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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A eficácia do regime internacional de mudanças climáticas: substituição x manutenção

 

 

Cristina Catunda

Arquiteta e Urbanista pela FAU/USP, Mestre pelo PROCAM/USP e Doutoranda pelo IRI/USP, é Consultora Ambiental e Coordenadora de Projetos da CH2M HILL

 

 


RESUMO

Ainda que pareça existir um consenso de que o enfrentamento do aquecimento global requer cooperação internacional e que a Convenção do Clima das Nações Unidas seja um instrumento importante para tal, sua operacionalização - o Protocolo de Quioto - é objeto de críticas diversas. Considerando a proximidade da expiração do 1º período do protocolo (2008 a 2012), as mudanças para o aumento de sua eficácia deveriam ser acordadas nos próximos encontros entre os membros da Convenção (COPs). De um lado, autores como VICTOR (2001) e VEIGA (2009) propõem sua substituição, considerando os problemas associados à sua abordagem e deficiências para implementação e no sistema de verificação e às lacunas nos mecanismos de mercado. Por outro lado, autores que defendem sua permanência - como DEPLEDGE e YAMIN (2009); BOTCHEVA e MARTIN (2001) - atribuem os problemas do regime mais a características inerentes à questão das mudanças climáticas e menos à arquitetura do regime. Este artigo busca analisar os principais argumentos utilizados para a defesa de uma e outra posição, apresentando ainda outras alternativas que vêm sendo propostas. Ao final do artigo busca-se analisar as diversas posições discutidas com as teorias do campo das Relações Internacionais.

Palavras-Chave: Regime internacional, Mudanças climáticas, Protocolo de Quioto


 

 

INTRODUÇÃO

Parece haver um alto grau de consenso em torno da ideia de que a cooperação internacional é necessária para lidar com a questão do aquecimento global: os GEEs (gases de efeito estufa) permanecem na atmosfera por um longo período, as emissões se dispersam gerando um verdadeiro impacto global, seu controle tem um alto custo e sua mitigação requer mudanças econômicas e culturais. O desafio é criar uma arquitetura institucional que de fato viabilize a cooperação internacional.

Na prática, de forma geral, verifica-se o não atendimento às metas. Desde o início dos anos 2000 os diplomatas vêm tentando chegar a um acordo acerca das regras de contabilização, métodos para elaboração dos inventários etc. Para vários países os custos para cumprimento das metas de Quioto são muito altos, tanto politicamente quanto do ponto de vista econômico.

Serão apresentados a seguir os principais pontos levantados pelos autores em termos das limitações dos mecanismos do regime. Algumas críticas vão além de questões relacionadas à sua arquitetura, estendendo-se ao próprio entendimento do problema e à abordagem para sua solução.

O Conselho Consultivo Alemão sobre Mudança Global (WBGU, 2009: 2) aponta que ainda que mais de 100 países necessitem imediatamente transformar suas economias adotando processos menos intensivos em carbono, apenas 65 parecem estar no caminho para tal, todos no rol dos países pouco desenvolvidos.

As emissões de GEEs aumentaram 3% durante a primeira década do século 21. A tabela a seguir apresenta os maiores emissores em 2008.

 

 

Além das metas do Protocolo de Quioto serem baixas, elas não atingem vários dos principais emissores, como EUA, China, Índia e Brasil. Com isso, o instrumento não é politicamente representativo e não resolve o problema real (ABRANCHES, 2010: 279). No entanto, alguns países estão participando de outras iniciativas (por exemplo, para mudança tecnológica) que não envolvem compromissos vinculantes. Além disso, alguns esforços subnacionais estão em andamento, tanto nos EUA como em outros locais, sem integração com o regime climático global.

Coloca-se portanto a questão de como produzir um acordo pós-Quioto mais abrangente. Apresentam-se a seguir algumas discussões e cenários prospectivos que vêm sendo analisados por parte das comunidades epistêmicas.

