3, v.1As políticas de segurança humana e a análise do conflito colombiano durante o governo Uribe: o papel de discursos de capacitação e vitimizaçãoA importância da organização internacional dos trabalhadores em empresas multinacionais (EMNs)2000 a 2010 o comitê mundial de trabalhadores (CMT) da Daimler AG índice de autoresíndice de materiabúsqueda de trabajos
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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A influência das mudanças geopolíticas internacionais sobre a política externa brasileira nos governos FHC e Lula*

 

 

Diogo Villela Garcia Moura

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas da Universidade Federal de Pernambuco - PPGCP-UFPE

 

 


RESUMO

O presente trabalho parte de duas premissas: I) As transformações ocorridas no sistema político e econômico internacional na virada do século XX para o XXI tem como fator importante na sua modificação as configurações de um novo eixo geoeconômico sino-americano; II) A análise comparativa sobre as principais diretrizes e ações diplomáticas dos governos FHC e Lula apontam para uma relativa diferenciação na execução das respectivas políticas externas. Este artigo tem por objetivo central analisar o impacto das transformações geopolíticas no eixo sino-americano na dinâmica das relações exteriores brasileiras nos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Luís Inácio "Lula" da Silva (Lula). Analisando a relação entre comércio e cooperação bilateral Brasil-China, conclui-se que o impacto do eixo sino-americano no intercâmbio comercial não conduz ao aumento de cooperação bilateral entre os países.

Palavras-chave: Economia Política Internacional; Estados Unidos; China; Política Externa Brasileira, Relações Bilaterais Brasil-China


 

 

Introdução

Grande parte dos analistas e acadêmicos voltados para o estudo do Sistema Político Internacional (SPI) pós Guerra-Fria entendem que a dissolução do bloco soviético e a conseqüente hegemonia americana encaminhavam o mundo para outro tipo de ordem internacional. Esta nova ordem mundial seria ditada pelos princípios humanitários ocidentais, baseados em um padrão monetário comum (dólar); na garantia do livre comércio internacional (produtivo e financeiro) através da coordenação e vigia de instituições multilaterais independentes de controle; e na defesa de padrões mínimos de democracia1. A disseminação desses ideais possibilitaria a integração e desenvolvimento dos países "não-alinhados" a esses pressupostos. Não obstante esta retórica, sua realização não se concretiza ao analisarmos a década de 1990, uma década econômica e politicamente conturbada, onde se verificaram crises econômico-financeiras importantes e uma disparidade nas taxas de crescimentos econômicos nacionais.

Outro ponto fulcral para reconfiguração do SPI na década de 1990 foi a ascensão chinesa como novo ator econômico importante no cenário internacional. A "locomotiva asiática" absorveu durante a década o papel outrora japonês de liderança regional no âmbito econômico. Neste novo contexto internacional, formou-se uma relação de complementaridade entre a China e os Estados Unidos, tornando este eixo sino-americano o principal sustentáculo da economia mundial desde então.

No âmbito brasileiro, durante o mesmo espaço de tempo, observou-se uma mudança de interpretação a respeito das estratégias de inserção brasileira no campo das relações internacionais, principalmente nas políticas externas dos governos FHC e Lula. Podemos perceber um consenso sobre as formas de atuação da política externa do governo FHC como sendo uma busca da "Autonomia pela integração" 2. Para esta corrente, a perspectiva  liberal-institucionalista passou a ser vista como favorável aos interesses brasileiros, porque promovia o respeito às regras do jogo internacional, as quais, uma vez estabelecidas deveriam ser respeitadas por todos os países, inclusive os mais poderosos, equilibrando a balança de poder internacional e reforçando o seu papel como global trader3.

