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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Segurança internacional e os atores sociais

 

 

Carolina Dantas Nogueira

Mestre em Relações Internacionais PUC MINAS

 

 


RESUMO

Diversos debates teóricos adquiriram maior fôlego a partir da introdução de conceitos como identidade, interesses, cooperação, regimes internacionais, governança global, entre outros. Assim, o foco analítico das Relações Internacionais passou a abarcar questões como o papel de atores sociais domésticos na política internacional, e em especial, na temática da segurança internacional. Este debate, que também reflete uma discussão sobre a natureza da realidade internacional e como esta deveria ser explicada, passou gradativamente a se concentrar em variáveis ideacionais e culturais. O foco deste artigo é, portanto, mostrar que é possível trabalhar a temática de segurança a partir da utilização de ferramental analítico que abarque variáveis ideacionais, culturais, política doméstica, atores sociais e outros para explicar o comportamento do ator estatal. O objetivo é mostrar que cada vez mais o peso desses elementos sociais domésticos cresceu nas decisões em política externa e, portanto, novas ferramentas teóricas adquiriram maior espaço. Assim, como estudo de caso, o artigo descreve a obra de Peter Katzenstein e o ferramental analítico que este autor e colegas, Alexander Wendt e Jepperson, desenvolveram a partir da abordagem construtivista da Teoria das Relações Internacionais para análises das questões em Segurança Internacional que envolva o ator estatal e seus atores sociais. A partir deste ferramental, o artigo mostra que é possível analisar a influência de elementos domésticos na cultura de segurança nacional de um ator estatal a partir deste ferramental analítico, para verificar o impacto desta nas decisões políticas em segurança. Destaca-se, assim, a importância dos atores sociais para estes estudos, sem desconsiderar o Estado como o ator principal para as análises em Relações Internacionais. Uma abordagem que combine a investigação de fatores sociais possibilita aos analistas construírem modelos explicativos mais abrangentes e permite que se chegue a melhores predições sobre o comportamento de um ator específico.

Palavras Chave: Teoria de RI, Construtivismo, Atores Sociais, Segurança Internacional, Cultura de Segurança Nacional, Katzenstein


 

 

1) Introdução

O fim da Segunda Grande Guerra (1939-1945) modificou a configuração de polaridades no sistema internacional. O fim do confronto em 1945 trouxe, também, o fim da hegemonia mundial da Europa, favorecendo a ascensão de duas superpotências, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que foram os atores protagonistas no cenário internacional durante o período da Guerra Fria (1947-1991). A linha racionalista preponderou no debate teórico neste período.

Entretanto, outros debates teóricos adquiriram maior fôlego com o fim da Guerra Fria, a partir da introdução de conceitos como governança global, cooperação, regimes internacionais, cultura, atores sociais, entre outros. A atuação de atores não-estatais tornou-se elemento importante nas análises em política internacional. Esses debates redirecionaram o foco analítico das Relações Internacionais para questões como o papel de atores sociais domésticos na política internacional.

O objetivo deste artigo é mostrar que cada vez mais o peso desses elementos sociais domésticos cresceu nas decisões em política externa e, portanto, novas ferramentas teóricas adquiriram maior espaço. Apresenta-se assim um dos debates que possibilitou o desenvolvimento da obra de Peter Katzenstein e o ferramental analítico que este autor e seus colegas, Alexander Wendt e Jepperson, desenvolveram a partir da abordagem construtivista da Teoria das Relações Internacionais para análises das questões em segurança que envolva o ator estatal e seus atores sociais.

O emprego de variáveis da esfera doméstica nas análises em política internacional remete à questão metodológica da localização, plano externo ou interno, das variáveis explicativas para o comportamento dos atores estatais. Dessa forma, a questão perpassa o debate sobre os níveis de análise nessa área de estudos em que uma referência obrigatória é Kenneth Waltz (1979).