 

1. CONTINUIDADE DO REGIME CLIMÁTICO

Alguns autores defendem a continuidade do regime com adoção de melhorias que possibilitem o aumento de sua eficácia. Nessa perspectiva, a principal fraqueza do regime se relaciona às características inerentes à questão do clima, tais como à abrangência e severidade dos impactos, e não a problemas associados à arquitetura do sistema. Além disso, a própria natureza dos regimes e o dinamismo do contexto no qual se inserem resultam em variações de sua efetividade. As autoras que defendem esse ponto de vista na revisão aqui apresentada são Joanna Depledge e Farhana Yamin (2009). Para elas, as críticas que sugerem a substituição do regime climático global não consideram os objetivos de longo prazo que são centrais à própria existência do regime. Devem assim ser continuamente revistos o desempenho do sistema para a implementação dos ajustes necessários.

Alguns dos resultados positivos alcançados até aqui seriam justamente devidos ao regime internacional, tais como:

•Engajamento entre os países na busca continua de soluções, fortalecendo o regime; e
•O ambiente de negociação gerado pelas reuniões, práticas, processos, regras, conexões interpessoais e visibilidade (com cobertura crescente da mídia), motivando e pressionando os negociadores a chegar a um acordo e manterem as negociações.

A confiança no regime seria demonstrada por sua continuidade e relações de longo prazo, num ambiente de não-confrontação que, no médio prazo, levaria a um ambiente de cooperação. Esta evolução é também apontada por Sergio Abranches (2010) em sua análise acerca das negociações que se seguiram a COP15 em Copenhagen, e que resultaram no "Acordo de Copenhagen".

Joanna Depledge e Farhana Yamin acreditam que o regime é capaz de rapidamente absorver novas abordagens, estimulando o aprendizado (IPCC) e a confiança (pelos mecanismos de mercado). A incorporação do mecanismo REDD, proposto por Papua Nova Guiné e Costa Rica em 2005 seria exemplo da adaptabilidade e flexibilidade do regime. Também em relação às regras de votação/aprovação o regime demonstra esta flexibilidade, ao limitar o número de votantes em certas questões e adotar o voto eletrônico com maioria (e não consenso de todos os membros).

Um outro ponto destacado pelas autoras é o sistema de divulgação e revisão, considerado como o mais rigoroso e respeitado entre todos os acordos multilaterais, com uso de instituições privadas para verificação, construindo a confiança no regime.

Quanto à principal crítica ao regime climático, de que ele perpetua a disfunção Norte-Sul / Desenvolvidos-Em desenvolvimento, as negociações são conduzidas numa atmosfera de desconfiança e resistência. Além da falta de metas vinculantes, países "Não-Anexo I" (150 nações) são tratados como um corpo único, ainda que sejam altamente diferenciados. Não há um processo de "graduação" ou critérios objetivos para que determinados países sejam considerados como membros do Anexo I. Com isso, países "Não-Anexo I" relutam em realizar inventários de emissões, para evitar compromissos.

A complexidade do regime é outro ponto de crítica, devido às negociações globais de questões múltiplas e diversas, muitas vezes relacionadas a problemas muito mais amplos do que o regime climático é capaz de direcionar, como fome e pobreza.

1.1 Oportunidades de Melhoria

Joanna Depledge e Farhana Yamin enfatizam que os principais argumentos a favor de mudanças no regime climático estão relacionados aos atrasos e obstáculos em torno de questões complexas devido à votação por consenso; e às responsabilidades históricas dos países desenvolvidos, os quais têm maior capacidade para lidar com os problemas, cujas soluções ficam dependentes de acordos entre países do Norte e do Sul.

As autoras propõem:

-Maior flexibilidade na estrutura dos Anexos, que ajudaria para o desmantelamento da divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento;
-Priorização aos inventários dos países em desenvolvimento por meio de ingestão de dinheiro, tecnologia e recursos humanos, estabelecendo corpos permanentes para monitoramento de emissões e atualização de dados;
-Formação de pequenos grupos com poderes definidos assistidos por especialistas em torno de questões mais técnicas e detalhes para os quais a diplomacia multilateral é ineficiente e inócua;
-Mudança de votação de determinadas questões para sistema majoritário (com um mix entre votações por consenso e votações majoritárias).