A literatura acerca da analise da política externa do governo Lula indica a formação de um contexto político internacional onde o Brasil buscou inserir-se a partir de uma "autonomia pela diversificação" 4. Neste sentido, enxerga-se a política externa do governo Lula através de uma diversificação das suas articulações internacionais, mantendo em partes o modelo de inserção estabelecido no governo FHC - de relações com os países desenvolvidos e nos organismos multilaterais - mas buscando uma maior relação com os países em desenvolvimento, além de uma maior articulação comercial através de uma diversificação de parceiros comerciais.

Diante destes dois processos observados acima, o presente trabalho tentará avaliar se o impacto da ascensão de um novo eixo-sino americano no campo geopolítico internacional acarretou em um aumento da cooperação entre Brasil e China, entre os governos FHC e Lula (1995-2010).  Mais precisamente, tentaremos responder a seguinte pergunta: o aumento relativo do intercambio comercial Brasil-China resultou em um aumento da cooperação institucional sino-brasileira nos governos FHC e Lula?

Para respondermos nossa indagação, utilizaremos como variáveis intervenientes a relação entre os Atos Internacionais negociados entre Brasil e China e o intercâmbio comercial desses países no período temporal analisado (1995 a 2010). Nossa hipótese seria de que o aumento do fluxo intercambial entre Brasil e China ocorreu em grande parte pela configuração deste novo eixo sino-americano, e neste sentido, as mudanças de posição das políticas externas espelhariam este crescimento efetivamente em um aumento de cooperação institucional, via um crescimento de Atos Internacionais bilaterais assinados entre os dois países.

Na primeira seção do texto, desenvolvemos o surgimento e o desenvolvimento do eixo sino-americano, em seguida, discutiram-se os padrões de política externa dos governos FHC e Lula, suas aproximações e seus distanciamentos. Na terceira parte analisaram-se os dados sobre intercambio comercial e acordos bilaterais entre Brasil e China, concluindo nossa análise na ultima parte.

 

1. Surgimento e desenvolvimento do eixo sino-americano.

No campo da economia e política internacional, o final da década de 2010 foi marcado pela instabilidade econômica resultante da crise financeira que abalou o sistema internacional em 2008 e 2009. Após a sua "estabilização", ficou evidente a importância interdependente de dois atores na economia mundial. De um lado temos os Estados Unidos, considerado largamente como a grande potência político-financeira do sistema internacional, que a partir da décadas de 1990, firmou-se como o grande articulador financeiro do sistema produtivo mundial. Do outro lado temos a República Popular da China, uma nação comunista, que a partir do final da década de 1970 iniciou um processo de reformas institucionais do seu sistema econômico-produtivo, tornando-se gradativamente uma economia de mercado socialista5 controlada pelo Estado detentora de grande parte produção industrial mundial de produtos manufaturados e de baixo valor agregado. A inter-relação siamesa6 entre globalização Financeira americana e o "milagre" econômico chinês, possibilitou um crescimento econômico mundial bastante intenso, porém desigual durante os anos 1990 (tabela 1). Vejamos como este relacionamento se conformou.

Em linhas gerais, os Estados Unidos iniciaram no final da década de 1970 um processo de transformações estruturais no intuito de recuperar a competitividade do seu capital. Medidas de reestruturação política e econômica foram implementadas inserindo novos elementos que desconfiguraram a dinâmica keynesiana constituída entre a crise financeira de 1929 e o fim da segunda guerra mundial. Este caminho abriu espaço para a promoção de nova rota de acumulação e de poder para os capitais norte-americanos por meio do modelo de (des)regulação econômica de cunho neoliberal baseado na transnacionalização de partes do seu setor produtivo na e da ampliação da acumulação com predomínio das finanças7. Este novo padrão ocasionou um crescimento econômico estadunidense na década de 1990, basicamente liderado pelo seu setor financeiro8.