Katzenstein (1996) destaca que Waltz teve uma profunda influência sobre o campo de estudos em segurança. Por ser uma teoria estrutural, a situação no sistema internacional é que moldaria os Estados e definiria as possibilidades de cooperação e de conflito. Além disso, os agentes mais importantes no plano internacional - os Estados - seriam unitários e funcionalmente indistintos (KATZENSTEIN, 1996, p.12). A partir do final da década de 80, no entanto, intensificou-se a elaboração de modelos que demonstravam que os Estados podem agir de forma diferente dados os mesmos estímulos externos, ou que um determinado Estado pode apresentar variações em seu comportamento ao longo do tempo ao interagir com outros atores no sistema internacional.

Obras de autores como Katzenstein (1996), Wendt (1999) e outros vieram como alternativa aos pressupostos de Waltz por acreditarem que este apresentou um modelo teórico limitado, quando afirmou que as causas do comportamento dos Estados encontravam-se exclusivamente no nível sistêmico. No campo da segurança, especificamente, destacou-se a necessidade de se olhar para dentro do Estado para a compreensão de suas decisões e de suas ações. Para examinar o posicionamento de um ator estatal em políticas de segurança, é possível uma análise de fatores da arena doméstica, partindo-se do pressuposto que é preciso examinar mudanças nas normas de segurança nacional delineadas na estrutura política doméstica. Nessa direção, o conceito de cultura de segurança nacional torna-se um útil instrumento de análise.

 

2) Os Estudos Construtivistas em Segurança

Em seu artigo de 1987 "The agent-structure problem in international relations theory", Alexander Wendt procurou criticar os conceitos encontrados no neorrealismo e na teoria do sistema mundo, e através disso desenvolver uma percepção da teoria estrutural adaptada à sociologia. Para ele, nenhuma das teorias seria capaz de explicar o problema agente-estrutura, pois ambas veem agentes e estruturas como dado. A estruturação teórica é, para ele, uma solução relacional para o problema, pois conceitualiza agentes e estruturas como entidades mutuamente constituídas.

As estruturas sociais seriam, pois, resultados de interações humanas. Dessa forma, os interesses, práticas e preferências dos Estados seriam socialmente construídos, uma vez que as estruturas sociais não existiriam de forma independente das atividades que as governam, e nem dos agentes, de seus conceitos ou motivações.

Em seu artigo de 1996, "Identity and Structural Change in International Politics", Wendt trata mais detidamente sobre a estrutura do sistema internacional. Afirma que esta será dada pelas condições materiais constituídas em parte pelos interesses; em que os interesses e poder material possuem significados e efeitos que dependem da estrutura social do sistema.

Para Wendt (1996, p.49), está claro que a relação entre Estados agentes e a Estrutura sistêmica possui aspectos bilaterais. Ou seja, a estrutura do sistema de Estados é o que ele chama de superveniente com relação à propriedade dos Estados, e estas propriedades, incluindo a identidade dos Estados, são dependentes das propriedades do sistema de Estados. Assim, esta constituição mútua é que nos permite analisar a mudança estrutural em termos de mudança de identidade.

Portanto, diferencia as propriedades dos agentes Estados em dois grupos; nas materiais, como recursos militares ou econômicos, e nas ideacionais, como percepções, identidades, autoentendimento. Aplicando a lógica da superveniência às propriedades ideacionais, o autor afirma ser possível alcançar algo similar sobre a estrutura cultural do sistema de Estados.

Isto porque as estruturas culturais consistem no estoque de crenças interligadas, idéias, entendimentos, percepções, identidades, ou ainda, o que ele denomina "conhecimento" detido pelos membros do sistema. Wendt (1996, p.49) argumenta que a formação de conflitos pode ser conceitualizada pela teoria das relações internacionais também dessa forma, uma vez que a estrutura cultural está incorporada nos complexos de ameaça, relações de inimizade ou medo, hegemonia ideológica, entre outros.

