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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Secessão, estatalidade e novos estados africanos

 

 

Daniel Duarte Flora Carvalho

Centro Universitário Vila Velha - UVV

 

 


RESUMO

Com o resultado do plebiscito sobre a independência do Sudão do Sul favorável à secessão, uma série de questões surge sobre as relações exteriores do novo Estado. No entanto, re-surge também a necessidade de discutir a estatalidade na África e o surgimento de movimentos de libertação nacional capazes de derrubar governos e decretar unilateralmente a independência de região que pretendia libertar. No último vintênio, Eritréia e Sudão do Sul tornaram-se independentes em um processo guiado por frentes de libertação nacional que reivindicavam a representação popular e do território em questão. O presente artigo visa a refletir, ainda que preliminarmente, sobre o êxito das FLNs e as condicionantes que permitiram ou impediram a secessão, em especial nos chamados Grandes Estados Africanos.

Palavras-chave: secessão, Estatalidade, soberania, frente de libertação nacional


 

 

A divulgação do resultado oficial do referendo, no começo de 2011, que decidiu pela separação da região sul-sudanesa, conforme previstos nos acordos de paz de 2005 entre o Movimento/Exército de Libertação Popular do Sul (SPLA/M, em inglês) e o governo central do Sudão, trouxe mais uma vez a necessidade da discussão sobre os Estados na África. Esse recente acontecimento provocou indagações sobre a natureza dos Estados, do sistema internacional africano e das abordagens teóricas para a explicação/compreensão do continente. Neste trabalho, pretende-se debruçar sobre o fenômeno da secessão que, desde 1991, deu origem a três novos Estados no continente.

Discutir a estatalidade na África, portanto, já se mostrava essencial para uma melhor compreensão de suas relações internacionais há muito tempo. Engel e Olsen (2006) já acusavam a existência de dois sistemas internacionais na África: um westfaliano e outro não-westfaliano, no qual o dilema de segurança era calculado pelo regime objetivando a sobrevivência não só de seu Estado, mas também a sua própria permanência no poder. Além disso, o pós-Guerra Fria foi responsável por um processo de "balcanização" da África (Vizentini 2007) que culminou, em boa medida, no surgimento de uma série de movimentos armados que visavam, via de regra, a tomar o poder do Estado, adquirir maior autonomia para a região que dizia libertar ou à secessão dessa região, o que promoveria a partição do Estado que aqui é entendida como

an internally motivated (i.e. secessionist) division of a country's homeland (i.e. non-colonial) territory that results in the creation of at least one new independent state (e.g. Eritrea) and that leaves behind the now territorially smaller rump state (e.g. Ethiopia) (Tir 2005, 545).

Alguns desses movimentos (doravante Frentes de Libertação Nacional, FLN) obtiveram êxitos na consecução de seus objetivos e foi no Chifre da África onde esses sucessos se concentraram: a Somalilândia, em 1991, cuja independência não é reconhecida internacionalmente; a Eritréia, também em 1991, e que dois anos mais tarde obteve o reconhecimento internacional de sua independência graças a um referendo promovido pelas Frente Popular de Libertação da Eritréia (FPLE) e Frente Popular de Libertação do Tigray (FPLT, que recém haviam derrocado o regime de Mengistu Haile-Mariam) e com o patrocínio da ONU; e o Sudão do Sul que, após referendo (também patrocinado pela ONU) previsto nos acordos de paz entre SPLA/M e Cartum, está em fase final do processo de independência (previsto para ser concluído no dia 09 de julho de 2011).

Nestes três casos, a secessão foi originada por grupos insurgentes capazes de atender requisitos mínimos de estatalidade (Clapham, 1998), que reivindicavam a representação da população e território em questão. Nos dois últimos casos, a secessão foi concluída através de referendo com aprovação quase que unânime e ao passo que a Eritréia obteve pronto reconhecimento da comunidade internacional, não há o que leve a pensar que o Sudão do Sul não tenha o mesmo destino a partir de 9 de julho de 2011.

