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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Políticas econômicas dos países emergentes na crise de 2008: uma análise sobre coordenação e o papel da governança global*

 

 

Cintia Rubim de Souza NettoI; Rafael Pons ReisII

IDoutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná e professora do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). E-mail: cintiapr@terra.com.br
IIMestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). E-mail: rafaelponsreis@gmail.com

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo, a partir de uma análise das políticas econômicas adotadas por um grupo selecionado de países emergentes no pós-crise 2008, discutir a possível formação de uma nova estrutura de governança global, baseada na construção de "um novo tipo de multilateralismo". Essa nova estrutura se identifica não apenas no surgimento de discussões em reuniões de grupos de países (G7, G20, dentre outros), mas principalmente no que se pode verificar de impactos efetivos no cenário econômico mundial. Apesar da realização de diversas reuniões do G20 após a deflagração da crise, salienta-se a de novembro de 2008, onde a importância e a participação dos países emergentes, sobretudo na discussão da reforma do sistema financeiro internacional, foi se intensificando. Da mesma forma, o papel dessas economias no cenário global fica evidenciado quando se analisa, com base nos dados apresentados, a coordenação natural das políticas econômicas em um momento imediatamente posterior à crise e inclusive anterior à primeira reunião. Em outras palavras, os países emergentes (e também as economias desenvolvidas) adotaram um conjunto de medidas anticíclicas, pois esse era o único caminho a ser seguido, independente de qualquer estrutura de governança global (organismos formalmente multilaterais ou G20).

Palavras-chaves: crise de 2008, multilateralismo, governança global, políticas econômicas, coordenação


 

 

Introdução

A crise econômica mundial, deflagrada pelo colapso do sistema financeiro norte-americano em 2008, abriu uma ampla vertente de estudos sobre seus efeitos na economia mundial, sobre o relativo papel dos mercados emergentes na governança da crise e os desafios acerca da necessidade de se criar um novo ambiente multilateral para cuidar dos problemas globais. Essa crise assenta suas bases a partir do ano 2000, como consequência da corrida especulatória no mercado norte-americano de ações, e em 2007, no mercado de hipotecas de alto risco (subprime).

Apesar de a crise ter impactado a economia global de forma distinta, tanto os países desenvolvidos quanto os menos capacitados, de modo geral, experimentaram, dentre outros efeitos, arrefecimento do crédito, recessão e desemprego, levando-os a adotar medidas de políticas econômicas anticíclicas e a discuti-las em um nível global. Devido ao elevado grau de interdependência econômica entre os Estados, a primeira onda de efeitos negativos da crise se espalhou rapidamente naqueles países que tinham aberto em grande medida seus sistemas financeiros, com baixa regulação, ao sistema financeiro mundial. Países como Islândia, Hungria, Romênia e Ucrânia rapidamente se viam em uma situação altamente vulnerável tendo em vista a dificuldade de encontrar soluções à curto prazo. De imediato, os países europeus não conseguiram coordenar ações para mitigar os efeitos da crise sobre suas economias, no entanto, muito rapidamente tornou-se claro que as ações coordenadas por parte dos Estados eram cada vez mais desejadas.

Nesse sentido, a gravidade dos efeitos da crise demandou a necessidade dos Estados em oferecer uma resposta conjunta, o que incluiu na realização de cúpulas emergenciais para a coordenação1 de suas ações. Assim, em novembro de 2008, o G 202 reuniu-se pela primeira vez após a crise para encontrar soluções frente ao tema, e desde então o grupo vem se reunindo periodicamente3, em que se somam iniciativas e esforços sobre a necessidade de maior coordenação na regulação econômica e financeira internacional.

