ISBN 2236-7381 versión
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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011
O Mercosul, a paradiplomacia e as políticas nacionais para atuação dos governos subnacionais no processo de integração regional
Felipe Cordeiro de Almeida
RESUMO
O trabalho dedica-se a analisar a evolução das atividades internacionais desenvolvidas pelos governos subnacionais no plano da integração regional mercosulina, com o objetivo de compreender a relação entre essas atividades e o aprofundamento do processo de integração regional, bem como com o desenvolvimento institucional do MERCOSUL. Para tanto, a pesquisa desenvolvida retoma as principais iniciativas desses governos subnacionais no plano regional, bem como seu impacto no governos nacionais e no processo de integração regional. O trabalho apresenta de que forma as atividades internacionais dos governos subnacionais no plano regional foram recebidas pelas estruturas dos governos nacionais dos Estados-membros do Mercosul, e de que forma essa reação motivou transformações nas estruturas oficiais do processo de integração regional. Para tanto são abordados o surgimento de iniciativas dos governos subnacionais bem como seus espaços de interlocução no ambiente da integração regional como a Rede Mercocidades, as Redes CRECENEA - CODESUL1 e ZICOSUL2, a REMI (Reunião Especializada de Municipalidades e Intendências do MERCOSUL), e o Foro Consultivos de Municípios, Províncias e Departamentos (FCCR).
Palavras-chave: Mercosul, Paradiplomacia, Federalismo, Redes
O Mercosul e os governos subnacionais
O Mercosul nasceu diante dos diferentes projetos de integração latino-americanos que o precederam, e deles buscou diferenciar-se de maneira a evitar repetir suas experiências de insucesso. Marcelo Medeiros (2008) aponta para a parcimônia adotada pelo projeto mercosulino em criar mecanismos institucionais diante da integração, como parte da experiência vivida pelo Pacto Andino, de grande número de instituições com pouca efetividade. Segundo o autor, "o Mercosul hesita em se lançar em projetos institucionais que não correspondam à real capacidade de comprometimento de seus Estados-membros"(Medeiros, 2008 p. 57)
Sendo assim, por que razão o Mercosul teria aberto espaço aos governos locais regionais e locais de seus membros para participarem de mecanismos institucionais do bloco, mesmo que caracterizadas pelo caráter consultivo?
Primeiramente, os governos subnacionais, em sua maioria, optaram por priorizar as suas atividades internacionais com os parceiros do Mercosul durante a década de 90. As razões para isso vão desde a proximidade física, um arcabouço jurídico menos problemático no desenvolvimento de parcerias internacionais, maior contato por meio de redes internacionais pré-estabelecidas e até mesmo a crença no projeto de integração mercosulina por parte dos líderes e gestores públicos.
Outro fator está no exemplo dos atores da sociedade civil organizada, que participaram do processo de integração desde a sua concepção, em especial, os sindicatos3 (Wanderley, 2007), e, obtiveram espaço semelhante por meio do Fórum Consultivo Econômico e Social (FCES).
Se tomarmos, como exemplo, o caso da participação dos atores sociais organizados como sindicatos e associações patronais e posterior criação do FCES, a iniciativa de buscar maior atuação e influência no processo de integração regional pode resultar em um incorporamento desses atores na esfera institucional do bloco. Essa tese é corroborada pela iniciativa de criação a rede Mercocidades no seminário "Mercosul: Oportunidades e Desafios para as Cidades" organizado pela União da Cidades Capitais Ibero-Americanas - Subregião do Cone Sul, de 1995, cujo texto final defendia a criação de uma rede de cidades dos países do Mercosul, denominada Mercocidades. No mesmo ano, firmou-se o "Compromisso de Porto Alegre" no qual os prefeitos e alcades4 firmavam o compromisso no aprofundamento do protagonismo das localidades no processo de integração regional do Mercosul5. Essas iniciativas seriam posteriormente reconhecidas pela criação da Reunião Especializada de Municipalidades e Intendências do Mercosul, e posterior do Foro Consultivos de Municípios, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR).
