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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Segurança na América do Sul: problemas e atores*

 

 

Graciela De Conti Pagliari

Curso de Relações Internacionais Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: graciela.pagliari@gmail.com

 

 


RESUMO

Embora haja uma baixa ocorrência de guerras interestatais na América do Sul, não estão ausentes situações conflitivas tendo em vista os desafios que se apresentam para os países: as dificuldades que os mesmos têm em conciliar objetivos, visões e estratégias. Ainda que os Estados busquem resolver suas disputas por meio da diplomacia, persiste a ameaça do uso da força e a retomada, por alguns países, de um processo de aquisição de material bélico. A tais circunstâncias, somam-se outras dinâmicas cujos efeitos são potencializados pelas condicionalidades internas desses Estados. Nesse sentido, considerando-se o quadro contemporâneo de desafios que se apresentam para os países sul-americanos, o objetivo do trabalho é refletir sobre suas dinâmicas conflitivas e a atuação do Brasil neste contexto, enquanto relevante ator regional. As reflexões consideram a manutenção de percepções tradicionais de ameaça - atentando para os desafios que a sua persistência atribui ao desenvolvimento de relações de cooperação multilateral - e o temor das novas ameaças, cujos efeitos para os países são distintos.

Palavras chaves: segurança - América do Sul - cooperação regional


 

 

Este trabalho visa a analisar a realidade atual dos desafios de segurança que se apresentam para os países sul-americanos e para o Brasil em especial, considerando-se a natureza distinta das dinâmicas conflitivas do pós-Guerra Fria que, dentre outras consequências, ampliaram o espaço para respostas multilaterais e para a cooperação regional. Questiona-se em que medida os conflitos armados e as rivalidades tradicionais - ainda pendentes na região - acrescidos do principal problema não tradicional (o narcotráfico) tem influenciado as dinâmicas de segurança na América do Sul e a possibilidade de respostas conjuntas.

Atentando-se à interpretação dos complexos regionais de segurança desenvolvida por Buzan e Wæver (2003), considera-se que há uma diferenciação na América do Sul em relação aos processos e dinâmicas conflitivas entre a região do Cone Sul e a região andina. Uma hipótese a ser considerada para apreciar essa distinção é a construção do Mercosul, enquanto processo de integração, ter atuado como promotor do aumento da confiança na sub-região e, com isso, desencadeado uma maior possibilidade de processos cooperativos.

Na esteira deste raciocínio, outra ponderação analítica a ser considerada é a de que muito embora os países da América do Sul tenham estabelecido uma maior aproximação nas últimas décadas, perdura ainda uma agenda securitizada que dificulta uma efetiva, intensa e institucionalizada cooperação regional em decorrência das situações conflitivas ainda pendentes na região. Este trabalho, incialmente, traça o panorama atual de segurança na América do Sul, analisa a teoria dos complexos regionais de segurança como forma interpretativa desses fenômenos e a proeminência dos fatores regionais no pós-Guerra Fria para, a seguir, refletir acerca dos movimentos de aproximação que se desenharam na região nos últimos anos e seus impactos nas relações sul-americanas.  .

 

1. Aspectos conceituais e problemas contemporâneos de segurança internacional

No final do século XX ocorreram vários acontecimentos que provocaram alterações nas dinâmicas internacionais e regionais, fenômenos sistêmicos como a queda do muro de Berlim e a derrocada da União Soviética, e outros regionais como o retorno à democracia na América Latina e a implantação de políticas econômicas neoliberais.

O término do conflito Leste-Oeste não significou o fim dos conflitos de caráter estatal, além destes, surgiram outros em decorrência da ruptura do monopólio estatal em relação às questões de segurança e da emergência de um âmbito de segurança global com caráter supra-estatal. Os atentados de 11 de setembro de 2001 perpetrados contra o World Trade Center e o Pentágono configuram-se como parte desse novo cenário de segurança.

Denota-se então que não é mais possível considerar unicamente o Estado como agente responsável pelas ameaças e riscos à segurança tanto de outros Estados como dos indivíduos. Outros atores, como organizações não-estatais, passaram a ser incluídos no rol de produtores de conflito. Como decorrência, essa nova configuração das relações de segurança desencadeou um período de reestruturação da agenda de segurança internacional. Essa discussão também precisou ser feita em relação à agenda regional uma vez que a agenda tradicional, decorrente da conformação de segurança estatocêntrica1, não dava mais conta dessa nova realidade.

