3, v.2As regulamentações privadas no contexto da governança globalAs relações Russo-Japonesas no início do século XXI author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  




Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A gestão estratégica no governo e a cooperação internacional para o desenvolvimento como geradores de valor público - uma análise estratégica por "jogos ocultos" e em "dois níveis"

 

 

Flávia Pedrosa Costa

Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MG e pós-graduanda em Gestão Empresarial com ênfase em Negócios pela Fundação Dom Cabral

 

 


RESUMO

O artigo analisa a utilização do planejamento estratégico para a geração de valor público ao explanar sobre a lógica da cooperação internacional para o desenvolvimento. Para tanto, utiliza-se como objeto de estudo o acordo assinado entre o Banco Mundial (BIRD) e o estado de Minas Gerais, a saber: "I Programa de Parceria para o Desenvolvimento de Minas Gerais". Por meio deste, é iniciada uma reflexão sobre o diálogo entre os ambientes doméstico e internacional e, no cerne desta, o papel do estado. Uma vez que a base para a análise estratégica é a visão sistêmica, analisa-se o micro e macro ambientes para a formulação da agenda estratégica do governo. Como resultado, em 2003 governo implementou o "Choque de Gestão", alinhado com as tendências internacionais, que resultaram na assinatura do acordo em 2006. Haja vista que a contrapartida foi vinculada à execução dos projetos, o sistema de gestão havia sido reestruturado a fim de monitorar os indicadores a serem apresentados, de forma a mensurar a execução das políticas públicas propostas. Neste sentido, infere-se que o alinhamento estratégico entre o doméstico e o internacional gerou valor público à sociedade.

Palavras-chave: Gestão Pública; Estratégia; Diplomacia Federativa; Cooperação Internacional; Minas Gerais; Desenvolvimento Local; Instituições; Política


 

 

APRESENTANDO O AMBIENTE

Em 2006 o governo de Minas Gerais e o Banco Mundial (BIRD) celebraram o acordo de cooperação técnica "I Programa de Parceria para o Desenvolvimento de Minas Gerais" após, aproximadamente, uma década sem recebimento de empréstimos por parte de organizações internacionais (OIs).

A forma como ocorreu, o contexto em que se inseriram as negociações para a ratificação e as implicações de tal acordo compõem as indagações iniciais que inspiraram a realização deste artigo e que, não obstante, apresenta algumas razões para a defesa da peculiaridade e relevância do tema abordado. As décadas do século XX, particularmente, apresentaram transformações tais nas esferas social, econômica, tecnológica, política, humana e ambiental que geraram a necessidade de se pensar novas formas de interação nos níveis nacional e internacional.

No âmbito das relações internacionais, a tradicional agenda de segurança e o papel do estado como ator principal passou a se mostrar insuficiente, abrindo espaço para o estudo de outras agendas e a inserção de novos atores no cenário internacional; No âmbito nacional, principalmente a partir da década de 70 - e impactados pelas crises internacionais - os Estados encontravam-se imersos em graves crises da dívida externa.

Observa-se, ainda, o rápido desenvolvimento tecnológico, principalmente das telecomunicações e aviação e que, somando-se posteriormente ao advento da globalização, aumentaram a velocidade dos fluxos comerciais e ampliaram a idéia de um "mundo sem fronteiras" (KEOHANE; NYE, 2001).

Sendo assim, este pode ser considerado um momento de incerteza, em que paradigmas anteriores são colocados à prova e, desta forma, tornam-se necessárias a apresentação de novas formas de interação para este novo cenário. Neste sentido, a inserção internacional de Minas Gerais é estudada em tal contexto, principalmente, no que concerne ao ambiente de incerteza e rápidas transformações ideológicas e estruturais.

Cabe ressaltar que as implicações de tal cenário não se restringiram às preocupações na esfera pública, mas, também, fizeram parte dos esforços no setor privado em direção à maximização do lucro em um ambiente tão instável e competitivo. Este é, então, um momento de inovações, tanto na gestão empresarial quanto na gestão do aparelho estatal, cada qual com seu objetivo que, no caso da empresa é a de gerar lucro e, no caso do Estado, o de gerar valor público.