Wendt desenvolve seus postulados em 1999, no livro intitulado "Social Theory of International Politics". Ao contrário das teorias racionalistas, a perspectiva construtivista de Wendt (1999) estabelece que estruturas ideacionais moldam o modo como os atores definem a si mesmos, assim como seus interesses e comportamento no sistema internacional. A partir do compartilhamento de conhecimento, os atores têm seus interesses gerados que são refletidos em práticas que descrevem a lógica da anarquia prevalecente no sistema.

A estrutura para Wendt (1999) é definida não apenas pelas idéias, mas pelas idéias compartilhadas, e não apenas pelos recursos materiais disponíveis. Estas idéias constroem assim as identidades e os interesses dos atores no plano internacional. Ao se compreender o sistema pela idéia de "estrutura", ou seja, algo que é compartilhado pelos atores, que eles tomam como o correto, é possível gerar estabilidade no sistema e permitir uma previsibilidade de atuação dos atores. Dessa forma, os interesses, as práticas e as preferências dos Estados seriam socialmente construídas, uma vez que as estruturas sociais não existiriam de forma independente das atividades que as governam, e nem dos agentes, de seus conceitos ou motivações.

A relação entre Estados é estruturada por meio de instituições dotadas de padrões cognitivos específicos, prossegue o autor. Esses padrões não afetariam a ação dos atores, e sim constituiriam os padrões de ação destes. Ou seja, as instituições formariam o que seria considerado próprio na ação dos atores. O papel das instituições dentro desse contexto é muito forte e na maioria das vezes a ação do ator é transmitida pelas mesmas. Assim, para o autor, as estruturas de associações humanas são determinadas primeiramente pelas idéias compartilhadas e não pela força; e as identidades e interesses dos atores são construídos por estas idéias compartilhadas e não definidos pela natureza.

As identidades são necessárias, tanto na política internacional quanto na doméstica, para assegurar pelo menos um nível mínimo de previsibilidade e ordem. Um mundo sem identidades é um mundo caótico, um mundo de incertezas profundas e irremediáveis. As identidades cumprem três funções necessárias em uma sociedade: elas dizem a você e aos outros quem você é, e elas dizem a você quem os outros são (HOPF, 1998, p.175). Nesse sentido, as normas advindas de uma identidade que prescreve ações, podem moldar o modo como atores definem seus interesses e formam preferências a partir destes. Ao dizer aos atores quem eles são e o que podem fazer, normas também sugerem aos atores o que eles devem fazer (FARRELL, 1998, p.411).

Wendt (1999) conclui que a identidade estatal, ou seja, aquilo que diz ao estado o que ele é, quem são os outros estados e qual é o seu papel em determinada situação, emerge de sua interação com os outros Estados. Através da repetição, as identidades geram compartilhamento de idéias e conhecimentos que permitem aos Estados se entenderem e agirem na consecução de seus objetivos. Reconceituando a idéia de sistema internacional, Wendt (1999) apresenta uma compreensão que nega que a distribuição horizontal de poder necessariamente sugere competição entre os Estados. Nesse sistema internacional, na ótica de Wendt, os Estados são agentes com interesses somente porque foram construídos historicamente como tais a partir da idéia de construção de Estados, o que não pode ser aplicado, por exemplo, para o período feudal. Assim, a história possui um relevante papel na política internacional na medida em que as mudanças geradas pela interação dos atores e atuação das instituições em que se inserem produziriam identidades menos egoístas, formando-se no longo prazo regimes mais eficazes e consequentemente instituições internacionais mais resistentes.

É necessário destacar que apesar dessa premissa, os construtivistas (inclusive Wendt) não descartam a possibilidade de conflitos ocorrerem, portanto, não existe necessariamente uma convergência de interesses mesmo que haja compartilhamento de valores e normas. Wendt (1999, p.300) destaca que "quando os conflitos ocorrerem eles serão manipulados por negociação, arbitração, ou cortes, mesmo quando o custo material da guerra para uma ou ambas as partes parecer menor".

