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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

O Brasil na OMC: as lições do contencioso do algodão e da participação no G-20*

 

 

Marcelo Passini Mariano; Haroldo Ramanzini Júnior; Rafael A. R. de  Almeida

 

 


RESUMO

O texto busca compreender melhor como a participação do Brasil na OMC influenciou o processo formulador de sua política externa. Para tanto, a análise está centrada na atuação brasileira na OMC, a partir das experiências vividas na coalizão G-20 e no contencioso com os EUA sobre o comércio internacional de algodão. Os dois casos fornecem elementos empíricos importantes para compreender as possibilidades e limitações que o ambiente de negociação multilateral propiciou aos negociadores brasileiros. O enfoque teórico utilizado procura explorar melhor esse processo de "aprendizagem", contemplando instrumentos analíticos advindos de abordagens racionalistas, como as institucionalistas e as intergovernamentalistas, com preocupações construtivistas a respeito do processo de internalização de procedimentos e valores originados a partir das interações que ocorrem nos espaços de cooperação internacional.

Palavras chave: Política Externa Brasileira, Processo Decisório de Política Externa, Negociações Internacionais, OMC, Instituições Internacionais.


 

 

Introdução

Em geral, os estudos realizados sobre a atuação brasileira na OMC abordam questões como a dinâmica negociadora, os interesses que estão em jogo, a capacidade de barganha dos atores estatais, as assimetrias de poder existentes e o padrão de comportamento dos atores. Em grande medida, podemos afirmar que o processo de aprendizado resultante dessas experiências de negociação internacional tem sido explicado pela ótica racionalista e pouca atenção tem sido dada às mudanças de comportamento que refletem a internalização de normas e regras das instituições internacionais. A aceitação de normas tende a ser explicada em virtude das limitações e constrangimentos propiciados pelas instituições internacionais, sejam estas tomadas enquanto atores no sistema internacional ou entendidas como ambientes de interação.

Não é nova a preocupação sobre a importância das instituições internacionais e as influências no comportamento dos seus membros, e vice-versa. Há uma grande diversidade de trabalhos teóricos e pesquisa empírica sobre o tema, com destaque para os estudos que apresentam abordagens institucionalistas e intergovernamentalistas.

O presente texto não escapa dessa dinâmica, pois fundamenta-se em pesquisas orientadas por concepções e conceitos racionalistas com foco nas decisões dos atores, em suas preferências e nas possibilidades fornecidas pelo ambiente negociador. Ao mesmo tempo, buscamos discutir e, mesmo que de forma limitada, incorporar preocupações construtivistas que possam se adequar aos conceitos racionalistas comumente utilizados na análise do comportamento brasileiro na OMC, com o objetivo de aprimorar os instrumentais analíticos utilizados. Ressaltamos, contudo, que não buscamos retomar o debate entre positivistas e pós-positivistas ou mesmo abordar a discussão teórica em torno da relação agente/estrutura, apesar destas questões estarem presentes.

Quando mencionamos sobre algumas possibilidades advindas deste debate estamos nos referindo ao texto de Michael Zürn e Jeffrey T. Checkel (2005) que busca sintetizar os resultados de uma séria de pesquisas empíricas que utilizaram instrumentais analíticos priorizados tanto por racionalistas quanto por construtivistas. O objetivo deste esforço foi o de construir "pontes" entre as duas concepções teóricas. Por um lado, esse tipo de trabalho é realizado com base no estudo dos processos de socialização que ocorrem na União Européia e, portanto, procuram entender melhor a realidade européia, mas por outro lado, procuram extrair conclusões que possam melhorar o desenvolvimento teórico da área de Relações Internacionais, em especial sobre o papel das instituições internacionais na socialização de agentes estatais e de Estados.

Mesmo que persista limitações teóricas e críticas quanto às conclusões ou à metodologia utilizada nos estudos realizados, entendemos que estes acabam por ressaltar questionamentos que podem melhorar o entendimento sobre as negociações comerciais multilaterais. Como exemplo, podemos citar a necessidade de conhecer melhor como a influência social é operada no âmbito das instituições da OMC ou como as identidades dos negociadores se alteram a partir da experiência de negociação. Variáveis que muitas vezes são colocadas em um segundo plano, como a persuasão ou o desempenho de papéis comportamentais por parte dos agentes estatais, são valorizadas neste tipo de análise.

O simples fato de atentarmos para questões que se colocam no campo das identidades dos agentes e na internalização de normas e procedimentos, permite-nos mudar o olhar que se dá em torno da dinâmica das negociações, mesmo que de forma muito limitada. Isso explica, neste momento, salientarmos mais a necessidade de incorporar preocupações construtivistas do que operacionalizar seus conceitos centrais. Empiricamente, buscamos compreender um pouco melhor como a participação do Brasil na OMC pode influenciar o seu padrão de comportamento histórico e, no sentido contrário, como o envolvimento brasileiro em torno das questões agrícolas na OMC influencia a estrutura negociadora. Em particular, nos concentramos no contencioso do algodão com os EUA e na construção e manutenção da coalizão G-20. As instituições da OMC são tratadas enquanto ambiente favorável de aprendizado para os negociadores brasileiros e para os atores domésticos.

 

Considerações Conceituais

A proposta de construir pontes entre as abordagens racionalistas e construtivistas (Zürn e Checkel, 2005; Checkel 2005, 2007) tem como questão central o conceito de socialização internacional, que pode ser resumido como o processo no qual os agentes em interação em uma dada instituição internacional são levados à internalização de suas normas, regras e padrões de comportamento. Como forma de tornar o conceito de socialização mais preciso os autores procuram determinar quais os mecanismos causais que podem disparar o processo de socialização e quais as condições mais propícias para que isso ocorra. Entender esses mecanismos significa entender a conexão entre uma causa e uma conseqüência e, no caso das instituições internacionais, a atenção está concentrada na compreensão da lacuna entre as instituições, tomadas enquanto origem ou causa, e portanto é a variável independente, e a socialização de Estados e agentes estatais, tomados como resultados ou efeitos, ou variáveis dependentes.

Zurn e Checkel (2005) ressaltam três mecanismos principais de socialização que permitem analisar as ligações entre as instituições internacionais e as mudanças nos interesses e identidades dos agentes: o cálculo estratégico, o desempenho de papéis e a persuasão normativa.

O cálculo estratégico se dá em torno dos incentivos e recompensas, que podem ser materiais, como oportunidades de negócio, possibilidade de empréstimo financeiro, ressarcimento de perdas econômicas, ou podem ser sociais, como a possibilidade de reconhecimento, status, constrangimentos sociais (Checkel, 2005).

Neste caso os agentes são entendidos como seres capazes de escolher racionalmente as melhores alternativas existentes em um ambiente de interação. O comportamento é adaptado às normas e regras das instituições internacionais de forma a ter acesso a uma estrutura de incentivos e recompensas. O problema está em saber quando e como estes incentivos ou recompensas forçam uma mudança de comportamento sustentada através do tempo. A adaptação comportamental se dá em termos de constrangimentos propiciados por mecanismos institucionais que são operacionalizados no âmbito institucional. Trata-se de um fenômeno tipico das instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o FMI.

Schimmelfennig (2005) chama de reforço intergovernamental por recompensa quando as instituições internacionais propiciam aos governos incentivos positivos para que estes adotem as normas da instituição. Os governos adaptam seu comportamento tendo em vista uma expectativa de recompensa maior que os custos da aceitação das normas. A mesma coisa acontece com relação ao reforço transnacional por recompensa, mas neste caso os incentivos são direcionados aos atores não-governamentais com capacidade de pressão sobre os Estados para que estes adotem um comportamento alinhado às instituições internacionais.