Este ensaio tem o propósito de analisar as políticas econômicas adotadas a partir da crise de setembro de 2008, para um grupo de sete países emergentes do G20, buscando identificar ações coordenadas independentes e o fortalecimento da implantação de medidas para prevenir e mitigar os efeitos nocivos da crise no âmbito do G20. O grupo de países investigados é composto por: África do Sul, Argentina, Brasil, China, Índia, México e Rússia que foram selecionados por serem potências emergentes; pelo fato de alguns deles pertencerem à variadas geometrias de poder como, por exemplo, o G20, BRICS4 (Brasil, Rússia, Índia, China, e mais recentemente, África do Sul) e o IBAS5 (Índia, Brasil e África do Sul); serem potências regionais, com grande participação em projetos de integração econômica; e pela disponibilidade de dados empíricos sobre suas políticas fiscais, monetárias e cambiais.

Sendo assim, o que se segue é uma tentativa de verificar a adoção de políticas econômicas por parte de alguns países escolhidos, com o objetivo de elucidar o crescente papel dos mercados emergentes na governança da crise, com possíveis impactos na construção de um novo ambiente multilateral.

Para tanto, o ensaio está estruturado em três seções: a primeira consiste em uma breve explanação sobre a crise do multilateralismo no pós-guerra fria, e a verificação de uma possível emergência do multilateralismo enquanto instância preferida para a articulação de medidas e coordenação de políticas econômicas pós-crise. Na segunda seção, são apresentadas algumas evidências empíricas sobre a coordenação de políticas econômicas a partir de sete economias emergentes ao longo dos três meses, que separam o início da crise em setembro da reunião em novembro de 2008. Por fim, são abordadas algumas considerações sobre a governança global da crise após a primeira reunião do G20.

 

A ascensão dos mercados emergentes e o Multilateralismo: desafios para a governança global da crise

O sistema multilateral, criado no pós Segunda Guerra Mundial, assentado sob o princípio de segurança coletiva, vem demonstrando sinais de desgaste com a obsolescência das instituições de Bretton Woods, a ascensão de novas geometrias de poder e a dificuldade dos Estados Unidos em oferecer soluções para os problemas globais do pós guerra fria. Em tese, é crescente na literatura especializada o questionamento pautado pelos mercados emergentes sobre a liderança de facto e de jure praticada pelos Estados Unidos e União Europeia quanto às instituições que regulam a ordem econômica e financeira mundial; demandado assim mudanças que traduzam em uma nova lógica na distribuição de riqueza e poder mundial.

A ascensão de novas geometrias de poder como os BRICS e o G20, por exemplo, veio a reforçar a tendência cada vez mais presente nas relações internacionais sobre o papel dos mercados emergentes6. Trata-se de um assunto que não é novo entre os especialistas, mas vem em um momento em que há uma percepção generalizada da necessidade de alterar a estrutura do arranjo institucional multilateral às novas condicionantes econômicas e políticas; quando os pólos tradicionais de poder se veem na necessidade de incluir novos membros como os países emergentes em decisões que envolvam respostas sistêmicas, momento em que o debate sobre o papel e importância que poderia representar a soma dos das cinco economias dos BRICS - e demais economias emergentes - ganha importância estratégica.

A reestruturação das instituições financeiras internacionais e a alteração na distribuição de poder e riqueza que isso implica são necessários para garantir um suficiente grau de participação dos Estados ao sistema multilateral. Portanto, sobre a reestruturação de poder, a União Europeia (UE) e os Estados Unidos deveriam acelerar tal reestruturação, de modo a garantir as condições para que os países se comprometam com o multilateralismo7. Mas isso não vem ocorrendo na prática, pois significaria à UE abrir mão do seu esquema de representação no G-7 e abrir espaço para uma estrutura de governança global que melhor se adeque à economia mundial8. Em vez disso, a UE e os Estados Unidos estão compartilhando a dificuldade conjunta que é lidar com a integração de novos pólos de poder, sobretudo os BRICS, no sistema econômico mundial e no sistema multilateral global.

