam, portanto, socialmente construídas, uma vez que as estruturas sociais não existiriam de forma independente das atividades que as governam, e nem dos agentes, de seus conceitos ou motivações.

Esta abordagem procura demonstrar que aspectos centrais das Relações Internacionais podem ser compreendidos como socialmente construídos, ou seja, através de processos de interação entre os atores e prática social. A crítica dos construtivistas aos neorrealistas e neoliberais direciona-se, sobretudo, ao que estes últimos ignoram: o conteúdo e fonte do interesse dos Estados e da fábrica social da política mundial (CHECKEL, 1998, p.324). Argumenta-se, ainda, que os Estados são agentes com interesses, somente porque foram construídos historicamente como tais.

Portanto, entende-se que a história possui papel relevante nas análises em política internacional, pois as mudanças advindas da interação dos atores ao longo do tempo produziriam efeitos em suas identidades e práticas no sistema. Segue-se uma abordagem distinta, pois, das explicações racionalistas sobre as Relações Internacionais que acabavam sendo a-históricas, em que o comportamento dos Estados seria homogêneo e similar ao longo do tempo.

Considerada uma das principais teorias do campo das Relações Internacionais, o construtivismo pode ser igualmente explicado como uma abordagem da investigação social baseada em duas suposições: i) o ambiente em que os Estados-agentes agem é tanto social quanto material; e, ii) este cenário pode fornecer entendimentos aos Estados-agentes de seus interesses, ou ainda, constituí-los. Logo, estes estudiosos estão preocupados com os conceitos subentendidos de como o mundo social-político funciona, questionando o materialismo e a metodologia individualista em que muito da Teoria de Relações Internacionais se apóia (CHECKEL, 1998, p.325).

Não obstante o construtivismo não constitua uma teoria uniforme, é possível identificar pontos em comum entre os construtivistas que distinguem claramente essa corrente teórica de outras perspectivas do campo das Relações Internacionais, em particular, das abordagens racionalistas. Assim, uma das principais premissas com a qual todos os construtivistas concordam é a de que o comportamento dos Estados é moldado pelas crenças, identidades e normas sociais das elites (MINGST, 2009, p. 68).

Para muitos estudiosos construtivistas, o final da Guerra Fria mostrou que o mundo das Relações Internacionais não se comporta como o mundo natural, que existe independentemente das ações humanas. Em verdade, o sistema internacional, geralmente descrito como sendo anárquico devido à falta de governo central, é ainda um sistema em que as regras são feitas e reproduzidas pelas práticas humanas. Regras estas que são intersubjetivas e que dão significado às práticas internacionais (GUZZINI, 2000, p.155).

Esta linha de pesquisa oferece, pois, entendimentos alternativos a inúmeros temas centrais da Teoria das Relações Internacionais, incluindo o significado de anarquia e de balança de poder, a relação entre a identidade e interesse estatal, prospectos para a mudança na política mundial, a importância dos atores sociais na política internacional, entre outros. Este programa de pesquisa possui seus próprios questionamentos, que se concentram em questões sobre identidade na política mundial, sobre a teorização da política doméstica e da cultura na teoria das Relações Internacionais (HOPF, 1998, p.172). Procurar-se-á, portanto, neste trabalho, apresentar a abordagem construtivista como uma opção analítica viável para as análises em Teoria de Relações Internacionais que objetivem compreender o papel dos atores sociais domésticos na construção de política internacional.

 

2) A Abordagem Construtivista

Em síntese, o construtivismo compartilha com o neorrealismo preocupações em relação ao papel da estrutura na política mundial, aos efeitos da anarquia sobre o comportamento estatal, à definição de interesse nacional e aos prospectos para a mudança. Entretanto, divergem em cada uma das investigações sobre esses elementos. Ao contrário do neorrealismo que dá precedência à estrutura do sistema internacional como variável explanatória e não aos Estados, o construtivismo supõe que a anarquia deve ser interpretada para adquirir significado, que os interesses nacionais são parte do processo de construção da identidade do ator e que a mudança na política mundial é possível e difícil (HOPF, 1998, p.181).