A proposta de constituição de uma estrutura permanente com especialistas e órgãos  intergovernamentais para reuniões contínuas num único local (redução de custos, aumento de eficiência e com menos emissões) não é considerada justa na medida em que poderia marginalizar as principais vítimas das mudanças climáticas, os Estados-ilha ou os países mais pobres, que não são os principias bloqueadores das votações, posto ocupado pela Arábia Saudita.

As autoras acreditam que o modelo institucional não está relacionado ao principal problema, qual seja o engajamento dos países em desenvolvimento. Para tanto, deveriam ser implementados incentivos, tais como:

•Transferências diretas ou alocação de cotas de emissão dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, para financiamento dos custos;
•Financiamento ou utilização de recursos humanos para desenvolvimento de novas tecnologias para redução de emissões;
•Fundo de Adaptação financiado em parte com 2% da venda de certificados de MDL.

Frente à dificuldade de relacionar esforços e resultados, há propostas para verificação, auditoria e divulgação (Plano de Ação de Bali). Contudo, os países em desenvolvimento resistem ao monitoramento, tanto pelo custo como porque o consideram como primeiro passo em direção aos compromissos. Por fim, as autoras ressaltam que os custos de inação se sobrepõem em muito aos custos de redução de emissões.

 

2. SUBSTITUIÇÃO DO REGIME CLIMÁTICO

Um dos principais críticos ao regime climático é David Victor. Historicamente, segundo o autor, os processos de definição de políticas públicas não têm sido eficazes para o gerenciamento dos problemas ambientais globais, sendo um exemplo de fracasso o regime de clima. David Victor acredita assim que o não cumprimento das metas de redução se deve à abordagem e à arquitetura do regime, que impõe lacunas a partir de um sistema baseado em metas e prazos para controlar a quantidade de emissões de GEEs e a comercialização de permissões para poluição. As negociações se dão em torno de incertezas acerca da situação e das consequências econômicas futuras, dificultando que se assumam compromissos. "More productive goal setting occurs in nonbinding frameworks (…)." (VICTOR, 2001: 23). As emissões estão associadas ao crescimento econômico e a mudanças tecnológicas que não podem ser previstas pelos governos.

Os benefícios do regime internacional passam pela redução de custos para as transações comerciais que incentivariam o cumprimento das metas. "Nations would have the ultimate responsibility for complying with treaties under international law (…). In practice, however, firms and individuals would probably do most of the trading. The economic appeal of trading is substantial." (VICTOR, 2001: 4-5). Porém o autor argumenta que uma das razões para o fracasso do Protocolo de Quioto é a falta de um mecanismo legal internacional efetivo para assegurar os direitos nas negociações, principalmente quando envolvem países com diferentes níveis de institucionalização: "Under international law, I argue, it is not possible to create the institutional conditions that are necessary for an international tradable emission permit system to operate effectively." (VICTOR, 2001: Preface).

Vários aspectos do Protocolo necessários ao alcance das metas - "cumprimento", "divulgação", "verificação e certificação independentes" - são de difícil resolução, principalmente frente aos prazos colocados. Por outro lado, justamente porque ficaram indefinidos é que o acordo foi possível: "Attempts to clarify and fix these rules will provoke deep disagreements and accelerate Kyoto's collapse." (VICTOR, 2001: 10-11). Porém, como a inércia burocrática e intelectual não favorecem as mudanças necessárias, David Victor acredita que a saída encontrada pelos

diplomatas será preservar a estrutura e estender os prazos para o cumprimento das metas.