Interessante observar é que o próprio conceito de multilateralismo, criado no pós segunda guerra, ainda permanece assentado na suposição de que a segurança é coletiva. Nesse sentido, a acesso à recursos, serviços, produtos e capital é sustentado e garantido pela robustez e pela liquidez dos mercados correspondentes e pela aceitação das regras que governam as instituições multilaterais (Ferry, 2008). Desta forma, um sistema multilateral pode ser forte e efetivo se os países que participarem depositarem grande confiança nele, por entenderem que ele serve como uma cobertura caso precisem dele.

A perspectiva que ora se vislumbra é a confiança depositada pelos Estados em arranjos unilaterais, bilaterais e regionais como uma medida para diminuir as vulnerabilidades em um ambiente marcado pela crescente interdependência econômica regional, de forma a reduzir os riscos e se precaver de crises financeiras. Se é possível pensar que a ordem multilateral pode estar comprometida com o avanço da tendência dos Estados em preferir acordos que garantam maior segurança para o seu desenvolvimento econômico e financeiro, quais mudanças serão necessárias na reforma da governança das instituições internacionais para abrir um espaço aos recém chegados, de modo a que eles se sintam confortavelmente representados, e lhes dando incentivos para fortalecer o ambiente multilateral?

A primeira reunião do G20 pós-crise, convocada pelo presidente norte-americano, George W. Bush, realizada em novembro de 2008, trouxe alguns elementos que poderiam sinalizar um novo impulso para o multilateralismo, como a maior participação dos mercados emergentes e do renovado papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) ­ - com o recente aumento das cotas daqueles países - e de outras instituições internacionais na busca de soluções globais para a crise internacional.

Nesse sentido, a poucos dias desta reunião, em um pronunciamento, Gordon Brown9, então primeiro-ministro do Reino Unido, parecia corroborar com essa ideia: "O G20 deve utilizar o poder do multilateralismo para obter um consenso mundial sobre um novo enfoque sistemático e determinante para fortalecer a economia mundial."

Uma semana antes reunião, o Presidente Lula ao abrir a Reunião Plenária Ministerial dos Ministros da Fazenda10 do G20, em São Paulo, no qual o Brasil era o presidente rotativo do grupo, apresentou em seu discurso a mesma linha de pensamento ao defender um novo modelo de multilateralismo:

"Precisamos de uma nova governança, mais aberta e participativa. O Brasil está pronto a assumir sua responsabilidade. Esta não é a hora de nacionalismos estreitos, de soluções individuais. É hora de um pacto entre governos para a criação de uma nova arquitetura financeira mundial, capaz de promover segurança e desenvolvimento em bases eqüitativas para todos."

No mesmo encontro, o presidente Lula defendeu uma maior participação dos mercados emergentes:

"Temos de trazer para a esfera pública decisões antes tomadas por supostos "especialistas", mas que só serviam interesses privados. é amplamente reconhecido que o G-7, sozinho, não tem mais condições de conduzir os assuntos econômicos do mundo. A contribuição dos países emergentes é também essencial." 11

De forma prática, são questões que ainda encontra-se em curso e muitas medidas ainda não foram implementadas, mas traz à tona a capacidade dos mercados emergentes em impor suas preferências frente a uma possível reforma no sistema financeiro mundial (Veiga, 2009). Acredita-se que estes atores não podem ser responsabilizados pelas mudanças que estão ocorrendo no cenário internacional, mas certamente estão tendo um papel cada vez mais ativo na reestruturação de um possível novo modelo de governança internacional.

 

Evidências empíricas sobre coordenação de políticas econômicas para economias emergentes na crise de 2008

Esta seção analisa as políticas econômicas adotadas após a deflagração da crise de 2008, para os sete países da amostra desta pesquisa: África do Sul, Argentina, Brasil, China, Índia, México e Rússia e procura identificar, a partir de uma análise cronológica, em que sentido houve uma coordenação dessas políticas entre o marco da crise (setembro de 2008) e a primeira reunião do grupo G20 (15 de novembro de 2008).