Sendo assim, a iniciativa dos governos locais de buscar maior envolvimento no processo de integração regional do Mercosul e de aumentar sua influência sobre o processo foi manifesta por meio do surgimento da rede Mercocidades, inspirada no exemplo da rede européia Eurocidades, antes que essa participação fosse prevista pelo Estado brasileiro e pela institucionalidade do Mercosul, e em concomitância com a consolidação das atividades paradiplomáticas na maioria dos países da América do Sul, em especial Brasil e Argentina.
O Mercosul e as Redes
Norteados por seus interesses objetivos, e, aparados por uma crescente compreensão de que essas perspectivas seriam as mais próximas desses objetivos, apesar de conterem forte apelo normativo, os governos subnacionais brasileiros engajaram-se no desenvolvimento de uma série de atividades internacionais. Podemos destacar na década de 1990 uma iniciativa bastante importante no sentido de apresentar a forma como os governos subnacionais passaram a reivindicar sua participação no processo de integração regional: Mercocidades. Outras iniciativas foram de grande relevância como o associativismo liderado pelos governos estaduais brasileiros e provinciais argentinos fronteiriços nos sentido de promover maior integração em face à proximidade territorial. Destacam-se nesse panorama as redes CODESUL e CRECENEA, respectivamente, Conselho de Desenvolvimento do Sul e Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino - são associações de governos regionais, respectivamente, do sul brasileiro e do nordeste argentino que buscam a integração como meio de promover o desenvolvimento econômico. É importante destacar que a integração CODESUL-CRECENEA antecede até mesmo o Mercosul, correspondendo a um período anterior de aproximação política e econômica entre os dois países.
Ao manifestarem o interesse em promover o Mercosul e de gerar mudanças na sua nascente institucionalização, os governantes locais e regionais (aqui entendidos como governos de estados, províncias ou departamentos) de diversos países deram aos governos centrais a possibilidade de incluir as unidades subnacionais na dinâmica das relações exteriores de forma que esses viriam a desempenhar um papel de relevância na política exterior, se guiados pelo Estado.
A criação do Mercocidades deu condições ao governo brasileiro, mesmo que de maneira reativa, a buscar o estabelecimento de políticas que pudessem aproveitar essa oportunidade. E essa realidade é apresentada de maneira mais objetiva ao analisarmos a evolução dessas políticas federais que evoluíram desde o estabelecimento da ARF (atual AFEPA) no Ministério das Relações Exteriores, bem como o trabalho desenvolvido pelos escritórios regionais do referido ministério em manter-se interado das atividades desenvolvidas por governos locais e estaduais, até a criação da Cooperação Internacional Federativa, e o estabelecimento do Foro Consultivo do Mercosul (FCCR).
O Foro Consultivo apresenta-se como a mais importante evidência da relevância do processo de integração regional como palco para o desenvolvimento das políticas nacionais para a inclusão dos governos locais nas relações internacionais do país, seja como forma de reconhecimento pelas atividades já desenvolvidas por esses governos, ou como atrativo à adesão de novos governos locais à essas atividades internacionais no âmbito do Mercosul.
O Foro Consultivo, por força de decisão da Reunião do Conselho do Mercado Comum de dezembro de 2004, realizada em Belo Horizonte, substituiu a Reunião Especial de Municipalidades e Intendências6 com o objetivo de aprofundar a participação das unidades subnacionais dos países membros do Mercosul nas decisões do mesmo.
Art. 1 - Crear el Foro Consultivo de Municipios, Estados Federados, Provincias y Departamentos del MERCOSUR, con la finalidad de estimular el diálogo y la cooperación entre las autoridades de nivel municipal, estadual, provincial y departamental dos Estados Partes del MERCOSUR. (Art. 1 Resolução 41/04, Grupo Mercado Comum, 2004)
O novo órgão ganhou a incumbência de apresentar a perspectiva dos governantes locais e regionais a respeito de que medidas deveriam ser debatidas pelos órgãos decisórios do Mercosul, em especial o Conselho do Mercado Comum e o do Grupo do Mercado Comum.