O contexto mineiro

Bem como outros estados federados, Minas Gerais apresentava um grave quadro fiscal, notório déficit orçamentário e, desta forma, um agravamento do endividamento estadual. Dentre outros, os fatores de maior influência este eram as transferências de recursos, gastos com pessoal e investimentos (SILVA; SOUSA, 2002), conjunto de fatores estes que posicionaram Minas como um dos três estados mais endividados do país.

Haja vista que, neste contexto (1997-2001), o estado apresentava baixo grau de gastos com investimentos, sugere-se que a receita do estado era redirecionada para outros gastos, levando a um quadro de estagnação do desenvolvimento e sacrifício de políticas públicas para a sociedade.

Na tentativa de minorar tal situação, em 1995 o Governo Federal anunciou uma série de medidas e metas direcionadas ao ajuste das contas públicas estaduais que seriam condicionantes à renegociação da dívida pública, concernente à "Reforma do Estado". No ano 1997 em Minas Gerais, o Governo Eduardo Azeredo e o Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) assinaram um acordo de renegociação da dívida, cujas metas não foram alcançadas. Contudo, tal situação foi tratada de forma "benevolente" (VICTORINO, 2001), deixando para o governo posterior (Itamar Franco) - além de outras dívidas estatais- a responsabilidade do cumprimento destas metas.

Segundo Guimarães (2003), ao assumir, o recém empossado governador pleiteou frente o Governo Federal uma suspensão temporária do pagamento das parcelas da dívida até que o governo se recuperasse financeiramente. O pleito foi recusado sob a justificativa de que "eventuais situações de desequilíbrio fiscal não podem ser atribuídas a tais acordos, nem constituir causa para seu descumprimento" (apud GUIMARÃES, 2003, p.74). Diante de tal resposta, a alternativa considerada pelo Governo Itamar foi a declaração da moratória, fato que agravou a imagem de Minas no cenário internacional e perante as OIs.

Contudo, modificações no arranjo político e reformas institucionais realizadas a partir de 2003, ajudaram a melhorar a imagem do estado no nível internacional a ponto de, grosso modo, se traduzir na cooperação técnica internacional da qual trata este trabalho.

A partir deste contexto infere-se que tal cooperação pode ser entendida como o resultado de uma espécie de análise de mercado, em que foram analisados os macro e micro ambientes e, a partir destes, elaborou-se o planejamento estratégico do governo em longo prazo, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI).

 

CONHECENDO AS REGRAS DO JOGO

Ambiente institucional brasileiro

Para o entendimento da lógica doméstica concernente à cooperação internacional, ressaltam-se três diretrizes apresentadas na Constituição Federal de 1988: a organização política brasileira - República Federativa-, o regime político - Democracia- e, por fim, o compromisso dos governos com o desenvolvimento.

Segundo a CF/88 (art. 1º, parágrafo único), por Estado Democrático entende-se "todo poder que emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos"1, sendo regido "por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais" (MORAES, 2006, p. 17).

Inseridos neste regime, os tomadores de decisão no nível nacional tendem a agir segundo suas premissas, entendidas neste artigo como "regras do jogo". No Brasil, o modelo de democracia que norteia o arranjo institucional é modelo consensual2 destacando, em apertada síntese, "a dispersão de poderes entre legisladores individuais, grupos de parlamentares e o plenário" e a "república federalista".

No que concerne à forma de governo, republicano e presidencialista, ressaltam-se os processos eleitorais distintos para os membros do Legislativo e do Executivo, e os mandatos limitados no tempo e espaço (ROCHA; ANASTASIA, 2009), sendo o Poder Legislativo Federal regido pelo Congresso Nacional sob um sistema bicameral pela Câmara Alta (CA) - Senado -, e a Câmara Baixa (CB) - Câmara dos Deputados-, cujas competências são bem definidas entre ambas3. Neste sentido, verifica-se que a CB não tem competência direta no que tange as operações de crédito externas.

Ou seja, para maiores possibilidades de aprovação de uma operação externa é desejável que os representantes políticos do estado demandante da ratificação tenham relativo poder de barganha perante o Congresso. Desta forma, infere-se que as preferências políticas a nível local são transpostas para o nível nacional com vistas à negociação ou legitimação destas no nível internacional. Sendo assim percebe-se que tal dinâmica, associada às transformações estruturais no âmbito internacional, permitiu a emergência de novas formas da atuação internacional dos entes federados.