As principais medidas de políticas econômicas consideradas para este estudo são as monetárias e cambiais, identificadas nos relatórios de políticas econômicas dos referidos Bancos Centrais.

Apesar das especificidades inerentes de cada país, é fato que eles constituem uma significativa fração do PIB do G20, representando aproximadamente 18% em 2008, como mostram os dados abaixo. Da mesma forma, esses países sentiram os impactos da crise financeira e econômica que se abalou no mundo a partir da quebra do Banco Lehman Brothers. Com exceção da Índia, todas essas economias apresentaram taxas de crescimento do PIB menor em 2009 (Tabela 2).

 

 

 

Portanto, tendo em vista a proporção dessas economias no G20, inseridos na presente análise encontram-se os países do BRICS, mais Argentina (membro do Mercosul) e México, por sua relevância na América Latina.

Segundo o Boletim de Estabilidade Financeira (2009) do Banco Central da Argentina12 a crise financeira de 2008 trouxe impactos heterogêneos para as economias. De acordo com o documento, os países mais afetados pela redução da demanda externa apresentaram algumas das características como: i) maior grau de abertura e menor grau de diversificação das exportações, ii) maior dependência do ciclo econômico dos Estados Unidos (caso do México), iii) sócios comerciais mais sensíveis à crise, iv) maiores necessidades de financiamento externo, v) mercados de capitais e sistemas financeiros mais vulneráveis, vi) menor solvência fiscal e vii) menor estoque de reservas internacionais.

Dada a magnitude da crise financeira internacional e as evidências de que essa crise, em maior ou menor grau, acabaria por afetar os países, algumas medidas para neutralizar os efeitos deletérios da falta de liquidez internacional e de fraca demanda passaram a incorporar as agendas dos formuladores de políticas econômicas.

Por trás desse fato está o reconhecimento de que a interdependência econômica mundial acaba por forçar os formuladores de política econômica a cada vez mais considerarem o ambiente externo ao decidirem sobre suas ações.

Com isso, tanto as economias desenvolvidas como as emergentes passaram a realizar um conjunto de medidas no intuito de amenizar os impactos recessivos que estavam por vir. De acordo com o Relatório do Banco Central do Brasil, de dezembro de 2008,13 a atuação dos Bancos Centrais das economias desenvolvidas esteve baseada nas seguintes medidas: i) ampliação da oferta de moeda, ii) intensificação das políticas de afrouxamento monetário e iii) injeção de recursos para ampliação do crédito.

Como medidas adotadas pelos Estados Unidos destacam-se a redução dos juros em outubro de 2008, significando a primeira ação coordenada nesse sentido entre o FED e outros bancos centrais e o pacote de ajuda aos bancos e empresas em torno de US$ 700 bilhões de dólares. Todas, medidas expansionistas, que tentavam desesperadamente reverter os números negativos da crise.

Já as economias emergentes da América Latina, bem como China e Índia apresentaram uma mudança na postura de suas políticas monetárias, uma vez que até meados de 2008 essas economias estavam preocupadas com a aceleração da inflação ocasionada pela alta no preço das commodities. O risco de inflação anterior à crise de 2008 fez com que as autoridades monetárias das principais economias da América Latina, evidenciando a persistência de riscos inflacionários na região, fossem um pouco mais conservadoras de início.

Sendo assim, parecia que, instalada a crise, não restava muitas opções para os países que não fosse a adoção das políticas anticíclicas. A implementação dessas políticas acabaria por caracterizar uma maior coordenação internacional dos Bancos Centrais como se pode observar com a análise das principais medidas econômicas adotadas para esses países (Quadro 1). Os países coordenavam de forma "natural" os principais instrumentos de políticas, antes mesmo de se reunirem para discutir a crise.

Ressalta-se que foram pesquisadas as primeiras medidas de política econômica adotadas no ano de 2008. Várias ações de políticas anticíclicas continuaram sendo implantadas no ano de 2009 - ano esse considerado ainda crítico do ponto de vista dos efeitos da crise - porém a análise aqui inserida refere-se ao primeiro trimestre após setembro de 2008, tendo em vista dois fatos: o marco da crise e a primeira reunião do G-20.