Para Farrell (2002), os estudos construtivistas em segurança baseiam-se na argumentação de que os Estados fazem no nível internacional aquilo que acreditam ser mais apropriado devido a sua estrutura social de ação. Estudos como o de Katzenstein (1996) e Thomas Berger (1998), segundo o autor, identificam ações concernentes a questões militares moldadas por crenças coletivas dos tomadores de decisão e elites políticas (estrutura social de ação) e crenças dos oficiais militares (cultura organizacional).

Dessa forma, o construtivismo busca explorar como o comportamento político estatal evoluiu para a atual realidade e, para tanto, é preciso pesquisar sobre as normas e mostrar o impacto destas no resultado comportamental dos Estados (FARRELL, 2002, p.53). Outro autor que examina o papel das normas no processo de tomada de decisão é Legro (1996, p.124). Este autor sugere que a força de uma norma deve ser medida observando-se os critérios de especificidade, durabilidade e concordância, ou seja, uma norma será tanto mais influente quanto mais claramente for definida, firmemente estabelecida e largamente endossada. Logo, este processo envolve uma pesquisa histórica teoricamente orientada que reconstrua os eventos que levaram a um determinado resultado comportamental. Sobre essa questão, para Farrell (2002, p.62) é possível mostrar como mecanismos não diretamente observáveis (cultura) podem moldar mecanismos observáveis (comportamento). Dentre os trabalhos que adotam essa postura analítica, o livro editado por Peter Katzenstein em 1996, intitulado The Culture of National Security, é uma importante referência.

 

3) Cultura de Segurança Nacional

Dilemas de segurança são produtos de uma incerteza presumida. A missão empírica do construtivismo é vasculhar o pano de fundo ou conhecimento existente que torna a incerteza uma variável a ser entendida, em vez de uma constante assumida (HOPF, 1998, p.188). Dentro de um Estado podem existir áreas de práticas culturais fortes o suficiente para exercer uma influência causal ou constitutiva na política estatal. Portanto, a necessidade que um Estado possui de construir uma identidade nacional internamente para dar legitimidade à sua autoridade gera efeitos na identidade estatal e sua ação no âmbito internacional (HOPF, 1998, p.195).

Os Estados possuem propriedades essenciais e sociais, entre as quais: a identidade e os interesses, que são definidos em função da estrutura, em uma relação de mútua constituição. Assim, a importância da dimensão cultural nas análises em Relações Internacionais está na busca de possíveis variações nas preferências dos Estados, não as tratando como constantes ou homogêneas. Isto porque ao se utilizar da dimensão cultural nas análises em segurança, é possível definir as metas da coletividade, como a cultura molda as percepções em relação ao outro, como auxilia na identificação de comportamentos e interesses, e, como influencia a coletividade na percepção das opções existentes. Para as análises em segurança, a percepção construtivista recai sobre a estrutura social de ação e sobre a cultura organizacional do agente em foco.

Portanto, é necessário identificar os interesses e as ações concernentes à segurança moldadas por crenças coletivas dos tomadores de decisão e das elites políticas e militares. Nesse sentido, é preciso examinar as normas relacionadas à esfera da segurança e mostrar o impacto destas no resultado comportamental dos Estados. Para tanto, recorre-se à identificação das crenças compartilhadas pelos atores sociais envolvidos, observáveis a partir de resíduos físicos, ou seja, tratados, decisões legais, políticas domésticas, discursos, costumes e outros.