Nos casos trabalhados neste texto podemos dizer que as recompensas concentram-se principalmente nas possibilidades oferecidas pelo Sistema de Solução de Controvérsias, onde o julgamento das reclamações pode fazer com que os Estados mais poderosos sejam constrangidos a adotar uma determinada norma de conduta. O caso do algodão demonstra a participação do setor privado interessado e de outros atores domésticos no sentido de reforçar a ação negociadora brasileira para utilizar os mecanismos institucionais existentes a fim de obter recompensas materiais, como o direito à retalização enquanto forma de aumentar sua capacidade de barganha, mas também sociais, como o reconhecimento do status dos negociadores estatais ou o reconhecimento da importância do Brasil pela comunidade internacional.

O método colocado em prática por Zürn e Checkel (2005), mesmo quando referem-se a instrumentos típicos das abordagens racionalistas, enfatizam o momento em que ações estrategicamente calculadas podem criar condições para a internalização de normas. Essa preocupação constante em entender o processo de socialização/internalização resultante da tentativa de diminuir as lacunas entre as abordagens construtivistas e racionalistas, acaba forçando um maior detalhamento dos conceitos que trabalham com os incentivos e constrangimentos presentes nas negociações internacionais.

O desempenho de papel é outro mecanismo de solicialização que consideramos relevante na teorização realizada pelos autores (Zürn e Checkel, 2005). No entanto, para os casos que estamos trabalhando, correspondem às variáveis mais difíceis de serem empiricamente verificadas.

Segundo Checkel (2005), os agentes são entendidos como seres racionais, mas estes, em geral, encontram-se em condições limitadas para o exercício dessa racionalidade. Para que o agente consiga avaliar todas as informações necessárias à sua escolha é necessário que o faça em uma condição de grande atenção, que não é tão freqüente quanto se poderia supor. Vale dizer que pressupõe-se uma certa passividade dos agentes a fim de internalizar papéis de forma não calculada.

O desempenho de papéis permite aos agentes simplificar a quantidade de informação que será analisada ao assumir padrões de comportamento que indicam determinadas possibilidades de escolha. Ao mesmo tempo em que ameniza o problema da escassez de atenção, também orienta a expectativa dos demais agentes por adotar um comportamento que é socialmente esperado.

Sendo assim, esse mecanismo adapta-se muito bem às microanálises sobre a adaptação comportamental não calculada de agentes estatais em condições organizacionais bem delimitadas. O problema, neste caso, é saber quando um papel se torna interessante para ser adotado e quais os mecanismos ambientais necessários para que esse processo se inicie.

Isso sugere a necessidade de avançar em pesquisas que consigam coletar e analisar informações necessárias para a verificação desse mecanismo com relação aos negociadores brasileiros na OMC. A atuação brasileira nas negociações comerciais pode ser um caso singular em virtude do padrão de comportamento e das identidades consolidadas dos negociadores brasileiros. Estamos nos referindo ao Itamaraty e sua capacidade de arregimentação, formação e transmissão de valores aos seus membros. Estudos detalhados sobre esse assunto ainda são muito escassos.

A persuasão normativa também é um mecanismo de socialização que se apresenta promissor para o entendimento dos casos selecionados nesse texto, apesar de também não serem priorizados na bibliografia especializada sobre o tema. O caso do G-20, como poderá ser visto mais adiante, exemplifica a necessidade de avançar nesse sentido, pois indica diversos momentos que poderiam ser melhor estudados a partir da operacionalização dos conceitos relacionados a esse mecanismo.

Persuasão, de forma geral, é entendida enquanto um processo social de comunicação que se dá através da atividade argumentativa e da promoção do debate a fim de modificar crenças, atitudes e comportamentos em um dado ambiente de interação (Checkel, 2007). A abordagem realizada por Zürn e Checkel (2005) sobre a persuasão normativa indica possibilidades para o estabelecimento de relações com o conceito de cálculo estratégico descrito anteriormente, o que reforça sua utilidade para os casos trabalhados neste texto.

Esse mecanismo de socialização pode ser analiticamente subdividido em dois. Por um lado a argumentação, que se refere às proposições normativas que buscam defender ou demonstrar uma "verdade" com o objetivo de promover mudanças de crenças dos agentes. Por outro lado, temos a barganha, que consiste em atividades que envolvem ameaças e promessas. A credibilidade é um fator adicional importante no processo de barganha, pois, influencia as expectativas que os agentes têm sobre a capacidade de ameaçar ou prometer. Trata-se, portando, da busca de uma adaptação comportamental em ambientes de interação através do gerenciamento de constrangimentos.

Resta saber quando a mudança de preferência resultante da persuasão pode ser mais duradora e quais condições são necessárias para que esses mecanismos se tornem mais eficientes para a internalização de normas.

A influência social, apesar de amplamente mencionada nos estudos relacionados pelos autores acima citados, ainda é um ponto que apresenta certa indefinição quanto ao seu uso. Zürn e Checkel (2005) expõe essa dificuldade e questionam se a influência social seria um quarto mecanismo a ser priorizado nos estudos sobre a socialização/internalização nas instituições internacionais. A influência social é tomada enquanto uma diversidade de processos que promovem adequação do comportamento dos agentes às normas das instituições. Esses processos são realizados através da distribuição de recompensas sociais e punições.

É importante enfatizar que os autores, mesmo reconhecendo a imprecisão da utilização do termo, acabam por incluí-la na definição de instituição internacional adotada. Instituições internacionais podem ser entendidas enquanto atores e, neste caso, utilizam-se predominantemente de táticas de persuasão, ou também podem ser entendidas enquanto ambientes sociais, que mantém canais de influência disponíveis e induz os agentes a certos papéis comportamentais. Tanto no caso do contencioso do algodão quanto no da coalizão G-20 é possível visualizar momentos onde a influência social é trabalhada pelos negociadores brasileiros no âmbito das instituições da OMC.

Resumindo, podemos dizer que para efeito de análise dos casos escolhidos para esse texto entendemos que os achados mais interessantes do esforço para a construção de pontes entre as abordagens racionalistas e construtivistas podem ser concentrados em ao menos três conclusões:

a) a primeira é a mais óbvia, diante do esforço empreendido pelos autores citados, e se refere à demonstração feita pelos diversos estudos empíricos utilizados de que os três principais mecanismos de socialização já mencionados, e também a influência social, foram relevantes enquanto acionadores dos processos de socialização/internalização. A forma como cada um desses mecanismos se processa, e, a intensidade com que provocam a internalização de normas depende das condições nas quais estes são operados, ou também das chamadas de condições de escopo.
b) a segunda afirma que a argumentação foi o mecanismo de socialização mais importante para atores individuais em instituições internacionais;
c) e a terceira refere-se à socialização de Estados e os mecanismos centrais para isso foram a argumentação e a barganha, mesmo que em muitos casos coincidam com elementos de influência social, o que mostra a dificuldade de trabalhar esta última noção.

 

O contencioso do Algodão entre o Brasil e os EUA

Esse caso foi selecionado por demonstrar o aprendizado social de atores governamentais e não-governamentais interessados nas possibilidades e constrangimentos colocados, tanto pelos mecanismos institucionais da OMC quanto pelas interações do Brasil com um Estado muito poderoso, os EUA, em torno do acesso à estrutura de incentivos proporcionados pela negociação. O contencioso do algodão demonstra não só a importância dos incentivos materiais, mas também os sociais, mesmo que estes últimos estejam mais visíveis ao abordarmos a atuação brasileira no G-20. Um outro fator relevante para a escolha do caso foi o longo período de negociação, sendo que  a continuidade das interações tem sido reconhecida pelos estudos citados como um elemento fundamental para entender as possibilidade de adaptação comportamental e internalização de normas.

Os subsídios agrícolas aos produtores norte-americanos de algodão mantidos pelos EUA1 são o foco deste contencioso iniciado em 20022 e que até o momento não foi concluído.