Diferentemente do período da bipolaridade, atualmente as tensões se espalham para várias partes do mundo2, indicando uma necessária administração dos conflitos e promoção da cooperação. Portanto, neste cenário mais complexo impõe-se considerar, nas análises de segurança, não apenas o aspecto estratégico-militar, mas também as questões econômicas, sociais, políticas e ambientais. Neste sentido, a agenda de segurança internacional foi ampliada para abranger o que se convencionou denominar de "novas ameaças"3. A agenda regional, por sua vez, deparou-se com a perda da referência do "inimigo externo", ou seja, da ameaça comum que validava interesses e preocupações compartilhadas de segurança.

Considera-se na análise das relações de segurança que a interdependência de segurança é inevitável  e que somente é possível entender o problema de segurança como um todo, ou seja, considerando os diversos níveis analíticos dentro do sistema internacional (BUZAN, 1991). Quer dizer, os dilemas de segurança não repercutem ou afetam os Estados do mesmo modo e nem os fatores de ameaça são comuns dentro do sistema internacional, normalmente eles são distribuídos de maneira semelhante para determinados grupos dentro do sistema, por isso a relação de segurança entre os Estados apresenta-se de modo mais intenso no âmbito regional em razão da proximidade física.

Neste sentido, os complexos de segurança são utilizados para entender essa lógica relacional à medida que se considera que, diante do padrão regional, o qual se configura tanto pela distribuição de poder quanto pelas relações históricas de amizade (expectativa de proteção e apoio) e inimizade (relacionamento estabelecido por suspeita e medo), um Estado não pode analisar e resolver seus problemas de segurança nacional de maneira separada dos outros Estados da região. O nível de interdependência daí decorrente é variável em consequência da projeção de poder dos Estados.

Como os dilemas de segurança não afetam do mesmo modo todos os Estados e nem os fatores de ameaça são comuns dentro do sistema internacional, eles são, em face dessa formação, distribuídos igualmente para determinados grupos dentro do sistema. A interdependência de segurança no sistema internacional como um todo não é uniforme, uma vez que, normalmente, as inseguranças estão associadas com a proximidade, sendo que, para a maior parte dos Estados os seus maiores receios recaem mais sobre seus vizinhos do que nas potências distantes, quer dizer, a maior parte das ameaças pode mais facilmente ser percebida em curtas distâncias.

A região sul-americana apresenta dinâmicas próprias de segurança constituindo-se, assim, em uma região de segurança. Quer dizer, dada a intensidade das interdependências, conforma-se um padrão regional entre essas relações. Mas esta área apresenta a formação de dois subcomplexos ou duas subáreas que têm como ponto de interconexão a participação brasileira em ambas. As sub-regiões de segurança são o Cone Sul e a sub-região andina: esta, apresenta um padrão de rivalidade, naquela, as tensões arrefeceram e houve o aumento da integração e da confiança mútua. Isso tornou-se possível com a alteração no padrão histórico de rivalidade entre Brasil e Argentina quando da resolução da disputa entre ambos os países.

Com efeito, o Brasil pensa a sua inserção internacional considerando a sub-região sul-americana como seu principal espaço de atuação. Bem como busca uma inserção que privilegia o multilateral, seja em relação às questões econômicas e comerciais, ou mesmo em relação à segurança internacional. Neste sentido, o Mercosul é importante para o Brasil à medida que promove a estabilidade da sub-região e propicia a cooperação com os vizinhos, uma vez que essa aproximação proporcionou a alteração no padrão de relacionamento, que era motivado pela rivalidade, para uma atual relação de amizade permitindo, dessa forma, a implementação de medidas de fortalecimento da confiança - inclusive em relação à questão nuclear, então importante ponto de divergência entre Brasil e Argentina.

Alguns autores enfatizam que o Mercosul é o arranjo que permite ao Brasil desempenhar da melhor forma o papel de liderança e de potência regional. Deve-se considerar que, quando do retorno ao regime democrático, a cooperação e a integração sul-americana - como decorrência daquela, pode-se dizer - assumem lugar de destaque na inserção estratégica brasileira.

 

2. Um balanço do cenário de segurança sul-americano

Uma vez reduzidas as tensões no Cone Sul, Brasil e Argentina dão início a um processo de integração econômica regional que posteriormente é ampliado para Uruguai e Paraguai. Com o retorno da democracia na região e a aproximação iniciada, tornou-se possível avançar em compromissos regionais de cooperação. De outro lado, os fatores de insegurança passaram então a ser localizados na fronteira norte brasileira, modificando, dessa forma, as percepções de ameaça a serem consideradas pelo Brasil como base de sua defesa nacional.