O outro pólo de crescimento nos anos 1990 localizou-se na Ásia. O crescimento chinês foi possibilitado em partes pelo contexto das transformações regionais introduzidas pelo reenquadramento produtivo japonês, que foi forçado pelos EUA a readequar o seu sistema produtivo no leste asiático, deslocando o seu eixo industrial e produtivo para os "tigres asiáticos" - inicialmente - e subseqüentemente para o sudeste asiático e para a China. Este processo ficou conhecido como modelo dos "gansos voadores" 9. Com a crise asiática de 1997, este modelo entrou em crise, acarretado pelo colapso financeiro de grande parte de seus participantes. Devido ao que Chu (2010) denomina de "neoliberalismo Estatal"10 - política monetária e econômica controlada pelo governo e abertura seletiva e específica de mercado - a China foi o país que sofreu menos impacto e pode sair mais rapidamente da crise asiática.

Como resultado, o final do século XX e inicio do século XXI ficou marcado pela convergência entre investimentos financeiros americanos e o dinamismo da economia chinesa que acabou por captar grande parte do capital financeiro americano desde então. Se observarmos na tabela 1 os ciclos de crescimento da economia mundial entre 1990-99 e 2003-07, observam-se momentos bem distintos da economia mundial, onde o primeiro é marcado por crises econômicas e crescimentos desiguais, enquanto que no segundo, o ciclo de expansão nos parece ser bem mais homogêneo. Neste segundo momento o novo contexto geopolítico internacional consolidou o eixo sino-americano, expandindo a sua área efetiva de atuação para todas as regiões do globo. Baseado em uma relação de complementaridade, interdependência e competição, este novo eixo se tornou o protagonista da dinâmica econômica mundial. A China, no plano comercial, se firmou como principal exportador para o mercado americano, enquanto que no plano financeiro, tornou-se a principal fonte de investimentos (diretos e indiretos) do capital financeiro americano. Este processo resulta em uma situação interessante onde a China aparece como devedora dos Estados Unidos (devido aos investimentos externos americanos no país) e por outro lado como credora dos Estados Unidos (pela compra de títulos da dívida pública estadunidense).

Assim, as relações de complementaridade financeiro-produtivas entre China e Estados Unidos no campo da economia internacional nos anos 1990 possibilitaram um aumento exponencial da taxa de crescimento e das reservas financeiras internacionais em todo o mundo, durante grande parte da década de 2000. Este aumento se deu pela condução do eixo sino-americano de uma operação macroeconômica articulada pela ação destes dois países, como mostraremos abaixo.

Do lado americano destaca-se o avanço da política macroeconômica expansionista, em virtude de dois grandes acontecimentos: a crise financeira da bolsa de valores Nasdaq e o atentado de 11 de setembro em Nova Iorque. A resposta governamental foi uma política monetária de redução de juros enquanto que no setor fiscal foram reduzidos os impostos e aumentaram-se os gastos públicos, principalmente no setor de defesa11. Esta combinação permitiu a rápida recuperação da economia americana, como visto na tabela 2.

No âmbito chinês, destaca-se o realinhamento de sua política econômica no tanto no nível nacional como no internacional. Internamente, a China optou por alargar a sua inserção na economia de mercado, ampliando as zonas econômicas especiais, junto com a expansão do seu programa de investimentos públicos em infra-estrutura e desenvolvimento rural. Como política monetária manteve sua taxa de câmbio fixa e desvalorizada perante o dólar. Estas políticas possibilitaram a expansão do seu mercado interno. No nível internacional, a China optou por ampliar as suas relações comerciais em busca de maiores mercados para seus produtos industrializados e de fontes de produtos primários necessários para o prosseguimento de sua política interna de expansão infra-estrutural.

Com isso, a política econômica chinesa, somada à política expansionista financeira americana possibilitou um processo de acumulação financeira, e expansão produtiva que resultou em um arranjo geoeconômico durante a década de 2000 que "(...) permitiu o aumento das importações chinesas de máquinas e equipamentos originários da Alemanha, Estados Unidos e Japão, de produtos industriais dos demais países asiáticos e de matérias-primas e alimentos dos países em desenvolvimento da África e America Latina." (PINTO 2010:93). Se olharmos na tabela 2 o crescimento do volume de comércio mundial, verifica-se claramente que a configuração deste eixo sino-americano gerou impactos positivos no volume de comércio internacional. Este novo contexto permitiu que países desenvolvidos e em desenvolvimento se beneficiassem desta expansão através de superávits primários decorrentes da liquidez internacional e do aumento efetivo da demanda produtiva.