Cabe ressaltar que a partir da Rodada Uruguai (1986-1994), que da origem à OMC, inicia-se um processo mais sólido de debates sobre restrições aos subsídios agrícolas através do Acordo Sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e do Acordo sobre Agricultura. Com o advento da OMC é instaurado o chamado Entendimento de Solução de Controvérsias no qual temos a institucionalização de um Sistema de Soluções de Controvérsias que se baseia no consenso negativo (facilita a abertura de litígios), na existência de um órgão de apelação e na possibilidade da participação de terceiros nos contenciosos (OLIVEIRA,2010; LIMA,2008).

Além da ligação com a Rodada Doha, o contencioso, mesmo que de forma indireta, se conecta com a criação, em 2004, do Subcomitê Sobre Algodão proposto por países africanos3 e, portanto, acaba por contestar não um setor específico, mas a política agrícola dos EUA como um todo.

A participação da sociedade civil dos dois países e de organizações civis internacionais também é intensa. Oliveira (2007) destaca, além da Abrapa4 e do lobby congressual norte-americano, a participação de organizações como Oxfam, Environmental Working Group, Institute for Agriculture and Trade Policy, International Cotton Advisory Committee, Action Aid .

O algodão se mostra como uma questão sensível tanto para as partes diretamente envolvidas como para as indiretamente relacionadas. Este contencioso já dura 9 anos e como  afirma Lima (2008), ao tratar da dificuldade de resolução de contenciosos entre EUA e União Europeia (UE):

os principais casos desse tipo ocorrem quando o nível de poder é similar e o tema é  sensível.  Nesses casos, há  uma  tendência  maior  de  que  o  contencioso  vá  ao  final  do  procedimento  no  SSC  e  que  a  adequação  seja  lenta  e  problemática,  quando  houver (...) O  contencioso do algodão parece  encaixar-se  parcialmente  no  padrão  de  casos (...) nos  quais  os  Estados  Unidos  não  se  adequam,  nem  conseguem negociar uma solução.

É possível perceber a construção de um ambiente de interação capaz de servir de espaço de aprendizagem para as partes envolvidas, assim como fica clara a necessidade de adaptação comportamental no sentido de adequar-se às normas da OMC.

A organização, ao mesmo tempo em que promove adaptações de comportamento também se ajusta às pressões destes, mesmo que de forma limitada, pois lida com a reivindicação de um país em desenvolvimento e trata de um tema central nos debates comerciais das últimas décadas (subsídios agrícolas). Contudo, isso não significa que as desigualdades entre os atores esteja sendo resolvida, pois, como afirma Lima (2008), "a reprodução da assimetria garante a adesão dos poderosos ao Sistema de Solução de Controvérsias" e, deste modo, mantém o caráter universal da instituição.

Estes aspectos são vistos no caso do algodão quando a OMC, por um lado, adota duas medidas inéditas, a primeira foi corroborar com a diplomacia brasileira que apontava que a reivindicação do Brasil não violava a Cláusula de Paz (1995-2004)5 e a segunda foi autorizar uma retaliação cruzada6 aos norte-americanos.

Por outro lado, o relatório de implementação da OMC, fase próxima a possibilidade de retaliações, "concluiu, a  despeito  da  acusação  brasileira, que os dois programas [de subsídios domésticos] não causaram grave prejuízo aos interesses brasileiros em  termos de desvio de comércio, isto é, não houve aumento do market share norte-americano  em decorrência das subvenções" (LIMA, 2008). Com esta postura o SSC, não inviabilizou as pretensões brasileiras, mas concordou com os argumentos dos EUA que afirmaram ter feito outras concessões e readequações de subsídios que tornaram a reivindicação brasileira em torno destes dois programas invalidas. Assim, podemos observar a OMC tanto como um ambiente de aprendizado dos negociadores do Brasil e dos EUA como um ator que ajusta seus argumentos e comportamento para melhor se adaptar ao contexto vigente e melhor influir nas negociações internacionais. Afinal, é fundamental à instituição que o litígio tenha um andamento e um término a contento, pois caso contrário sua credibilidade e legitimidade como principal instância do comércio mundial poderão ser questionadas.

Ao longo de toda a controvérsia temos os extremos ou limites testados, ou seja, tanto os EUA como Brasil, apesar da assimetria de poder, colocam constantemente em pauta a questão de retaliar/contra-retaliar e/ou negociar. O Brasil reivindicou, com sucesso, além da já referida não transgressão da Cláusula da Paz de seu pleito, basicamente, os subsídios a exportação (garantia de crédito à exportação e Step 27) e os apoios internos a produção e aos preços concedidos pelo governo dos EUA8.

A atuação do setor privado nacional para o início da controvérsia e para o financiamento do painel foram fundamentais, tendo em vista o receio do Itamaraty em se envolver em um terreno ainda não tão bem reconhecido (OLIVEIRA, 2007). Já no inicio dos anos de 1990 o setor cotonicultor, via Grupo Maeda, importante produtor nacional de algodão, levantou a questão e dois anos depois inicia uma  ação antidumping e a outra de direitos  compensatórios (HABKA, 2010).

Jorge Maeda,  ex-presidente  da  Abrapa  e  do  grupo  que  leva  seu  sobrenome, declarou que "eles não contavam ainda com uma adequada representatividade do setor, além de não estarem  devidamente amparados por bons  profissionais; logo, a iniciativa foi frustrada"9.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), principalmente, na figura do seu secretário de produção e comercialização no governo Cardoso, Pedro Camargo Neto, que acompanha o caso desde a época do Grupo Maeda, também foi importante nos primórdios do caso devido ao temor inicial do Ministério da Relações Exteriores (MRE)  de romper "um bom padrão de relacionamento alcançado entre ambos os países [Brasil e EUA] durante os anos 1990" e/ou ser derrotado no  contencioso, legitimando, assim, a política de subsídios dos EUA (OLIVEIRA, 2007).

Em relação ao receio inicial do Itamaraty, Habka (2010) aponta uma fala simbólica deste momento, proferida pelo então diplomata responsável pelo setor de contenciosos do MRE, Roberto Azevêdo:

Do ponto de vista estratégico, havia a clara percepção de que o pior cenário possível - pior ainda do que a inação - seria  levar o caso à OMC e perder.  Se  perdêssemos,  estaríamos  legitimando  a política agrícola norte-americana, porque, independentemente dos motivos de nossa eventual derrota, o discurso norte-americano seria: 'Vocês estão reclamando dos nossos subsídios, mas foi constatado na OMC que nossa lei agrícola não tem nenhum problema, não temos de mudar nada'. Nós tínhamos, portanto, a devida preocupação com a possibilidade de perder um caso que achávamos bom, mas que apresentava várias incertezas10.

Habka (2010) cita, ainda, um depoimento do então diretor-executivo da Abrapa, Hélio Tollini, em relação a um encontro com o diplomata Roberto Azevêdo, que demonstra a busca do Itamaraty em identificar o grau de interesse do setor privado por esta questão:

Ele queria ter a segurança de que a Abrapa não iria esmorecer. A ação não podia começar e, de repente, o setor decidir parar, por julgar que estava custando caro. Ele lembrou que não  seria  bom,  para  o  Brasil,  começar  e  desistir.  Disse  ainda  que  seria difícil  para  o  Brasil  dar  a  partida  na  causa  sem  o  apoio  do  setor,  em termos  de  análise  jurídica,  legal  e  econômica.  Eles  não  têm  gente  para fazer  todos  os  estudos  e  análises  que  seriam  necessários  para  termos sucesso.  Naquele  momento,  a  Abrapa  comunicou  ao  Roberto  Azevêdo que iria até o fim. Essa era a decisão, levar a questão adiante pelo menos até  o  fim  do  painel11.