Inicialmente cumpre destacar o processo de normalização das relações com a Argentina e a construção de relações regionais de cooperação. A alteração no relacionamento de segurança sub-regional do Cone Sul ocorreu mediante a redução de tensões em decorrência da resolução do conflito Itaipu-Corpus. O arrefecimento dessa rivalidade ensejou a construção de medidas de fomento da confiança que tiveram início em 1980 com o estabelecimento inicial do Acordo de Cooperação Nuclear, ao qual seguiram-se outros com o intuito de regular a utilização da energia nuclear apenas para fins pacíficos.

O avanço da cooperação permitiu que a díade estabelecesse políticas de integração sub-regional que iniciaram ainda durante os regimes militares e foram aprofundadas com a redemocratização política em ambos os países. Quando da formação do Mercosul congregam-se em um esquema de integração países vizinhos que, historicamente, desenvolveram um clima de rivalidade inclusive com possibilidade de emprego da força para a resolução dos conflitos.

Este processo de integração teve um início promissor, contudo no final da década de 90 os avanços já não mais se mantiveram tão consideráveis em decorrência dos reflexos da crise econômica que afetou a região. Embora o Mercosul não tenha seguido avançando na intensidade inicial, o Brasil manteve como prioridade de sua política externa a dimensão sub-regional. Esse destaque não é dado somente ao Cone Sul mas também à sub-região andina, pois conforme a relação com a Argentina foi se estruturando em termos de cooperação, o Brasil passou a perceber que sua atenção deveria direcionar-se para a região andino/amazônica como o verdadeiro foco regional de tensões4.

A ênfase da política externa brasileira na região fez com que o país atuasse desde o governo de Fernando Henrique como mediador político, especialmente em Estados menos eficazes, atuando na prevenção dos conflitos ou mesmo visando a solução dos mesmos. Essa atuação regional brasileira pode ser vista na resolução pacífica da questão fronteiriça entre Equador e Peru em 1995, na mediação das sucessivas crises políticas de Bolívia e Paraguai, bem como no envolvimento na missão de paz no Haiti (MINUSTAH).

Se a região passou a ter um anseio maior por integração, as questões de segurança também demandam um engajamento na busca por soluções conjuntas. Como destacado anteriormente, a América do Sul, relativamente aos problemas de segurança, apresenta situações diversas: por um lado, a sub-região andina é marcada por processos de securitização e militarização, por outro lado, o Cone Sul tem estabelecido dinâmicas de aproximação e redução dos conflitos, fortalecendo as relações entre si.

O processo de aproximação com os vizinhos do Prata resultou na alteração substantiva das relações de segurança permitindo, assim, o aprofundamento do nível de proximidade sub-regional. Isso se deu tanto por meio da diminuição dos gastos militares, inicialmente, quanto pela preocupação em consolidar os regimes democráticos. Providências como o relaxamento das tensões, a redução das percepções de ameaça em decorrência da adoção de medidas de aumento da confiança e regimes de controle de armas foram implementadas e seus resultados são importantes na busca por superar as ameaças tradicionais, bem como no enfrentamento das novas ameaças à segurança.

Esforços sub-regionais para a implantação de diversas medidas têm sido feitos, respeitando o contexto estratégico de cada subárea e têm sido um fator facilitador do diálogo. Com esse objetivo, foram adotadas resoluções de cooperação relativas a diferentes dimensões da segurança regional como a Resolução de Confiança Mútua nas Américas, em 1997; a limitação e ao controle de armamentos (Convenção Interamericana sobre Transparência nas Aquisições de Armas Convencionais, 1999); Compromisso de Mendonça entre Argentina, Chile e Brasil (1991); Acordo Quadripartite entre Brasil, Argentina, Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (ABACC) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); a Declaração Política do Mercosul, Chile e Bolívia como Zona de Paz (Declaração de Ushuaia, 1999); o Estudo Metodologia Estandarizada Comum para a medição dos gastos de Defesa; a Carta Andina para a Paz e Segurança, Limitação e Controle dos Gastos destinados a Defesa Externa (2002) e a Declaração sobre a Zona de Paz Sul-Americana (2002).

Por outro lado, algumas possibilidades de conflito interestatal ainda se mantêm em decorrência de questões de fronteira não completamente resolvidas. Destacam-se.

- entre Chile e Bolívia por esta reivindicar seu direito de saída para o mar;
- entre Colômbia e Nicarágua, em decorrência da contestação à soberania sobre o arquipélago de San Andrés;
- entre Colômbia e Venezuela quanto a delimitação da plataforma continental do Golfo da Venezuela (ou Golfo de Maracaibo);
- Venezuela e Guiana acerca da bacia do Rio Esequibo.