Art. 4 - El Foro Consultivo podrá proponer medidas destinadas a la coordinación de políticas para promover el bienestar y mejorar la calidad de vida de los habitantes de los Municipios, Estados Federados, Provincias y Departamentos de la región, así como formular recomendaciones por intermedio do Grupo Mercado Común. (Art. 4 Resolução 41/04, Grupo Mercado Comum, 2004)
Devido ao fato do órgão alterar a estrutura do Mercosul, a decisão teve de ser ratificada pelos congressos dos estados-membros de acordo com seus respectivos ordenamentos jurídicos internos. Sendo assim, o FCCR foi instalado apenas no ano de 2007, em reunião na qual os governadores, intendentes, prefeitos e representantes de governos locais redigiram a chamada Carta do Rio, que confirma o compromisso desses com a promoção do processo de integração regional.
O Foro Consultivo, como uma conquista dos governadores locais, regionais e nacionais, significa um espaço concreto de participação de esses atores, capazes de dar respostas aos desafios da integração e do desenvolvimento em escala regional e local (Carta do Rio, 2007)7
A instalação do foro foi comemorada como mais um passo do Mercosul rumo à consolidação e democratização, de forma a promover uma maior agilidade e eficácia nas políticas do mercado comum. Além disso, esse novo órgão veio a legitimar as ações desenvolvidas pelos governos locais no âmbito do Mercosul.
Atualmente, os governos locais de Brasil, Argentina e Uruguai desenvolvem atividades no âmbito do Mercosul em redes de cidades como URB-al e Mercocidades, em reuniões e comitês específicos para temáticas voltadas à cooperação fronteiriça8, em diversos projetos de cooperação bilateral com parceiros latino-americanos, entre outros. Os governos regionais, no caso do Brasil os estados, e da Argentina províncias9,desenvolvem atividades conjuntas de cooperação e troca de informações com governos regionais de todo o Mercosul no sentido de promover a integração regional e de promover projetos de cooperação para a solução de questões comuns às essas. Podemos apresentar como exemplos CRECENEA - CODESUL10 e ZICOSUL11. Essas atividades fundamentam a participação dos governos locais e regionais no aparato institucional, que mesmo de forma consultiva, acaba por constituir uma janela à contribuição dos gestores públicos locais e regionais na solução de questões concernentes ao MERCOSUL e que são de interesses desses governos.
As políticas nacionais e os governos subnacionais no Mercosul
A consolidação das atividades internacionais dos governos locais no plano internacional evidencia, porém, a importância das políticas federais desenvolvidas como intrumento para se lidar com esse fenômeno, devido ao fato de que, o âmbito federal constitui-se como o tradicional espaço de decisão e iniciativa internacional. Essas políticas tornam-se assim, importantes instrumentos para compreender-se de que maneira se desenvolvem as relações internacionais brasileiras diante do confrontamento do avanço dos governos locais em direção aos atores estrangeiros e o trabalho desenvolvido pela diplomacia tradicional.
A compreensão dessa dinâmica desenvolvida pela atuação internacional dos governos locais e do governo central é de grande importância para as relações internacionais brasileiras de forma que, a atuação internacional conjunta ou articulada entre as esferas local e federal de governo no Brasil podem apresentar resultados mais interessantes aos interesses nacionais e ao atendimento das demandas dos governos locais, como o apresentado por Keating (2005).