Este novo quadro econômico liderado pelo eixo sino-americano afetou a geopolítica internacional de forma importante, alterando a relação de poder e a estrutura hierárquica do sistema mundial. A China tornou-se um ator político e econômico de grande importância, assim como o elevado crescimento das taxas de intercâmbio comercial possibilitaram aos países em desenvolvimento, como Brasil, por exemplo, a resolverem seus problemas de financiamento e restrições externas aos crescimentos nacionais, possibilitando um maior poder de barganha e autonomia nos assuntos internacionais.

As implicações políticas desta reordenação econômica oriundas do eixo sino-americano podem ser analisadas a partir de duas perspectivas teóricas. A primeira enfatiza a questão da distribuição de poder no SPI. De um modo geral, a abordagem neorrealista enfatiza a distribuição de poder material como elemento principal de um sistema, e, neste sentido, os Estados Unidos mantêm-se como o poder dominante da realidade política desde o fim da Guerra Fria. A interpretação neorrealista/realista enfatiza a questão da balança e do balanceamento do poder global. Com o fim da União Soviética, nenhuma outra grande potência foi capaz de assumir o seu lugar como possível contrabalanceador da hegemonia americana12. Neste sentido a ascensão econômica da China é vista pelos analistas de política externa americana como uma ameaça velada à posição dos Estados Unidos. De uma forma geral a perspectiva neorrealista trabalha com a questão da concentração de poder como fator determinante de política externa, e neste sentido, as opções para potencias emergentes para a integração no sistema político internacional seriam ou de oposição ou de alinhamento ao Estado ou coalizão de Estados hegemônica no sistema13.

Para esta corrente a ascensão do eixo sino-americano é vista como uma ameaça relativa, posto que a dependência econômica entre Estados Unidos e China ainda não extrapolou o campo da economia no sentido de causar tensões no campo da política14. Os EUA ainda detêm o controle do ponto de vista da segurança estratégica tanto a nível regional quanto global. Este modo de análise, porém, é bastante limitado posto que seja interpretado unilateralmente a partir da perspectiva norte-americana, preocupando-se estritamente com as estratégias que este país deve adotar para manutenção de sua hegemonia. Neste sentido, esta corrente falha ao pressupor que as opções estratégicas dos países de segunda ordem sejam polarizadas entre o alinhamento ou o confronto irrestrito15.

A perspectiva liberal enfatiza que novos tipos de lógica sistêmica têm ganhado força e estariam se desenvolvendo, alterando as relações clássicas entre Estados. De forma geral, a corrente liberal-institucionalista entende que a globalização e a formação de redes de trocas de informação e comunicação transnacional fizeram emergir no cenário internacional novas instituições e formas de governança. Neste sentido, o aumento da integração de países na economia e na sociedade global tenderia a uma convergência para instituições internacionais pautadas por normas internacionais mais igualitárias e abrangentes. Por este ponto de vista, pode-se dizer que a articulação do eixo sino-americano foi estabelecida, dentro da política internacional, através de uma convergência para o uso de instituições internacionais multilaterais como foros legítimos de resolução de conflitos entre países. Esta convergência atuou como mecanismo regulador do eixo sino-americano ao "coagir" a China a se adequar às normas internacionais de comércio e de mercado, assim como foram largamente utilizadas pelo Estado norte-americano para legitimar e difundir os seus interesses político-econômicos16.