 Com efeito, Mares (2001) destaca que a contestação em relação ao Golfo da Venezuela é a mais importante disputa fronteiriça dentre as várias desavenças de fronteira existentes entre Colômbia e Venezuela, além disso, outras questões como a imigração ilegal, a transposição da guerrilha colombiana e o aumento do contrabando, bem como a ampliação da capacidade militar, são tensões que estão presentes na relação dos dois países. Embora ambos sejam regimes democráticos e têm trabalhado para aumentar sua integração econômica, o seu relacionamento é um dos mais conflitivos contemporaneamente na América Latina.

Embora persistam alguns conflitos decorrentes de questões tradicionais de segurança, uma outra questão foi responsável pelo aumento da tensão na região. Em março de 2008, a Colômbia promoveu uma ofensiva militar no território do Equador, a chamada Operação Fénix. O exército colombiano bombardeou um acampamento das FARC resultando na morte de Raul Reyes, o número dois do comando, além de duas dezenas de outros guerrilheiros.

Diante de tal invasão, o Equador e a Venezuela mobilizaram tropas nas suas fronteiras com a Colômbia e cortaram relações diplomáticas. Não apenas a Venezuela demonstrou sua solidariedade para com o Equador, mas também a Nicarágua - que mantém uma contenda territorial com a Colômbia no Caribe - suspendeu suas relações diplomáticas com a Colômbia.

Para a Colômbia, não houve violação do espaço aéreo do Equador, além disso, declarou não quer promover guerra com nenhum vizinho, mas que estava combatendo com um grupo terrorista. Embora o conflito tenha sido resolvido pela mediação da OEA que aprovou uma resolução reconhecendo a violação da soberania equatoriana pela Colômbia, este fato representa uma situação incomum na região, como destaca Rapoport (2008), pois pela primeira vez na América Latina um país vizinho violou a soberania de outro com a justificativa de atacar um inimigo interno, embora este estivesse fora de seu território5.

A resolução diplomática da crise poucos dias depois, não pode desconsiderar o fato de que essa situação demonstrou que as disputas de fronteira ainda estão presentes na região. Para Mares (2008)

mesmo tendo sido a crise resolvida uma semana depois [...], depois de fazer uso da diplomacia interamericana, o incidente serviu para lembrar, de maneira clara, que a velha agenda de disputas fronteiriças, de incidentes militarizados e do papel das forças armadas ainda não foram superados na América Latina.

Essa situação demonstra, por um lado, a interdependência entre as ameaças e, por outro, evidencia a dificuldade da América do Sul na construção conjunta de respostas que devem considerar o estabelecimento do adequado uso da força.

 

Considerações finais

Mesmo considerando que as ameaças tradicionais estão pouco securitizadas atualmente na América do Sul e que a região possui gastos militares baixos e se encontra livre de armas nucleares, não significa que os problemas de segurança estão ausentes da área. As questões mais prementes decorrem de problemas intra-estatais relacionados com as drogas ilícitas, o tráfico de armas, o crime organizado, a lavagem de dinheiro, além dos altos índices de violência (sobretudo urbana, mas majoritariamente rural se focarmos na Colômbia).

De outra forma, questões recorrentes na agenda regional provenientes dos problemas de desenvolvimento, como a pobreza extrema e a exclusão social, são também fatores que afetam a estabilidade e a democracia, pois abalam a coesão social e vulneram a segurança dos Estados. Temas como a pobreza não podem ser considerados ameaças à segurança do Estado por si só, pois devem ser combatidos com iniciativas em outras esferas públicas - como a economia e promoção do emprego - porém estas questões estruturais, nos países em desenvolvimento podem contribuir para multiplicar o efeito de algumas ameaças ou mesmo ser sua causa (COVARRUBIAS, 2004).

Com isso, o desafio dos países está em como lidar com estas demandas que se relacionam com a segurança e a defesa estatal, mas que não são oriundas das formas tradicionais de ameaças à segurança, sem desconsiderar a necessidade de garantir a integridade das fronteiras e a soberania estatal, questões clássicas de defesa.

Atentando-se para as especificidades das sub-regiões percebe-se que a  América do Sul está longe de ser homogênea e, apesar da baixa incidência de guerras interestatais no século XX e de não se deparar atualmente com inimigos externos ou mesmo disputas intensamente securitizadas entre os Estados, os países sul-americanos ainda precisam construir uma região segura.

Atensão ocorrida em março de 2008 entre a Colômbia, Equador e Venezuela se, de um lado, demonstra a interdependência entre as ameaças que caracteriza o atual cenário de segurança, por outro, evidencia a dificuldade da América do Sul na construção conjunta de respostas que devem considerar o estabelecimento do adequado uso da força.

