3, v.1Smart power: os pilares deste poder na política externa brasileiraO princípio do interesse nacional aplicado à integração regional de infra-estrutura na América do Sul índice de autoresíndice de materiabúsqueda de trabajos
Home Pagelista alfabética de eventos  




ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Paradiplomacia nos Estados Unidos: a atuação dos estados e o debate constitucional

 

 

Débora Figueiredo M. Prado

UNICAMP/INCT-INEU

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar a ação internacional de governos estaduais norte-americanos. Para compreender este processo o trabalho pauta-se em uma questão central: Em que medida no sistema político norte-americano, os governos estaduais gozam de autonomia para atuar nas relações internacionais? Serão consideradas na análise o estudo da Constituição norte-americana, a estrutura política e a capacidade institucional destinada aos estados no sistema político norte-americano. Trabalha-se nesta pesquisa com a hipótese de que a atividade internacional dos estados, sobretudo na constituição de leis estaduais em temas de política externa, gera tensões e constrangimentos com o governo central. O paper está dividido em quatro seções, incluindo a introdução (1) e conclusão (4). Na segunda seção são discutidos os aspectos constitucionais que envolvem a ação internacional dos estados e na seção seguinte serão analisadas as conseqüências desta estrutura institucional para o relacionamento entre os estados e a política externa nacional.

Palavras chave: governos subnacionais, atuação internacional, estados norte-americanos


 

 

1.INTRODUÇÃO

As modificações no cenário internacional alteraram a dinâmica interna dos governos nacionais, fortalecendo o interesse de outros atores, como os governos subnacionais, pelas relações internacionais. Este processo é apresentado por Michelmann ao afirmar que "constituent units in many federal countries have become more engaged in international activities because the exercise of their constitutional responsibilities has been increasingly affected by globalization" (MICHELMANN, 2007:3). Sobre o contexto que favoreceu a ação internacional de governos subnacionais, Keating (2004) afirma que as principais motivações para tais atividades são as econômicas, políticas e culturais. Apesar da existência destas motivações, Michelmann (2007:6) afirma que "economic motivations are central for understanding the foreign relations of constituent units". O caso norte-americano corresponde a tal afirmação.

O crescimento destas atividades está relacionado a um novo cenário de intensificação dos fluxos de capital no plano econômico que possibilitou a ação destes atores e em alguma medida constrangeu estes à atuação externa visando promover o comércio de suas regiões (FRY, 1998). A participação exterior destes atores aumentou a partir dos anos 1950 tendo como principal objetivo a promoção comercial das regiões (KINCAID, 1999). A crise dos anos 1970, que reduziu as contribuições federais ao orçamento dos estados, também foi um fator importante para a maior participação destes atores no exterior. Desta maneira, a motivação econômica se mantém como um importante elemento impulsionador destas atividades. Como ressaltam Conlan e Sager, "trade and investment policies are the natural focal points of state activities to promote their local economies, and they are the areas of most concerted state activity" (CONLAN, SAGER, 2001:19).

Ao analisar a década de 1980, Bueno (2010) ressalta que além dos escritórios no exterior, os estados mantinham "pelo menos cinco programas distintos ou atividades voltadas diretamente para a promoção dos negócios internacionais" (BUENO, 2010:135). A participação internacional dos estados é reforçada com a intensificação dos fluxos de investimentos e comércio na economia internacional contemporânea. Citando pesquisa realizada pelo Council of State Governments em 2003, Bueno apresenta os elementos que contribuíram para o desenvolvimento de tais ações:

 "o aumento das interações internacionais dos agentes subnacionais dos Estados Unidos podem ser atribuídos à ação combinada de dois outros fatores primordiais: o alargamento do consenso entre a sociedade americana sobre a importância do comércio internacional e o aumento das receitas no orçamento dos estados" (BUENO, 2010:143-144)

Este crescimento pode ser verificado pelo gasto médio dos estados com assuntos internacionais que subiu de U$ 400.000 em 1982 para 2.740.000 em 2008 (BUENO, 2010: 211). Conlan et al (2004) corroboram com este argumento ao afirmar que "most U.S. States have come to view international trade and the pursuit of foreign direct investment as integral components of their economic development strategies" (Conlan et al, 2004:184). Um exemplo de tais atividades é a criação por parte dos estados de escritórios no exterior (FRY, 1998). De acordo com pesquisa realizada por Conlan et al "state governments operated 240 trade offices in over 30 different countries and spent approximately $190 million on international activities in 2002 (not including incentives for foreign investment), compared to just $20 million in 1982" (Conlan et al, 2004:184). De acordo com dados extraídos do State Official's Guide on International Affairs 2003 e do SIDO Survey 2008 (BUENO, 2010) o número de escritórios estaduais subiu de 23 em 1982 para 245 em 2008.