Sendo assim, se para os neorrealistas a estrutura anárquica do sistema internacional restringe o comportamento dos Estados que, por seu turno, não são capazes de controlá-la, para os construtivistas a relação entre agência e estrutura é o elemento central para o entendimento acerca do comportamento estatal. Para esta segunda corrente, os atores e as estruturas constituem-se mutuamente. Ao entender os atores em uma estrutura social que tanto constitui quanto é constituída por sua interação, ou seja, o debate sobre agente e estrutura e sua coconstituição, é possível compreender o papel das estruturas ideacionais como constituidoras ou possibilitadoras de ações no sistema.

Dessa forma, para os construtivistas o mundo não é predeterminado, mas sim uma construção social em que a interação dos atores constrói os interesses e preferências dos agentes. Negam, portanto, uma antecedência ontológica entre agentes e estrutura e alegam que agente e estrutura são coconstitutivos uns dos outros. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.163).

Isso pode ser explicado através do fato de os construtivistas considerarem que não só fatores racionais ou idealistas são exclusivamente responsáveis pelos processos de tomada de decisão. Portanto, para alguns autores, entre eles Adler (1999) e Wendt (1999), o construtivismo estaria no meio termo porque se interessa em entender como os mundos, material, subjetivo e intersubjetivo, se relacionam na elaboração social da realidade, sendo esta uma de suas contribuições em termos metodológicos e epistemológicos que, claramente, se distinguem das abordagens racionalistas.

É necessário ressaltar o fato de que as práticas institucionalizadas entre os atores não afetam os mesmos de maneira uniforme. Para os construtivistas, valores, ideias, conhecimento e história afetam a maneira como os atores elaboram essa realidade social e, portanto, seu posicionamento doméstico e internacional. Por exemplo, as ideias capitalistas que se difundem pelo sistema são as mesmas, mas como elas são efetivadas e aplicadas vai depender das tradições (históricas, culturais, etc.) de cada ator individualmente.

O comportamento ou a ação adquirem significados apenas dentro de um contexto social intersubjetivo. Os atores desenvolvem suas relações com, e entendimentos de outros por intermédio de normas e práticas. Na ausência de normas, os exercícios de poder, ou ações, seriam desprovidos de significado (HOPF, 1998, p.173). Entretanto, nem por isso as práticas institucionalizadas serão menos legítimas, o que se quer dizer é que elas assumem conotações diferentes em locais diferentes. Portanto, as ideias de identidade, tradição histórico-cultural, instituições, são ferramentas de que o construtivismo se utiliza para entender a posição e o cálculo racional dos atores dentro do sistema internacional. Ou seja, quando as ideias operarem como normas, elas não somente constrangerão os atores, mas também os constituirão e possibilitarão ações.

As escolhas, portanto, são rigorosamente constrangidas pelas redes de entendimento das práticas, identidades e interesses de outros atores que prevalecem em contextos históricos particulares (HOPF, 1998, p.177). Assim, os entendimentos coletivos possibilitam às pessoas compreenderem as razões pelas quais tudo se comporta de uma determinada maneira e indicam como elas devem usar suas habilidades materiais e seu poder. Acreditam que o mundo real não é inteiramente determinado pela realidade física ainda que aceitem a noção de mundo real, mas sim, que é socialmente emergente. Ou seja, as identidades, os interesses e o comportamento dos agentes políticos são socialmente construídos por significados, interpretações e pressupostos coletivos sobre o mundo (ADLER, 1999, p.209).

Seguindo essa lógica de argumentação, as normas são, portanto, o resultado de entendimentos coletivos que, por sua vez, reivindicam comportamentos dos atores, com efeitos profundos: não somente regulam o comportamento, mas sim, constituem a identidade e os interesses dos atores (CHECKEL, 1998, p.328). O objetivo principal da abordagem construtivista é fornecer explicações que englobem as instituições sociais e a mudança social com o auxilio do efeito combinado de agentes e estruturas sociais (ADLER, 1999, p.210).

Em síntese, o construtivismo, destaca Wendt (1996), é uma teoria estrutural da política internacional que faz as seguintes reivindicações: i) os Estados são atores internacionais no sistema internacional, ii) a estrutura chave no sistema de Estados é a intersubjetividade, e, iii) a identidade e o interesse dos Estados são em grande parte construídos por essas estruturas intersubjetivas.

