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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A Rodada Doha e a ineficiência do multilateralismo comercial: impactos domésticos no Mercosul

 

 

Henrique Sartori de Almeida PradoI; Carlos Henrique CanesinII

IFADIR - UFGD. E-mail: henriquesartori@ufgd.edu.br
IISRI - EMBRAPA. E-mail: carlos.canesin@embrapa.br

 

 


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo discutir os desafios que são colocados para a eficiência da OMC enquanto instituição multilateral e promotora de decisões comerciais globais. Para tanto, empreenderemos um estudo de caso dos impactos domésticos e regionais sobre o MERCOSUL das decisões e regulamentações da OMC no âmbito da Rodada Doha. Serão enfatizados os aspectos que contribuem ou fragilizam a eficiência da OMC enquanto instituição legítima para a promoção do comércio internacional. Através destes resultados, estudaremos o caso do MERCOSUL em sua busca por uma inserção mais ativa no comércio internacional, através de ações extrarregionais em detrimento do foro multilateral representado pela OMC.

Palavras-Chaves: OMC; Rodada Doha; Multilateralismo; MERCOSUL


ABSTRACT

This paper aims to discuss the challenges to the efficiency of the WTO as a multilateral institution and promoter of global trade decisions. We will undertake a case study of the domestic and regional impacts on MERCOSUR of the decisions and regulations in the WTO Doha Round. Will emphasize the aspects that contribute to or undermine the effectiveness of the WTO as a legitimate institution for the promotion of international trade. Through these results, we will study the case of MERCOSUR in its quest to be more active in international trade, utilizing extra-regional actions at the expense of the multilateral forum represented by the WTO.

Keywords: WTO; Doha Round; Multilateralism; MERCOSUR


 

 

1. Introdução

A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi o principal fruto da Rodada Uruguai de negociações multilaterais de comércio e substituiu tanto na prática quanto no imaginário o perfil anterior de comércio internacional administrado por um comitê de potências comerciais que prevalecia sob o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) desde o pós-guerra. Pela primeira vez, mesmo países com poucos recursos de poder - de Antígua a Zâmbia - poderiam efetivamente sentar-se à mesa como iguais e teriam inclusive poder de veto sobre a regulamentação básica do comércio mundial. No entanto, após o décimo quinto aniversário de criação da organização, em 2010, pouco de fato foi alcançado no sentido da inclusão desses atores menores no efetivo processo de negociação dos pilares da regulação comercial internacional e na utilização do instrumental criado para garantir um padrão mais justo de comércio como os acordos de defesa comercial (antidumping, anti-subsídios e salvaguardas).

Inúmero impasses de âmbito multilateral emergiram das mesas de negociação na OMC, especialmente na área agrícola onde o Brasil tem especial interesse, tornando a presente rodada a mais longa de toda a história do GATT/OMC e embora se possam verificar diversos avanços, prevaleceu, e ainda, prevalece dentro da organização um perfil de negociações polarizadas em blocos de países mais poderosos como o "QUAD", o grupo de "Cairns", o grupo "Cinco parte interessadas", ou mesmo o "G20".

No entanto, na busca por ampliarem os seus mercados consumidores, as suas escalas de produção e as divisas auferidas com o comércio internacional, diversos países têm buscado avançar a liberalização comercial bilateralmente ou em blocos regionais como forma de contornar os impasses apostos pelas mesas multilaterais no âmbito da OMC. Este fenômeno faz ressurgir os dilemas dos modelos de regionalismo aberto e fechado (VAZ, 2002), que motivaram intensos debates nos anos 1980 e 1990, e nos faz refletir sobre o futuro da própria OMC enquanto instituição legítima para a promoção de decisões comerciais globais e de sua eficiência nesta tarefa.

O presente artigo tem por objetivo discutir a constituição e evolução do atual impasse nas negociações na OMC e a sua eficiência enquanto instituição multilateral promotora de decisões comerciais globais. Serão enfatizados os aspectos que contribuem ou fragilizam a eficiência da OMC enquanto instituição legítima para a promoção do comércio internacional. Através destes resultados, estudaremos o caso do MERCOSUL em sua busca por uma inserção mais ativa no comércio internacional, através de ações extrarregionais em detrimento do foro multilateral representado pela OMC.

 

2. A OMC e o Multilateralismo Comercial

A Rodada Doha, primeira rodada de negociações da OMC, foi lançada dois meses após os ataques aos Estados Unidos (EUA), em 11 de setembro de 2001, em grande parte por iniciativa americana como símbolo da solidariedade internacional, e teve sede na cidade de Doha, capital do Qatar, recebendo o nome de sua anfitriã. Foi a IV Conferência Ministerial da OMC, sendo intitulada de "Rodada do Desenvolvimento", em referência aos auspiciosos discursos de abertura que enfatizavam que a preocupação maior da rodada recairia sobre as nações pobres e os benefícios que poderiam auferir através de padrões mais justos nos fluxos de comércio.