Segundo a Abrapa o setor cotonicultor despendeu mais de U$ 2 milhões no processo (HABKA, 2010), o que demonstra o mecanismo de cálculo estratégico e o processo de reforço transnacional por recompensa (Schimmelfennig, 2005), pois atores não-governamentais com significativa capacidade de barganha exercem pressão sobre o governo brasileiro no sentido de adaptar seu comportamento a fim de utilizar-se dos mecanismos institucionais existentes. Se por um lado, o Estado brasileiro buscava obter incentivos sociais ao questionar um ponto sensível do comércio mundial diante da principal potência global, por outro, os produtores de algodão buscavam incentivos materias para atender os seus interesses econômicos.

Após este distanciamento inicial, a diplomacia governamental se engaja e conduz o processo. Oliveira (2007) afirma que o sucesso do Brasil está "(...) na capacidade de o governo articular as agências públicas coordenadas pelo MRE bem como parceiros internacionais e nacionais, sobretudo da sociedade civil, para a formulação e implementação da política exterior (...)". O Itamaraty procurou se respaldar dos possíveis ataques norte-americanos caminhando dentro das regras da OMC, como vimos na Cláusula de Paz, para isso, solicitou que a Abrapa contratasse  um escritório de advocacia especializado e reunisse provas que evidenciassem os subsídios e os prejuízos do setor12.

 A chancelaria brasileira ao longo do processo e mesmo após o concessão do direito de retaliação tendeu a buscar uma solução negociada, aproveitando-se do aumento de sua capacidade de barganha e também de argumentação, já que o respaldo da decisão obtida na OMC garantiu, além da possibilidade de incentivos materiais positivos para a parte vitoriosa, coerência argumentativa aos negociadores brasileiros no sentido de cobrar os EUA para que ajustem seu comportamento às normas da instituição multilateral.

Antes da autorização de retaliação, isso fica evidente em dois momentos. Primeiramente, em 21 de setembro de 2005, que foi o fim do prazo para os EUA retirarem os subsídios que causam danos graves ao Brasil ou eliminar seus efeitos adversos, porém os estadunidenses não se adequaram a contento e cabia ao Brasil a possibilidade de dar entrada imediata em uma fase de implementação que iria desembocar mais adiante em retaliações. O Itamaraty somente deu entrada no painel de implementação em 28 de setembro de 2006, ou seja, depois de mais de um ano. O segundo momento é logo após a circulação do relatório do Órgão de Apelação, em 2 de junho de 2008, que autorizou as retaliações aos EUA. Logo após a autorização, em 25 de agosto de 2008, o Brasil prossegue com o contencioso pedindo a formação de arbitragem que estabeleça as formas e o valor das retaliações (OLIVEIRA, 2010).

No primeiro momento destacado, em 2005, os negociadores brasileiros se declaravam abertos ao diálogo e argumentavam que as negociações internas da Farm Bill de 2007 poderiam atender às suas reivindicações. Já no segundo momento, em 2008, a chancelaria brasileira se mantém aberta ao diálogo, porém, em vista da lentidão norte-americana demonstrada até então, aumenta suas pressões lastreadas no momento desfavorável a Rodada Doha e no apoio dado pelo Sistema de Solução de Controvérsias ao litígio brasileiro.

Com a permissão de retaliação cruzada, obtida em 31 de agosto de 2009, o Itamaraty divulga a adoção de um procedimento interno a fim de dar legitimidade e credibilidade a este inédito tipo de retaliação13.  O Jornal Valor Econômico, de 11 de fevereiro de 2010, destaca que tal processo interno "não trata especificamente dos EUA ou do caso de algodão. [Ele] cria as condições legais para que o Brasil adote a chamada 'retaliação cruzada', atingindo interesses de empresas estrangeiras no campo dos direitos de marcas, patentes e similares sempre que quiser punir países que, como os EUA, desrespeitarem as regras da OMC"14. O jornal também divulga um afirmação do então chanceler Celso Amorim sobre a possibilidade de retaliação do Brasil:

O Brasil tem um caso na OMC que dura sete anos contra os subsídios ao algodão nos EUA. Quando ganhamos na primeira instância, jornais americanos disseram: 'sabíamos que subsídios eram imorais, hoje sabemos que são ilegais'(...). O que o Brasil está fazendo é dando todos os passos internos para poder aplicar essas retaliações (…). Mantemos a esperança de que, daqui até o momento da aplicação das retaliações, surja uma proposta que nos convença que há outra saída15

As ações envolvidas no mecanismo de barganha requerem um certo grau de credibilidade por parte dos atores envolvidos na negociação, pois lida diretamente com ameaças e possíveis recompensas (Zürn e Checkel, 2005). Assim, fica evidente a preocupação brasileira em respalda internamente a permissão de retaliação cruzada com o objetivo de persuadir os EUA a modificar o seu comportamento e negociar.

Apesar da declaração do embaixador norte-americano no Brasil, Thomas Shanon, de que "retaliações sempre levam a contra-retaliações"16os EUA interpretaram que era o momento de ceder e negociar. Assim, no fim de março de 2010, Brasil e EUA fecharam um acordo provisório para cancelar a possibilidade de retaliação para 201217. Em relação ao acordo, o embaixador Roberto Azevedo afirmou:

Não houve um recuo da nossa parte. (…) Nossa percepção é que a retaliação não é o melhor resultado, mas sim um entendimento que leve à mudança e compense o setor. (…) O Brasil não abre mão de aplicar as contra-medidas até 2012. Ambos os países podem denunciar o acordo a qualquer momento, caso não haja cumprimento (…). Não sabemos responder se os americanos continuarão engajados no processo se forem retaliados18

Esta declaração do embaixador Azevedo expõe a interpretação do MRE que procura manter os EUA dialogando com o Brasil e, possivelmente, com isso, conseguir ganhos para outros setores nacionais. Talvez o mecanismo de influência social representado pelo painel e a Rodada Doha, conjuntamente, com assuntos internos, como a questão da necessidade de fazer uma reforma estrutural fiscal nos EUA, gerem nos negociadores do Brasil a percepção de que não retaliar, além de gerar os ganhos diretos apontados também pode induzir os estadunidenses e cederem em outras esferas, o que representaria um reforço intergovernamental por recompensa em virtude dos estímulos positivos materiais e sociais, como colocado por Schimmelfennig (2005).

O Ex-secretário-geral da Unctad, Rubens Ricupero, aponta que o setor de carnes pode se beneficiar com a suspensão da retaliação poishá "a promessa de reconhecer Santa Catarina como livre de aftosa sem vacinação, o que possibilitaria a exportação de carne suína aos EUA. É uma primeira brecha na muralha que até hoje impede o Brasil de vender carnes ao mercado americano"19. No dia 18 de junho de 2011, foi divulgado que os EUA desistiram de apelar no Sistema de Solução de Controvérsias sobre a acusação brasileira de medidas anti-dumping contra o suco de laranja. O chanceler Antonio Patriota afirmou "A decisão de não apelar torna a vitória brasileira definitiva e consolidada. É uma vitória muito importante essa decisão do zeroing nas investigações antidumping, que estava sendo questionada por vários países"20. Além disso, no primeiro semestre de 2011, o congresso americano vetou os subsídios ao etanol, alegando ajuste fiscal, porém também sinaliza com cortes no financiamento de pesquisa para a cotonicultura brasileira. Em relação a isso, o Ministro Patriota declarou: "(…) nossa negociação é de Executivo com Executivo. Nós não negociamos com o Congresso americano, evidentemente. Agora, a eventual suspensão dos pagamentos ao fundo do algodão configurará um rompimento de um compromisso bilateral (...) Esperamos que não chegue a esse ponto".21

Esta declaração do atual chanceler brasileiro, além deixar claro a tática de persuasão apelando para o cumprimento das normas internacionais, leva à tona uma fundamental característica do processo decisório norte-americano que se mostra relevante para compreendermos as possibilidades e contingências dos EUA neste aprendizado social22, qual seja, as limitações impostas aos negociadores estadunidenses pelo legislativo e a força do lobby congressual.

