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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A paradiplomacia no processo de integração regional - o caso do Mercosul

 

 

Henrique Sartori de Almeida Prado

Relações Internacionais, Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. E-mail: henriquesartori@ufgd.edu.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a participação das unidades subnacionais no processo de integração regional, através do instituto da paradiplomacia, tendo como base a experiência integrativa do Cone Sul da América do Sul. Para tanto, será empenhado o estudo sobre a ação dos governos subnacionais no desenvolvimento do processo de integração regional e um breve estudo comparativo sobre as limitações constitucionais da participação externa dos entes subnacionais dos Estados Parte do MERCOSUL.  Serão enfatizadas por fim, as experiências de integração subnacional no âmbito do MERCOSUL e a análise do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR).

Palavras-chave: integração regional, governos subnacionais, paradiplomacia, MERCOSUL


 

 

INTRODUÇÃO

[...] o desenvolvimento do processo de integração tem uma dimensão política crescente, a qual requer ações coordenadas e sistematizadas de todos os atores nele envolvidos. (MERCOSUL, 2004)

O cenário das relações internacionais (em constante evolução) apresenta novas tendências de integração e interdependência entre seus atores e isso reflete diretamente no papel dos Estados no sistema internacional. Se anos atrás o Estado Nacional era o principal fomentador e promotor do desenvolvimento, do comércio e da diplomacia, hoje esta dinâmica se mostra diferente.

Mesmo ainda sendo considerado como principal ator nas relações internacionais, os Estados Nacionais vem perdendo espaço no cenário mundial e não conseguem mais alcançar a capacidade da promoção do desenvolvimento, tanto no âmbito nacional como na esfera regional, provocando um fenômeno de transferência dessa capacidade para os governos subnacionais1.

A emergência de novo atores, em especial dos governos subnacionais no plano internacional, configura o envolvimento desses entes não-centrais na formulação e na influência da política externa de um Estado nacional, nascendo assim, o instituto da paradiplomacia.

Segundo Michael Keating (2000), esse envolvimento pode estar concentrado em motivações políticas, culturais e econômicas e é, antes de tudo, uma possibilidade que os governos subnacionais têm de buscar parcerias para o seu desenvolvimento, não dependendo exclusivamente da ação dos seus respectivos governos centrais.

No mesmo sentido, Panayotis Soldatos (1990), analisando o federalismo e as relações internacionais, descreve a paradiplomacia como "uma atividade de política externa de uma unidade federativa", refletindo o sentido de ação internacional deslocada do eixo central do tradicional ator das relações internacionais.

Contudo, Noé Cornago Prieto (2004), define a paradiplomacia sendo:

[...] o envolvimento de governos não centrais nas relações internacionais mediante o estabelecimento de contatos permanentes e ad hoc, com entidades públicas ou privadas estrangeiras, com o objetivo de promoção socioeconômica e cultural, bem como de qualquer outra dimensão exterior nos limites de sua competência constitucional. Embora bastante contestado, o conceito de paradiplomacia não impossibilita a existência de outras formas de participação subnacional no processo da política externa, mais diretamente ligado ao departamento de relações exteriores de governos centrais, como assim chamada diplomacia federativa, tampouco impede o papel cada vez maior dos governos subnacionais nas estruturas de multicamadas para a governança regional ou mundial.

Para Maurício Fronzaglia (2005), em sua dissertação de mestrado, classifica a paradiplomacia sendo:

[...] o conjunto de atividades desenvolvidas pelas unidades subnacionais - de maneira isolada ou conjunta - conforme seu grau de autonomia e que visam sua inserção internacional podendo ser complementares, paralelas ou conflitantes com a diplomacia conduzida pelo governo central.

Assim, através dessas atividades, os governos subnacionais podem realizar uma atuação propositiva no sistema internacional. Eles, por sua vez, representam interesses e têm por finalidade garantir benefícios para o conjunto da sociedade de um determinado território. Além do mais, são atores que agem em função das pressões e demandas que surgem internamente, na comunidade e que ao mesmo tempo, possuem uma preocupação com a legalidade de sua ação (MARIANO; MARIANO, 2005).