Katzenstein (1996, p.02) postula que os interesses dos Estados não são dados a priori, mas sim são construídos através de um processo de interação social e, portanto, é necessário definir, e não defender, o que são os interesses nacionais. Para ele, os interesses em segurança são definidos por atores que respondem a fatores culturais, portanto, deve-se procurar o significado atribuído pelos agentes de uma ação a seus interesses e questões em segurança para que se possa compreender seu comportamento. Para tanto, identifica pelo menos duas dimensões analíticas que possibilitam este tipo de abordagem em segurança nacional: o contexto cultural-institucional político e a construção de identidade dos Estados.

Prossegue sugerindo que interesses e estratégias dos Estados são moldados por processos políticos que geram padrões de comportamento publicamente entendidos e afirma que o contexto cultural-institucional também constitui os atores (KATZENSTEIN, 1996, p.04). Além disso, observa que a história é um processo de mudança que deixa uma marca na identidade estatal. Portanto, esta linha argumentativa entende os Estados como atores sociais; analisa as identidades políticas em contextos históricos específicos e procura traçar os efeitos que as mudanças de identidade têm nos interesses políticos e nas políticas de segurança nacional.

Os autores que utilizam as ferramentas de contexto cultural-institucional político e construção de identidade dos Estados recorrem ao uso sociológico do que sejam normas, identidade e cultura para caracterizar os fatores sociais que analisam. Em síntese, por normas entende-se um conceito que descreve expectativas coletivas de comportamento dos atores de uma certa identidade. Por identidade entende-se um conceito que categoriza as várias construções de nação e Estado. E por cultura entende-se um conjunto de modelos coletivos de autoridade nacional desenvolvidos por leis e costumes. A cultura refere-se tanto a padrões estimados de normas e valores quanto a padrões coletivos de regras e modelos (KATZENSTEIN, 1996, p.05-06).

As normas podem operar como regras que definem a própria identidade do ator, tendo efeitos constitutivos dessa identidade, e efeitos regulativos que especificam os padrões de comportamento esperados. No caso das identidades, os processos de construção de nação e Estado são tipicamente políticos e colocam os atores uns contra os outros, uma vez que, ao serem invocadas, estas identidades distinguem os propósitos e as ideologias nacionais. Estas variações possuem raízes domésticas que são projetadas internacionalmente (KATZENSTEIN, 1996, p.06).

O esforço de se testar explicações baseadas em processos sociológicos e culturais centra-se na identificação e descrição dos problemas, especificando os fatores sociais que podem moldar as concepções sobre interesses e comportamentos dos Estados. Com os novos debates teóricos, o entendimento acerca das origens do conceito de cultura de segurança nacional se faz necessário, e para tanto, recorre-se à análise histórica e cultural dos atores envolvidos. Katzenstein (1996, p.30) sintetiza que o que importa é como as identidades e normas influenciam os caminhos em que os atores definem seus interesses a princípio.

No texto de Jepperson, Wendt e Katzenstein (1996, p.36), estes autores destacam que as análises sobre segurança nacional, que envolvam a dimensão cultural, não formulam uma teoria de segurança nacional especificamente, mas sim uma estrutura orientadora que aponta para uma série de efeitos e mecanismos que até então foram negligenciados pela corrente principal dos estudos em segurança.

Destacam cinco argumentos que permeiam essa categoria de análise: i) elementos culturais ou institucionais do ambiente estatal, como as normas, moldam os interesses em segurança nacional ou as políticas de segurança dos Estados; ii) elementos culturais ou institucionais do ambiente global ou doméstico, como as normas, moldam a identidade dos Estados; iii) variações ou mudanças na identidade dos Estados afetam os interesses nacionais em segurança ou as políticas dos Estados; iv) configurações na identidade dos Estados afetam a estrutura normativa interestatal como os regimes ou comunidades de segurança; e, v) as políticas estatais tanto reproduzem quanto reconstroem a estrutura cultural e institucional. Os dois primeiros argumentos são denominados efeitos das normas, os dois seguintes efeitos das identidades e o quinto, recursividade (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.52).