A primeira reivindicação é compartilhada pelos neorrealistas e neoliberais institucionalistas, sendo, portanto, passível das mesmas críticas que eles. A segunda reivindicação diferencia o construtivismo do neorrealismo, que enfatiza o recurso material em vez das estruturas intersubjetivas. A terceira reivindicação diferencia-o das teorias sistêmicas que são mais racionalistas em sua forma e reducionistas ao afirmarem que os interesses são exógenos às estruturas intersubjetivas (WENDT, 1996, p.48).

Mingst (2009) destaca que a estrutura política em si ser anárquica ou uma determinada distribuição de recursos materiais nada explica, pouco revelando sobre o comportamento do Estado. Para a autora o que precisamos conhecer é a identidade, uma vez que estas mudam como resultado de um comportamento cooperativo e aprendizado. Assim, para o sistema ser anárquico ou não, tal avaliação depende da distribuição de identidades e não da distribuição de recurso militar. "Se um Estado identificar-se somente com ele mesmo, então o sistema pode ser anárquico. Se um Estado identificar-se com outros Estados, então não há anarquia" (MINGST, 2009, p.68).

Para os construtivistas, a identidade de um Estado motiva suas preferências e consequentes ações. Um Estado percebe os outros Estados de acordo com a identidade que atribui a eles, reproduzindo, simultaneamente, sua própria identidade através da prática social diária (HOPF, 1998, p.175). Além disso, os tipos de identidades implicam interesses, mas não são reduzidos a estes.

A identidade refere-se a quem ou o que os atores são e o interesse refere-se ao que os atores querem, designando motivações que explicam o comportamento. Interesses pressupõem identidades porque um ator não pode saber o que quer enquanto não souber quem é. Portanto, sem o interesse a identidade não tem força motivacional e sem a identidade, o interesse não tem direção (WENDT, 1999, p.231). Assim, estes autores desejam descobrir as identidades e as práticas sociais reprodutivas relacionadas a essas identidades, e em seguida, oferecer uma avaliação de como essas identidades implicam certos interesses e ações (HOPF, 1998, p.183).

As identidades são necessárias, tanto na política internacional quanto na doméstica, para assegurar pelo menos um nível mínimo de previsibilidade e ordem. Um mundo sem identidades é um mundo caótico, um mundo de incertezas profundas e irremediáveis. Cumprem, assim, três funções necessárias em uma sociedade: elas dizem a você e aos outros quem você é, e dizem a você quem os outros são (HOPF, 1998, p.175). Nesse sentido, as normas advindas de uma identidade que prescreve ações podem moldar o modo como atores definem seus interesses e formam preferências a partir destes. Ao dizer aos atores quem eles são e o que podem fazer, normas também sugerem aos atores o que eles devem fazer (FARRELL, 1998, p.411).

Dessa forma, os Estados são agentes com interesses somente porque foram construídos historicamente como tais a partir da ideia de construção de Estados. Portanto, a história possui um relevante papel na política internacional na medida em que as mudanças geradas pela interação dos atores e atuação das instituições em que se inserem produziriam identidades menos egoístas, formando-se no longo prazo regimes mais eficazes e consequentemente instituições internacionais mais resistentes.

É necessário destacar que apesar dessa premissa, os construtivistas não descartam a possibilidade de conflitos ocorrerem, portanto, não existe necessariamente uma convergência de interesses mesmo que haja compartilhamento de valores e normas. Wendt (1999, p.300) destaca que "quando os conflitos ocorrerem eles serão manipulados por negociação, arbitração, ou cortes, mesmo quando o custo material da guerra para uma ou ambas as partes parecer menor".

Nogueira e Messari (2005) destacam que existem vários construtivismos e, por isso, esta perspectiva teórica representou um refúgio para diversos estudiosos descontentes com as respostas das demais perspectivas teóricas. Para eles, "a definição do construtivismo como baseado no fato de que a realidade é construída é tão ampla que pode incluir até pós-modernos e pós-estruturalistas" (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.185). Além disso, cada qual privilegiando diferentes explicações e linhas argumentativas.

Assim sendo, este campo de pesquisa é associado a autores como Alexander Wendt, Nicholas Onuf, Friedrich Kratochwil, entre outros. Não obstante compartilharem premissas teóricas, estes autores concentram suas análises em fatores distintos como identidade, regras e normas, respectivamente. Dentre eles, Kratochwill e Onuf enfatizam o discurso e as normas, revelando a influência da virada linguística em geral e de Wittgenstein em particular. Wendt e Onuf concordam, de igual forma, sobre a coconstituição de agentes e estruturas, revelando a influência da teoria social, em geral, e de Giddens, em particular (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 180).