As atividades desenvolvidas por estados no exterior são: promoção do comércio, o estabelecimento de escritórios permanentes no exterior; promoção do turismo e a busca de investimento externo através da criação de escritórios no exterior (DUCHACEK, 1990, p.15). Exemplos de tais ações estão presentes no estado da Califórnia que estabeleceu um escritório próprio de assuntos internacionais, no Texas que criou o Comitê para assuntos Internacionais e Culturais e na Flórida com a criação de um organismo específico para assuntos internacionais (MCMILLAN, 2008).

O processo de regionalização também foi um elemento que contribuiu para a ação externa de estados e municípios. No caso norte-americano, a construção do NAFTA contribuiu para o aprofundamento das relações entre o sudeste dos estados norte-americanos e os estados mexicanos do norte. O estado do Texas possui acordos com três estados mexicanos vizinhos que envolvem assuntos como comercio, investimento e coordenação política (FRY, 1998). Dudley e Clark (2004) quando destacam que "states along borders of the United States have increasingly engaged with their counterparts in Mexico and Canada over a host of common policy concerns, from immigration to transportation to environmental protection" (CONLAN, DUDLEY, CLARK, 2004:184).

Outros assuntos também são foco das atividades externas dos estados e envolvem a implementação de acordos sobre imigração, políticas educacionais, questões de fronteira, turismo e cooperação ambiental (MCMILLAN, 2008: 236). Segundo o autor "governors have adapted their institutional structures to reflect these changes and work with international issues. California Gov. Gray Davis created a secretary of foreign affairs in his office" (MCMILLAN, 2008b: 229-230).

As ações internacionais de governos subnacionais não respondem a estratégias definidas. Estão relacionadas a necessidades específicas dos governos. Como afirma Keating, a ação de governos subnacionais "es mucho más específica y delimitada, a menudo oportunista y experimental. […] la actividad esta revestida de una fuerte lógica funcional, […] las decisiones políticas son el aspecto clave a la hora de decidir las estrategias e iniciativas (KEATING, 2004: 14). Ao analizar o caso americano, Fry identificou que apesar do crescimento das atividades a partir dos anos 1980, "most state programs have failed to engage in serious long-range planning, a situation which stands in stark contrast to the spending and planning undertaken by the major provinces in Canada". Ainda sobre a situação nos Estados Unidos o autor destaca que "their journey into the realm of US foreign affairs has thus far been sporadic and largely devoid of long-term vision and institutional continuity (FRY, 2007:44). A ausência de estratégias definidas e ações pontuais por parte dos estados devem ser analisadas tendo em vista os problemas na própria definição sobre a competência destes atores para a inserção internacional. .

 

2. OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DA ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS GOVERNOS ESTADUAIS

Ao analisar as competências dos estados e governos locais nos Estados Unidos Denning e MacCall (2000) ressaltam que cabe a cada esfera do federalismo (estados e governo federal) agir naquilo que lhes compete sendo designada a Washington a competência para conduzir a política internacional. De acordo com os autores "articles I and II of the Constitution place primacy for the conduct of foreign and military affairs squarely with Congress and the president" (DENNING; MacCall, 2000, s/n). Contudo, Kincaid (1999) ressalta que "although many of the framers of the US Constitution of 1787 […] advocated the creation of a strong union government, the prevailing political ideas and practices of their era required extensive concessions to the 13 states". Para o autor, a Constituição norte-americana delega poderes claros de competência internacional ao governo federal, mas não nega aos estados a competência internacional. Isto gera uma situação incerta a respeito das regulações destinadas a ação dos estados porque para o autor, "it is difficult to specify precisely either the outer limits on federal powers or the full extent of state powers because the US Constitution is vague about most of these matters and because it contains no concurrent list of federal and state powers".