O Federalismo nas relações internacionais: Diplomacia Federativa

A influência das supracitadas regras do jogo no nível federal e os fenômenos produzidos no ambiente internacional modificou as formas de interação entre os Estados emergindo, neste contexto, a idéia de que o que acontece no plano doméstico repercute internacionalmente que, por sua vez, influencia o local.

Desta forma, verifica-se o transbordamento do federalismo para as relações internacionais, chamado pelo Itamaraty de "Diplomacia Federativa" (PEREIRA, 2004). Entendida como uma vertente da paradiplomacia4, esta se caracteriza pela ação internacional dos entes federados em assuntos de interesse público como, passando este a ser um dos recursos mais utilizados pelos estados no que tange a obtenção de recursos financeiros ou técnicos com vistas à promoção do desenvolvimento local, traduzido por políticas públicas eficientes.

Haja vista que uma das ações mais recorrentes diz respeito à cooperação internacional, e cuja ratificação de acordo depende da aprovação no nível federal, a diplomacia federativa se insere em uma série de jogos de poder nos âmbitos local, nacional e internacional.

"The global village"

A idéia de "global village" é utilizada por Keohane (1977) para exemplificar as transformações ideológicas e estruturais brevemente apresentadas no início deste artigo, compreendendo um cenário definido por "[...]situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países" (KEOHANE; NYE, 1977, p.7), denominado "interdependência complexa".

Neste cenário, discrepâncias em arenas ou jogos específicos podem gerar relações conflituosas e, desta forma, a cooperação internacional surge com o intuito de evitar o confronto e vislumbrar uma possível cooperação através da ação regulatória no sistema internacional. Neste sentido, geralmente as OIs são entendidas como sendo os agentes principais5 haja vista que ao difundirem suas diretrizes, estão difundindo regras que são apreendidas pelos estados, que as traduzem domesticamente em seus planejamentos estratégicos.

No caso de Minas Gerais, este plano se traduziu no "Choque de Gestão", alinhada as diretrizes da "Estratégia de Assistência ao País" (EAP), documento do BIRD que direciona o marco-lógico dos projetos de seus estados membros. Vale lembrar que o artigo atenta para o fato que a EAP foi publicada meses antes da formulação do PMDI, contudo, ressalta também, o papel do governante como estrategista atento às transformações estruturais externas ao seu ambiente, de forma a maximizar as oportunidades e minimizar ameaças advindas deste. Ademais, neste contexto verifica-se a difusão de influências anteriores6 que já sinalizavam para a consolidação de tal tendência como, por exemplo, a missão na década de 60 do "Intergovernamental Working Group of Experts on International Standards" (da Organização das Nações Unidas). Tal missão defendeu a adesão de padrões de contabilidade pública e, atualmente, orienta que tais padrões sejam adequados até 2012 - o que pode gerar outro objeto de estudo atual.

Cooperando no ambiente internacional

Segundo Ayllón (2006), é inexistente uma definição única de "cooperação para o desenvolvimento", pois, como conceito, ela se vincula às mudanças nos vários âmbitos das relações entre os Estados. Para fins deste artigo será abordada a modalidade de Cooperação Técnica Internacional2 (CTI), em que se encaixa o "I Programa de Parceria para o Desenvolvimento de Minas Gerais" e que pode ser entendida como

uma intervenção temporária destinada a promover mudanças qualitativas e/ou estruturais em um dado contexto socioeconômico, seja para sanar e/ou minimizar problemas específicos identificados naquele âmbito, seja para explorar oportunidades e novos paradigmas de desenvolvimento (Agência Brasileira de Cooperação, 2004).

Percebe-se, então, a predisposição dos estados, através da ação das OIs, em buscar a cooperação como instrumento maximizador de seus objetivos ao apreender as orientações difundidas por estas. Em relação ao acordo de empréstimo estudado, duas características são ressaltadas: o tipo de contrapartida e o tipo de empréstimo.

Em relação ao primeiro, o acordo não foi baseado em contrapartida financeira, o que não é prática comum haja vista que, mesmo que os juros sejam muito baixos, o BIRD os cobra (MUNHOZ, 2007). Ademais, tal tipo de contrapartida foi a primeira no mundo entre um estado federado e o BIRD.