Ao contrário da política externa dos Estados, a paradiplomacia não pretende representar os interesses nacionais ou a ser abrangente na sua proposta e cobertura. Os governos subnacionais não são governos soberanos capazes de estabelecer a sua definição do "interesse nacional" (HOCKING, 2004) e de perseguí-lo de maneira unificada e coerente.

Porém, essa atividade indica um novo modo de operar os jogos diplomáticos, exigindo uma maior capacidade de articulação dos interesses por parte dos Estados Nacionais e consequentemente ampliando o rol de discussões e negociações na formulação de agendas no ambiente dos foros internacionais.

Isso implica que os governos subnacionais "passem a vislumbrar a elaboração de novas políticas para as relações globalizadas" (RODRIGUES, 2004). Fato este que traduz no crescente envolvimento desses governos em feiras internacionais, no processo de geminação de cidades, na participação de redes internacionais que estimulem a aproximação de entidades subnacionais e na busca de investimentos estrangeiros, agindo na captação de plantas industriais e atividades comerciais para as suas respectivas regiões. São nas unidades subnacionais que se negociam diretamente as condições de instalação, incentivos e investimentos, sobrepondo os entraves impostos pela burocracia da administração central do Estado.

Com isso, é cada vez mais frequente a busca das unidades subnacionais por novas frentes de desenvolvimento e fronteiras comerciais. As demandas dos setores produtivos internos dessas unidades pressionam por posturas de promoção, divulgação e aproximação comercial com outros mercados consumidores, sobretudo internacionais. A cooperação comercial, aliada as ações por melhorias no sistema de transporte e no escoamento da produção, se apresenta hoje como uma das principais bandeiras da agenda da paradiplomacia dos governos subnacionais.

Fora do plano comercial, a diplomacia pode contribuir para que as ações e atitudes dos Estados Centrais possam ser eficientes e pontuais no atendimento das demandas internas das regiões, influenciando o processo decisório e a política doméstica.

Além do ânimo econômico e das diversas áreas de cooperação (tecnológica, educacional, científica), a ação externa dos governos subnacionais pode ter como característica uma ação estratégica política que destoa da política externa central (LECOURS, 2008). Como é o exemplo de algumas regiões na América do Norte e no continente europeu, onde é nítida a busca por reconhecimento internacional das pretensões dessas regiões, principalmente no que diz respeito a movimentos emancipatórios e secessionista, o que não traduz a vocação principal da paradiplomacia subnacional.

Visto isto, a paradiplomacia se mostra viável, principalmente quando o Estado nacional reconhece a ação externa dos seus entes subnacionais (sobretudo no modelo federativo), atribuindo-lhes alguma competência, como sustenta Francisco Rezek (2005):

[...] não há razão por que o direito internacional se oponha à atitude do Estado soberano que, na conformidade de sua ordem jurídica interna, decide vestir seus componentes federados de alguma competência para atuar no plano internacional, na medida em que as outras soberanias interessadas tolerem esse procedimento, conscientes de que, na realidade, quem responde pela província é a união federal.

Assim, a paradiplomacia se mostra como um processo complexo e ao mesmo tempo como um fenômeno contemporâneo que opera em vários níveis dentro do sistema internacional.

Por mais que não exista um padrão de atuação dos governos subnacionais no plano internacional (como a diplomacia tradicional), o empirismo se coloca como base da atuação internacional dos mesmos. No entanto, a ação paradiplomática subnacional, para alcançar certo sucesso, depende do nível de cooperação que as entidades subnacionais de um Estado possuem dentro e fora dos seus limites fronteiriços.

 

A PARADIPLOMACIA NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL DO MERCOSUL

"A diplomacia já não é privilégio do Estado-nação" (CRIEKEMANS, 2006). A emergência de novos atores, principalmente o constante reconhecimento conferido aos governos subnacionais no plano internacional, acabou por abrir um novo espaço nas relações internacionais.

Contudo, não se discute aqui a substituição do Estado Nacional como agente promotor das relações diplomáticas, até mesmo porque este modelo é consagrado por tratados e convenções internacionais e confere a esse agente - sujeito de direito internacional público - a personalidade jurídica internacional.