Utilizando a categorização de Cecelia Lynch e Audie Klotz (1996) apresentada na Reunião anual da American Political Science em 1996 sob o título "Constructivism: Past Agendas and Future Directions", Adler (1999) apresenta o construtivismo dividido em quatro grupos distintos. O primeiro grupo é o dos chamados modernistas, engloba os autores como Wendt (1999) e, uma vez evitado o extremismo ontológico, pode-se utilizar métodos padronizados ao lado dos interpretativos como os de Katzenstein (1996).

O segundo grupo utiliza aspectos da lei e jurisprudência internacional para mostrar o impacto das relações internacionais nos modos de raciocínio e persuasão, bem como no comportamento guiado por regras. Autores como Onuf (1989) e Kratochwil (1989) pertencem a este grupo. O terceiro grupo enfatiza o conhecimento narrativo, como gênero, movimentos sociais, interesses em segurança. Autores como Ruggie (1995) e Weaver (1995) pertencem a este grupo.

O quarto grupo usa as técnicas desenvolvidas pelos pós-modernos como o método genealógico de Foucalt ou a desconstrução de Biersteker e Weber (1996) (ADLER, 1999, p.222). Esta não é, entretanto, a única classificação existente. Ted Hopf (1998), por exemplo, separa o construtivismo em dois grupos, o convencional e os teóricos críticos. Destarte, ainda que existam divergências quanto a uma classificação mais acurada, é fato que existem diferenças argumentativas entre os autores tidos como construtivistas, portanto, é mais comum a utilização de um autor ou grupo de autores que possuam pressupostos em comum quando se opta por uma análise na linha construtivista.

 

3) Conclusão: os atores sociais e a política internacional

Uma das promessas construtivistas é a de reintroduzir a cultura e a política doméstica na Teoria de Relações Internacionais. Oferece uma abordagem promissora para desvendar aspectos da sociedade, cultura e política domésticas que podem ser de interesse para a identidade estatal e para a ação estatal no cenário internacional (HOPF, 1998, p.194-195). Isto porque toda identidade estatal na política mundial é parcialmente o produto das práticas sociais que constituem essa identidade na esfera doméstica. Portanto, a política da identidade construída domesticamente constrange e possibilita a identidade estatal, os interesses nacionais e as ações na política mundial (KATZENSTEIN, 1996).

Os interesses nacionais são entendimentos intersubjetivos sobre o que se faz necessário para promover poder, riqueza e influência que sobreviva ao processo político. Os interesses nacionais são fatos cuja "objetividade" está no acordo humano e na atribuição coletiva de significado e função a objetos físicos. Dessa forma, conduz ao estudo empírico das condições que fazem uma concepção intersubjetiva particular de interesse prevalecer sobre outras. Portanto, o construtivismo procura mostrar como os interesses nacionais surgem, como eles adquirem seu status de entendimentos políticos gerais, e como esses entendimentos são politicamente selecionados pelo e através do processo político (ADLER, 1999, p.224-225).

O esforço de se testar explicações baseadas em processos sociológicos e culturais centra-se na identificação e descrição dos problemas, especificando os fatores sociais que podem moldar as concepções sobre interesses e comportamentos dos Estados. Com os novos debates teóricos, o entendimento acerca das origens dos conceitos que se quer aplicar se faz necessário, e para tanto, recorre-se à análise histórica e cultural dos atores envolvidos.

Neste artigo apresentaram-se pressupostos teóricos para análises construtivistas do papel dos atores sociais na política internacional. Como foi visto, o estudo apontou as premissas comuns aos construtivistas de que vivemos em um mundo socialmente construído em que a interação dos atores constrói os interesses e preferências dos agentes. Valores, ideias, conhecimento e história afetam a maneira como estes agentes elaboram a realidade social e, portanto, seu posicionamento doméstico e internacional.