Ainda no campo do pioneirismo, e em relação ao segundo ponto, este foi o primeiro empréstimo brasileiro do tipo "DPL7 - empréstimo para políticas de desenvolvimento". Um acordo deste tipo caracteriza-se pela divisão do empréstimo em parcelas que são liberadas na medida em que as metas relativas aos programas foco (definidas no momento do acordo) vão sendo cumpridas.

Tal situação exemplifica o impacto da cooperação internacional no ambiente doméstico através da tradução destas metas na execução de políticas públicas locais. Para tanto, foi desenvolvimento em Minas Gerais um sistemática de monitoramento de tais meta através do sistema de "Acordo de Resultados" que avalia e monitora o desempenho das metas vinculadas a cada Secretaria de Estado. Cabe ressaltar que, desde 2006 estas parcelas vem sendo liberadas e, até o presente ano ainda ocorrem.

O Banco Mundial, o Estado e o Desenvolvimento

A cooperação internacional para o desenvolvimento é constituída por órgãos que atuam de diferentes formas para a promoção do desenvolvimento no sentido de, entre outras metas, "aliviar a pobreza no mundo todo" e o BIRD é um destes.

Segundo Munhoz (2007), as políticas adotadas pelo BIRD foram impactadas por, pelo menos, quatro abordagens diferentes do conceito de desenvolvimento e que, mutuamente, influenciaram nas tomadas de decisão no nível doméstico. Neste sentido, infere-se que o entendimento de "desenvolvimento" alterou-se consoante as mudanças na presidência do Banco8 bem como as políticas domésticas alteraram-se em consonância com mudanças de governo e arranjo institucional.

Desta forma, o papel do Estado não permaneceu estático e acompanhou as mudanças ao longo do tempo, podendo ser resumidas em três momentos (KRAUSE, 2004): 1) 1982-1991, caracterizado pelo distanciamento do Estado das políticas públicas; 2) 1991-1997, caracterizado pela emergência do debate sobre "boa governança" e, por fim; 3) 1998-2002, caracterizado pela noção do novo papel de Estado, com vistas à criação de ambientes institucionais estáveis e ao reconhecimento de sua complementaridade junto ao setor privado, na forma de agente regulador.

 

NA SALA DOS JOGOS

Equacionando Putnam e Tsebelis no caso de Minas Gerais: jogos de poder ocultos e em dois níveis

De acordo com Putnam (1988), o acordo no Nível I (internacional) deve ser ratificado no Nível II (nacional), o que implica na convergência das preferências dos atores em cada nível, que são formadas com base na formulação dos win sets, ou conjunto de possibilidades. Segundo o autor, quanto maior a extensão de cada win set, maior possibilidade de convergência entre eles e, logo, maior facilidade de sucesso no Nível I. Ademais, o quanto menor for o win set advindo do Nível II, maior poder de barganha o negociador terá no Nível I para a construção do acordo de seu interesse. Neste sentido o Nível II engloba, além do Governo Federal, os entes federados nos jogos políticos intrínsecos a estes.

Retomando as considerações apresentadas neste artigo relativas ao ambiente institucional brasileiro, a diplomacia federativa e a cooperação internacional, ressalta-se que os atores inseridos nestes jogos estão intimamente conectados e que o resultado destes são muito relevantes para a interação final.

No ambiente dos entes federados, uma das arenas em que tais jogos podem ser verificados é o ambiente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em que as interações entendidas pelas convergências partidárias são essenciais para a formação e tamanho dos win sets supracitados. No caso de maior divergência ideológico-partidária no âmbito da ALMG é possível que haja maior restrição quanto à aprovação de leis, decretos, projetos ou outras medidas relevantes no âmbito nacional podendo, desta forma, gerar assimetria no Nível II e comprometendo convergências no Nível I.

Tal heterogeneidade foi uma situação verificada em Minas pela constatação do alcance de aprovação média de, apenas, 71% das propostas legislativas apresentadas pelo Governo Itamar Franco (DIAS, 2007). Não obstante, verifica-se o distanciamento das OIs no estado de Minas por anos.

Sugere-se que tal assimetria (no caso, conflituosa) gerou um win set restrito e, desta forma, restrito também para as negociações em âmbito nacional identificando os jogos em, pelo menos três arenas diferentes: a arena de interação entre os deputados estaduais (na ALMG), a arena de interação entre os deputados federais e os senadores (Congresso Nacional) e, por fim, a interação entre estas duas arenas, resumida pelos "jogos em dois níveis".