Lima (2008) afirma que no contencioso há um relativo sucesso brasileiro em induzir "um ator doméstico poderoso, o Executivo, em buscar  deslocar  o  status  quo,  em  alguma  medida,  na  direção  liberalizante.  Na  verdade,  em  perspectiva  histórica,  há  uma  certa  tendência  do  Executivo  em  buscar  diminuir  o  protecionismo,  tanto  para  minimizar  os  custos  orçamentários  quanto  para  utilizá-lo  como  elemento   de   barganha   em   negociações   internacionais". Deste modo, os EUA de forma lenta e incompleta se adaptam aos pareceres da OMC. Lima (2008) destaca dois aspectos para esta adequação, mesmo que parcial: "o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC permite que  acusações  e  defesas  sejam  avaliadas  por  procedimentos,  técnicas  e  padrões aceitos,  e  grande  parte  moldados,  pelos  próprios  Estados  Unidos.(...); e este sistema é peça fundamental do regime comercial representado pela OMC, o qual dá sustentação ao sistema capitalista e dirime disputas  que  de  outro  modo poderiam levar a tensões política mais sérias".

No inicio das consultas, em 2002, os EUA ameaçavam retirar o Brasil do Sistema Geral de Preferências23, questão que em determinados momentos da controvérsia é retomada pelos norte-americanos, porém, até hoje o Brasil não sofreu tal represália. Após os Estados Unidos recorrerem ao órgão de apelação e perderem, o poder executivo, como já dito, moveu-se para rever os subsídios, mesmo que lentamente. A maior adequação estadunidense se deu com o subsídio à exportação denominado Step2, que foi considerado proibitivo e na data limite dada pela OMC foi eliminado por completo. Lima (2008) destaca que, além do parecer da OMC e dos compromissos assumidos na reunião Ministerial de Hong Kong, tal fato foi possível por se tratar de um subsídio específico ao algodão, não prejudicando outros grupos de interesse e, também, porque "os trabalhos não foram concentrados nos Comitês de Agricultura da Câmara e do Senado, nem considerados sob a lógica da política agrícola. O mais adequado para o congressista passou a ser não a proteção do setor agrícola, mas sim a do bom manejo dos recursos federais para a redução do déficit orçamentário". O autor aponta ainda que "Leis agrícolas e  emendas  podem  ser  votadas  nos  intervalos  de  reedição  da  Farm  Bill,  mas  não  é  comum  alterar programas estruturais fora de época [como foi o caso do Step2]. Nas palavras de Woods Eastland, presidente do  [National  Cotton  Council  of  America NCC,  a  'decisão  de  eliminar  completamente  um  programa  agrícola  norte-americano  no  meio de uma Farm Bill é virtualmente sem precedentes'". Os programas de crédito à exportação, outro tipo de subsídio considerado proibitivo, foi eliminado parcialmente, com certa pressão do executivo. Já os subsídios domésticos, como vimos acima, não foram modificados ou banidos e contaram, em certa medida, com a compreensão do Sistema de Solução de Controvércias, mesmo declarando que tais aportes geram graves prejuízos ao Brasil.

Um aspecto importante é que os subsídios não eliminados sustentam múltiplas commodity agrícolas sejam elas de alto valor agregado ou não. Deste modo:

a decisão do painel extrapola o alvo  inicial,  o algodão,  atingindo   uma   política   pública   agrícola   de   alcance   nacional  e diversificado (…). O contencioso do algodão tornou-se mais do que um desafio a  um  produto  subsidiado  específico  para  ser  um  questionamento  de  políticas  públicas  agrícolas de alcance nacional. (...) [Assim] para  que haja adequação  efetiva,  é preciso que o  Legislativo norte-americano modifique a Farm Bill, considerada uma das esferas políticas mais paroquialistas daquele país (LIMA, 2008).

 

O Brasil e a Coalizão G-20

A participação do Brasil na Rodada Doha através da coalizão G-20 foi escolhido como caso a ser revisto por demonstrar a importância do ambiente negociador da OMC enquanto espaço de aprendizado que foi sendo consolidado ao longo do tempo. Se no caso do algodão é possível perceber o início desse processo, no caso do G20 é possível visualizar um ambiente de interação mais maduro. A convergência de expectativas quanto ao comportamento dos atores apresenta-se mais consolidada e o uso da persuasão por parte dos negociadores brasileiros, enquanto instrumento importante para a manutenção da coalizão e da estrutura de incentivos disponíveis na OMC é intensificado. O aumento da capacidade de barganha dos negociadores brasileiros depende, fundamentalmente, da manutenção e do uso dos canais institucionais de influência social que a OMC propicia. Desta forma, o G-20 assume um papel importante para que isso seja possível.

A formação oficial do G-20, na fase final de preparação da Reunião Ministerial de Cancún da OMC, de setembro de 2003, foi uma resposta imediata à proposta de negociação agrícola, estruturada e pré-determinada pelos Estados Unidos e União Européia. A aceitação do documento, por parte do uruguaio Carlos Perez de Castillo, então presidente do Conselho Geral da OMC, como documento framework, para as negociações, foi o estopim para o alinhamento dos países em desenvolvimento em torno do G-20. Essa proposta era pouco ambiciosa, quanto às metas de liberalização e acesso a mercados agrícolas.

O G-20 está ligado à idéia da ampliação da influência dos países em desenvolvimento no processo decisório da OMC, e da busca de redução dos subsídios e maior acesso aos mercados agrícolas dos países desenvolvidos. Na avaliação do Ministro Celso Amorim24: "a conferência de Cancún marca um ponto de inflexão na dinâmica interna da OMC - onde, tradicionalmente, o que era decidido pelas grandes potências comerciais era visto como o consenso inevitável. Graças a um esforço conjunto de 22 países em desenvolvimento, coordenados pelo Brasil, do qual participaram países grandes e pequenos de três continentes, as postulações da maior parte da humanidade não puderam ser ignoradas". Desde o seu surgimento, a coalizão não se opunha à OMC. A coalizão se opunha ao rumo que estava sendo dado à Rodada Doha e buscava manter o objetivo (presente no mandato negociador) de tratar da questão do desenvolvimento enfatizando a necessidade de eliminação dos subsídios à exportação e maior acesso ao mercado agrícola dos países desenvolvidos.

Deste ponto de vista, podemos dizer que a atuação brasileira junto ao G-20, no momento da sua criação, se fundamenta em argumentos que apelam para os aspectos centrais formalmente proclamados pela OMC. As normas da instituição são colocadas como parâmetro a ser seguido por seus membros e uma mudança nos objetivos previamente estabelecidos para a Rodada Doha, a "Rodada do Desenvolvimento", seriam vistos não como uma adaptação organizacional frente às preferências dos seus membros, mas como uma distorção dos fundamentos da própria OMC.

De acordo com comunicado do Grupo "the negoatiations on agriculture are central to move the Doha Round to a sucessful and timely conclusion. Trade in agricultural products continues to be hindered by all sorts of barriers and distortions. True liberalization in agricultural trade and reform that address these barriers and distortions would be a major contribution to the development objectives of the Round25".