O primeiro argumento afirma que elementos culturais ou institucionais do ambiente estatal moldam os interesses em segurança nacional ou as políticas de segurança dos Estados. O autor lembra que "normas" podem ser entendidas como expectativas coletivas sobre um comportamento apropriado, dada uma determinada identidade. Algumas vezes operarão como regras que definem uma identidade, sendo, portanto, de efeito constitutivo. Em outros momentos as normas serão regulativas em seus efeitos, pois operarão como padrões para uma implantação mais adequada de uma identidade definida. Em conjunto, as normas estabelecem expectativas sobre quem os atores serão em um determinado ambiente e sobre como estes atores em particular se comportarão (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.54).

Jepperson, Wendt e Katzenstein (1996, p.55), enfatizam que a força dos efeitos causais das normas varia. Podem variar de forma contínua desde uma recepção discursiva, passar por modelos mais contestados (como as diferentes doutrinas militares da França, Inglaterra ou Alemanha no período entre guerras), ou reconstruir o "juízo comum" (como no caso das políticas japonesas antimilitares). Assim, os autores resumem que o que os civis e militares entendem como sendo de seus interesses depende do contexto cultural em que eles operam (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.57).

No segundo argumento os autores contemplam que os elementos culturais ou institucionais do ambiente global ou doméstico podem moldar a identidade dos Estados. Isto significa que a estrutura cultural ou institucional também pode constituir ou moldar a identidade básica dos Estados, ou seja, as características de sua identidade nacional. Assim, o conceito de identidade funciona como uma ligação crucial entre as estruturas e os interesses. Basicamente se refere às imagens de individualidade mantidas e projetadas por um ator que são também formadas através das relações com o "outro". Portanto, o termo identidade se refere a imagens mutuamente construídas e evoluídas de si mesmo e do outro e pode ser entendido para as Relações Internacionais como aquilo que se refere à nacionalidade ou nacionalismo e à variação na soberania criada domesticamente e projetada internacionalmente (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.58-59).

O terceiro argumento afirma que variações ou mudanças na identidade dos Estados afetam os interesses nacionais em segurança e as políticas dos Estados. Alguns interesses existem fora de uma identidade social específica, como por exemplo, o interesse pela sobrevivência. Entretanto, muitos interesses em segurança nacional dependem de uma construção particular de sua própria identidade em relação à identidade concebida ao outro. Ou seja, atores não podem decidir com facilidade quais são seus interesses enquanto não souberem o que eles representam (quem eles são), que por sua vez dependerá de suas relações sociais (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.61).

O quarto argumento aborda as configurações na identidade dos Estados que podem afetar a estrutura normativa interestatal como os regimes ou comunidades de segurança e o quinto argumento foca as políticas estatais que procuram reproduzir ou reconstruir uma estrutura cultural e institucional. Análises que contemplam a formação de uma instituição internacional ou de um regime internacional, independente da temática, ou ainda, como grupos internos podem impactar na política externa, como as comunidades epistêmicas, podem recorrer a estes argumentos (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.62-63).

Os autores sintetizam que esses cinco argumentos são tanto descritivos quanto explanatórios. Lidam com questões de significado quando discutem interpretações sobre normas e identidades, sem compromisso com subjetivismos. Além disso, são argumentações estruturalistas, interessando-se em como as estruturas de significado são construídas, incorporadas em normas ou identidades e como afetam o que os Estados fazem. Portanto, trata-se de examinar a estrutura social, o contexto cultural do comportamento dos atores, suas crenças e compreensões dominantes (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.66).

 

4) Conclusão

Baseando-se na proposição de que os elementos culturais também são capazes de afetar os interesses do Estado, bem como suas políticas sobre segurança nacional, os autores de The Culture of National Secutiry também se distanciam das perspectivas neorrealista e neoliberal. O livro segue uma argumentação construtivista ao examinar temas relacionados à Segurança Nacional e às Relações Internacionais e reúne o trabalho de diversos autores, sendo o capítulo introdutório, o primeiro capítulo e a conclusão escritos pelo editor. Para Adler (1999, p.236), Peter Katzenstein e seus colegas (1996) demonstraram que uma abordagem construtivista pode ser muito útil para a explicação dos suportes normativos da segurança nacional, principalmente a cooperação em segurança.