Um dos mais importantes temas da agenda externa do Brasil é o processo de integração política, econômica e social empreendida no âmbito do Mercosul. É importante destacar que bem como o Mercosul apresenta-se como um objetivo prioritário da Política Externa Brasileira, o processo de integração regional é um dos mais relevantes espaços de atuação internacional dos municípios e estados brasileiros. Isso se comprova pelo fato de as principais localidades parceiras internacionais dos governos locais e regionais brasileiros* serem de países que participam do processo de integração regional mercosulina. Sendo assim, analisar como se dão as relações entre Governo Federal e governos subnacionais diante da atuação desses com parceiros do Mercosul, compreende em uma importante contribuição para o entendimento de como se dá a atuação internacional dos municípios e de como o Estado adapta-se a essa nova realidade, em especial, no caso da integração regional
Essa contribuição, deve então ser estendida diante de uma visão regional, e, portanto, englobar de que forma, não apenas o Brasil, mas, bem como nossos parceiros do Mercosul, desenvolvem esse balanço entre os governos centrais e os governos subnacionais diante das relações internacionais intra-bloco.
O caso da Argentina destaca-se devido ao pioneirismo de sua constituição em permitir que unidades subnacionais firmem atos internacionais, mesmo que o federalismo duo do país apenas reconheça as províncias e a Cidade de Buenos Aires como unidades federadas. Para melhor compreensão do processo faz-se necessário lembrar que, esse reconhecimento da importância da paradiplomacia no país vizinho ocorreu um ano antes da criação da Mercocidades e do surgimento da rede Urb-al12 (1995).
É importante destacar a importância dessa iniciativa argentina, pois ela conferiu às unidades subnacionais argentinas maior autonomia para desenvolver atividades internacionais em questões concernentes às suas atribuições constitucionais, estando essa autonomia também condicionada à conveniência dessas atividades aos interesses do Estado argentino. Sendo assim, a atuação desses governos locais e regionais tornou-se bastante importante, em especial no que tange às suas relações com outros governos locais e regionais do Mercosul, em especial com os da região sul do Brasil.
Sendo assim, podemos entender que tanto por parte do Brasil quanto da Argentina, houve políticas federais no sentido de permitir às unidades federas maior acesso ao plano internacional de forma a promover seus interesses de maneira articulada com outras localidades e regiões, principalmente as sul-americanas. Essas iniciativas colaboraram para o incremento desses governos em sua participação no processo de integração regional do Mercosul, que à época dava seus primeiro passos.
O caso Uruguaio nos demanda maiores estudos na definição de políticas formalizadas ou não do Estado no sentido de promover a atuação internacional das Intendencias uruguaias, entretanto, podemos afirmar que há reconhecimento por parte do governo central dessas atividades, inclusive de sua chancelaria. Isso se deve ao fato da própria chancelaria ter celebrado o irmanamento de intendecias uruguais com governos subnacionais estrangeiros durante a primeira década do século vinte-e-um.
Uma pergunta pode nos ser feita a partir do recorte que nos leva a não destacar o Paraguai na análise dessas políticas. A motivação recai sobre a escassez de fontes oficiais e bibliográficas acerca das políticas de Estado paraguaias, situação que se agrava na busca de possíveis políticas de promoção à paradiplomacia. Podemos, entretanto, destacar que, oficialmente os governos subnacionais, em especial, as províncias, estão listadas como participantes dos organismos regionais, entretanto, seriam necessárias maiores investigações para se traçar um panorama que nos permita identificar até que ponto seus governos locais e regionais envolvem-se no processo de integração regional.
De fato, a atuação dos governos locais e regionais de Argentina, Brasil e Uruguai, também apresentam maior visibilidade que a desenvolvida pelos governos subnacionais paraguaios. Não se pretende determinar que as políticas nacionais são a causa do reconhecimento do papel dos governos subnacionais no âmbito do processo de integração regional, mas sim identificar como esses diferentes processos influem na integração regional do Mercosul.
Nos anos dois mil, dentre as iniciativas internacionais de governos subnacionais que recebem o apoio dos governos nacionais dos países do Mercosul, podemos destacar a atuação em projetos que venham a fortalecer a integração regional, como a Rede de Mercocidades13 e o Foro Consultivos de Municípios, Províncias e Departamentos (FCCR). No caso brasileiro podemos destacar a chamada "Cooperação Internacional Federativa", como um projeto de inclusão das iniciativas de inserção internacional dos municípios e estados nas políticas empreendidas pela diplomacia brasileira, da qual trataremos mais a frente.