Tullo Vigevani (2005) afirma que os governos subnacionais passaram a ter maior relevância no cenário internacional, extrapolando as condições restritivas atribuídas pelos Estados nacionais. Salientando que: "[...] a ampliação de sua atuação ocorre de distintos modos: exercendo funções de coordenação, articulação, negociação e indução dos agentes envolvidos nos processos de integração regional."

Porém, como recorda Álvaro Chagas Castelo Branco (2009), há quem entenda que a participação dos entes subnacionais nas relações internacionais e no processo de integração regional "representaria um grave atentado a um dos princípios básicos do direito internacional, que é a soberania de um país."

Todavia, por mais importante que seja o debate em torno da soberania, o grande desafio da inserção dos governos subnacionais, tanto nas relações internacionais como nos processos de integração regional, se apresenta no seu reconhecimento constitucional como sujeito apto para atuar externamente e, por não possuírem personalidade jurídica internacional, acabam sofrendo uma grande limitação em sua ação internacional.

A partir desta perspectiva, passaremos a estudar as medidas implementadas pelos Estados-membros do MERCOSUL para a atuação propositiva de seus governos subnacionais no âmbito do bloco, principalmente o caso brasileiro.

 

O CASO BRASILEIRO

A ação externa dos Estados-membros brasileiros, apesar de ser um tema novo, possui alguns exemplos de pioneirismo que remontam ao século XIX. Dissertando sobre o poder de celebrar tratados no direito brasileiro, Salomão de Almeida Barbosa aponta que Rui Barbosa, em 19.06. 1893, em um artigo publicado no Jornal do Brasil, noticiou que a Lei n.º 11, de 30.09.1892, do Estado do Amazonas, "aprovava" o Tratado de Navegação do Rio Javari e seus afluentes, celebrado entre o "Governo Federal com a República do Peru em 10.10.1891. Pode-se entender nesse caso um exemplo histórico da paradiplomacia brasileira (BARBOSA, 2004).

No século seguinte, eclodiram as primeiras tentativas de institucionalização dos Estados-membros brasileiros, no tocante à paradiplomacia, com a criação de Secretarias de Relações internacionais, como órgãos de apoio à gestão estadual.

Em 1964, em Minas Gerais, no governo Magalhães Pinto; em 1983, no Rio de Janeiro, durante o governo de Leonel Brizola e em 1987, no Rio Grande do Sul, durante a gestão de Pero Simon são alguns dos exemplos primais (CASTELO BRANCO, 2009). A partir de então, alguns Estados-membros brasileiros dentro de suas estruturas governamentais criaram órgãos vinculados a este tema.

Contudo, os assuntos relacionados às relações internacionais não são abordados de maneira minuciosa ou exaustiva pela Constituição Federal de 1988. O assunto é tratado de maneira dispersa no texto constitucional vigente (BÖHLKE, 2009).

A Carta Magna brasileira não institucionalizou a paradiplomacia, atribuindo toda a competência de ação externa à União. É pela União que a República Federativa do Brasil se apresenta nas relações internacionais (SILVA, 2009). Esta postura constitucional reflete o modelo centralista do federalismo brasileiro. O Brasil seguiu este modelo de federalismo ao contrário de algumas federações surgidas com a união de estados antes independentes.

Outro aspecto importante a ser considerado, em matéria de centralização política, refere-se aos períodos autoritários pelos quais passou o país, em que os poderes locais foram claramente esvaziados, como ocorreu tanto entre 1937 e 1945 quanto - e sobretudo - entre 1964 e 1985 (PRAZERES, 2004).

Este centralismo também se reflete na condução da política externa brasileira. Neste diapasão, todas as constituições brasileiras, desde 1891, atribuíram ao presidente da república o poder da celebração de acordos e compromissos externos.

A atual Constituição não aborda exaustivamente o tema relacionado às relações internacionais.  O artigo 4.º reza os princípios que regem a República Federativa do Brasil no âmbito internacional. O artigo 21, inciso I, determina competir "à União manter relação com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais". Em consonância a estas prerrogativas, o artigo 84, incisos VII e VIII, compete privativamente ao presidente da república manter relações com Estados estrangeiros e acreditar representantes diplomáticos e atribui também a competência para celebrar tratados sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

"No entanto, o pacto federativo previsto na Carta Política criou algumas condições institucionais propícias para que os municípios e os Estados federados pudessem se engajar em atividades paradiplomáticas" (CASTELO BRANCO, 2009). Um exemplo desta condição reside no artigo 52, inciso V, da Constituição Federal. Este dispositivo permite que os Estados-membros, Distrito Federal e os Municípios possam celebrar tratados de financiamento com entes internacionais desde que tenham o consentimento do Senado Federal.