Apesar de as FLNs serem onipresentes no continente, seu sucesso ficou confinado a uma região específica cujos mecanismos multilaterais apresentam as mesmas limitações para lidar com a questão que a União Africana e outros órgãos multilaterais africanos (Okafor 2000). Destarte, é necessário refletir sobre o êxito dessas FLNs e as condicionantes que lhe permitiram ou impediram no continente africano, em especial nos chamados Grandes Estados Africanos, os quais já apresentaram ou apresentam movimentos de secessão e são considerados como ameaças aos vizinhos dada sua fragilidade (Clapham et al. 2006)

Com base nesses Grandes Estados será feita a análise das condicionantes que permitiram o surgimento de novos Estados africanos que, neste trabalho, são definidos como todo Estado africanos que obteve sua independência de facto e de jure a partir de outro Estado africano no pós-Guerra Fria. Para tanto, será feita uma análise geral das semelhanças dos Grandes Estados (África do Sul, Angola, Etiópia, Nigéria, República Democrática do Congo e Sudão) com o intuito de verificar as razões que levaram algumas dessas FLNs a conseguirem seu objetivo secessionista e outras não.

 

Os Grandes Estados Africanos

Os chamados Grandes Estados Africanos (doravante GEAs) têm importância singular no desenvolvimento das relações internacionais das regiões onde estão alocados. Dado o seu tamanho, servem eles como grandes centros de gravitação política, o que lhes confere a posição central no processo de causa e conseqüência das relações entre os atores regionais (sejam eles Estados ou não). A gravitação por eles exercida, contudo, não significa obrigatoriamente que eles sejam potências regionais ou líderes cujas ações sejam legítimas perante os demais atores regionais. Na verdade, o que se demonstra nesses GEAs é que suas grandes proporções territoriais e demográficas combinadas, entre outros fatores, com escassez de recursos provocou sérias desfuncionalidades1 nos serviços do governo (Herbst et al. 2006).

Chamar a estes Estados de "grandes" não é exagero. Cinco dos sete maiores Estados em extensão territorial na África estão neste grupo (dos seis GEAs, apenas Angola não figura entre os sete maiores Estados; enquanto Quênia e Tanzânia estão presentes nesta lista). Além disso, esses sete Estados aglomeravam, em 2006, 57% da população da África. Desta forma, é possível destacar a sua importância para uma análise de relações internacionais africanas.

Nigeria alone has a population equivalent to the sum of the thirty one smallest countries. Each of Africa's region can be said to have at least one big country that is the centre of gravity for much political and economic activity. Thus, South Africa dominates southern Africa, the DRC dwarfs the rest of central Africa, Nigeria is recognized as the centre of West Africa, and Sudan and Ethiopia are the major countries in the Horne of Africa (Herbst et al. 2006, p.07).

O que torna intrigante essa combinação desproporcional de território e população nos GEAs são as conseqüências que lhes surge no processo de construção do Estado, que está diretamente ligado ao fenômeno da secessão. Estes Estados têm desempenho econômico pífio, apesar de serem ricos em recursos naturais e terem mercados internos que deveriam ser capazes de garantir o crescimento econômico (Ottaway et al. 2004). Além disso, ainda têm como característica regimes unipartidários ou militares, responsivos à estrutura colonial herdada. Como diz Ottaway, Herbst e Mills (2004, p.01), "forty years after independence, most are still struggling to find a political system capable of holding together their diverse populations without constant strife".