O artigo I, seção 10 da Constituição descreve as proibições e limitações dos estados nos assuntos de política externa:

No state shall enter into any Treaty, Alliance, or Confederation; grant Letters of Marque and Reprisal; coin Money, emit Bills of Credit; make any Thing by gold and silver Coin a Tender in Payment of Debts, pass any Bill of Attainder, ex pos facto Law, or Law impairing the Obligation of Contracts, or grant any Title of Nobility. No state shall, without the Consent of the Congress, lay any Imposts or Duties on Imports or Exports, except what may be absolutely necessary for executing its inspection Laws: and the net Produce of all Duties and Imposts, laid by any State on Imports or Exports, shall be for the Use of the Treasury of the United States; and all such Laws shall be subject to the Revision and Control of the Congress (THE CONSTITUTION OF THE UNITED STATES, 2002:47)

Os estados estão, portanto, proibidos de realizar tratados, alianças, acordos com o exterior, realizar guerra e estabelecer certas taxas no comercio exterior sem o consentimento do Congresso. É função do Congresso regular as atividades internacionais dos estados. Na Constituição Americana estão negados aos estados o poder, sem o consentimento do Congresso "to send or receive ambassadors, enter into agreements with any foreign state, or engage in wars; or lay imposts or duties that would interfere with any treaty made by Congress (Art VI)" (HENKING, 2002:149) (1). O artigo IX da Constituição também esclarece que ao congresso é dada "the sole and exclusive right and power of determining on peace and war" (THE CONSTITUTION OF THE UNITED STATES, 2002).

Entretanto, há espaços na Constituição que viabilizam o debate sobre quais são os limites para a atuação dos estados. Kincaid (1999) afirma que "while the US Constitution establishes the international personality of the United States and grants the federal government sufficient powers to conduct the nation's foreign affairs, to allow the United States to speak with one voice internationally, and to engage in war, the Constitution does not deprive the states or, indirectly, local governments of all international competence or deny than access to foreign policy making (KINCAID, 1999, p.115). Algumas restrições aos estados estão claras e não geram problemas de interpretação. Entretanto, alguns assuntos geram questionamentos e controvérsias: Um exemplo é a possibilidade destinada aos estados pela Constituição de elaborar acordos compactos em assuntos de política externa, abrindo a possibilidade aos Estados de desenvolverem acordos internacionais (HENKIN, 2002:152).

Em casos conflituosos é a Suprema Corte quem possui a autoridade definitiva para interpretar a Constituição e anular qualquer lei - federal, estatal ou local que os juízes por maioria considerem que está em conflito com qualquer postulado da Constituição (PELSTASON, 2004).  Henkin (2002) apresenta três exemplos conhecidos em que a Suprema Corte julgou as reivindicações dos estados no sistema federal:     .

"'For local interest the several States of the Union exist. But for national purposes, embracing our relations with foreign nations, we are but one people, one nation, one power.' The Cinese Exlusion Case, 130 U.S. 581, 606 (1889). And United States v. Pink: Power over external affairs is not shared by the States; it is vested in the national government exclusively.' 315 U.S 203, 2333 (1942). Compare Marshall, C.J., in Cohens v. Virginia, 19 U.S. (6 Wheat,) 264, 413-414 (1821). See also Calhoun: In our relation to the rest of the world… the States disappear'" (HENKIN, 2002, p.149).

Para preencher a lacuna no texto da Constituição a Suprema Corte entende que em adição aos poderes enumerados na Constituição, o governo federal possui "direitos derivativos" (HENKIN, 2002). Isto significa que além dos poderes federais mencionados na Constituição (delegados ou expresso) o governo nacional tem poderes implícitos aos poderes delegados. De acordo com Peltason (2004) este poder implícito permite que o governo responda às mudanças que enfrentadas pela nação. A consideração deste tipo de poder para o governo federal, sem uma regra clara na Constituição gera dificuldades. Na opinião de Henkin (2002) este tratamento diferenciado das relações exteriores na Constituição gera uma compreensão singular da teoria constitucional, de que "the powers of the United States to conduct relations with other nations do not derive from the Constitution!" (HENKIN, 2002:16).

Conforme mencionado, quando há atividade internacional desenvolvida pelos atores subnacionais, cabe ao Congresso norte-americano o controle de tais ações. No entanto, o Congresso não tem demonstrado uma postura regulatória diante destas atividades (HENKIN, 2002), permitindo assim, que os governos estabeleçam acordos sem buscarem o seu consentimento. Na opinião de Fry "congressional silence on what state governments do in the international system generally is considered as tacit approval of such activities" (FRY, 1998:92). Tal ausência de regulação favorece o desenvolvimento de políticas e ações internacionais que geram conflitos com o governo nacional. O propósito da próxima seção será analisar este processo buscando apresentar um panorama deste processo e suas implicações.