Outro exemplo reside na exegese do artigo 25, parágrafo 1º, que confere aos Estados-membros "as competências que não lhe sejam vedadas" pela constituição.  Essas competências (administrativas, legislativas e tributárias) indicam a autonomia dos Estados-membros brasileiros. Com isso, o princípio que versa sobre esta repartição de competências, o da predominância do interesse (que, atribui à União as matérias e questões de interesse geral, ao passo que, aos Estados relacionam-se as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos municípios, cabe os assuntos de interesse local) se torna importante para o entendimento das ações paradiplomáticas no Brasil.

Ocorre que, coadunando com o pensamento de José Afonso da Silva (2009), "é cada vez mais problemático discernir o que é interesse geral ou nacional do que seja interesse regional ou local." Em certos casos o interesse de um Estado-Membro não afeta o interesse nacional, o que não afetaria a ordem constitucional, no caso de uma ação externa de um governo subnacional. Embora o monopólio de ação internacional continue com o Estado Federal, principalmente se olharmos pela ótica constitucional vigente, a experiência empírica tem indicado um cenário diferente.

A União, percebendo esse novo contexto, não se manteve alheio a esta tendência e criou Assessoria de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA), parte componente do Ministério das Relações Exteriores. Criada para ser um órgão de assistência direta e imediata ao Ministro do Estado, a assessoria tem a missão de promover a articulação entre o Ministério e os Governos estaduais e municipais com o objetivo de assessorá-los em suas iniciativas externas e providenciar o atendimento às consultas formuladas. Atualmente, a assessoria conta com escritórios de representação nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, além de um escritório para a região do Nordeste e outro que atende a região Norte.

A importância das questões envolvendo a paradiplomacia no Brasil cresceu com a gestão do governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Em 26 de fevereiro de 2003, através do Decreto 4607, foi criada a Subchefia de Assuntos Federativos (SAF), no âmbito da Casa Civil. Esta subchefia possui uma assessoria que trata da Cooperação Internacional Federativa, que dentre as suas atribuições, é responsável pelo assessoramento às unidades federativas nos assuntos relacionados com o processo de integração regional do MERCOSUL, políticas de fronteira, ações junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) e outras iniciativas.

Por haver um crescente interesse dos governos subnacionais brasileiros em estabelecer vínculos econômicos e estratégicos internacionais, é de extrema valia que se busquem alternativas para que consigam viabilizar ainda mais a ação internacional destas unidades, até mesmo porque, hoje, não há uma ação formal reconhecida. Os atos e ações internacionais dos governos estaduais e municipais ficam restritos a acordos que não carregam nenhum peso normativo, tampouco político. Ficam somente na esfera da obrigação moral e do entendimento.

Algumas propostas foram apresentadas no Congresso Nacional com o intuito de modificar esse cenário, como é o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 475/05. A proposta ficou conhecida como "PEC da Paradiplomacia" (CASTELO BRANCO, 2009) e visava acrescentar o § 2º ao artigo 23 da Constituição da República nos seguintes termos:

§2º Os Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, poderão promover atos e celebrar acordos ou convênios com entes de subnacionais estrangeiros, mediante prévia autorização da União, observado o artigo 49, e na forma da lei.

Porém, a proposta não logrou êxito. O relator da proposta entendeu que, com a aprovação da PEC, haveria uma restrição da autonomia estatal prevista no artigo 18 da Constituição da República. O relator ainda descreveu que no ordenamento jurídico pátrio não há nada que impeça os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios de celebrar atos internacionais, o que, como pontuado anteriormente, se mostra distante desse entendimento. O parecer da PEC simplesmente não analisou a matéria como deveria, pois se fixou em um assunto do qual não tratava a matéria. A proposta em questão tinha o objetivo de institucionalizar a paradiplomacia no Brasil, permitindo aos entes federados a possibilidade de celebrar acordos e convênios internacionais.