No tocante à interação entre governos locais e central na implementação de atividades internacionais, Michael Keating (2005) apresenta um modelo do que podemos denominar de Relações Internacionais Federativas, na qual o Estado e suas unidades federadas trabalham em conjunto na consecução das atividades internacionais. A proposta é baseada na idéia de promover o comprometimento das unidades federadas com a Política Externa, por meio da interação entre os diferentes níveis de governo no debate e definição da Política Externa nacional14. A idéia proposta por Keating (2005) não corresponde à realidade das relações internacionais federativas brasileiras, apesar de apresentar uma alternativa à contradição entre o sistema federativo centralizador e a importante iniciativa internacional subnacional.
Michael Keating (2005) apresenta essa proposta de interação baseado em experiências de federações15 em que há uma importante ação conjunta entre Estado e unidades federadas no plano internacional, mesmo que a possibilidade de estados e municípios desempenharem papel relevante na formulação da política externa seja pouco provável. Partindo de uma perspectiva mais radical, no tocante à importância e às possibilidades da ação internacional subnacional, Kenishi Ohmae (1995, p.63) propõe um federalismo em que as unidades federadas possuam autonomia suficiente para formular políticas de desenvolvimento e planejamento econômico, podendo definir estratégias de ação internacional e fechamento de parcerias e acordos que favoreçam a o desenvolvimento econômico da localidade ou região. Para tanto, o autor se utiliza do exemplo norte-americano, em que o federalismo permite maior autonomia às unidades federadas na atuação como espaço de desenvolvimento econômico independente do Estado Nacional.
No mesmo sentido do apresentado por Keating (2005), o governo brasileiro propôs em 2003, o conceito de Cooperação Internacional Federativa, que trata de um conjunto de políticas do governo federal no sentido de promover e coordenar a atuação das unidades federadas no plano internacional, de maneira a estabelecer acordos de cooperação internacional e dando suporte a esses em negociações internacionais (TREVAS, CUNHA, KLEIMAN, 2006, p.32). A Cooperação Internacional Federativa é a proposta na tentativa de promover as Relações Internacionais Federativas mais próximas da ação conjunta internacional das unidades federadas e do Governo Federal, mesmo que seja considerada bastante limitada por autores como Gilberto M. A. Rodrigues (2008), que defende maior autonomia dos municípios em sua ação internacional, e que alguns desses teriam chegado a desenvolver a sua própria política externa.
A Cooperação Internacional Federativa faz parte de um processo no qual, governos locais e Estado buscam estabelecer maior contato para o desenvolvimento de políticas públicas. Esse processo é desenvolvido, em parte, com base em um conjunto de políticas federais para governos subnacionais denominado de Cooperação Federativa16, que busca gerar um consenso entre as relações entre Governo Federal e governos locais. É importante destacar que a Cooperação Federativa está sob a articulação da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, bem como a sua correspondente no âmbito das relações externas, a Cooperação Internacional Federativa (BRIGAGÃO, 2006). Podemos afirmar, portanto, que a tentativa institucionalizada de aproximação entre municípios e Governo Federal se deu de maneira mais importante a partir da criação do Comitê de Articulação Federativa criado em 2005 por iniciativa do Estado em parceria com organizações representativas de governos locais. Apesar de outras iniciativas precedentes terem apresentado importantes resultados na tentativa de promover a articulação entre governo federal e municípios, como veremos adiante.
Seguindo o proposto pela Cooperação Interncional Federativa, os órgãos da estrutura do governo federal defendem que os governos subnacionais devem compor as iniciativas da política externa empreendidas pela diplomacia, por meio de uma participação de complementaridade e de subsidiariedade às ações conduzidas pelo governo federal no plano internacional, dando maior amplitude e efetividade mútua.