 

3. CONSTRANGIMENTOS COM O GOVERNO CENTRAL

Os constrangimentos gerados pela ação dos estados são compreendidos tendo em conta o quadro institucional incerto sobre a competência destes atores e as falhas na regulação por parte do Congresso. Só há uma regulação destas ações quando se identificam problemas significativos que são decididos no âmbito da Suprema Corte.

A ausência de determinações claras na Constituição possibilitou o desenvolvimento de políticas e de ações internacionais no cenário externo que vão além das questões destinadas à promoção comercial. Buscando representar os interesses de sua população, os estados vêm adotando posições que não coincidem com a postura adotada pelo governo federal.  Para Fry, "In most cases, the international activities of American state and local governments coincide with the interests of the nation as a whole". Contudo, "at times some of these subnational governments have decided to take matters into their own hands and have attempted to punish foreign governments for what they consider to be offensive acts" (FRY, 1998:5).

Os estados também vêm atuando internacionalmente nos legislativos estaduais. Um estudo realizado por Conlan et al (2004) para o Council of State Governments, demonstrou um aumento no envolvimento dos legislativos estaduais em questões de política externa entre 1991 e 2002. Segundo a pesquisa foram introduzidas, entre 2001 e 2002, 886 leis e resoluções com implicações internacionais nos estados. Destas 883 leis, 306 foram aprovadas.  Os dados abaixo mostram o crescimento das legislações com temas internacionais implementadas pelos governos de 1991 a 2002 conforme tabela abaixo:

 

 

Podemos observar pelos dados um crescimento no envio de legislações deste caráter e na aprovação das mesmas que entre 1995-1996 a 2001-2002 cresceram 105%. Segundo análise dos autores os principais temas nas legislações estaduais são: promoção ao comércio, assuntos de fronteira, imigração, defesa, meio ambiente e anti-terrorismo. O último tema recebeu destaque entre 2001-2002 tendo em vista o contexto do 11 de setembro e a preocupação governamental com relação a esta problemática. Outro assunto que ganhou destaque é o debate sobre meio ambiente e aquecimento global. Como ressalta os autores, "by 2002, approximately one-third of all states had adopted policies through legislation or executive order to reduce emissions of greenhouse gases" (Conlan et al, 2001:191). Este tipo de atividade internacional tem reações específicas junto ao governo federal. Como ressalta Bueno, "a reação do governo federal à aceleração do ativismo internacional dos estados depende do caráter perturbador ou não das leis aprovadas pelos legislativos estaduais" (BUENO, 2010:150).

Segundo Conlan et al (2004) os conflitos entre ambas as esferas de governo não são freqüentes, "such cases of conflict and close intergovernmental interaction appear to be the exception rather than the rule" (CONLAN, DUDLEY, CLARK, 2004:197).  Um exemplo deste tipo de comportamento internacional foi a aprovação pelo estado de Massachusetts em 1996 de estatutos que proibiam empresas norte-americanas a comercializar com Burma/Myanmar alegando questões humanitárias. O argumento utilizado pelos estados que estabelecem sanções foi o de que "state and local governments should take the lead in combating international human rights abuses" (DENNING; MAcCALL, 2000, s/n). A lei foi declarada insconstitucional pela Corte de apelação dos Estados Unidos em junho de 1999 por entender que "the conduct of this nation's foreign affairs cannot be effectively managed on behalf of all of the nation's citizens if each of the many state and local governments pursues its own foreign policy" (DENNING; MAcCALL, 2000, s/n).

O caso de Massachusett's Burma Law gerou um debate no cenário internacional importante principalmente porque a lei foi discutida no plano da Organização Mundial de Comércio (OMC) quando Japão e União Européia protestaram que esta lei era contrária as regulamentações de comércio no plano internacional (2).

Outras ações desta natureza foram identificadas. Como por exemplo, a proibição para a realização de operações comerciais de mais de 150 estados, distritos e municipalidades com a África do Sul muito antes do Congresso aprovar uma série de restrições diretas ao governo pro-apartheid em Pretoria (Guay, 2000; Mcmillan, 2008, Fry, 1998). Neste caso, mesmo após pronunciamento do presidente George Bush em 1991 de que as sanções deveriam ser retiradas após acordo em Pretória, "more than 100 state, county, and municipal governments continued two years later to maintain laws and statutes that imposed restrictions on investment and related business activity with South Africa" (FRY, 1998:94).