Essas lutas que ainda ocorrem estão ligadas, em boa medida, à concentração da riqueza que acaba privilegiando uma determinada região, seja por vontade dos governantes, seja pelas dificuldades logísticas de difundir o poder para áreas mais distantes da capital. Esta forma de difusão, que será vista mais para frente, é organizada de forma decrescente a partir da capital rumo à hinterlândia do Estado. No caso dos GEAs, todos possuem grandes hinterlândias de difícil governo e policiamento (Herbst et al. 2006). Além das dificuldades logísticas, Herbst (2000) afirma que dado à falta de ameaça externa e à alta concentração populacional na capital e nos entornos, os Estados africanos - por meio de seus governos - não julgam ser do interesse nacional difundir poder e marcar presença nessas remotas áreas, visto o baixo retorno político e de taxação. Além de grandes hinterlândias, também é característica dos GEAs a existência de grande número de agrupamentos étnicos, dado o tamanho de sua população e a evidente dependência da exportação de minérios (com a exceção da Etiópia, que depende das exportações de café primariamente.

Sobre os agrupamentos étnicos, é importante ressaltar a existência de uma problemática que recomendaria a não centralização do conceito etnia na analisa das relações internacionais. Apesar de a hipótese afro-pessimista de que etnias e tribos inimigas foram unidas em um mesmo território durante a colonização ser bastante convidativa para compreender parte dos processos de secessão no continente, é necessário ter em mente que etnias são construídas politicamente, sem qualquer critério objetivo e não manipulável para defini-las (Fearon 2004) e que as identidades são sempre maleáveis e multifacetadas (Chabal et al. 2000). De qualquer modo, muitas das FLNs presentes nos GEAs reivindicam uma identidade coletiva subnacional cujo povo elas pretendem libertar. Em alguns casos, elas estão localizadas longe do principal centro político do país e acabam sendo marginalizadas dos benefícios do Estado: este é o caso da FLT, na Etiópia, e da SPLA/M, no Sudão (Woodward 2003).

A presença desses vários agrupamentos étnicos e das grandes hinterlândias se justifica - como já dito - pelo tamanho do território desses Estados e isso não deveria ser um problema de acordo com as noções ocidentais de estatalidade, que tendem a influenciar a análise sobre a viabilidade política dos Estados na África de forma a afirmar que quanto maior o Estado, maior o potencial de viabilidade econômica. Contudo, os GEAs estão demonstrando que tal afirmação é contrafactual, uma vez que o indivíduo médio tem vivido de modo muito pior do que mostram as estatísticas per capita continentais, dado que os países onde a maioria da população africana vive em Estados que apresentam desempenhos muito inferiores à média africana. Se a literatura sobre a viabilidade do Estado assume que "maior é melhor", na África o resultado tem sido exatamente o oposto: são os GEAs os mais disfuncionais.

The fundamental problem affecting Africa is that, overall, the countries that have done especially well have few people and the countries that have performed worse than average are extremely large and populous" (Herbst et al. 2006, p.03).

O desempenho desses GEAs tem importantes reflexos nas dinâmicas políticas, sociais e econômicas das regiões nas quais são centros de gravitação. Dessa forma, ocorre um processo de spill over de seus desempenhos, bons ou ruins, assim como de suas desfuncionalidades: e o crescimento econômico e a estabilização política desses Estados podem incentivar os mesmos efeitos nos países vizinhos, a estagnação e a instabilidade também podem promover efeitos homólogos. Portanto, os GEAs podem ser problemas para suas regiões, assim como grandes hinterlândias são problemas para a governança nesses Estados, já que apresentam retornos decrescentes de escala que geram três conseqüências: 1- a existência de múltiplos centros de poder nos Estados que podem beneficiar o surgimento de FLNs as quais responderiam às preocupações decrescentes de difusão do poder sobre a distância por parte do governo central2; 2- dificuldades para as insurgências levarem a cabo seus planos e atingirem seus objetivos dado que a distância atrapalha a angariação de recursos e dificulta o combate contra as tropas do governo central, tornando longas as guerras civis; e 3- a dificuldade de governar causada por problemas logísticos (Herbst et al. 2006).