O conceito de cooperação internacional federativa está centrado no fortalecimento da estrutura federativa do Estado nacional, onde a mobilização e coordenação entre as esferas de governo em torno das diretrizes da política externa tornam-se um recurso importante não somente para a estratégia de inserção do país no cenário internacional, mas como um fator de promoção de desenvolvimento dos governos subnacionais. (2006, p. 34)
É importante destacar a proposição de representantes do governo federal (TREVAS, CUNHA, KLEIMAN, 2006), de que os governos subnacionais têm vantagens a colher em sua inserção internacional por meio da Cooperação Internacional Federativa, se comparada à atuação desarticulada com o governo federal. Podemos afirmar que, de maneira geral, os governos locais carecem de apoio logístico, recursos e capital humano especializado para o desenvolvimento de projetos de atuação internacional17. Essa perspectiva explica, ao menos em parte, a proposição da cooperação internacional federativa de que se faz necessário incentivar e dar suporte aos municípios nas suas iniciativas internacionais, especialmente, naquelas articuladas com os interesses definidos pela política externa brasileira18 (2006, p. 32).
Há uma manifesta preocupação do governo federal em encaminhar as localidades às parcerias e atividades internacionais, apoiando-os, de forma a firmar acordos de cooperação, bem como, fomentando a participação desses gestores públicos locais nos fóruns internacionais. O Governo Federal dispõe-se a firmar acordos internacionais que prevejam a participação dos governos subnacionais, ou adicionar dispositivos que permitam essa participação19 (TREVAS, CUNHA, KLEIMAN, 2006). A disposição do governo federal pressupõe a manifestação de interesse por parte dos governos locais e estaduais e a conveniência do mesmo aos interesses do Estado.
O surgimento da Assessoria de Relações Federativas (ARF) do Ministério das Relações Exteriores (MRE) em 1997, em articulação com os oito escritórios regionais do ministério, responsáveis pelo contato com governos locais e regionais e com a sociedade civil organizada, proporcionou ao referido ministério os instrumentos necessários para acompanhar, ao menos em parte, as iniciativas internacionais das municipalidades e dar suporte às iniciativas das municipalidades em iniciativas internacionais, em especial, no processo de integração regional do Mercosul. A estrutura foi desenvolvida como uma maneira de acompanhar o crescimento dessas atividades, identificada como uma tendência consolidada (DANIEL 2002, p. 45).
[...] em virtude de adaptações institucionais [...], no caso do Brasil parece surgir a oportunidade de compatibilizar a manutenção do papel do Estado nacional no campo da política exterior com uma ação efetiva das esferas subnacionais (VIGEVANI, 2006, p. 13)
O Estado brasileiro desenvolveu políticas para adaptar-se às iniciativas internacionais dos governos locais, considerando-as inevitáveis, e de tendência à consolidação desde os anos 1990, podendo assim, promover uma compatibilização da atuação internacional dos governos subnacionais com os interesses do Estado nacional (VIGEVANI, 2006).
A atuação da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) representa uma nova abordagem a respeito do tema, antes tratado exclusivamente pela Assessoria de Relações Federativas (ARF) do Ministério das Relações Exteriores (DANIEL, 2002 p. 45). A Assessoria de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA) foi instituída pelo MRE em substituição à ARF, como o intuito de manter a articulação do ministério com governos locais e regionais, bem como com o parlamento, apesar de em 2003, a liderança das iniciativas para a articulação entre Estado e unidades federadas ter sido assumida pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, responsável pelo desenvolvimento da Cooperação Internacional Federativa. As mudanças na condução da articulação com governos locais e regionais deram-se com o início do governo Lula em 2003 (MEDEIROS, 2008)20.
A atuação internacional dos municípios, entretanto, precedeu a articulação desenvolvida pelo Governo Federal na tentativa de promover a articulação das relações internacionais federativas com os interesses do Estado, em 1997. As primeiras incursões de localidades ao exterior datam da década de 1980, baseadas, principalmente, na busca por financiamento internacional. Entretanto, podemos destacar iniciativas de atuação internacional de governos locais de meados da década de 1980 e início da década de 1990, com foco em projetos de cooperação técnica ou inserção em redes de cidades. Um importante exemplo é o irmanamento entre São Paulo e Toronto, Canadá21.