Outro caso de constrangimentos gerados pelas ações de estados foi a postura adotada diante do debate sobre mudanças climáticas. Os estados se propuseram a adotar o protocolo de Kyoto mesmo sem a ratificação do governo federal e a rejeição formal do protocolo em 2001 pela Administração Bush (EATMON JR, 2009). "Within two years of the initial adoption of the Kyoto Protocol in 1997, 21 bills and resolutions for greenhouse gas reduction were adopted by state legislatures, with one third of all US states adopting such polices by 2002" (CONLAN, DUDLEY, CLARK, 2004).

Com o objetivo de  coordenar as atividades das unidades subnacionais nos Estados Unidos foram criadas na década de 1990 algumas organizações: the National Governor's Association; Council of State Governments; National Conference of State Legislatures; National Association of Countries; US Conference of Mayors; National League of Cities: and International City/County Management Association. Tais organizações implementam projetos objetivando a inserção internacional dos estados. Entretanto, continua em aberto o debate sobre os constrangimentos e até mesmo choques legais existentes entre as atividades estaduais e o governo federal. Como ressalta Fry, os constrangimentos gerados ""undoubtedly complicates Washington's efforts to speak with one voice on important international economic issues" (FRY, 2007:43).

 

4. CONCLUSÃO

O objetivo deste paper foi discutir em que medida no sistema político norte-americano os governos subnacionais possuem autonomia para atuar nas relações internacionais. A Constituição é o principal instrumento para avaliar o papel destes atores e as limitações impostas para sua atuação externa.

Em seu artigo I, seção 10 afirma que o estabelecimento das ações relacionamento internacional é possível desde que haja consentimento do Congresso (THE CONSTITUTION OF THE UNITED STATES, 2002). Também nos Artigos da Confederação, artigo VI é declarado que: "No State, without the consent of the United States in Congress assembled, shall send any embassy to, or receive any embassy from, or enter into any conference, agreeemnt, alliance or trety with any King, Prince or State" (THE ARTICLES OF CONFEDERATION, 2002, p.94)

Há espaços na Constituição que possibilitam o debate sobre quais são os limites para a atuação internacional dos estados (KINCAID, 1999). Muitas funções atribuídas ao governo federal são aplicadas considerando os chamados "direitos derivativos", significando que além dos poderes mencionados na Constituição, o governo federal tem poderes implícitos. Este tratamento diferenciado das relações internacionais na Constituição gera, segundo Henkin, uma compreensão diversa e problemática da teoria constitucional, já que "the powers of the United States to conduct relations with other nations do not derive from the Constitution!" (HENKIN, 2002, p.16). A décima emenda é um elemento complicador para o debate porque "state legislators have interpreted the Constitution to give them the right to engage in foreign relations activities in any way not expressly prohibited in the 1789 text or its subsequent amendments MCMILLAN, 2008, p.146).

A atividade internacional dos estados deve ser regulada pelo Congresso pois "the Constitution grants Congress the power to regulate foreign trade; courts have long inferred from that grant limitations on a state's power to discriminate in this area" (DENNING; MCCALL, 2000, p.02). Entretanto, os estados participam de acordos e ações internacionais muitas vezes sem o consentimento do mesmo. Isto porque, muitas vezes o Congresso não se pronuncia diante de uma atividade a não ser quando esta gera problemas com a política externa nacional. Este "silêncio" por parte do Congresso e interpretado pelos estados como uma aprovação tácita de suas atividades (FRY, 1998).

Diante disto, é possível afirmar que a Constituição norte-americana delega poderes claros de competência internacional ao governo federal, porém não nega aos estados a possibilidade de atuar no cenário exterior. Analisando o caso Fry destaca que "From time to time, policy positions or actions taken by state and local governments clearly have been at variance with Washington's foreign policy priorities, and these discrepancies have the potential to damage both the conduct of foreign policy and international reputation of the United States" (FRY, 1998:96).