A seguir abordaremos particularmente o desenvolvimento da política externa brasileira nos governos FCH e Lula. Como estes governos interpretaram a reorganização do sistema econômico e político internacional no final do século XX? Suas ações estratégicas convergem com a ascensão do eixo sino-americano? Os ganhos relativos de autonomia econômica nacional resultaram em um aumento relativo e absoluto das parcerias em cooperação bilateral? Discutiremos estas questões abaixo.

 

2. A Política Externa Brasileira nos governos FHC e Lula: Principais diretrizes e estratégias de inserção internacional.

Entre os estudos e debates produzidos a partir da análise comparada das políticas externas dos governos FHC e Lula - suas principais diretrizes, repercussões e atuações diplomáticas - podemos perceber algum consenso a respeito de uma clara diferenciação de posicionamento entre os formuladores e executores da política externa dos respectivos governos em relação às estratégias de inserção internacional a serem seguidas pelo país17. O discurso oficial no governo Fernando Henrique pregava uma maior participação brasileira no sistema político internacional através da intensificação de sua integração no modelo político-econômico liberal (reafirmando temas como democracia, o livre-mercado, respeito ao direito internacional, a importância dos regimes internacionais e de organizações multilaterais), numa tentativa de reforçar o papel brasileiro como ator importante na economia, no comércio e na governança global18. No governo Lula, opera-se uma mudança relativa de discurso, que por um lado reafirma a adesão brasileira aos regimes internacionais, porém adota uma posição mais crítica em relação às assimetrias e desigualdades do sistema internacional. Neste sentido, a postura política do governo Lula em relação à política externa procurou expandir as relações brasileiras com os países em desenvolvimento, organizando novos grupos de discussão, reforçando acordos cooperativos e diversificando parcerias comerciais no intuito de aumentar o poder de negociação nos organismos multilaterais.

No plano multilateral, os analistas de política externa observam que o governo FHC adota uma postura moderada, atribuindo ao direito internacional um papel importante de interlocução com os países centrais do SPI. Neste sentido o governo FHC aceitava a divisão do poder político no campo internacional, as assimetrias na balança de poder, como sendo estas as regras do jogo, cabendo ao Estado brasileiro potencializar o uso dos mecanismos e dos instrumentos de mediação à seu favor19. No governo Lula percebe-se uma mudança de posição tanto no corpo diplomático quanto o discurso presidencial, que passa a adotar uma posição mais crítica em relação às desigualdades do SPI, defendendo a soberania e uma maior igualdade entre os países. Destaca-se neste campo uma articulação mais ativa do governo Lula no campo das relações bilaterais, procurando desenvolve-las com países emergentes e outras potências médias, enquanto que o governo FHC limitou-se ao aprofundamento das relações com as potências médias da União Européia.

 Um dos pontos mais fortes em que se observa uma clara diferenciação das políticas externas entre os governos é o campo da cooperação bilateral e multilatreral. De certo modo, se traçarmos uma linha imaginária onde em um extremo colocássemos as aproximações e no outro extremo situássemos os contrastes entre as políticas externas dos governos FHC e Lula, teríamos no extremo das proximidades a questão das negociações comerciais multilaterais, onde ambos os governos adotam posturas semelhantes, em convergência com a postura histórica da diplomacia brasileira. Tomemos como exemplo o forte ativismo brasileiro na OMC em ambos os governos. No outro extremo, das diferenças, poderíamos situar a questão das estratégias de inserção internacional e das cooperações internacionais. Principalmente no que tange às relações com outros países periféricos, as chamadas relações Sul-Sul20.

Nos anos 1990, a politica externa brasileira ganhou destaque dada a ênfase em processos de integração regional, à abertura comercial e às negociaçoes multilaterais. Com a diminuião das tensões Leste-Oeste, o Brasil inicia uma nova fase de política externa onde se preocupou em possuir uma  integração internacional mais próativa, em detrimento de uma posição histórica dos governos militares brasileiros que davam sentido para politicas protecionistas, volltadas para uma idéia de autonomia pela distancia21.