O fortalecimento da coalizão ao longo do tempo pode ser explicado: a) pela importância dos seus membros na produção e no conjunto do comércio agrícola, representando quase 60% da população mundial, 70% da população rural do mundo e 26% das exportações agrícolas internacionais, b) por sua capacidade de traduzir os interesses dos países em desenvolvimento em propostas concretas e consistentes c) por sua habilidade em coordenar seus membros e interagir26 com outros grupos e coalizões presentes na OMC. Além disso, cabe destacar que a participação dos membros da coalizão na produção mundial das dez principais commodities agrícolas é maior que a da UE e dos EUA juntos. Em arroz, o G-20 responde por 72% da produção mundial; em tabaco, representa 70%; em soja, 62%; em açúcar, detém uma participação de 61%. O G-20 produz 56% da carne suína no mundo, e em algodão, a participação é de 54%. E ainda é responsável por 47% do café produzido no planeta e pela produção de 43% da carne de frango e 40% da carne bovina27.

Na dinâmica de construção da sua identidade perante os demais atores da negociação o G-20 procurou apresentar a sua demanda o mais próximo possível das normas da organização onde a negociação se processa. O embaixador Roberto Azevedo28, então subsecretário de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty, afirmou que "O G-20 procura que essa Rodada faça jus ao nome "Rodada do Desenvolvimento". Quer que os países ricos parem de distorcer o comércio agrícola. Não é justo que um agricultor de um país em desenvolvimento esteja competindo com o Tesouro de um país rico. Quer que o protecionismo deixe de ter barreiras intransponíveis, para que eles tenham capacidade de acesso a mercados. E em bens indústrias e em serviços querem resultados equilibrados. Estão dispostos a liberalizar ai também e querem ver liberalização em muitos bens industriais nos países ricos. A Índia, por exemplo, quer concessões para entrar com seus serviços em países industrializados."

Após a Reunião Ministerial de Cancun, o G-20 foi gradualmente recebendo reconhecimento internacional. A participação do Brasil e da Índia no "Non-Group" of 5 que teve papel decisivo na configuração do acordo quadro de julho de 2004 e é uma prova concreta do peso do G-20 (Baracuhy, 2011). Parte desse reconhecimento se deve à capacidade que o grupo demonstrou de apresentar uma postura coesa em relação às negociações agrícolas, deve-se também ao fato de a coalizão, em diferentes momentos do processo negociador, ligar as propostas do grupo com os princípios e questões norteadoras da Rodada Doha. A atuação do Brasil no G-20 buscou utilizar os princípios da OMC, como a noção de livre-comércio, de forma a acoplar a demanda da coalizão G-20 aos objetivos gerais da organização onde a negociação ocorre. Isso não quer dizer que a preferência brasileira seja sempre pela liberalização comercial, mas, uma vez que o ambiente social onde a negociação ocorre é fortemente permeado por essa noção, busca-se utilizá-la em benefício próprio enquanto argumento central que sustenta o processo de persuasão.

Já no primeiro comunicado do Grupo, de 9 de setembro de 2003, essa idéia já ficava clara: "there is an undeniable link between agriculture and development. Most of the poor people in the developing countries live in rural areas. In order to translate the Doha Development Agenda into reality, agriculture should be fully incorporated into the rules of the multilateral trading system with a view to eliminating the distortions prevailing in agricultural trade and production29".

Com a formação do G-20, a estratégia brasileira buscou contrastar os interesses comerciais dos países ricos e atingir maior equilíbrio nas negociações. Equilibrou a atenção aos interesses dos países em desenvolvimento com forte agronegócio como Brasil e Argentina, aos com agricultura familiar de subsistência, como Índia e China. A articulação da coalizão e o papel de destaque no grupo colocaram o Brasil no núcleo decisório da OMC. O então Ministro das Relações Exteriores do governo Lula da Silva, Celso Amorim, afirmou: "Diria sem falsa modéstia que o Brasil mudou a dinâmica das negociações da OMC. Não foi o Brasil sozinho. Mas o Brasil lidera o G-20 e é procurado - e diria que quase cortejado - por Estados Unidos, União Européia e Japão, entre outros países" (Gazeta Mercantil, 19/10/2006).

Podemos afirmar, portanto, que o G-20 permitiu a criação de canais adicionais de influência social no ambiente de interação multilateral, aumentando a capacidade de barganha dos seus membros no sentido de cobrar dos países desenvolvidos um comportamento adequado ao mandato da Rodada Doha.

Diferentemente das coalizões anteriores, que contavam com a participação dos países em desenvolvimento, o G-20 não apresentava uma agenda de veto e, sim, uma agenda pró-ativa, integrativa, que ficou caracterizada nas suas propostas substantivas que incorporavam o espírito do ambiente social da negociação. Essa questão é relevante, pois, a estrutura onde a negociação ocorre conta com mecanismos institucionais em torno do valor de se negociar. O grupo, em todos os momentos, se apresentou como uma coalizão que tinha a lógica da negociação como um elemento fundante da sua ação. Uma declaração do Grupo indica que "G-20 Ministers called on all WTO members to approach upcoming negoatiations with an open spirit and readiness to reach consensus that will pave the way for an effective liberalization of agricultural trade capable of reflecting the needs and sensitivities of developing countries and the interests of the international community as a whole30". .

Narlikar e Tussie (2004) entendem que o sucesso do G-20 está relacionado a uma experiência passada dos países em desenvolvimento com coalizões e processos de negociações na esfera da OMC. A gênese do G-20, na percepção das autoras, estaria mais diretamente ligada a um processo de adaptação social dos países em desenvolvimento, com os procedimentos e métodos das negociações no âmbito da OMC. Exemplos desse aprendizado seriam as propostas concretas e estruturadas apresentadas pelo Grupo, que em nada lembrariam as estratégias anteriores de negociação dos países em desenvolvimento, que, na visão das autoras, eram pautadas, ora pelo imobilismo, ora pela tendência ao bloqueio. As autoras sugerem que o G-20 decorre de quase duas décadas de aprendizado dos países em desenvolvimento.

Antes do surgimento do G-20 comercial, Brasil, África do Sul, Índia e China não atuavam em conjunto nas negociações agrícolas. Mas, a partir de meados de 2003, quando os negociadores brasileiros perceberam que havia a possibilidade da Índia aceitar a forma como a UE sugeria o direcionamento da negociação, houve um amplo esforço do Brasil no sentido de trazer a Índia para o seu lado da negociação. Ao atuar conjuntamente com países que não tinham interesses ofensivos nas negociações agrícolas o Brasil teve que relativizar parte de suas propostas. A Índia, por exemplo, não se propõe a abrir o seu mercado agrícola e, por isso, defende o direito dos países em desenvolvimento não assumirem compromissos de redução tarifária ou de ajuda interna31, China e África do Sul têm posições similares. Por conta disso, no G-20, o Brasil buscou aproximar-se da perspectiva original da Índia, que solicitava atenção especial para a questão da segurança alimentar e tratamento especial e diferenciado. Para manter a coalizão, fazia-se necessária a defesa de instrumentos como salvaguardas e a definição de produtos especiais para países em desenvolvimento. De acordo com Celso Amorim (2004) "o G-20 está igualmente comprometido a apoiar os conceitos de produtos especiais e o mecanismo especial de salvaguardas. Esses conceitos foram reafirmados na proposta recentemente circulada pelo G-20 sobre acesso a mercados agrícolas".