Com as informações do Quadro acima se observa que, com exceção da África do Sul, todos os demais países da amostra adotaram algum tipo de medida econômica já no primeiro mês que sucede a quebra do banco Lehman Brothers. Todas as medidas acima tinham como intuito aumentar a liquidez interna, amenizar a grande saída de dólares dessas economias e estimular o crédito e a demanda interna.

Não foi necessário, portanto, que nesse período ocorresse um direcionamento de políticas econômicas para os países, por parte de mecanismos de governança, como o G20. Em outras palavras, os países não precisavam esperar uma reunião internacional para saberem exatamente quais ações de políticas precisavam adotar.

 

A primeira reunião do G20 pós-crise de 2008

Em 15 de novembro de 2008, os líderes do G20 se reuniram em Washington e se comprometeram a adotar uma série de medidas conjuntas no intuito de enfrentarem os sérios desafios da economia mundial e dos mercados financeiros, dada a crise internacional de 2008: "We are determined to enhance our cooperation and work together to restore global growth and achieve needed reforms in the world's financial systems."14

Como os dados mostraram os países já vinham coordenando ações monetárias, cambiais e fiscais a partir do momento que começaram a perceber os primeiros sinais da crise internacional, ou seja, em outubro de 2008.

Nesse sentido, observa-se que dada a própria origem da crise de 2008 - sendo interpretada como oriunda do desenvolvimento das políticas de liberalização e desregulamentação do mercado financeiro dos Estados Unidos - às economias emergentes (e também às desenvolvidas) não restava alternativa que não fosse a da adoção de políticas anticíclicas.

Em um cenário internacional marcado pela interdependência mundial dos bens, serviços e capital, intensificada pela globalização dos meios de comunicação e transportes, as políticas econômicas adotadas pelos países, principalmente das maiores economias, podem criar efeitos de spill over ou externalidades para outros países. Na crise em questão, visto que os Estados Unidos são a maior economia do planeta e de seu elevado grau de interdependência com o sistema financeiro internacional, este país passou a transferir os custos de sua crise para o resto do sistema internacional. Portanto, os países devem estar muito atentos com relação às externalidades ou os custos de uma situação de interdependência em seus processos de tomada de decisão.

Para Frenkel, Goldstein e Masson (1988)15, a coordenação de políticas macroeconômicas representa a forma de internacionalizar as "externalidades" geradas por ações de políticas econômicas de países desenvolvidos. Já a cooperação macroeconômica pode-se definir como um aprofundamento do processo de coordenação e nesse sentido as ações discutidas e defendidas nessa reunião, tais como a importância da política monetária e a necessidade de se utilizar os instrumentos fiscais para estimular a demanda interna, corroboram para as evidências de que as economias coordenaram por não haver alternativas e passaram a cooperar a partir da reunião do G20. Em tese, na reunião os países endossaram a adoção de políticas econômicas que em maior ou menor medida já vinham sendo implementadas pelos países.

Na reunião das 19 economias mais ricas e da União Européia16, ficou evidenciada, a partir da apresentação de um conjunto de medidas necessárias à regulação, supervisão e fiscalização do sistema financeiro internacional, a necessidade das economias adotarem ações imediatas, de curto e de longo prazo. Entretanto, no que se refere às políticas econômicas, fiscais e monetárias, ficou evidente o clamor pela cooperação macroeconômica: "Against this background of deteriorating economic conditions worldwide, we agreed that a broader policy response is needed, based on closer macroeconomic cooperation (...).17"

Assim sendo, a partir desta reunião deu-se início a um plano de ação delegando orientações para diferentes instituições internacionais como o FMI, Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o recém criado Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board18). Quando os líderes do G20 se reuniram Londres em abril do ano seguinte, foi reforçada a capacidade dessas instituições internacionais para implementar as ações, anunciando cerca de U$ 1 trilhão de financiamento para o FMI com este propósito.