Desta forma, aos GEAs e aos demais Estados africanos, acaba sendo diretamente associada a nomenclatura de "Estados falidos"3, porém de maneira pouco crítica. Como evidencia Dunn (2001), boa parte da literatura atribui um adjetivo para o Estado africano (falido, fraco, quase, inventado e imposto, parasitário etc), o que prejudica um melhor entendimento das dinâmicas existentes no continente, incluindo os movimentos de secessão e até mesmo graus de estatalidade. Por isso, se faz necessária a discussão sobre a natureza do Estado africano.

 

Graus de estatalidade e o estado essencial: a natureza dos "estados" africanos

Uma premissa (ainda) pouco debatida sobre os Estados africanos é sua natureza artificial. De acordo com ela, os atuais Estados africanos são um legado da época colonial e seriam a primeira experiência de vida dos povos africanos sob o governo de um Estado. Além disso, a imposição de fronteiras artificiais teria separado os povos que deviam ficar juntos e juntado aqueles que deviam ter permanecido separado, o que seria fonte de conflitos. As fronteiras teriam se tornado, portanto, um grande problema para a África. Além disso, elas acabam recebendo a atenção de boa parte da discussão sobre a natureza dos Estados africanos uma vez que "a África é o continente mais dividido" (Döpkce 1999, 77). Apesar desta realidade do continente africano, é necessário levar em consideração que essa premissa é problemática.

No debate sobre os conflitos políticos na África contemporânea, comumente destaca-se o papel das fronteiras e suas origens coloniais como uma das principais vertentes. Entretanto, este discurso, dominado por cientistas políticos, recorre freqüentemente a estereótipos e mitos e se recusa a reconhecer a complexidade do assunto, especialmente na sua dimensão histórica (Döpcke 1999, 78).

Esta visão, combatida por Döpcke e outros africanistas, é responsável pela conclusão de que os Estados africanos são ilegítimos - o que é discutível. Essa atribuição de ilegitimidade aos Estados está diretamente ligada aos três métodos de análise que se costuma utilizar para a compreensão do Estado africano. Isto é, se o analisa levando em consideração 1) o controle físico do território por parte do governo que deve ser provedor de bem-estar social; 2) a "idéia de Estado"4, ou seja, pela construção do Estado no imaginário das populações; e 3) pelo reconhecimento internacional como membro legalmente igual do sistema de Estados (Clapham 1996).

Nenhum Estado africano atende completamente a nenhum desses critérios. A grande maioria tem o reconhecimento internacional5, mas não consegue atender a todos esses requisitos, gerando a quase-estatalidade e o sistema de soberania negativa de Jackson (1990) que, segundo Clapham (1998, 146), "always rested on the contradiction that states could retain their independence of the international system while remaining dependent on the international system". A partir da soberania negativa, então, os Estados africanos seriam ilegítimos e isso seria a causa da ascensão das FLNs.

Essa afirmação não está errada, porém está incompleta. A (i)legitimidade do Estado africano é discutível. Para compreender isso, primeiro é preciso estabelecer qual Estado africano é (i)legítimo: os Estados que detêm reconhecimento internacional ou alguma outra concepção de Estado? Se tomarmos o primeiro caso, esse debate pode ser visto por meio das condições que tornam um Estado africano legítimo ou não. Para Engelbert (2000), há três condições que auferem legitimidade ao Estado africano, estando elas diretamente relacionadas ao período da colonização: 1) ter mantido sua independência na era moderna, sem ter sido colonizado (ex: Etiópia); 2) ter permanecido com instituições políticas semelhantes às anteriores à colonização (ex: Botsuana, Burundi, Lesoto, Ruanda e Suazilândia); e 3) ter sido iniciado em áreas sem prévio assentamento humano (Cabo Verde, Maurício, São Tomé e Príncipe e Seychelles).  Além dessas condições ressaltadas por Engelbert, Chabal e Daloz (2001) ressaltam o processo de acomodação das relações entre instituições herdadas e povos africanos (o que eles chamam de "africanização" dos sistemas políticos herdados). Esse processo de "compartilhar o botim" e "domesticar a desordem" seria responsável por auferir legitimidade à instituição "Estado".