Com a Globalização, o peso das questões economicas, ambientais, comerciais e de competitividade e interdependência estatal22 aumenta, obervando-se no campo das relações Internacionais através uma mudança de importância estratégica entre os temas citados acima em relação aos temas ligados à segurança internacional que ditavam à epoca da Guerra Fria. De forma resumida, podemos elencar as alterações oriundas desta mudança de estratégia no âmbito brasileiro em dois campos: no campo politica interna e da politica externa. No campo da politica interna destacam-se as medidas neoliberais adotadas no intuito de uma maior integração internacional, como a liberalização cambial, liberalização de importações, liberalização de investimentos estragneiros,  privatização de empresas estatais e a renegociação da dívida externa. No campo da formulação da politica externa, nota-se uma reforma do Ministério das relações Exteriores (MRE), criando-se departamentos, divisões e subsecretarias articuladas entre o governo e sociedade civil onde se pudessem discutir os temas desta "nova agenda" internacional.

Na gestão FHC, consolida-se a estratégia de autonomia pela participação, embora sua evolução tenha sido paulatina desde o governo Sarney através de mudanças internas que respaldassem uma adesão aos valores prevalecentes no cenário internacional23.Se observaros o gráfico 1 e a tabela 1, nota-se claramente uma correlação entre a evolução de volume comercial brasileiro, e o reenquadramento estratégico de inserção internacional. As politicas de liberalização comercial do governo FHC se espelham claramente no aumento do fluxo comercial, com o impacto no saldo sendo inversamente proporcional ao aumento das importações.

Como vimos, no governo FHC esperava-se que a articulação do Estado brasileiro às normas internacionais ocidentais de politicas tanto internas quanto externas, resultaria em uma participação mais efetiva na politica e na economia internacional. Esta expectativa se demonstrava em uma enfase maior na articulação cooperativa brasileira com os países desenvolvidos, e com os países latino-americanos através do mercosul.

Com o início do governo Lula, criou-se uma forte expectativa sobre os caminhos da politica brasileira, tanto no nivel nacional quanto internacional. Embora o cenário internacional não seja muito diferente do governo FHC, as mudanças percebidas no governo lula tiveram algumas diretrizes diferentes como uma defesa mais enfática da igualdade e do equilíbrio internacional, buscando uma crítica mais assertiva das assimetrias norte-sul no SPI e o aumento e a diversificação das relações bilaterais e multilaterais  de forma a aumentar o peso do país nas negociações politicas e economicas internacionais. Estas diretrizes convergiam para uma ação diplomática mais densa e articulada no intuito de aproveitar as possibilidades de um maior intercâmbio econômico, financeiro, tecnológico e cultural. Estes seriam os preceitos básicos da estratégia de Autonomia pela Diversificação24.

 

3. O eixo sino-americano e a politica externa brasileira: impactos no intercâmbio comercial e na cooperação bilateral Brasi-China.

Nesta seção, partiremos para uma análise mais especifica sobre as relaçoes bilaterais do  Brasil com  China no sentido de explorarmos mais detalhadamente os efeitos do do eixo sino-americano no comércio e na cooperação bilateral. As relações bilaterais brasileiras com as duas nações são bastante diferentes, tendo o Brasil com os EUA uma relação de aliança informal desde a primeira república (1889-1930)25, enquanto as relações brasileiras diplomáticas com a China iniciaram em 1974. O relacionamento sino-brasileiro apresentava similaridades em tópicos de interesses comuns na agenda internacional demonstrando semelhanças em alguns sentidos de politica externa, principalmente na questão da busca de uma autonomia internacional soberana, mas também em outras questões como o aumento da cooperação Sul-Sul e críiticas ao protecionismo comercial dos países desenvolvidos. O discurso oficial chinês no âmbito internacional é de respeito às diferentes civilizações e seus respectivos modos de desenvolvimento economico, social e cultural.