Em se tratando dos mercados emergentes, China, Brasil e Índia, por muito tempo à parte das principais decisões sistêmicas tradicionalmente emanadas pelos países do G7 (ou G8), agora passaram a dar apoio à construção de um pacote de assistência para o resto do mundo. Em termos práticos, parece que estes passaram a ocupar um importante papel para a governança global pós crise, e verifica-se a percepção19 por parte dos países ricos, que qualquer resposta sistêmica no campo comercial e financeiro terá que passar cada vez mais pelo crivo dos mercados emergentes.

Nesse sentido, Heitor Torres (2009) assevera que:

No que tange à barganha entre o grau de coação e de legitimidade que simbolizam as funções de governança global, o arranjo do G20 parece superior à sua contrapartida imediata, o G8. A resposta a uma crise que se alastrou rapidamente por todo o sistema financeiro mundial e que tem gerado efeitos severos sobre a economia real de modo generalizado não parecia ser adequadamente formulado por uma cúpula que reúne apenas Estados do hemisfério norte com estrutura econômica e ideologia semelhantes, como ocorrera com o G8. Gerenciar a crise e construir estabilidade a partir de um arcabouço regulatório parecia depender de maior grau de compromisso das (e com relação às) economias emergentes, e o G20 apontou precisamente nessa direção.

Embora o G20 não possa ser caracterizado como uma plataforma multilateral, em virtude de seu caráter informal, o grupo tem se mostrado muito atuante quanto a uma possível reforma da arquitetura financeira internacional, e concretizado esforços de coordenação de políticas macroeconômicas, bem como mobilizando instituições multilaterais (Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, FMI, dentre outros).

 

Considerações Finais

O trabalho teve como foco discutir as ações de um grupo de países emergentes no cenário pós-crise de 2008 e identificar em um primeiro momento se houve coordenação e em que esfera de governança a mesma ocorreu. A análise dos dados de política econômica permitiu perceber que os países acabaram por coordenar naturalmente suas políticas anticíclicas, independentemente de discursos ou agendas de organismos multilaterais ou mesmo de qualquer reunião formal de países, pois restava estimular os mercados internos, uma vez que o colapso estava instaurado.

Pode-se concluir a respeito disso com a análise cronológica das primeiras medidas de políticas econômicas adotadas. Com exceção da África do Sul, todos os demais países da amostra adotaram algum tipo de medida econômica já no primeiro mês que sucede a quebra do banco Lehman Brothers. Todas as medidas tinham como intuito aumentar a liquidez interna, amenizar a grande saída de dólares dessas economias e estimular o crédito e a demanda interna.

Como conseqüência, abre-se uma ampla possibilidade de discussão sobre desafios acerca da necessidade de se criar um novo ambiente multilateral para cuidar dos problemas globais. Nesse sentido, a reunião do G20 em novembro de 2008 deu início a um conjunto de entendimentos entre as vinte maiores economias do mundo sobre as medidas necessárias para mitigar os efeitos da crise. Desde que este passou a ser um instrumento útil para dar uma resposta apropriada à crise, seu sucesso depende cada vez mais do grau de aceitação e aplicação das normas estabelecidas por parte dos Estados e das instituições multilaterais.

Apesar de uma recuperação bem sucedida e algumas medidas ainda estarem em curso - em ritmo lento - o atual desafio do G20 consiste em encontrar soluções em uma governabilidade mais democrática, permeada por regras mais transparentes e representativas, com o vigor necessário para construir consensos em torno dos problemas globais.

 

Referências

BANCO CENTRAL DE LA REPUBLICA ARGENTINA. www.bcra.gov.ar. Acesso em 19/05/2011.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. www.bcb.gov.br . Acesso em 20/05/2011.

BANCO DE MEXICO. www.banxico.org.mx. Acesso em 21/05/2011.