Tendo em vista a não aprovação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, a proposta foi arquivada no dia 31.01.2007.

Porém, para solucionar essa questão, o melhor contexto para garantir a atuação externa dessas unidades seria o próprio aumento dos seus limites constitucionais. Caminhar rumo a uma reforma constitucional, a fim de permitir esta conjuntura, se mostra como uma opção. Contudo, é um caminho difícil, principalmente por não existir no meio político a sensibilidade para esta reforma e o debate necessário que motive a alteração constitucional.

Outra solução para o que foi apresentado consiste, por parte do governo subnacional, em não assumir vínculos jurídicos em suas ações externas, participando como mediador de assunto de interesses privados e atuando de modo propositivo nos foros nacionais e internacionais apropriados de ação subnacional e em programas de cooperação descentralizada promovidos por diversas organizações, o que tem se mostrado bastante eficiente.

 

O caso dos demais membros do MERCOSUL

A Argentina é uma república federativa com características parecidas ao modelo federativo brasileiro, porém, na reforma constitucional que o país promoveu em 1994, permitiu-se uma inédita amplitude de ação externa de suas províncias. Essa amplitude de competências constitucionais permitiu a possibilidade de celebração de acordos e tratados internacionais.

O artigo 124 da Constituição Argentina deixa consignado que:

As províncias poderão criar regiões para o desenvolvimento econômico e social e estabelecer órgãos com faculdade para o cumprimento de seus fins, e poderão também celebrar convênios internacionais, contanto que não sejam incompatíveis com a política exterior da nação e não afetem as faculdades delegadas ao governo federal ou o crédito público da nação; com o conhecimento do congresso nacional [...]. (Tradução nossa)

Entretanto, existem problemas nesta nova realidade, pois o texto constitucional está contrastado com uma realidade na qual o federalismo argentino sofre limitações que atrapalham a harmonia dos ordenamentos jurídicos e econômicos. Três são as situações que têm perturbado o equilíbrio das unidades subnacionais argentinas para com o Governo Central: 1) a forte concentração de fatores produtivos (industriais, agrícolas) em uma determinada região do país; 2) a concentração populacional acentuada em poucas regiões, como Buenos Aires, Córdoba e Santa Fé; e 3) uma estrutura tributária impositiva.

Essas situações criam uma assimetria entre as províncias e, consequentemente, uma instabilidade política e econômica, pois nem todas possuem vantagens comparativas para buscar o ambiente externo.

Diferentemente do caso brasileiro, a reforma constitucional propiciou a legitimação da atuação externa das províncias argentinas, o que gera uma crescente participação desses entes nas ações internacionais, sobretudo, com regiões fronteiriças da Argentina. Contudo, para atuarem no âmbito externo, as províncias poderão celebrar atos que sejam compatíveis com a política externa do Governo Central, o que garante o uso moderado e limitado da paradiplomacia sem agressão aos princípios federativos vigentes.

O exemplo argentino é um modelo que pode influenciar uma futura institucionalização das atividades paradiplomáticas no ordenamento jurídico brasileiro (CASTELO BRANCO, 2009).

Assim como o Brasil e a Argentina, a República Bolivariana da Venezuela2 se apresenta da forma federativa. Em sua constituição, não consta explicitamente a possibilidade de atuação internacional dos entes federados. Seu artigo 165 aponta para os princípios da interdependência, coordenação, cooperação, co-responsabilidade e subsidiariedade nas relações federativas, o que demonstra ser, neste aspecto, um modelo constitucional próximo ao brasileiro.

O artigo 156, inciso I, credita ao Poder Público Nacional a competência da política e atuação internacional da República, não fugindo de um modelo centralista. Assim sendo, a Constituição da Venezuela, em seus artigos que versam especialmente sobre as relações internacionais (152, 153, 154 e 155), não menciona o grau de participação das unidades subnacionais nas relações internacionais, nem atribui a eles qualquer poder de convencionar ou atuar neste campo.

No caso do Paraguai e do Uruguai, que são classificados como Estados unitários, a autonomia dos governos subnacionais é mitigada  em relação ao governo central, o que não ocorre nos outros Estados Parte do MERCOSUL.