Como apontado por José Eli da Veiga (2010), os inventários de emissões de GEEs devem ser organizados considerando-se 5 setores produtivos: i) energia; ii) processos industriais; iii) agricultura; iv) mudanças de uso da terra e silvicultura; e v) gestão de resíduos. A lógica de contabilização de emissões se dá pelas atividades produtivas e não pelo comércio (pela demanda), ainda que a maior parte das emissões sejam resultantes dos atuais padrões de consumo. Além disso, ao considerar metas legalmente vinculantes apenas aos países de industrialização mais antiga, se reforça a transferência da poluição para os países menos industrializados (Não-Anexo I). Essas emissões, chamadas de "fuga de carbono", além de reforçar o padrão de consumo dos países industrializados, adicionalmente possibilitam que eles cumpram suas metas, apesar de não levarem a uma redução real das emissões (VEIGA, 2010).

 

3. CENÁRIO PROSPECTIVO

A defesa do regime se baseia na ideia geral de que a eficácia de um acordo internacional, principalmente tão abrangente como o imposto pelo regime climático, se comporta como qualquer outra instituição humana, ou seja, é "socialmente construído". Com isso, a despeito de sua arquitetura e instrumentos, há um processo social de incorporação, adaptação e construção da realidade que comanda as regras e as interrelações entre os membros. Para Depledge & Yamin (2009), qualquer acordo ou regime enfrentam tais dificuldades, alterações e tempo necessários até que sejam adotados pelas partes interessadas no processo.

Já de acordo com Victor (2001), os problemas do Protocolo de Quioto devem ser utilizados pelas lideranças políticas como uma oportunidade para construir uma estrutura diferente para conter o aquecimento global, repensando seus objetivos e estratégias.

Para tanto, primeiramente deveriam ser criados sistemas de responsabilização, reabrindo o Protocolo, restringindo as metas para alguns países, como Rússia e Ucrânia, fontes baratas de créditos, mas cujas emissões ultrapassam em muito os níveis aceitáveis; fazendo distinção entre fluxos de GEEs que podem ser monitorados e os que são de difícil monitoramento, como os "vazamentos de CO2" relacionados à absorção dos gases por árvores, por exemplo, e que não incentivam a mudança de comportamento, ainda que possam ser utilizados como créditos; e estabelecendo acordos sobre regras associadas ao MDL e ao comércio de emissões.

Teoricamente uma abordagem mais eficaz passaria pelo estabelecimento de metas absolutas e níveis percentuais (taxas) de emissões por períodos definidos, além de preços e taxas. Ao controlar o valor das emissões, as empresas poderiam antecipar os custos de seu controle e planejar os investimentos de longo prazo.

David Victor defende que a melhor arquitetura para um acordo global seria um híbrido de comércio e sistemas de taxas, eliminando a definição inicial do pior cenário (que eleva os preços a níveis acima do aceitável devido às incertezas futuras) e facilitando o acordo em torno das permissões de emissão (VICTOR, 2001: 20), ainda que permaneçam as dificuldades inerentes ao monitoramento.

Os governos devem ainda investir em pesquisa e monitoramento para a redução efetiva das emissões; investir em adaptação frente aos impactos inevitáveis, como enchentes e aumento do nível do mar; investir em "geoengenharia" - intervenções em larga escala no sistema climático para reduzir ou reverter o aquecimento, como espelhos colocados no espaço para refletir os raios solares e esfriar o planeta, que geram muitas discussões devido ao desconhecimento acerca de seus efeitos. Porém, como aponta David Victor "Technological interventions often have unanticipated consequences, and vigilance is needed. But equally sobering is that greenhouse warming could trigger nasty surprises in the climate system, and if we detect one of those surprises then geoengineering will be the only option for quick intervention. It is not palatable, but advance preparation through research can reduce the dangers." (VICTOR, 2001: 22).

Conforme observado, as propostas de cooperação internacional são tanto "bottom-up" como "top-down": passam tanto por programas definidos no âmbito doméstico e colocado em andamento de forma voluntária como por negociação de compromissos internacionais que por sua vez se transformam em políticas domésticas (BODANSKY & DIRINGER, 2008: 1).