CENTRAL BANK OF RUSSIA. www.cbr.ru/eng.  Acesso em 22/05/2011.

DECLARATION SUMMIT ON FINANCIAL MARKETS AND THE WORLD ECONOMY (disponível em www.itamaraty.gov.br.). Acesso em 18/04/2011.

FERRY, Jean. Será o Multilateralismo capaz de sobreviver ao crescimento dos BRICs? Revista Brasileira de Comércio Exterior, nº 94, Janeiro - Março de 2008.

FRENKEL, Jacob A. GOLDSTEIN, Morris e MASSON, Paul. International coordination of economic policies: scope, methods and effects. Working Paper 2670. NBER Working Paper Series, 1988.

INTERNATIONAL MONETARY FUND. World Economic Outlook Database, abril 2011. Disponível em www.imf.org. Acesso em 15/04/2011.

Resenha de Política Exterior do Brasil do Brasil, DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, DURANTE REUNIÃO PLENÁRIA DOS MINISTROS DA FAZENDA DO G-20 FINANCEIRO. 08/11/2008, n°103, 2° semestre 2008, Editora MRE, pp.99-100.

RESERVE BANK OF INDIA. www.rbi.org.in. Acesso em 23/05/2011.

SOUTH AFRICAN RESERVE BANK. www.reservebank.co.za. Acesso em 24/05/2011.

THE PEOPLE'S BANK OF CHINA. www.pbc.gov.cn. Acesso em 25/05/2011.

TORRES, Heitor. Relacionando o G20 à governança global e à ordem mundial. Disponível em: < http://meridiano47.info/2009/05/26/relacionando-o-g-20-a-governanca-global-e-a-ordem-mundial-por-heitor-figueiredo-sobral-torres/>

VEIGA, Pedro da Motta. Uma nova agenda do multilateralismo comercial no pós-crise? Breves CINDES 26, novembro de 2009. Disponível em: http://www.cindesbrasil.org. Acesso em: 10 mar. 2011.

 

 

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u628020.shtml.Acesso em: 14 abr. 2011.