A dinâmica decorrente de tais interações é o que Tsebelis (1998) chama de "jogos em múltiplas arenas" em que, no Nível II, a arena onde ocorre o jogo principal é o Congresso, onde serão refletidos os resultados dos jogos periféricos em nível estadual como, por exemplo, advindos da ALMG e de comunidades epistêmicas.

Não obstante, percebe-se que a partir de 2003, quando há mudança de governo no estado, a sinergia entre o estado de Minas, o Governo Federal e as diretrizes oriundas das OIs é fortalecida. Sendo assim, verifica-se que uma das características centrais das democracias representativas - a alternância no poder permite aos cidadãos substituírem "uma liderança por outra e, assim, se protegerem dos excessos das decisões políticas dos governantes" (MARTINS DE LIMA, 2004) - produziu impactos não apenas na condução da política local, mas, também, na condução da política internacional de Minas Gerais.

A este tipo de interação Tsebelis (1998) denomina jogo do tipo "projeto institucional", em que para maximizar seus objetivos os atores -no caso, Minas Gerais- atuam com vistas à alteração da matriz de payoffs em que estão inseridos. Desta forma, eles buscam alterar as regras do jogo com o intuito de aumentar sua gama de alternativas e, assim, seu espaço estratégico por meio de, geralmente, alguma inovação institucional como, por exemplo, a implantação do "Choque de Gestão", em 2003, pelo Governo de Minas.

Desse modo, o projeto institucional fornece uma maneira sistemática de pensar as instituições políticas. As instituições não são consideradas somente como coerções herdadas, mas possíveis objetos da atividade humana (TSEBELIS, 1998, p.34)

Neste sentido, verifica-se que a alternância de governo e a mudança na forma de conduzi-lo foram essenciais para que o governo mineiro retomasse a imagem de confiança perante os organismos internacionais.

 

O AMBIENTE DA MUDANÇA

A Reforma do Estado Mineiro

Ao assumir o governo de Minas em 2003, Aécio Neves encontrou, além da situação já apresentada, um governo com grave crise de confiabilidade nos Níveis I e II devido às divergências políticas em ambos. Ressalta-se, e se faz coro, que tal cenário não é atribuído a um único governo, mas sim, a um conjunto de fatores que levaram a tal situação ao longo dos anos.

Segundo Tsebelis (1998), a redefinição das regras do jogo, por meio de uma inovação seria uma boa estratégia para a mudança na matriz de payoffs, que impactaria no resultado da arena principal. Neste sentido, primeira medida apresentada foi o "Choque de Gestão", apresentando um "novo estado mineiro". Esta forma de condução claramente convergia com a Reforma do Estado (1995) em âmbito nacional e, em âmbito internacional com o BIRD sobre o novo papel do Estado a partir, principalmente, da década de 90.

Cabe ressaltar que é, também neste momento, que se iniciam as colaborações de Kaplan e Norton, "com um projeto de pesquisa envolvendo várias empresas, que buscou novas maneiras de medir o desempenho organizacional" (KAPLAN; NORTON, 2004).

Do projeto de pesquisa supracitado emergiu o conceito de um "sistema balanceado de mensurações": o Balanced Scorecard (BSC), com o intuito de apresentar um modelo de gestão que apresentasse fundamentos para a "mensuração e gestão do valor criado pelo aumento das habilidades dos ativos intangíveis da organização" (KAPLAN; NORTON, 2004). Sendo assim,

o Balanced Scorecard traduz a missão e estratégia em objetivos e medidas segundo quatro perspectivas diferentes: finanças, do cliente, dos processos e do aprendizado e crescimento. O Scorecard cria uma estrutura, uma linguagem, para comunicar a missão e estratégia, e utiliza indicadores para informar os funcionários sobre os vetores do sucesso atual e futuro. (KAPLAN; NORTON, 1997)

A partir deste modelo foi criada a estratégia a ser implementada pelo Governo de Minas por meio de apresentadas no "Choque de Gestão", concebido "a partir de uma perspectiva integradora de políticas" orientadas ao desenvolvimento, atributos originais tanto em perspectiva nacional quanto internacional (VILHENA; MARTINS; MARINI, 2006).