Uma terceira linha é denominada por Daniel Bodansky e Elliot Diringer (2008) como uma "abordagem múltipla integrada", incorporando tanto a flexibilidade da abordagem "bottom-up" como a coesão da abordagem "top-down'" (BODANSKY & DIRINGER, 2008: 1). Assim, as principais economias do mundo (países desenvolvidos ou não) aceitariam assumir compromissos, mas como alcançar as metas seria definido no âmbito doméstico (com ou sem crescimento econômico, padrões de eficiência, energias renováveis, combate ao desmatamento etc.); elas participariam da definição das regras de monitoramento, verificação, e fortalecimento do sistema.

O que se nota é que mesmo os autores que propõem alternativas ao regime defendem sua continuidade. Considerando que os países geralmente aceitam os acordos que não requerem mudança de comportamento, uma maneira de fazer face à resistência e motivá-los a cumprir as metas seria aumentar a flexibilidade do regime, mas não abandoná-lo ou substituí-lo por completo.

Orçamento Carbono

Atualmente parece haver um alto grau de consenso em torno da necessidade de limitação do aquecimento a 2ºC ("institutionalizado" durante a COP15) a partir do estabelecimento de um limite de emissões até 2050, o "orçamento carbono" (WBGU, 2009), o que requer a redução do carbono acumulado na atmosfera em 350 ppm.

Uma das premissas da proposta é que o "orçamento" seja igualitariamente distribuído entre os países. A solução apresentada pelo WBGU foi então alocar as emissões em base per capita, considerando a população por país em 2010, chegando à media de 2,7t de CO2 per capita por ano. Assim, cada país teria o valor total de emissões permitido, definindo suas estratégias de redução domesticamente.

A responsabilidade histórica dos países industrializados seria assumida a partir de um financiamento adicional para medidas de adaptação e transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, Estados-ilha e países menos desenvolvidos e os maiores emissores per capita teriam uma meta de redução para 2020. Em 2050 cada pessoa do globo estaria emitindo 1t of CO2 per capita por ano.

Os gráficos a seguir mostram o total das emissões de CO2 em 2008 e as emissões per capita dos 20 maiores emissores, utilizando informações compiladas pela Agência de Informação em Energia (Departmento de Energia) dos EUA, a qual considera todas as fontes de combustão fóssil e consumo.

 

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A proposta procura beneficiar todos os países (viabilizando o alcance do objetivo final, qual seja, a mitigação das mudanças climáticas) ao mesmo tempo em que estabelece metas para todos: aos países industrializados cabem reduções agressivas, assim como transferência de tecnologia e recursos financeiros. Os países de industrialização recente teriam que rapidamente iniciar a transição para uma economia e sociedade de baixo carbono, utilizando os recursos dos países desenvolvidos para seguir um rumo mais adequado.

Como colocado por Ricardo Abramovay (2010), além de enfrentar a questão Norte-Sul, a proposta (defendida pela Academia de Ciências Sociais da China, liderada por Jiahua Pan) enfrenta as diferenças individuais, relacionada ao nível de bem estar e aos padrões de consumo. Não se trata de punir as sociedades dos países mais desenvolvidos, que já possuem níveis de bem estar que foram possibilitados por conta de emissões cujas conseqüências eram por elas ignoradas. Trata-se de reconhecer que tais sociedades alcançaram tais níveis de satisfação porque utilizaram grande parte da capacidade (finita) da atmosfera e dos oceanos em absorver a emissão de GEEs (ABRAMOVAY, 2010: 4). Nesse sentido, com a proposta de orçamento carbono tais países estariam em déficit, enquanto outros teriam uma margem de emissão.

Em termos práticos Sergio Abranches (2010: 281-284) aponta 2 soluções possíveis:

•Formalizar o canal diplomático das Nações Unidas e substituir o Protocolo de Quioto por um novo acordo (baseado no Acordo de Copenhagen), a ser ratificado antes de 2012. A grande dificuldade para tal seria alcançar o consenso.
•Alternativa: negociar o segundo período de Quioto e formalizar legalmente o Acordo de Copenhagen. Essa alternativa seria mais viável, já que os maiores emissores já assumiram compromissos e há espaço para a formação de coalizões de um número menor de países, o que é politicamente mais eficaz.