* Os autores agradecem aos alunos: Bruna Vicente, Gustavo Yendo, Luis Guilherme Parellada, Rebecca Garbelini e Thais Scharfenberg, integrantes do Grupo de Iniciação Científica "Comércio Internacional e Desenvolvimento Econômico", do Centro Universitário Curitiba, pelo apoio na pesquisa e tabulação dos dados.
1. Importante ressaltar que as primeiras tentativas de coordenação macroeconômica entre governos, foram tomadas em setembro de 2008, apenas dois dias após a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. Foram injetadas quantias expressivas às instituições financeiras internacionais por Bancos Centrais de países como Austrália, Europa, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Suíça. Estes países se reuniram para definir medidas que freassem as externalidades e recuperassem a confiança dos investidores, aumentando a liquidez, entre outras medidas.
2. O G20, que congrega presidentes de bancos centrais e ministros de Economia das maiores economias desenvolvidas e emergentes foi criado em 1999 e desde então vem se reunindo todos os anos. O objetivo inicial era estabelecer um grupo representativo capaz de encontrar soluções articuladas para a crise do final da década de 1990, que começou na Ásia e se alastrou para o mundo todo. Com o passar dos anos, o grupo de países ampliou sua agenda e durante a presidência rotativa do Brasil em 2008, este propôs três novos temas: energia limpa e desenvolvimento econômico, competição nos mercados financeiros e elementos fiscais de crescimento e desenvolvimento.
3. Dentre os encontros importantes do G20 do pós crise, destaca-se: i) Reuniões Ministeriais: abril de 2009, Londres (Reino Unido). ii) Reuniões de Cúpula: setembro de 2009, Pittsburg  (EUA); junho de 2010, Toronto (Canadá); e em novembro de 2010, Seul, Coreia do Sul.
4. O termo BRICS trata-se de um acrônico que foi originado em 2003 pelo economista Jim O'Neill, presidente da gestora de ativos da Goldman Sachs, para indicar o maior dinamismo dos mercados emergentes. Recentemente, a África do Sul passou a fazer parte desse arranjo incorporando o "s" (de "South Africa") ao acrônico.
5. Trata-se de um mecanismo com ampla coordenação entre as três maiores democracias em desenvolvimento.
6. Não há uma definição consensual na literatura especializada sobre o uso do termo, é possível encontrar nomenclaturas como: "potências regionais", "potências emergentes", "potências médias", dentre outras.
7. Um fenômeno em ascensão é o regionalismo econômico verificado em várias partes do mundo. Em tese, o crescente número de acordos comerciais regionais tende a reforçar a ideia que o regionalismo é hoje um fait accompli que tende a se aprofundar. No entanto, a multiplicidade de acordos preferenciais bilaterais pode trazer sérios riscos de desvio de comércio e com isso comprometer o multilateralismo.
8. Na abertura oficial do encontro do G20, em 08 de novembro de 2008, o Presidente Lula defendeu a criação de uma nova arquitetura financeira mundial e maior espaço para os mercados emergentes nas decisões globais. "É amplamente reconhecido que o G-7 sozinho não tem mais condições de conduzir os assuntos econômicos do mundo. A contribuição dos países emergentes é também essencial. (...) Precisamos de uma nova governança, mais aberta e participativa." (Resenha de Política Exterior do Brasil do Brasil, n°103, 2° semestre 2008, pp. 100).
9. FOLHA ON LINE. Crise abre via para um novo "multilateralismo", diz Gordon Brown. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u465996.shtml. Acesso em 14 maio 2011.
10. Resenha de Política Exterior do Brasil do Brasil, n°103, 2° semestre 2008, pp. 99.
11. Resenha de Política Exterior do Brasil do Brasil, n°103, 2° semestre 2008, pp. 99-100.
12. Boletín de Estabilidad Financeira, Primer semestre de 2009. (disponível em www.bcra.gov.ar).
13. Relatório de Inflação do Banco Central do Brasil, dezembro de 2008 (disponível em www.bcb.gov.br).
14. Declaration Summit on Financial Markets and the World Economy (disponível em www.itamaraty.gov.br). (Tradução livre: "Estamos determinados a reforçar nossa cooperação e trabalhar juntos para restaurar o crescimento global e alcançar as reformas necessárias nos sistemas financeiros mundiais".
15. Frenkel, Jacob A. Goldstein, Morris e Masson, Paul. International coordination of economic policies: scope, methods and effects. Working Paper 2670. NBER Working Paper Series, 1988.
16. Fazem parte do G20: os oito países do G8 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Reino Unido, Itália, Japão e Rússia) mais África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México e Turquia. A União Europeia também faz parte do G20 e é representada pelo Banco Central Europeu e pela presidência rotativa do Conselho Europeu.
17. Declaration Summit on Financial Markets and the World Economy (disponível em www.itamaraty.gov.br). Tradução Livre: "Contra este cenário de deterioração das condições econômicas, concordamos que uma ampla resposta política é necessária, baseada em uma cooperação econômica mais próxima.
18. O Conselho de Estabilidade Financeira foi criado para lidar com as vulnerabilidades das economias dos países bem como em desenvolver e implementar mecanismos de regulação e supervisão, dentre outras políticas, com o objetivo de fomentar a estabilidade financeira internacional.
19. Em seu primeiro discurso perante a Assembleia Geral da ONU, o Presidente Barack Obama afirmou que os EUA não podem resolver problemas mundiais sozinhos. "Está na hora de o mundo caminhar em uma nova direção. Precisamos nos comprometer com uma nova era de engajamento baseada nos interesses mútuos e no respeito mútuo. (..) Mas não se enganem: esse não pode ser um objetivo só dos EUA. Os que criticavam os EUA por agirem sozinho não podem esperar que os EUA solucionem todos os problemas do mundo sozinhos."