Essas duas visões não são, como já foi dito, consensuais. Enquanto autores pós-colonialistas sentir-se-iam pouco confortáveis com a noção de legitimidade explicitada por Engelbert, a noção apresentada por Chabal e Daloz pode ser acusada de conformista e comprometida em legitimar um status quo antidemocrático e injusto nos Estados africanos. Ambas as visões têm certa relação com a questão da secessão: a relação entre legitimidade do Estado, secessão (ocorrência e fomento) e possível conflito pós-partição já foi trabalhada por Carvalho (2008) enquanto a visão de Chabal e Daloz foi incorporada, ainda que indiretamente e sem ser referido, na discussão de Clapham, Herbst e Mills (2006), sobre os grandes Estados africanos. De qualquer modo, essa segunda visão parece oferecer um retrato bastante fiel à realidade política dos Estados africanos e se mostra bastante útil para a compreensão de como surgiram as FLNs e os múltiplos centros de poder.

O advento do colonialismo na África não alterou o padrão de difusão de poder e a existência de múltiplos centros de poder nos Estados africanos. Se antes da colonização, "African international relations reflected the complexity of shared sovereignty and multiple state forms" (Herbst 2000, 54), após a colonização e os processos de independência essa estrutura se manteve graças à força das fronteiras impostas pelos poderes coloniais. Com isso, "a divisão arbitrária do continente pelas potências européias [...] complicou imensamente as tarefas de construção de nação e de Estado pelos governos africanos" (Ravenhill 1988, 82) uma vez que antes da colonização o tamanho dos Estados africanos variava de acordo com as possibilidades de comércio em função dos custos de difusão de poder, enquanto no período pós-colonial o tamanho já era dado e imutável, fazendo com que pouco interessasse a difusão do poder para a hinterlândia.

States had to control their political cores but often had highly differentiated control over outlying áreas. Indeed, there was often no immediate imperative to improve tax collection in the hinterlands or to do the necessary work so that those outside the capital could be bound to the state through symbolic politics (Herbst 2000, 134).

Essa desatenção do centro político maior do Estado para as hinterlândias, denunciada por Herbst (2000), aparenta ser uma importante razão para o surgimento das FLNs. Uma vez que o aparato estatal se coloca como uma das principais fontes de renda nos Estados africanos, a desatenção em alguma região favoreceu o surgimento de uma estrutura governamental privatizada e que goza de apoio popular. Um bom exemplo disso é a FPLT, conforme explicado por Berhe (2004), um dos fundadores do movimento.

Esse fenômeno que liga o surgimento e a força das FLNs aos múltiplos centros de poder dentro dos Estados é inerente aos GEAs. Neles, a incompatibilidade do território do Estado com os agrupamentos e organizações políticas anteriores à colonização é mais acentuada, dada a escassez de recursos e os baixos incentivos de difusão de poder sobre a distância. Isso também é válido para a Etiópia, um dos GEAs e único país africano que não sucumbiu à colonização. Carvalho (2010) procura demonstrar que o Estado etíope atual conta com fronteiras artificiais criadas durante a modernização do Estado e expansão territorial levada a cabo por Menelik II como forma defesa.

Il riassetto territoriale portato a termine dall'imperatore Menelik, già ré dello Scioa, che spostò più a sud la capitale, fondando Addis Abeba, e che assorbì terre abitate da popolazioni non abissine come l'Harar e l'Ogaden, ha fatto dire che l'Etiopia ha partecipato allo Scramble condividendone gli intenti. Ma nella prospettiva dell'Etiopia quell'espansione fu un modo per opporsi al colonialismo europeo (Novati et al. 2005, 241)6.