Em que pese todos os Estados sul-americanos serem afetados, em maior ou menor medida, pelas questões destacadas neste texto, a região carece de um mecanismo de cooperação legítimo que permita o tratamento adequado de tais questões, para que não afetem a estabilidade dos países e da região como um todo. Até o momento, a região tem tratado seus temas muito mais por meio de acordos diplomáticos bilaterais do que multilateralmente.

A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano - no âmbito da Unasul - surge como um instrumento multilateral de cooperação em assuntos de defesa. A sua formação amplia a concertação sul-americana na área da segurança pois, até a sua conformação, as iniciativas de integração tendiam à esfera econômica e, em alguma medida, relativas a projetos de infraestrutura, com as iniciativas de coordenação regional no campo da segurança sendo, sobretudo, bilaterais.

Entretanto, embora incipiente, pode-se dizer, analisando seu tratado constitutivo, que parece pouco provável que a região possa avançar na sua unidade tomando como base o Conselho de Defesa. Para além da escolha por integrar-se, a proposição do Conselho que estabelece como processo de tomada de decisão a forma de consenso entre os Estados, denota que a região precisa avançar na dessecuritização de sua agenda, a fim de que se tenha a atmosfera de confiança necessária à implementação de uma maior e mais aprofundada institucionalização.

As dinâmicas que operam entre cooperação e conflito na América do Sul se mantêm, basta considerar a retomada dos gastos militares que aponta para questões motivadoras, tanto provenientes de atores estatais (como Chile - conflito de fronteira com Bolívia e Peru; Venezuela - ameaça representada pelos EUA na Colômbia e seus consideráveis gastos militares), quanto não estatais (como narcotráfico e tráfico de armas na Colômbia; Brasil - problemas na fronteira amazônica).

Para que a região avance no estabelecimento de uma unidade sul-americana, o papel do Brasil na condução do processo é fundamental. Contudo, o país enfrenta o desafio de encontrar respostas políticas à sua própria agenda de segurança sem, no entanto, desconsiderar a sua necessária ação em termos de cooperação e políticas assertivas, para que as relações do complexo da América do Sul caminhem para a dessecuritização.  .

 

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* Artigo preparado para o 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais: Governança global e novos atores, painel "As relações regionais sul-americanas após 20 anos de Mercosul: balanço, desafios e perspectivas". São Paulo, 20-22 julho 2011.
1. A definição estrita de segurança em termos vestfalianos - segundo a qual as ameaças provêm de um Estado soberano contra outro Estado nessa mesma condição e são respondidas preponderantemente pelo emprego das forças militares - não é suficiente para incluir as fontes de ameaça que não são necessariamente de natureza militar e podem ter origens outras que não os Estados nacionais.
2. Durante a Guerra Fria os conflitos locais ficaram subsumidos à competição entre as superpotências que prestavam assistência às potências locais e, por outro lado, restringiam os conflitos locais de uma possível ampliação, uma vez que temiam fornecer oportunidades para a intervenção da outra na sua esfera de influência.
3. A maior parte das novas ameaças não se restringe às fronteiras nacionais, de forma que se espalham em redes com rotas próprias de expansão, sendo que em muitos casos, o controle das autoridades governamentais é ineficaz ou inexiste. Essas ameaças não se limitam pelas fronteiras físicas dos Estados, dessa forma, a cooperação faz-se necessária na resolução das questões transnacionais.
4. Por ocasião da abertura do Ciclo de Debates sobre o Pensamento Brasileiro acerca de Defesa e Segurança, em 2003, o então Ministro da Defesa, Viegas Filho afirmou, que os conflitos militares de natureza interestatal estão ausentes no cenário sul-americano. As ameaças com as quais a região precisa se preocupar, portanto, são de outra natureza e estão especialmente no "arco amazônico" e se caracterizam como atividades ilegais ligadas, sobretudo, ao narcotráfico e ao crime organizado.
5. Com a posse de Juan Manuel Santos na presidência colombiana em 2010, houve a retomada das relações diplomáticas com Equador e Venezuela, rompidas desde este incidente. A normalização das relações permitiu que se estabelecesse uma parceria com o Equador para uma operação conjunta no final do mês de junho, a qual resultou na prisão de um guerrilheiro das FARC, Fábio  Ramírez Artunduaga, que se encontrava em Quito e era o segundo guerrilheiro na ordem de comando da frente responsável pela atuação na região fronteiriça entre Colômbia e Equador.