Tais entes federativos possuem relativa autonomia principalmente porque a constituição do sistema federalista permitiu a divisão dos poderes entre as instituições do Estado, garantindo os direitos e as possibilites de interferência dos estados (DRAKE ET AL, 1999). A descentralização de poder e de competências é um mecanismo importante para o desenvolvimento do regime democrático. Contudo, cabe aqui um questionamento: os governos subnacionais possuem autonomia para participar do cenário internacional e defender seus interesses, mas possuem autonomia para interferir em ações de política externa?

Em alguns casos apresentados, os atores subnacionais nos Estados Unidos participaram da política internacional tomando uma postura distinta da adotada pelo governo federal. Tais processos demonstram que as "brechas" existentes na Constituição contribuem para o desenvolvimento ações de governos subnacionais que geram tensões com a política externa do governo federal. Um exemplo atual citado neste artigo foi a postura adotada por alguns estados norte-americanos diante dos problemas relacionados ao meio ambiente. Em 2006, o governador da Califórnia conseguiu a aprovação de uma lei histórica em seu estado ao importar um limite às emissões de gases efeito estufa contrariando a postura da Administração Bush.

Neste debate sobre as possibilidades de atuação dos estados, identificam-se argumentos de que a participação de atores subnacionais representaria o fortalecimento da democracia porque os estados e municípios estão mais próximos de seus cidadãos e seriam mais capazes de defender os interesses de seus representantes:

"a former Mayor Tom Bradley of Los Angeles once asserted, subnational government leaders from time to time must take firm positions on foreign policy issues, because1 local government is closest to the people and allows them to register their dissent through locally elected representatives, and2 many national policies are felt initially and most profoundly in Americas cities" (FRY, 1998:99).

As ações internacionais dos governadores buscando promoção comercial são bem vistas inclusive pelo governo federal (MCMILLAN, 2008). Entretanto outras atividades, por representarem interesses específicos, acabam gerando tensões significativas com o posicionamento do governo nacional sobre um caso. Como questiona Fry: "would Florida "state" policy toward Cuba be substantially different from Washington's because of the presence of so many Cuban immigrants within the state?" Ou ainda, "Would the presence of strong and well-organized Jewish communities in New York and California tilt their states' policies toward Israel - and the eventual creation of a Palestinian state - away from Washington's policy preferences?" (FRY, 1998:97).

A política externa do governo federal tem por finalidade desenvolver ações externas que representem e expressem os interesses de todos os cidadãos. Por isto, Scalia ressalta que "foreign affairs are national affairs. The United States is a single nation-state and it is the United States (not the states of the Union, singly or together) that has relations with other nations; and the United States Government (not the governments of the states) conducts those relations and makes national foreign policy" (SCALIA, 2003, p.1).

A análise da Constituição americana abre espaço para distintas interpretações e correntes que discutem as possibilidades e limitações das atividades internacionais dos estados. Como demonstrado anteriormente, há autores que afirmam terem os estados autonomia e capacidade para atuarem nas relações externas. Entretanto, é consensual entre os autores a preocupação de que certas atividades prejudiquem a unidade do Estado, quando a ação dos governos estaduais interfere nos assuntos de política externa. Analisar o papel dos estados, do Congresso e da Suprema Corte neste contexto é fundamental para evitar estas possíveis tensões.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALDECOA, Francisco; KEATING, Michael (eds). (1999), Paradiplomacy in action: the foreign relations of subnational governments. Portland: Frank Cass Publications, 1999

BUENO, Ironildes.  Paradiplomacia Contemporânea: Trajetórias e Tendências da Atuação Internacional dos Governos Estaduais do Brasil e dos Estados Unidos. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília - UnB, Instituto de Relações Internacionais, 2010.

CONLAN, Timoty J., SAGER, Michelle A. The growing international activities of the American States. Policy Studies Review, Vol 18, N.3, Autumn, 2001.

______; DUDLEY, Robert L.; CLARK, Joel F.  Taking on the World: The International Activities of American State Legislatures. Publius: The Journal of Federalism, Vol.34, No.3, (Summer 2004), pp.183-199.

DENNING, Brannon; MCCALL, Jack H. (2000). "States' rights and foreign policy: some things should be left to Washington", Foreign Affairs, vol. 79, No. 1, January/February, p.9-14.

DRAKE, Frederick D. Nelson; GREENWOOD, Lynne R. States' Rights & American Federalism : A Documentary History.   Greenwood Publishing Group, Incorporated, 1999.