Dessa forma, sendo a artificialidade das fronteiras e a existência de FLNs características comuns aos Estados africanos - em especial, os GEAs - é importante pensar no que foi dito sobre o papel das FLNs nos centros de poder mais afastados do principal, aquele que é controlado pelo governo do Estado. Em muitos casos - principalmente nos que levaram à secessão de jure e/ou de facto - esses movimentos eram fortemente armados e sua estrutura representava uma organização governamental (ainda que nada democrática) para aquela região. São eles que ditam as regras nesses locais, determinando lei, cobrando impostos e até mesmo mantendo serviços sociais e fazendo o serviço de policiamento.

The functions of international relations for African insurgents were, in many respects, little different from those for recognised states. Insurgent leaders, like heads of state, used international contacts in order to strengthen  their own control over their domestic political structure, gain access to external resources, and so far as possible ensure their own survival (Clapham 1996, 223).

Nota-se assim que os grupos insurgentes são atores que desempenham o mesmo papel que os Estados oficialmente reconhecidos, chegando até mesmo a manter relações e alianças com eles. Por isso, Lemke (2003, 138) os chamou de "Estados de facto", que são "political entities controlling territory and possessing military capabilities". Importante ressaltar, portanto, que essa definição é composta pelos critérios básicos de Estatalidade destacados por Clapham (1998) e guarda uma importante proximidade com o chamado "Estado essencial" (ou "Estado como tal") de Wendt (1999, 213), que é definido como "an organizational actor embedded in na institutional legal order that constitutes it with sovereignty and a monopoly on legitimate use of organized violence over a society in a territory".

Sobre essa visão de Wendt, é discutível a existência de uma ordem legal instituicional nos Estados de facto africanos7. No entanto, eles detêm o controle sobre os meios de destruição que, segundo Wendt (1999, 204) "is the ultimate and distinctive basis of state Power, and only this is essential to stateness". Nos demais critérios, o Estado de facto de Lemke e o Estado essencial de Wendt coincidem: ambos são o locus supremo para a autoridade política de uma sociedade, gozando, portanto, dessa soberania interna e de soberania externa, uma vez que "a state can have external sovereignty even if it is not recognized by other states"8 (Wendt, 1999, 208 - destaque no original); e ambos detêm território com fronteiras confusa, levando sempre em consideração que "states are effects of boundary construction as much as they are its causes" e que "the construction of state boundaries is never a finished affair" (Wendt, 1999, 213).

Assim, considera-se que, na África, há Estados dentro de Estados. Isto é, há Estados de facto dentro de Estados de jure. Esses primeiros - organizados e governados pelas FLNs - gozam das mesmas características que os últimos, carecendo apenas de reconhecimento internacional. Isso faz com que possam ser considerados como "states-in-waiting", tal como Reid (2004) qualificou a FPLT. Com isso, será útil o debate sobre a secessão nos Estados africanos, não como forma de encorajá-la, mas sim a fim melhor entender as forças que levam a ela e suas conseqüências.

 

A questão da secessão

A questão da secessão (ou partição) na África tem sido debatida - ainda que com grandes interregnos - desde 1972 (aproximadamente) quando Saadia Touval e Thomas Hachey começaram os seus estudos sobre as fronteiras africanas. Enquanto o primeiro, por meio de seu livro The boundary politics of independent Africa, preocupou-se em explicar a manutenção das fronteiras africanas as quais considerava artificiais, o segundo, por meio de seu livro The problem of partition: peril to world peace, já posicionava-se claramente afirmando que a secessão representava uma ameaça à paz e segurança internacionais.  Durante a década de 1990, no imediato pós-Guerra Fria, o debate concentrou-se na discussão sobre a África e os Bálcãs, sempre trazendo a questão sobre quais seriam as conseqüências de uma secessão.