Mas, a posição efetiva do Brasil, desde antes da Conferência da Cancun, de setembro de 2003, sobre o tema de tratamento especial e diferenciado e salvaguardas especiais para países em desenvolvimento era que "o Brasil manteria postura equilibrada a esse respeito, assinalando apenas a conveniência de que a salvaguarda especial funcionasse como um estímulo à liberalização, associada, portanto, à redução tarifária dos produtos cobertos"32. Esta parece ter sido, inclusive, a posição do país cinco anos depois, na reunião ministerial de julho de 2008, já num estágio final da negociação, quando o G-20 não apresentou proposta conjunta sobre o tema, e o Brasil não aderiu à proposta da Índia, da China e da Indonésia e aceitou um acordo que não previa as proteções demandadas pelos indianos. Carvalho (2010) argumenta que os interesses domésticos dos membros do G-20, na reunião de julho de 2008, foram mais fortes que as motivações iniciais que levaram à formação da coalizão. Na visão da autora as posições do Brasil em julho de 2008, quando o país aceitou as propostas da OMC como base das negociações, foram resultados de dois fatores: os constrangimentos domésticos e as ideias realistas da política externa que ajudaram a justificar a decisão do abandono da "solidariedade" ao G-20. Nas negociações internacionais as possibilidades oferecidas por algumas afinidades entre os países parecem encontrar limites lógicos, sobretudo nos momentos decisivos ou críticos, nos interesses políticos e econômicos de atores domésticos relevantes. As afinidades abrem alguns caminhos, promovem certa compreensão, mas não superam o papel dos interesses. O então Ministro Celso Amorim argumentou que "esse grupo (o G-20) não era um fim em si mesmo. O objetivo é a conclusão da Rodada33".

A construção de coalizões na OMC é uma forma de realizar interesses e de definir padrões de relacionamentos com países nas negociações. No momento em que havia uma chance concreta de encerramento da Rodada Doha, onde as ameaças aos interesses brasileiros que estimularam a formação da coalizão não estavam mais presentes e o acordo que estava sobre a mesa era entendido como favorável às preferências do país, tendo o Brasil e o G-20 contribuído, significativamente, na sua configuração optou-se por ter uma posição que, para determinados analistas e observadores, foi entendida como de não solidariedade ao G-20. Ou seja, na reunião ministerial de Genebra de julho de 2008, a percepção brasileira era que a atuação em conjunto, sobretudo, com a Índia e com a China, no caso das negociações agrícolas, importante para a manutenção do G-20, já teria cumprido o seu objetivo. O que não equivale a dizer que os esforços buscando maior aproximação com os países asiáticos em outros temas e agendas da política externa tenham se arrefecido, mesmo o fato de serem considerados aliados estratégicos. Na OMC, a atuação em conjunto quando os interesses não são totalmente convergentes é possível principalmente nos estágios iniciais e intermediários da negociação. Nas fases finais, de assinatura de compromissos, os países tendem a seguir mais diretamente as suas preferências ótimas e as demandas dos seus atores domésticos. Isso tem relação com a atuação de coalizões. Nas fases finais da negociação se torna mais difícil atuar em conjunto com os parceiros.

A experiência de negociação no caso do contencioso do algodão demonstrou que é possível obter incentivos positivos que levam à adaptação comportamental em direção à incorporação de normas promovidas pelas instituições internacionais. Da mesma forma, a experiência do G-20 nos indica claramente que incentivos sociais foram alcançados, principalmente o aumento do poder de barganha dentro da instituição e o reconhecimento por parte da comunidade internacional de que o Brasil é um ator relevante. A proposta para se chegar a um acordo na Rodada Doha sinalizava com incentivos materiais e, simultaneamente, com a manutenção dos incentivos sociais já obtidos, estando de acordo, mais uma vez, com a idéia de reforço intergovernamental por recompensas colocada por Schimmelfennig (2005). O aumento da capacidade de barganha, desta vez, seria oriundo da institucionalização de um acordo no âmbito da OMC e não mais fundamentado na manutenção da coalizão, o que explicaria a aceitação, por parte dos negociadores brasileiros, da relativa perda de credibilidade para com os demais membros do G-20.

De certa forma, com acordo ou sem acordo, o fato é que o Brasil teve seu poder de barganha ampliado e, hoje, é um dos países com poder de veto na OMC e está presente em todas as reuniões do green room (NARLIKAR, 2010). Portanto, sai fortalecida a escolha do multilateralismo comercial como instância estratégica de definição das posições do país nas negociações comerciais internacionais. A construção de parcerias estratégicas com outros países emergentes, viabilizando a formação de coalizões com densidade política e econômica é um dos elementos que, impulsionado por um contexto internacional em transformação, viabilizou o objetivo de "ser parte ativa da produção de regras, isto é, das estruturas hegemônicas do capitalismo" (CERVO, 2008:103).

 

Conclusão

O caso do contencioso do algodão demonstrou que mudar o comportamento de um ator tão poderoso como os EUA é uma tarefa monumental. Mesmo havendo mecanismos institucionais claramente delimitados e tratando de questões que indicam clara distorção do comércio mundial.

Vale ressaltar que o Estado brasileiro, desde a formação da OMC, iniciou 25 casos como reclamante, sendo um dos países em desenvolvimento com maior destaque no Sistema de Solução de Controvérsias. Destes casos 10 tem os EUA como demandado. Além disso, dos 424 casos abertos no SSC somente em 4  deles os relatórios dos painéis autorizaram retaliações, sendo o Brasil demandante em três deles (caso das aeronaves, da emenda Byrd34 e do algodão)35.

Essa experiência permitiu a construção de um ambiente de aprendizado para ações mais ambiciosas e a atuação do Brasil na construção e manutenção do G-20 parece demonstrar isso.

Verificou-se também uma tendência de valorização do ato de negociar, mesmo em situações de desvantagem. No entanto, os dados empíricos indicam que valores fundantes da organização, como a idéia de que o livre-comércio promove o desenvolvimento e que justificam a própria existência da OMC perante a comunidade internacional, são tomados por seus membros essencialmente como elemento de persuasão que objetiva a melhoria das condições de barganha. O foco no mecanismo de cálculo estratégico nos permitiu compreender como esse tipo de argumento é instrumentalizado a fim de criar canais de influência social e, portanto, resulta na adaptação de comportamento condicionada à obtenção de incentivos, sejam materiais ou sociais,

O comportamento brasileiro nos dois casos estudados indica a tentativa de testar os limites institucionais da OMC e expor as preferências dos atores no ambiente de interação.

Ao fazer isso, o Brasil adapta seu comportamento às normas e em troca procura obter recompensas. Como conseqüência, acaba estimulando o processo de legitimação de determinados dispositivos institucionais desta organização internacional, como é o caso do Sistema de Solução de Controvérsias.

Sendo assim, o desafio está em saber se este tipo de legitimação é suficiente para que os seus membros, ao modificarem seu comportamento, internalizem normas da organização que transcenda a lógica orientada pela obtenção de recompensas e, portanto, iniciando um processo mais profundo de socialização/internalização.

 

Referências

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CARVALHO, Maria Izabel Valladão de. Condicionantes internacionais e domésticos: O Brasil e o G-20 nas negociações agrícolas da Rodada Doha.Dados,  Rio de Janeiro,  v. 53,  n. 2,   2010.

CERVO, Amado L. Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo, Editora Saraiva, 2008.

CHECKEL, Jeffrey. International Institutions and Socialization in Europe: Introduction and Framework. International Organization, vol. 59, no. 4, 2005, pp. 801-826.

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HABKA, Bruna D. O caso do algodão na OMC (2002-2010). Especialização em Relações Internacionais. Brasília: UNB, 2010.

LIMA,  Thiago.   Desafios  internacionais  à  política  agrícola  dos  Estados  Unidos:  O contencioso  do algodão e o CAFTA-DR. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais (Unesp, Unicamp, Puc-SP), 2008.

NARLIKAR, Amrita.  International Trade and Developing Countries: bargaining coalitions in the GATT & WTO. London: Routledge, 2003.

NARLIKAR, Amrita; TUSSIE, Diana. Bargaining together in Cancún: developing countries and their evolving coalitions. The World Economy, vol. 27, no. 7, 2004.

NARLIKAR, Amrita. New powers: how to become one and how to manage them. Columbia University Press, 2010.