Sendo assim, tal modelo inova ao optar por atuar tanto na esfera do ajuste quanto na do desenvolvimento quanto no momento em que parte de um plano estratégico orientado para o futuro.  O planejamento estratégico pode ser entendido como um "esforço sistematizado para produzir decisões fundamentais e ações que estruturam e orientam o que uma organização é, o que ela faz e por quê" (BRYSON, 1995 apud ALMEIDA; GUIMARÃES, 2006). No setor público tal esforço se materializa nos planos e orçamentos, cujos resultados impactam no desempenho governamental, sendo o modelo de planejamento estratégico em Minas é composto por 6 instrumentos, a saber: 1) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado - PMDI; 2) Plano Plurianual de Ação Governamental - PPAG; 3) Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO; 4) Lei Orçamentária Anual - LOA; 5) Junta de Programação Orçamentária e Financeira - JPOF e; 6) Decreto de Programação Orçamentária e Financeira - DPOF.

Considerando o acima exposto, o planejamento adotado pelo estado em 2003 foi definido sob uma "abordagem dual", com estratégias de curto prazo para o primeiro ano e, simultaneamente, um planejamento de médio e longo prazos, o PPAG 2004-2007 e PMDI, respectivamente (GUIMARÃES; ALMEIDA, p.44, 2006). Em síntese, tal planejamento sustentou-se em dois pilares, "o equilíbrio fiscal, estratégia do presente, e uma agenda de desenvolvimento, estratégia do futuro, que justificasse também para a sociedade os ajustes iniciais de redução, racionalização de despesas, redução de estruturas e expansão das receitas tributárias" (ibidem, p. 47, 2006).

Tal base de sustentação é considerada de extrema importância, podendo hoje ser verificada pelos pressupostos da 3ª etapa do "Choque de Gestão". Neste sentido, cabe ressaltar que suas primeiras medidas foram percebidas com desconfiança, principalmente, pelo caráter imediato de "ajuste fiscal", contudo, necessário para o alcance de resultados mais "populares" no longo prazo.

Alinhando-se às considerações de Kaplan e Norton (1997) de que o "que não é mensurado não é gerido", em 2003 o Governo apresentou um modelo de contratualização - Acordo de Resultados (AR) - com o intuito de assegurar o desempenho das políticas previstas no planejamento supracitado. Neste contexto, cabe atentar para o fato que, diante do cenário internacional de incertezas e da imagem de incredibilidade do estado, este modelo pode ser entendido como um instrumento de "extensão da sombra do futuro". Na medida em que o compromisso entre as partes com vistas o alcance das metas definidas é formalizado por meio de decreto, cria-se uma expectativa de continuidade dos jogos e, desta forma, a tendência ao blefe tende a ser reduzida, e no âmbito internacional, aumentando as chances de cooperação (OYE, 1985).

Neste sentido, a formulação da estratégia de longo prazo (PMDI em sua primeira fase9) foi pautada nas quatro grandes questões estratégicas: "Onde estamos?", "Aonde podemos chegar?", "Aonde queremos estar?" "Como chegar lá?".

Um importante instrumento de diagnóstico em resposta às questões supracitadas é a análise SWOT10, em que são apresentadas as forças e fraquezas (internas à organização) e as ameaças e oportunidades (externas à organização). A partir da junção dos fatores micro e macro ambientais são construídos cenários exploratórios com vistas à construção da estratégia que é traduzida por um Mapa Estratégico contendo a visão de futuro, ações estratégicas e objetivos prioritários.

Neste sentido, foi estabelecido um portfólio de projetos submetidos à Gestão Estratégica de Recursos e Ações (GERAES), tratados como ações prioritárias haja vista o restrito orçamento governamental. No PPAG tais ações foram vinculadas à áreas temáticas que, comparativamente, correspondem aos três pilares característicos do "Programa de Parceria para o Desenvolvimento de Minas Gerais" :

I) aumentar a eficiência e a eficácia do uso e da destinação dos recursos públicos para o desenvolvimento social e econômico; II) apoiar a adoção de inovações na administração pública; e III) fortalecer o sistema de gerenciamento do monitoramento e da avaliação de eficiência com base em resultados (Art. 2º. Decreto nº 44846/2008).