Vários autores se preocuparam demonstrar que a partição seria uma solução viável para por termo a guerras civis e solucionar crises étnicas geradas por divisões arbitrárias de territórios sem conhecimento ou respeito à realidade demográfica. Kaufman (1996 e 1998), Tullbert & Tullberg (1998) e outros se apoiaram na premissa de que más fronteiras podem confinar dentro de seus limites culturas incompatíveis, o que geraria o nacionalismo violento. Outros - como Etzioni (1992), Kumar (1997) e Fearon (2004) - destacaram que as partições só gerariam futura violência. Com esta divisão, o único consenso aparente que se pode destacar seria sobre a definição de partição de Tir (2005, descrita na introdução)9.

Várias são as razões às quais os autores atribuem o surgimento de movimentos separatistas. Alguns autores se apóiam no argumento wilsoniano de que as fronteiras não estariam alinhadas adequadamente com os grupos nacionais pré-existentes. Muitos são os autores que parecem concordar com essa premissa, dizendo que a falta de responsividade e de democracia são responsáveis pelo surgimento das FLNs (Etzioni, 1992) ou então que é a retórica hipernacionalista que eleva as identidades étnicas em momentos de crise (ou não), tal como afirma Kaufmann (1996). Digno de nota é que a democracia e a falta de responsividade são comumente apontadas pela FPLE e SPLA/M como motivos que lhes levaram a almejar a secessão.

De certa forma, esses argumentos estão conectados com a existência de múltiplos centros de poder e a difusão de poder decrescente sobre as distâncias. As FLNs, até hoje, se concentram em países não democráticos, em regiões (hinterlândias) com a população mais pobre que aquela do entorno da capital e que não gozam de autonomia política nem de atenção do governo central. Ou seja, é a ausência de um Estado imparcial e forte o bastante para prevenir conflitos civis que gera tal necessidade de secessão.

Assim sendo, as identidades passam a ser importantes para a questão da partição uma vez que podem ser securitizadas. Afirma-se que é com base nelas que as populações posicionar-se-ão em um possível conflito. Nesse sentido, as lealdades se tornam rígidas e transparentes, criando dilemas de segurança que forcem a separação das populações etnicamente diferentes. De acordo com Kaufmann (1996, 137), a neutralização do conflito étnico-identitário só será possivel "only when opposing groups are demographically separated into defensible enclaves", uma vez que os exemplos históricos demonstram que, segundo Kaufmann (1998), quanto mais separados os grupos combatentes, mais pacíficas serão as relações entre eles.

Para ser completa, portanto, a partição teria de garantir a separação do povo em enclaves defensáveis com soberania, isto é, a separação só poderá ser garantida com a criação de um novo Estado (o Estado secessionista). Nesse sentido, uma vez que a coabitação dos povos se torna impossível, a partição torna-se necessária, garantindo primeiro enclaves baseados nas identidades para parar com uma possível matança e, em seguida, a criação de novos Estados (Kaufmann 1998).

Sem querer entrar na discussão sobre as conseqüências da partição/secessão, isto é, sobre se a partição gera novos conflitos (desta vez inter-estatais) ou uma pacificação definitiva, é importante destacar a proximidade teórica entre o debate sobre a partição e a estatalidade. Como já dito, muitas FLNs na África são "states-in-waiting", desempenhando todas as funções de Estados oficiais, inclusive gozando de soberania externa e de reconhecimento enquanto ator político10, atendendo aos requisitos mínimos de estatalidade e configurando-se em Estados essenciais ou "Estados como tal". Elas controlam centros de poder na hinterlândia, mais afastados do centro político do Estado e não gozam de autonomia de jure, o que lhes faz pleitear a secessão.

 

Conclusão

Este trabalho tinha como objetivo fornecer respostas preliminares sobre os motivos que levavam ao surgimento de Novos Estados Africanos, por meio das condicionantes que permitiram o surgimento das FLNs e por que algumas obtiveram sucesso na sua agenda secessionista enquanto outras não. Como se procurou mostrar, o Estado em África deve ser visto como algo além do que a entidade que goza de reconhecimento internacional. Dada a estrutura dos Estados africanos e suas desfuncionalidades que são potencializadas nos Grandes Estados Africanos, a existência de múltiplos centros de poder combinados com a existência de FLNs com objetivo de liberar essas regiões do jugo do governo central acabou sendo essencial porém não suficiente para o sucesso da agenda secessionista.