Considerações Finais
O protagonismo desenvolvido pelos governos subnacionais no sentido de promover suas atividades internacionais de maneira autônoma, e o relativo sucesso de suas iniciativas no plano internacional motivaram o surgimento de políticas nacionais voltadas à adaptação do Estado a essa nova realidade.
Essas políticas, em especial nos casos brasileiro e argentino, possuem forte priorização do âmbito da integração regional. Ou seja, os governos subnacionais foram estimulados a atuar como atores complementares no processo de integração regional, de forma a promover o aprofundamento dos laços existentes entre as sociedades dos países membros do bloco, em especial, nas áreas fronteiriças.
Não podemos afirmar, entretanto, que essas políticas sejam a razão pelas quais os governos subnacionais vieram a se envolver no processo de integração regional. Pelo contrário, não seria exagerado afirmar que essas políticas surgiram em decorrência do protagonismo desenvolvido pelos governos subnacionais, e que sua instituição constitui-se em mais um processo de apropriação de processos paralelos aos oficiais no processo de integração regional pela institucionalidade e pelas estruturas burocráticas dos governos nacionais. Ou seja, ao manifestarem-se dispostos a atuar internacionalmente em benefício do processo e integração regional e reclamarem para si mais espaço de atuação e interlocução dentro da institucionalidade do bloco, os governos subnacionais criaram uma oportunidade aos governos centrais dos países membros do Mercosul de instrumentalizar esse voluntarismo subnacional de forma a gerar benefícios ao processo de integração regional.
Sendo assim, os governos subnacionais ao optarem por promover um intenso ativismo no sentido de criar laços entre os governos locais e regionais dos países membros do bloco e no sentido de criar espaços para a exposição de suas demandas e de interlocução com os governos nacionais geraram importantes adaptações tanto na institucionalidade do bloco quanto nos governos nacionais. E, assim, possivelmente acabaram por, indireta ou diretamente, criar incentivos a outros governos subnacionais no sentindo de envolvê-los no processo de integração regional.
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*. Esse panorama é evidente se visualisarmos as redes de cidades e projetos de cooperação internacional dos quais as cidades brasileiras participam, apesar de um grande volume de parceiros europeus
1. CODESUL e CRECENEA - respectivamente, Conselho de Desenvolvimento do Sul e Comissão Regional de Comércio Exterior do nordeste argentino - são associações de governos regionais, respectivamente, do sul brasileiro e do nordeste argentino que buscam a integração como meio de promover o desenvolvimento econômico.
2. Zona de Integração Centro-oeste Sul-americana, associação de governos regionais dos países de Argentina, Brasil (Mato Grosso do Sul), Chile e Paraguai que busca promover o desenvolvimento econômico da região.
3. "No âmbito dos sindicatos, vale referência à articulação existente entre as centrais sindicais da região desde 1986, na Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), composta da CGT e CTA (Argentina), CUT, CGT e Força Sindical (Brasil), CUT (Chile), CUT (Paraguai), PIT/CNT (Uruguai). Pelo reconhecimento obtido, um dos espaçoes de participação tem por centro o Fórum Consultivo Econômico e Social (FCES), constituído em caráter regional e com seções nacionais, reunindo empresários, trabalhadores, e, no caso brasileiro e argentino, também organizações de consumidores" (Wanderley, 2007 p.91)
4. Equivalente ao chefe do executivo municipal nas municipalidades de países de língua espanhola.
5. Disponível em: http://www.mercocidades.org/index.php?module=htmlpages&func=display&pid=2 , último acesso em 5 de novembro de 2009.