Complementarmente à idéia de convergência supracitada, abaixo segue o discurso no momento de apresentação do Plano na ALMG,

Apraz-me dizer que o PPAG 2004-2007 já reflete a mobilização do povo mineiro e de nossos parceiros. A carteira de 30 projetos estruturadores encaminhada nesta proposta foi construída e conta com a participação do setor privado, mediante parcerias público-privadas, do governo federal, com quem estamos alinhados naquilo que for bom para Minas e para o Brasil, dos organismos internacionais, que voltaram a acreditar em Minas, e dos municípios que compõem o Estado. Batizados de Gestão Estratégica dos Recursos e Ações do Estado (GERAES), os projetos estruturadores compõem o núcleo das mudanças que pretendemos imprimir no Estado: reorganizar a máquina pública, promover o desenvolvimento sustentável e recuperar o vigor político de Minas Gerais (AÉCIO NEVES apud  PPAG, 2004-2007).

Desta forma, atenta-se para o fato de que a homogeneidade interna era um aspecto muito relevante para a imagem internacional de Minas. É interessante observar que, em apenas um ano (2005), o pleito para operação de crédito junto ao BIRD foi aprovado pela ALMG, e que em 2006 seria formalizado no "Projeto de Parceria para o Desenvolvimento de Minas Gerais".

Complementarmente, além das diretrizes estabelecidas, O BIRD ressaltou no acordo de empréstimo11 os avanços já alcançados pelo Governo desde 2003 e discorreu sobre os indicadores de sucesso nas áreas de "Ajuste Fiscal", "Promoção do Desenvolvimento do Setor Privado e Excelência na Administração Pública" - as áreas temáticas que seriam financiadas em 2006.

Este foi, então, o início da relação entre o BIRD e Minas Gerais que perdura até o presente momento e vincula-se à evolução da gestão no governo, divido em três etapas (VILHENA, 2011): 1) 2003- 2006: "Choque de Gestão" voltado para o equilíbrio fiscal; 2) 2007-2010: "Estado para Resultados", voltado para a melhoria do desempenho gerencial visando resultados e; 3) 2011-2010: "Gestão para a Cidadania", voltado para o estado em rede baseado nos princípios da participação e regionalização.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou e teve como principal esforço a integração dos vários fatores que conectam e impactam os atores nacionais e internacionais no que tange à gestão do setor público e, desta forma, suas implicações na conformação de políticas públicas para a sociedade.

Considerando o ambiente de "interdependência complexa" em que os atores transnacionais são cada vez mais inseridos na dinâmica internacional, procura-se entender quem são estes atores e como se comportam internamente até que possam se situar como tais em âmbito internacional. Desta forma, este artigo defende que as relações internacionais com vistas à prática acontecem de facto no ambiente doméstico, em consonância com a forma de condução e articulação dos jogos entre todos os atores nos níveis nacional e subnacional.

Ou seja, como explanado ao longo do artigo, demandas domésticas são geradas a ponto de fazerem parte da pauta internacional, contudo, tais demandas são formuladas segundo conduções nas várias arenas domésticas. Ademais, nestas várias arenas são apreendidas ou não regras e valores difundidos internacionalmente o que, neste artigo, leva à conclusão de que um governante "bem intencionado" deve buscar ao máximo uma agenda estratégica que alinhe ambos as esferas.

Tal dinâmica, como discorrido, é envolta em jogos muito complexos e, nem sempre, visíveis ou compreendidos. Contudo, os resultados de tais jogos são visíveis, de forma negativa ou positiva, podendo ser percebidos na formulação e execução de políticas públicas.

Embora considerando que existam ainda mais fatores a serem analisados e também aprofundados é neste sentido que trabalha este artigo, de forma a chamar fortemente o ambiente doméstico para as relações internacionais na forma da gestão do setor público e condução de governo. Sendo assim, atentando sobre as implicações destes para a sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABC, Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral - 2ª Edição, Fevereiro 2005.

AYLLON, Bruno. O Sistema Internacional de Cooperação ao Desenvolvimento e seu estudo nas Relações Internacionais: a evolução histórica e as dimensões teóricas. In.: Revista de Economia e Relações Internacionais. Vol. 5, n. 8 (2006) - São Paulo: FEC-FAAP, 2005.