Em termos de relações internacionais, ambos os países centralizam as ações no Governo Central, tendo em seus chefes de Estado a personificação do poder para a ação externa. Contudo, é importante salientar que suas respectivas Constituições não reservam a possibilidade de condução das relações internacionais aos entes subnacionais. O que ocorre em ambos os países é uma política de cooperação com o Governo Central no tocante à presença desses entes no mundo externo.

Todavia, no tocante ao acesso aos créditos internacionais, a constituição do Paraguai permite que as municipalidades tenham acesso aos mesmos (Artigo 168). Já no Uruguai, de acordo com o artigo 301 de sua constituição, não é permitido aos governos departamentais tomar empréstimos com organismos internacionais sem a anuência do poder legislativo e do tribunal de contas.

Contudo, os departamentos da República do Paraguai se mostram mais engajados na participação paradiplomática. É cada vez mais constante a participação desses departamentos nas iniciativas de integração subnacional com seus vizinhos, especialmente com o Brasil e Argentina.

Em suma, assim como ocorre em outros continentes, a paradiplomacia na América do Sul, em especial no MERCOSUL, cresce na medida em que os governos subnacionais buscam nas relações internacionais, maiores perspectivas de desenvolvimento e relacionamento.

 

O Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR) como espaço de atuação subnacional no MERCOSUL

Com o crescimento da participação dos governos subnacionais no processo de integração do MERCOSUL, foi necessário criar dentro do bloco espaços para que esses atores pudessem ser reconhecidos e integrados à proposta dos governos nacionais neste processo.

Neste contexto, nasceu em dezembro de 2004, o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR).  Este espaço está vinculado ao Grupo Mercado Comum (GMC), conforme o artigo 4º da Decisão 41/04 do Conselho Mercado Comum.

De acordo com a Decisão, o FCCR tem por finalidade estimular o diálogo e a cooperação entre as unidades subnacionais dos Estados Parte do MERCOSUL e cria em seu âmbito um comitê responsável pela articulação com os municípios e outro destinado para os Estados federados, departamentos e províncias.

Instalado no ano de 2007, durante a Cúpula de Chefes de Estado do MERCOSUL, na cidade do Rio de Janeiro, o Foro Consultivo hoje se consolida como um espaço de participação direta dos governos subnacionais na estrutura institucional do bloco.

Um das atribuições do FCCR é criar uma agenda comum para que estes governos possam ser valorizados no processo de integração regional e que suas iniciativas possam ser potencializadas a partir da construção de redes de cidades, consórcios e das relações entre eles.

O FCCR tem pela frente o desafio de integrar mais de 100 unidades federadas e departamentos presentes no MERCOSUL, além das cidades que estão inseridas neste contexto, uma vez que, o foro é composto por todos os representantes eleitos dos municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos, inseridos nos territórios dos Estados Partes do MERCOSUL.

O FCCR está vinculado institucionalmente ao MERCOSUL. Sendo assim, na visão de Francisco Menin (2008), "se trata de un modelo tomado de la institucionalidad europea, pero carente de las posibilidades de participación que esta posee. El rol preponderante continúa siendo de los estados partes."

As iniciativas no foro estão presentes nas mais diversas áreas, como educação, integração física, arranjos produtivos, culturais e comerciais, fazendo com que os governos municipais e estaduais possam participar como atores efetivos no processo de integração e não mais de forma fragmentada ou restrita.

As reuniões ocorrem geralmente na sede do país que detém a Presidência pró-tempore do MERCOSUL, com uma freqüência mínima de seis meses. A reunião sempre ocorre antes da reunião do Conselho Mercado Comum, se pronunciando sempre de maneira consensual.

Durante a reunião do Foro na cidade de Montevidéu, em 07 de dezembro de 2009, os governos subnacionais pleitearam junto ao Grupo Mercado Comum a participação nos processos do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL - FOCEM, com o objetivo de indicarem em até 20% do montante do fundo em ações de interesse direto dos governos subnacionais, além de participarem nos conselhos técnicos do fundo. Isso demonstra que cada vez mais esses governos procuram influenciar os destinos do bloco, cooperando de forma propositiva e buscando um grau maior de descentralização das atividades políticas e econômicas.