6. "El Foro Consultivo, como una conquista de los gobernantes locales, regionales y nacionales, significa un espacio concreto de participación de estos actores, capaces de dar respuestas a los desafíos de la integración y del desarrollo a escala regional y local"
7. Disponível em: http://www.mercociudades.org/descargas/documentos/Declaraciones/carta_de_rio.pdf último acesso em 5 de novembro de 2010.
8. Podemos apresentar como exemplo de projeto de cooperação entre governos locais de municipalidades de regiões fronteiriças de países do MERCOSUL o Conselho Binacional Brasil-Paraguai dos municípios lindeiros de Itaipú
9. O caso uruguaio deve ser tomado com mais atenção devido à dimensão e funções das Intendencias que possuem características comparáveis aos de estados e municipalidades, a instituição municipal no Uruguai data de 2010
10. CODESUL e CRECENEA - respectivamente, Conselho de desenvolvimento do Sul e Comissão Regional de Comércio Exterior do nordeste argentino - são associações de governos regionais, respectivamente, do sul brasileiro do nordeste argentino que buscam a integração como meio de promover o desenvolvimento econômico. É importante destacar que a integração CODESUL-CRECENEA antecede o até mesmo o MERCOSUL.
11. Zona de Integração Centro-oeste Sul-americana, associação de governos regionais dos países de Argentina, Brasil (Mato Grosso do Sul), Chile e Paraguai que busca promover o desenvolvimento econômico da região.
12. Programa de cooperação descentralizada da União Européia com os países latino-americanos. Ver: http://ec.europa.eu/europeaid/where/latin-america/regional-cooperation/urbal/index_en.htm
13. Rede Mercocidades é uma rede de cidades que reúne governos locais de Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Perú e Bolívia. Os seus principais objetivos são manter o intercâmbio permanente entre as localidades dos países sul-americanos e de promover maior representatividade e poder decisório às localidades no processo de integração regional sul-americano.
14. Keating (2005) apresenta essa proposição ao apresentar modelos federativos em que essa interação é possível como Espanha, Alemanha, Bélgica e Canadá.
15. Ibdem 8
16. Ver Portal Federativo <http://www.portalfederativo.gov.br/bin/view/Inicio/DialogoFederativo> ultimo acesso em 22/08/2009.
17. A falta de uma estrutura adequada à atuação internacional é mais perceptível em governos locais de médio e pequeno portes, nos quais há baixa profissionalização e institucionalização nas relações internacionais. Ver Brigagão (2005)
18. Eixos principais da Cooperação Internacional Federativa: Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR); Cooperação com Regiões Italianas;Cooperação descentralizada federativa Brasil-França; IBAS- Índia, Brasil, África do Sul; Fórum das Federações. Ver: Portal Federativo <http://www.portalfederativo.gov.br/bin/view/Inicio/EixosAtuacaoCooperacao>
19. Para compreendermos mais claramente a afirmação dos autores, é fundamental entendermos que para que um acordo internacional tenha validade jurídica ele deve ter o Estado Nacional como sujeito de direito, ou seja, nenhum acordo internacional que implique em responsabilidades e benefícios à um governo local terá validade jurídica se não for firmado pela União, único sujeito de direito internacional público dentre os três níveis do Estado brasileiro.
20. Apesar da liderança da Presidência da República no processo de articulação das relações internacionais federativas, o Ministério das Relações Exteriores manteve importante papel no processo, como podemos constatar pela referência por representantes de governos locais ao contato com os escritórios do MRE no desenvolvimento de iniciativas internacionais. Um exemplo dessa dinâmica é o governo de Belo Horizonte.
21. Toronto e São Paulo tornaram-se cidades-irmãs, o que consiste na identificação mútua de importantes semelhanças e complementariedades nas quais baseiam-se uma série de projetos de cooperação e intercãmbio. Toronto e São Paulo desenvolveram relevantes projetos de cooperação técnica e intercâmbio durante durante toda a década de 1990, até a municipalidade paulistana não demonstrar interesse no desenvolvimento de novas parcerias no inicío dos anos 2000.