CASTRO, Luiza Carnicero. O Desenvolvimento guiado por um elemento estrangeiro: As relações entre o Banco Mundial e os países subdesenvolvidos. Tese (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas, 2004.

DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

FILGUEIRAS, Cristina Almeida Cunha. A ajuda internacional para o desenvolvimento na América Latina: realidades e desafios atuais. In.: Desenvolvimento, Desigualdades e Relações Internacionais. Editora PUC Minas, 2005.

KAPLAN, Robert. S; NORTON, David P. A Estratégia em Ação. Editora Campus, 1997.

KAPLAN, Robert. S; NORTON, David P. Alinhamento: usando o Balanced Scorecard para criar sinergias corporativas. Editora Elsevier, 2006.

KAPLAN, Robert. S.; NORTON, David P. Mapas Estratégicos: convertendo ativos intangíveis em resultados tangíveis. Editora Elsevier, 2004.

KEOHANE, Robert; Nye, Joseph. Power and Interdependence. Boston, Little, Brown, 1977.

KRAUSE, Philipp. From Epistemic Change to Action: The Case of State Reform at the World Bank Paper presented at the annual meeting of the International Studies Association, Le Centre Sheraton Hotel, Montreal, Quebec, Canada, Mar 17, 2004.

MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. O conceito de desenvolvimento no âmbito do Banco Mundial. In.:Integração Regional e Desenvolvimento. Org.:BARRAL, Welber; FILHO, Romeu Felipe Bacellar.Fundação Boiteaux. Florianópolis, 2007.

OYE, Kenneth A. Cooperation under Anarchy. Princeton University Press, 1986.

SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO. Plano Plurianual de Ação Governamental. 2004 - 2007. Belo Horizonte, 2004.

SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO. Plano Plurianual de Ação Governamental. 2000- 2003. Belo Horizonte, 2000.

SILVA, Isabela Fonte Boa Rosa; SOUSA, Maria da Conceição Sampaio de. Determinantes do endividamento dos estados brasileiros: Uma análise de dados de painel. Texto para discussão nº259. Universidade de Brasília, 2002.

PUTNAM, Robert D. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games". In: International Organization, vol. 42, nº 3, Summer 1988.

TSEBELIS, George. Jogos Ocultos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

VICTORINO, Walter Alves. O endividamento de Minas Gerais no contexto do federalismo brasileiro. FACE/FUMEC, 2004.

VILHENA, Renata. Contratos de Gestão: A evolução do Acordo de Resultados no Governo de Minas Gerais. Apresentação de slide SEPLAG-MG, 2011.

VILHENA, Renata; MARTINS, Humberto F.; MARINI, Caio; GUIMARÃES, Tadeu B. O Choque de Gestão em Minas Gerais. Editora UFMG, 2006.

 

 

1. Segundo MORAES (2006) este é denominado "princípio democrático".
2. Lijphart divide as democracias modernas em "consensuais" e "majoritárias". Neste artigo será mencionada apenas a primeira. Para mais detalhes, ver: Elites Parlamentares na América Latina.
3. Para competências do Senado, ver Art. 52 da CF/88; Para competências da Câmara dos Deputados, ver Art. 51 da CF/88.
4.  Por paradiplomacia entende-se o tipo de relação diplomática estabelecida entre entes não tradicionais da Diplomacia, como a União.
5. As comunidades epistêmicas também se inserem neste contexto de forma relevante como, por exemplo, o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) com a publicação "Minas Gerais do Século XXI", 2002.
6. Mais exemplos podem ser encontrados no livro "Agenda de Melhorias: Caminhos para inovar na gestão pública". BDMG, MBC e Governo de Minas.
7. Development Policy Loan.
8. Para aprofundamento dos dados acerca dos projetos apoiados pelo BIRD em cada período, ver: World Bank Group Archives - Historical Chronology, 1944 - 2008.
9. Ressalta-se o fato de ser primeira fase, pois, exatamente, devido ao cenário de incertezas e a característica da estratégia em ser dinâmica, o PMDI passa por revisões segundo demandas emergentes e, neste momento, encontra-se em fase de validação e consolidação da última versão (2011).
10. "strength. weakness, opportunity, threats".
11. Loan 7377-BR
.