A instalação do foro consultivo em 2007 serviu para dar força e peso às experiências de integração subnacional no âmbiente dos Estados Parte do MERCOSUL, como por exemplo o Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul - CODESUL, a Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino - CRECENEA, a Zona de Integração do Centro-Oeste Sul-Americano - ZICOSUL e sem contar com a grande importância que tem em figurar ao lado da Rede Mercocidades como os dois grandes ambientes de discussão da atividade subnacional no processo de integração do MERCOSUL.

Em pouco mais de três anos de exsitência, o foro tem sido um instrumento importante para a inserção dos governos subnacionais no processo integrativo, além de ser uma grande oportunidade de promoção da cooperação descentralizada (FALETTI, 2010) e de estreitamento políticos de seus participantes.

 

Considerações Finais

Os processos de integração regional foram se renovando à luz da nova realidade internacional. A integração nasce com o intuito de estabelecer uma rede de interdependência entre os Estados nacionais, visando criar mecanismos de contenção dos prejuízos gerados pela globalização.

Contudo, o crescimento das relações internacionais nas últimas décadas produziu marcantes modificações nos ambientes político, econômico e jurídico. O enfraquecimento da idéia de Estado-nação e a diversificação de atores nas relações internacionais não pode mais ser tratada com indiferença.

Na medida em que os Estados nacionais não conseguem mais atender as expectativas e demandas de seus entes internos, estes por sua vez,  buscam fora de seus limites territoriais, novas perspectivas de desenvolvimento e crescimento econômico, marcando cada vez mais a participação de governos locais e regionais no cenário internacional.

Em decorrência disto, verifica-se que é cada vez maior a participação de governos subnacionais nos processos de integração regional, assim com nas relações internacionais. Mas esses governos ainda enfrentam dificuldades de estarem integrados ao sistema internacional, pois a tradição política e jurídica muitas vezes reluta em conferir a estes entes um status mais elevado na divisão de poder.

Porém, os governos subnacionais não pretendem substituir os Estados nacionais no processo de integração regional, tampouco nas relações internacionais. O que fica claro é o seu interesse em cooperar para que a sua presença possa ser positiva e eficaz. Por isso o estudo da paradiplomacia constitui um importante passo para dar afirmação e legitimidade a essa nova realidade.

A proposta do trabalho em realizar um breve estudo comparativo das constituições dos Estados Parte do MERCOSUL, principalmente sobre as questões que envolvem assuntos internacionais e a possibilidade de ação internacional por parte de suas respectivas unidades subnacionais, se demonstra sólida na busca para compreender uma ação mais segura dessas unidades no campo externo.

Mesmo com as limitações constitucionais, a cooperação entre os governos centrais e seus governos subnacionais se mostra eficiente na busca da coordenação de esforços para que a paradiplomacia possa se desenvolver ainda mais no ambiente do MERCOSUL.

Neste ambiente, ainda que tardio, a criação de um espaço institucional para que as unidades subnacionais possam convergir seus interesses e, ao mesmo tempo,  participar ativamente do processo de integração regional, representou um grande avanço. O Foro Consultivo de Municípios, Estados-membros, Províncias e Departamentos (FCCR), se posiciona como um importante espaço para as unidades subnacionais do Mercado Comum do Sul.

A partir da criação do foro foi possível estimular a articulação de seus membros, aumentando a participação quantitativa e qualitativamente nos temas relacionados ao processo de integração, trazendo as questões locais e as expectativas dos governos subnacionais para a agenda do bloco. Assim, foi possível também no ambiente do foro, divulgar e aproximar os casos exitosos de ação dos governos subnacionais. A Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul (ZICOSUL), o Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (CODESUL) e a Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino (CRECENEA), adicionam importância ao papel do foro e são pontuais para compreender o papel subnacional na construção da integração regional mercosulina.

 

Referências

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1. Estados-membros, províncias, departamentos, regiões, municípios, dentre outros.
2. Considerando a Venezuela como um Estado-Membro do MERCOSUL, tendo por base as publicações e documentos oficiais, mesmo ainda aguardando posicionamento do parlamento paraguaio sobre o processo de adesão.