A partir da segunda metade da década de 1990, as relações da China com o Brasil, alcançaram um visível progresso. A viagem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China em maio de 2004, foi acompanhada por nove ministros, seis governadores e mais de 400 homens de negócios26. China e Brasil buscaram desenvolver as relações em todas as suas formas - nas áreas econômica, comercial, política e diplomática; no plano bilateral e multilateral, envolvendo organizações governamentais, empresas e sindicatos; no âmbito dos partidos e parlamentos - com vistas a fomentar os mais diversos mecanismos de diálogo.27

Logo em seu primeiro ano de governo, o Presidente Cardoso visitou a China. assinando seis documentos. Em 1998, Brasil assinou dois documentos na área de cooperação, um na área econômica e outro na área tecnológica28 (Gráfico 2). A mudança de perfil discursivo a respeito das relações sino-brasileiras no governo Lula podem ser ressaltadas na decisão do presidente de conceder à China status de economia de mercado29. Para o governo, o principal objetivo da concessão foi sinalizar aos chineses a enorme importância estratégica e comercial que o Brasil passou a conferir à China. A expectativa era que o maior estreitamento das relações bilaterais rendesse frutos consideráveis, nos prazos médios e longos, por meio do comércio bilateral e de investimentos chineses na infra-estrutura do Brasil.

De fato, os dados sobre intercâmbio comercial ressaltados no gráfico acima comprovam que o governo Lula soube aproveitar bem as mudanças geopolíticas. De fato, o aumento das exportações e importações entre Brasil e China mais que decuplicou entre 1995 e 2009. Apesar do sucesso do governo Lula em dar continuidade à tarefa de transformar a China em um dos principais parceiros comerciais do Brasil e de seu empenho em se aproximar da China politicamente, alçando-a a parceiro preferencial, não se conseguiu estabelecer mecanismos firmes e duradouros que garantissem ao país apoio político no âmbito multilateral - apoio chinês à campanha brasileira a membro permanente do Conselho de Segurança, G-20, G-8 - não se firmaram parcerias convincentes.

 

Gráfico 3 - Clique para ampliar

 

Considerações Finais

A retórica discursiva dos objetivos perseguidos por um governo em relação à política externa muitas vezes têm de se confrontar com acontecimentos previstos e imprevistos. O presente artigo tentou argumentar que a ascenção chinesa na ordenação economica e política internacional parece ter sido bem antecipada pelos governos brasileiros em destaque, de forma que o relacionamento sino-brasileiro revelou-se bem desenvolvido entre os governos Lula e FHC. Porém, no que diz respeito aos Atos Internacionais, observa-se que não houve um aumento relevante como era de se esperar pelos discursos oficiais do governo Lula. Excetuando-se o ano de 2004, onde o impacto é visível, os outros anos do governo Lula não apontam para uma mudança efetiva em relação ao governo Fernando Henrique.

No tocante relacionado ao intercâmbio comercial, nos parece visível que o impacto do eixo sino-americano produziu um aumento no comércio sino-brasileiro compatível com a ascenção chinesa  no início do século XXI.  Isto nos leva a crer que o estreitamento dos laços comercias no período Lula não foram acompanhados por um estreitamento cooperacional em níveis mais técnicos. Muito pelo contrário, obesrva-se que no período FHC hoveram mais parcerias de desenvolvimento em áreas técnicas do que no Governo Lula.

A análise feita neste trabalho, longe de querer ser conclusiva a respeito de um tema tão abrangente quanto o de análise de politica externa, apenas aponta que questões relativas à mudanças de politica externa nem sempre se concretizam de forma absoluta. No caso aqui tratado, o aumento da parceria comercial não necessariamente levou à uma maior parceria institucional.

 

 

* 3º Encontro Nacional ABRI.
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21. Idem.
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23. VIGEVANI E CEPALUNI (2007). Op. Cit.
24. Idem.
25. HURREL, Andrew (2009). Op Cit.
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