Todos os seis GEAs possuem FLNs com objetivos secessionistas, mas apenas em dois casos houve o sucesso. Tanto na Etiópia quanto no Sudão, os problemas que levaram à secessão estavam diretamente relacionados com a construção do Estado pós-colonial, que não foi capaz de alterar o padrão de difusão de poder sobre a distância. Nos outros quatro Estados, supõe-se que as FLNs talvez arrastem com os governos centrais dos países onde atuam guerras civis por décadas (ou apenas reclames retóricos, dada a incapacidade/opção política de tomar armas) visando um objetivo menor que seria a autonomia, mesmo que sem aprovação constitucional uma vez que a distância a outros centros de poder pode ser tão grande que o isolamento pode até mesmo impossibilitar a visibilidade midiática do movimento.

É possível que FLNs nesses quatro países tenham sucesso e consigam a secessão no futuro, mas - preliminarmente - parece altamente improvável. Eritréia e Sudão do Sul tiveram êxito graças à relativa proximidade dos centros de poder de seus respectivos países e graças às relações internacionais guardadas com países alhures. Nesses dois casos - é preciso reforçar - as FLNs trataram de libertar centros de poder que já estavam em questão e já tinham sua relevância desde a criação dos Estados pós-coloniais etíope e sudanês.

 

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1. Definida por Herbst et al. (2006) como "a falta de provisão de bem estar e de oportunidades para a população".
2. De acordo com a idéia apresentada em Herbst (2000).
3. Não à toa. Segundo o ranking de Estados falidos do ano de 2010 da revista Foreign Policy, os GEAs estão, em sua maioria, estão em estado de alerta. Desses seis, apenas a África do Sul não está entre os 20 Estados mais falidos do mundo. http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/06/21/2010_failed_states_index_interactive_map_and_rankings (último acesso em 20 de julho de 2011).
4. Baseado em Buzan, B. Peoples, States and Fear: the national security problem in International relations. 1989
5. Somalilândia e Saara Ocidental são dois que merecem destaque. Enquanto a Somalilândia não tem nenhum reconhecimento internacional de sua independência e soberania, o Saara Ocidental é reconhecido pelos demais Estados africanos, com exceção de Marrocos.
6. "A reorganização territorial concluída pelo imperador Menelik, já rei dos Scioa, que transferiu mais para o sul a capital, fundando Adis Abeba, e que absorveu terras habitadas por populações não-abissínias como a Harar e a Ogaden, fez dizer que a Etiópia participou do scramble, compartilhando suas intenções. Porém, na perspectiva da Etiópia a expansão foi um modo para se opor ao colonialismo europeu". (tradução própria)
7. Destaca-se os Estados de facto africanos dado o objetivo deste trabalho. O autor acredita, no entanto, que a mesma discussão pode ser feita para Estados de facto em outras regiões do mundo.
8. Para Wendt (1999, 208), isso é possível uma vez que "the concept of external sovereignty is relatively straight foward, denoting merely the absence of any external authority higher than the state, like other states, international law, or a supranational Church - in short, "constitutional independence"".
9. Mesmo sendo tal definição posterior aos trabalhos citados, as idéias que eles carregam não parecem ir-lhe de encontro ao passo que não se encontrou questionamentos sobre ela nos anos que lhe sucederam.
10. Podemos destacar como exemplos nos GEA, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (Angola) e a Frente de Libertação Nacional de Ogaden (Etiópia). Além dos GEA, a Somalilândia talvez seja o melhor exemplo de Estado com soberania externa sem reconhecimento internacional.