Isto porque estes trabalhos relacionam os atores sociais à identidade nacional dos Estados, correspondendo a valores e normas, assim como a padrões cognitivos definindo não só o comportamento dos atores, mas também o modo como estes interagem entre si. Ainda que os Estados compartilhem valores e normas no sistema internacional, conforme Wendt (1999) argumenta, existem várias identidades uma vez que cada ator possui suas especificidades. Portanto, para se compreender esta interação no âmbito externo, é preciso igualmente olhar para dentro do Estado, para traçar seu contexto histórico e o modo como a sua identidade influencia seu comportamento.

Assim, por cultura de segurança nacional entende-se o conjunto dos elementos culturais que são capazes de afetar os interesses do Estado e as políticas para a segurança nacional. Segundo Katzenstein (1996), uma análise dessa natureza volta-se para a estrutura social que, por sua vez, refere-se a um conjunto de crenças e entendimentos de uma dada sociedade a partir de seus atores sociais, assim como ao contexto cultural em que estes se inserem.

Nessa linha de raciocínio Duffield (1999) propõe que a cultura não deve ser considerada de modo determinista, mas sim como um limitador do campo de opções disponíveis, aceitáveis ou legítimas a serem adotadas em um conjunto de circunstâncias. De forma semelhante a esse autor, este trabalho considera a centralidade de uma análise que contemple a dimensão cultural para o entendimento sobre a política externa de um Estado.

Vale ressaltar a diferença entre políticas de segurança e políticas de defesa. Costa (1999) sintetiza que segurança refere-se a um estado e que defesa refere-se a um ato. Dessa forma, as questões relativas à segurança precedem o estabelecimento de uma política de defesa, pois é preciso, primeiro, estabelecer as bases em que a segurança do Estado se sustenta, para depois traçar sua defesa. Portanto, políticas de segurança englobam os objetivos mais amplos de um Estado e as políticas de defesa são os programas ou doutrinas que, empregadas, asseguram a segurança nacional.

Sobre a temática segurança, aqui abordada, os estudos construtivistas reconhecem que as normas possuem existência objetiva perceptível em suas práticas pelo significado que é dado às questões materiais. O foco estaria, portanto, nas crenças compartilhadas entre os atores, crenças observáveis a partir de resíduos físicos, ou seja, tratados, decisões legais, políticas domésticas, discursos, costumes, dentre outros.

Para tanto, autores como Legro (1997) discutem que o método de análise por verificação processual (process-tracing method) é um dos indicados para as pesquisas deste tipo, uma vez que permite a percepção da existência de uma norma durante um período histórico anterior ao período do comportamento que se quer analisar.

Destarte, neste artigo destacou-se que a partir desse ferramental é possível analisar a influência de elementos domésticos na cultura de segurança nacional de um ator estatal, para verificar o impacto desta nas decisões políticas em segurança. Para atenuar as deficiências de abordagens puramente estruturais nas explicações da formação das políticas de defesa, esse ferramental analítico indica que é útil focar em como as diferenças nas ideias que as nações passam a sustentar e o tipo de arranjo institucional que elas possuem explicam muito das variações em suas respostas ao ambiente internacional de segurança. Destaca-se, assim, a importância dos atores sociais para os estudos em segurança, sem desconsiderar o Estado como o ator principal para as análises em Relações Internacionais. Uma abordagem que combine a investigação de fatores sociais possibilita aos analistas construírem modelos explicativos mais abrangentes e permite que se chegue a melhores predições sobre o comportamento de um ator específico.

 

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