DUCHACEK, Ivo. (1990). Perforated Sovereignties: Towards a typology of new actors in international relations, in MICHELMANN, Hans J.; SOLDATOS, Panayotis. (org). Federalism and International Relations: the role of subnation units, New York: Oxford University Press, 1990. p.1-34.

EATMON, Thomas D. Jr. Paradiplomacy and climate change: American States as global actors in global Climate Governance. Paper prepared for the International Studies Association's 50th Annual Convention "Exploring the Past, Anticipating the Future", New York, February 15-18, 2009

FRY, Earl H. (1990). Federalism and US Foreign Relations: Understanding State Actions, In: BLINDENBACHER, Raoul; PASMA, Chandra (Eds). A global dialogue on federalism. Dialogues on Foreign Relations in Federal Countries. Booklet series, vol.5, Forum of Federatios, International Association of centers for federal studies, 2007, pp.42-45.

________,The expanding role of state and local government in US Foreign affairs, New York: Council on Foreign Relation Press, 1998.

________, The Role of Subnational Governments in the Governance of North America Mapping the New North American Reality. IRPP Working Paper Series, no. 2004-09d, Brigham Young University.

GUAY, Terrence. "Local Government and Global Politics: the implications of Massachusetts' 'Burma Law'". Political Science Quaterly, Vol. 115, N. 3, Fall, p.353-376, 2000.

HENKIN, Louis. Foreign Affairs and the US Constitution.New York: Oxford University Press, 2002.

KEATING, Michael. Regiones y asuntos internacionales: motivos, oportunidades y estrategias. In: VIGEVANI, Tullo; WANDERLEY, Luiz Eduardo; BARRETO, Maria Inês e MARIANO, Marcelo Passini (orgs.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: Editora PUC/Editora UNESP/CEDEC/FAPESP, 2004.

KINCAID, John. (1999). "The international competence of U.S. states and their local governments", in: ALDECOA, Francisco; KEATING, Michael (eds) Paradiplomacy in action: the foreign relations of subnational governments, Frank Class: London, 1999, p.111-133.

______. Foreign relations of sub-national Units. Constituent Diplomacy in federal systems. In:Federalism in a Changing World: Learn from each other.. Scientific background, proceedings and plenary speeches of the international conference on federalism 2002. McGill-Queen's University Press, 2003, pp.74-96.

MCMILLAN, Samuel Lucas. Transforming statecraft: the involvement of american state governments and governors in U.S. Foreign relations. (Thesis). University of South Carolina: 2008a.

______________. (2008b). "Subnational Foreign Policy Actors: how and why governors participate in U.S. Foreign Policy". Foreign Policy Analysis, International Studies Association, Vol. 4, p.227-253.

MICHELMANN. Hans, Comparative reflections on foreign relations in federal countries, In: BLINDENBACHER, Raoul; PASMA, Chandra (Eds). A global dialogue on federalism. Dialogues on Foreign Relations in Federal Countries. Booklet series, vol.5, Forum of Federatios, International Association of centers for federal studies, 2007, pp.3-8.

PELSTASON, J. W. About America: The constitution of the United States of America with Explanatory notes. The World Book Encyclopedia. Word Book: US Department of State, 2004

SCALIA, Antonin. Associate Justice, Supreme Court of the United States of América, In: Federalism in a Changing World:  Learn from each other. Scientific background, proceedings and plenary speeches of the international conference on federalism 2002. McGill-Queen's University Press, 2003,pp.539-548.

THE CONSTITUTION OF THE UNITED STATES OF AMERICA. New York: Barnes & Noble, 2002.

 

 

1. As atividades internacionais que são destinadas ao governo federal são: "a) the regulation and taxation of foreign commerce, immigration, b) declarations of war, c) the appointment and reception of ambassadors, d) the definition and punishment of offenses against international law, e) he command of U.S. military forces and f) the negotiation and approval of treaties" (DENNING; MacCall, 2000).
2. "Proponents of state and local sanctions today dismiss Hamilton's concerns, arguing that international actors are now much more sophisticated. Yet when Japan and the European Union protested Massachusetts' Burma law before the World Trade Organization (WTO), the action was brought against the United States, since Massachusetts, as a subnational government, has no WTO standing. Similarly, when Switzerland was hit with local sanctions in 1998 for not releasing the bank accounts of Holocaust victims, a major Swiss retailer responded by boycotting American products from states that had neither imposed nor intended to impose sanctions" (Denning; MacCall, 2000, s/n).