OLIVEIRA, Ivan T. M. A atuação do Brasil no sistema desolução de controvésias da OMC: o caso do contencioso do algodão contra os EUA. Boletim de economia e política internacional. Brasília, nº2, 2010.

OLIVEIRA, Marcelo F. Multilateralismo, Democracia e Política Externa no Brasil: contenciosos das patentes e do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC).  Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 29, nº1, 2007.

SCHIMMELFENNIG, Frank. Strategic Calculation and International Socialization: Membership Incentives, Party Constellations, and Sustained Compliance in Central and Eastern Europe. International Organization, vol. 59, 2005, pp. 827-860.

ZURN, Michael; CHECKEL, Jeffrey. Getting Socialized to Build Bridges: Constructivism and Rationalism, Europe and the Nation - State. International Organization, vol. 59, 2005, pp. 1045-1079.

 

 

* 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) São Paulo 20, 21 e 22 de julho de 2011
1. Segundo Habka (2010) os subsídios do governos dos EUA chegaram, em 2002, a U$ 6 bilhões (1/4  do valor total da produção).
2. As consultas se iniciaram em 27/09/2002 e o painel foi estabelecido em 18/03/2003 (OLIVEIRA, 2010).
3. Ver:http://www.wto.org/english/tratop_e/agric_e/cotton_subcommittee_e.htm. Acesso em: 10.06.2011.
4. Associação Brasileira de Produtores de Algodão.
5. A Cláusula da Paz estabeleceu que, entre 1995 e 2004, os países signatários do Acordo Agrícola da  Rodada do Uruguai não poderiam "questionar nem aplicar medidas compensatórias aos subsídios agrícolas doméstico ou de exportação (...), a não ser em condições específicas: para questionar os subsídios domésticos distorcivos, era preciso demonstrar  que eles foram concedidos em valores superiores aos níveis de 1992; para os subsídios à exportação era preciso demonstrar que eles superavam os valores notificados à OMC. O Brasil teve sucesso em ambas demonstrações"(LIMA, 2008). Com isso, vemos que os negociadores brasileiro procuram agir dentro das normas da organização.
6. Segundo OLIVEIRA (2010), " A retaliação cruzada permite o uso de medidas de suspensão de concessões em bens, serviços e direitos que não aqueles aos quais o contencioso encontra-se vinculado".
7. O Step 2, chamado oficialmente de Upland Cotton User Marketing Certificates,foi criado na Farm Bill de 1990 para incentivar a compra doméstica por processadores têxteis e para estimular a exportação de algodão norte-americano quando o preço deste for maior do que o dos competidores estrangeiros" (LIMA, 2008).
8. Para um maior detalhamento sobre os subsídios norte-americanos questionados pelo Brasil consultar: Lima (2008).
9. HABKA, Bruna D. O caso do algodão na OMC (2002-2010). Especialização em Relações Internacionais. Brasília: UNB, 2010.
10. Ibid.
11. Ibid.
12. Daniel Sumner, professor da Universidade da Califórnia e ex-secretário assistente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), foi contratado para fazer um modelo econométrico que espaldasse as reivindicações brasileiras.
13. Em 11/02/2010 o governo brasileiro estabelece procedimentos a serem utilizados em caso de suspensão de concessões na área de propriedade intelectual através da MP 482. Em fevereiro, MRE diz estar aberto a negociações com os EUA para eventual acordo que evite a suspensão de concessões. Em 05/03/2010, a Camex/MDIC divulga lista de mercadorias objeto de suspensão  de concessões assumidas pelo Brasil em relação aos EUA no GATT 1994. Em março, o MRE sinaliza que o Brasil permanece aberto ao diálogo com os EUA para que se facilite uma solução mutuamente satisfatória para o contencioso. E a Camex/MDIC  realiza  chamada  pública  para  definição  de  lista  para  suspensão  de  concessões  em propriedade intelectual (OLIVEIRA, 2010).
14. MP prevê retaliação em propriedade intelectual. Valor econômico. Brasília, 11.02.2010.
15. op. cit.
16. op. cit.
17. Segundo o acordo os EUA se comprometem a estabelecer um teto para as concessões de subsídios, revisar semestralmente as garantias de exportação e financiar, com U$ 147,3 milhões anuais, pesquisas para intensificar  e qualificar a produção cotonicultora brasileira.
18. Pais suspende retaliação aos EUA até 2012. Folha de S.Paulo. São Paulo, 18.06.2010. Caderno mercado.
19. RICUPERO, Rubens. É melhor negociar que retaliar. Folha de S.Paulo. São Paulo, 07.abril.2010. Caderno Dinheiro.
20. EUA encerram briga da laranja na OMC. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18.jun.2011. Caderno Internacional.
21. op. cit.
22. O poder executivo estadunidense tem poderes limitados nas negociações internacionais, basicamente, o executivo tem liberdade para ajustar medidas administrativas dependendo do legislativo conceder autorizações de negociações e tendo que cumprir a chamada Farm Bill (editada a cada 5 anos). Por sua vez, o legislativo sofre forte influência do lobby dos grupos de pressão que devido ao formato eleitoral distrital fazem com que pequenos grupos tenham grande força política, como é o caso do setor do algodão.
23. Este sistema, segundo Oliveira (2010), abrange acerca de 10% do total exportado pelo Brasil para os EUA em 2009.
24. Discurso do Ministro Celso Amorim, "Dia do Diplomata". Brasília, 18 de setembro de 2003.
25. G-20 Ministerial Communiqué Brasília, 12 December, 2003.
26. É interessante notar esse esforço de intercâmbio de informações e propostas com outras coalizões. No encontro do G-20, no Rio de Janeiro entre os dias 9 e 19 de setembro de 2005, além dos ministros dos países membros do G-20 também estavam presentes representantes do G-33, do grupo das economias menores e mais vulneráveis (SVE), do bloco dos países menos desenvolvidos (LDC), dos países do ACP e o grupo dos produtores de algodão.
27. Dados retirados do Instituto de Comércio e Negociações Internacionais, ICONE site: www.iconebrasil.org.br, consultado em 05/09/08.
28. Entrevista à Folha de São Paulo 05/02/2007
29. G-20 Ministerial Communiqué Cancún, 9 September 2003.
30. G-20 Ministerial Communiqué Brasília, 12 December, 2003.
31. G/AG/NG/W/114
32. Telegramas 650 e 651 de Delbrasgen para Exteriores de 26/03/2003. Telegrama 670 de Delbrasgen para Exteriores 27/03/2003. A percepção brasileira durante o estágio intermediário da negociação era que não se podia ignorar, em particular, o risco de desviar o debate sobre a reforma agrícola do eixo Norte - Sul, onde se concentrariam as questões centrais e suscetíveis de propiciar maiores ganhos, nos três pilares da negociação, para um acirramento de divergências Sul - Sul, entre países em desenvolvimento "exportadores" e "defensivos", que só prejudicaria os interesses maiores de reforma das regras da agricultura. 
33. O Estado de São Paulo (27/07/2008) "Argentina não se dobra a Amorim".
34. A emenda Byrd foi feita pelo governo norte-americano e "destinava os recursos provenientes da cobrança de tarifas anti-dumping e de medidas compensatórias às empresas [estadunidenses] que haviam solicitado investigação de práticas desleais de comércio" por parte de produtores estrangeiros (LIMA, 2008). O contencioso que questionou esta emenda dos EUA foi feito em conjunto por: Austrália, Brasil, Chile, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Japão, União Europeia (UE) e Tailândia. Com a autorização do SSC alguns países deste grupo, Japão, México, Canadá e UE retaliaram os EUA.
35. Todos os dados citados foram coletados no sitio da OMC: http://www.wto.org/english/thewto_e/countries_e/brazil_e.htm e http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_current_status_e.htm. Acesso em 10.06.2011.