Os Estados possuem propriedades essenciais e sociais, entre as quais: a identidade e os interesses, que são definidos em função da estrutura, em uma relação de mútua constituição. Constatou-se, ainda, a importância da dimensão social nas análises em Relações Internacionais que buscam considerar possíveis variações nas preferências dos Estados, não as tratando como constantes ou homogêneas. A dimensão cultural ajuda a definir as metas da coletividade, molda as percepções em relação ao outro, auxilia na identificação de comportamentos e interesses, e, influencia na percepção das opções existentes.

Ao contemplar as maneiras pelas quais a dimensão social pode afetar a formação de políticas, este trabalho apóia a lição geral sobre a importância das abordagens construtivistas para a compreensão das questões em política internacional. Destaca-se, assim, a importância do papel de atores sociais para os estudos teóricos, sem desconsiderar o Estado como o ator principal para as análises no campo das Relações Internacionais.

Tal abordagem não nega os poderosos constrangimentos que as forças internacionais, como a balança de poder, colocam no comportamento do Estado (BERGER, 1998, p.203). Em vez disso, uma abordagem que combine a investigação de fatores políticos, domésticos e internacionais possibilita aos analistas construírem modelos explicativos mais abrangentes acerca da política externa e permite que se chegue a melhores predições sobre o comportamento de um ator específico.

 

REFERÊNCIAS

ADLER, Emanuel. O Construtivismo no Estudo das Relações Internacionais. IN: Lua Nova. Revista de Cultura e Política. Número 47. São Paulo, CEDEC, 1999.

BERGER, Thomas U. Cultures of Antimilitarism: National Security in Germany and Japan. Baltimore. The Johns Hopkins University Press, 1998.

BIERSTEKER, T.J.; WEBER, C. State Sovereignty as Social Construct. Cambridge Studies in International Relations. Cambridge University Press. Cambridge. 1996.

CHECKEL, Jeffrey T. The Constructivist Turn in International Relations Theory, World Politics 50, No. 2, pp. 324-348. 1998.

FARRELL, Theo. Culture and military power. Review of International Studies, 24, 407-416. 1998.

Foucault, M. (1993). Microfísica do poder (11a ed.). Coleção Biblioteca de Filosofia e História das Ciências. São Paulo: Graal. (Original publicado em 1979).

GUZZINI, Stefano. A Reconstruction of Constructivism in International Relations, European Journal of International Relations, Vol.6, No.2 , pp. 147-182. 2000.

HOPF, Ted. The Promise of Constructivism in International Relations Theory. International Security, Vol. 23, No. 1,pp. 171-200. The MIT Press. 1998.

JEPPERSON, R; WENDT, A; KATZENSTEIN, P. Norms, Identity and Culture in National Security. IN: KATZENSTEIN, Peter et all. The Culture of National Security. NY: Columbia University Press. Capítulo 2. 1996.

KATZENSTEIN, P. Conclusion: National Security in a Changing World IN: KATZENSTEIN, Peter et all. The Culture of National Security. NY: Columbia University Press. 1996.

KATZENSTEIN, P. Introduction. IN: KATZENSTEIN, Peter et all. The Culture of National Security. NY: Columbia University Press. Capítulo 1. 1996.

KRATOCHWIL, Friedrich. Rules, norms and decisions: on the conditions of practical and legal reasoning in international relations and domestic affairs. Cambridge studies in international relations; Cambridge: Cambridge University Press. 1989

MINGST, Karen A. Essentials of international relations. 2. ed. New York: W. W. Norton & Company. 2009.

NOGUEIRA, Carolina Dantas. A Cultura de Segurança Nacional Japonesa: entendimentos acerca do posicionamento japonês no sistema internacional durante a Guerra Fria. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC MINAS, Belo Horizonte. 2010.

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

ONUF, Nicholas Greenwood. World of our making: rules and rule in social theory and international relations. Columbia, S.C.: University of South Carolina Press. 1989.

RUGGIE, John. The False Premise of Realism. International Security, 20 (Summer 1995).

WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York, McGraw-Hill. 1979.

Weaver, J. Popular Culture and the Reshaping of Race, Class and Gender: Exploring Issues and Imploding Boundaries. Race, Class and Gender. (Spring, 1995). (pp. 165-173).

WENDT, A. Identity and Structural Change in International Politics. IN:LAPID, Y; KRATOCHWIL, F. The Return of Culture and Identity in IR Theory. Lynne Rienner Publishers. London. UK. Capítulo 1. 1996.

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge Studies in International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.