Eduardo Viola (VIOLA, 2010: 43) considera, porém, que isso só seria possível caso os EUA se comprometam no nível doméstico com a redução.

Considerando que as dimensões econômica e de segurança do sistema internacional têm impactos significativos sobre a dimensão climática (VIOLA, 2010: 43), os maiores emissores podem acelerar a crise climática caso não concordem em cooperar. Porém, o padrão de cooperação internacional atual "(…) tends to narrow agreements down to the lowest common denominator and follows the logic of national interests and competition among nations." (WBGU, 2009: 45).

Torna-se imperativo que as partes acordem a criação de alguns mecanismos para estabelecer a governança do regime, com instituições globais, como por exemplo um "banco" de certificados de emissão acessível para todos os países, padrões de eficiência, desenvolvendo conjuntamente alternativas de ação em adaptação etc. (WBGU, 2009: 45).

Ainda que o Protocolo de Quioto tenha considerado instrumentos econômicos, a abordagem para tal foi política (VEIGA, 2008: 83, 84). Apenas recentemente o debate está incorporando as dimensões econômica, social e cultural, incrementando as chances de eficácia.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

A análise crítica a ser aprofundada passa pela capacidade de acordos internacionais direcionarem o comportamento e, mais ainda, mudanças de comportamento, ao promoverem a ação coletiva com base na cooperação. Os incentivos utilizados por regimes internacionais passam pela redução de custos e facilitação para operacionalização das geralmente demoradas e custosas transações multilaterais (KEOHANE, 1989: 11). Constituem-se como um fórum para negociações contínuas providos de regras e procedimentos, mecanismos para o fluxo de informações e por meio do qual espera-se que se construa confiança mútua.

O grau de limitação do regime em alcançar a cooperação entre as partes se relaciona ao grau de flexibilidade para adaptação às mudanças e ao dinamismo do contexto. Soma-se a essa dificuldade a multiplicidade de novos atores (sociedade civil global,  multinacionais, comunidades epistêmicas, e indivíduos) e a complexidade crescente das relações entre eles, como ressaltado por James Rosenau. O fim da hegemonia do Estado como principal ator das relações internacionais contribui para um maior grau de "democratização" dos processos de negociação (ROSENAU, 2000), ainda que limitada pela assimetria entre os atores.

Por meio do regime internacional a cooperação seria uma tendência, substituindo a resistência devido ao resultado positivo do balanço entre custos e benefícios advindos da ação coordenada.

Nessa perspectiva o regime internacional cumpre um papel importante para os desafios apresentados pelas mudanças climáticas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ABRANCHES, Sergio. Copenhage: antes e depois. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

BODANSKY, Daniel e Diringer, Elliot. Towards an Integrated Multi-track Climate Framework, Pew Center on Global Climate Change, 2008.

BOTCHEVA, Liliana; MARTIN, Lisa. "Institutional Effects on State Behavior: Convergence and Divergence". International Studies Quarterly, vol. 45, nº 1. March 2001, pp. 1-26.

DEPLEDGE, Joanna e YAMIN, Farhana. "The Global Climate-change Regime: a Defence". In: Helm, Dieter and Hepburn, Cameron (Eds). The economics and politics of Climate Change. New York: Oxford University Press, 2009, pp. 433-453.

KEOHANE, Robert. International institutions and state power:
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NAYYAR, Deepak. "Towards Global Governance". Governing Globalization: issues and institutions. Oxford: Oxford UP, 2002. pp. 3-18.

ROSENAU, James. "Governance, order, and change in world politics". ROSENAU, James; CZEMPIEL, Ernst-Otto (eds.). Governance without Government: Order and Change in World Politcs. Cambridge: Cambridge UP, 2000. pp.1-29.

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