A Rodada Doha de Desenvolvimento se focou primeiramente, e com mais empenho até o momento, no controverso tema do comércio agrícola e na ampliação da liberalização do comércio de bens industriais. O que, no entanto, não significa que houvesse sintonia entre os interesses de seus diversos participantes. Pelo contrário, já no início da rodada ocorreram batalhas diplomáticas em torno das definições de desenvolvimento e do que de fato significava uma rodada para o desenvolvimento.

Dentre a diversa gama de interesses expostos nestas negociações, é possível identificar seis posições principais de convergência, no que ficou conhecido como Grupo dos Seis: Brasil, Estados Unidos, União Europeia (UE), Japão, Austrália e Índia. Onde acabaram se configurando, em torno de cada país pilar, foros de discussões e consolidação de apoio de países com posições negociadoras semelhantes. O contato entre as posições estratégicas de cada pólo era feito por meio de reuniões paralelas entre os líderes de cada bloco, que receberam, inclusive, o título de "mini-ministeriais" pela imprensa internacional.

Grandes exportadores agrícolas, como Estados Unidos, Austrália e, inicialmente, Brasil, em seus principais discursos no lançamento da rodada procuraram enfatizar que sensíveis reduções na proteção tarifária no setor agrícola trariam grandes ganhos para os países pobres através do barateamento dos gêneros alimentícios e pela abertura do mercado mundial para os produtores locais, gerando mais emprego e renda nestes países.

Já o discurso dos países com baixo nível de desenvolvimento e daqueles com problemas graves de abastecimento e pobreza endêmica, como a Índia que possui uma população de mais de um bilhão de indivíduos, dos quais 27,5% estão abaixo da linha da pobreza e onde 75% dos pobres vivem em regiões rurais extremamente vulneráveis (PLANNING COMMISISON, 2007), desenvolvimento significava poder praticar políticas de proteção e assistência às suas populações, aliadas a uma redução dos subsídios e abertura de mercado dos países ricos.

A União Europeia, tendo seu próprio e influente lobby de produtores agrícolas para se preocupar, adotou, por motivos diferentes que serão explicitados no decorrer do texto, uma posição semelhante à da Índia. Procurou criticar os Estados Unidos por tentarem forçar a rodada rumo a uma liberalização drástica na área, o que seria impossível e mesmo danoso para os países menos desenvolvidos, conforme o primeiro discurso do Comissário de Comércio Europeu, Peter Mandelson.

Estas tensões entre blocos se exacerbaram e se tornaram mais do que evidentes em 2003, culminando no fracasso da V Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancun naquele ano. O fracasso se deveu a um recrudescimento na posição dos países em desenvolvimento, que representam hoje cerca de dois terços dos membros da organização, devido ao receio de serem afastados das negociações pelo lançamento conjunto das propostas da União Europeia e dos Estados Unidos para a rodada, em uma reedição mal sucedida do Acordo de Blair House que havia destravado as negociações durante a Rodada Uruguai do GATT.

Com o fracasso da Ministerial de Cancun e a falta de uma agenda agrícola para as discussões, o segundo semestre de 2003 passou com as negociações praticamente congeladas. Os EUA, por sua vez, começavam a dar sinais de que passavam a voltar suas atenções mais para os acordos bilaterais e regionais, como seria observado nos acordos firmados em 2004 com Chile, Colômbia e o bloco ASEAN, do que às negociações no sistema multilateral (BLANDFORD, 2004).

Adicionando pressão às negociações na OMC, a Cláusula da Paz, acordo estabelecido durante a Rodada Kennedy do GATT e renovado no acordo final da Rodada Uruguai, expirou em 31 de dezembro de 2003. A Cláusula da Paz dispunha da impossibilidade de se acionar no GATT/OMC determinados subsídios praticados, dentro de certos limites, no setor agrícola. Dessa forma, uma extensa lista de instrumentos utilizados pela UE, em especial os subsídios à exportação, passaram a ser passíveis de questionamento perante o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. O que, portanto, significava a possibilidade de retaliações comerciais.

Foi, então, só a partir do início de 2004 que a UE começava a demonstrar sinais de alteração de suas preferências. A nova proposta da UE avançava, assim, na oferta de concessões e mais notadamente oferecia a inclusão no acordo final da rodada de um cronograma para a eliminação dos subsídios à exportação, mas exigia que o mesmo fosse feito também para todos os tipos de subsídios indiretos à exportação dos demais países (STEINBERG, JOSLING, 2004).

A proposta da UE foi suficiente para reiniciar as negociações na temática agrícola, mas não o suficiente para costurar um acordo. Durante a reunião em Genebra do Conselho Geral da OMC em julho de 2004, EUA, UE, Austrália, Brasil e Índia passaram a patrocinar a retomada das negociações, obtendo sucesso na preparação de um acordo prévio para a preparação da agenda para a reunião ministerial de Hong Kong a ser realizada em 2005 (WTO, 2004). No entanto, nenhum cronograma foi estabelecido para o fim das negociações, devido às muitas divergências ainda restantes entre o grupo.

Apesar do acordo prévio firmado em Genebra e das inúmeras reuniões e encontros informais dos negociadores representantes dos países deste grupo, não se avançou muito em direção a uma solução para o impasse. Até julho de 2005, nenhuma nova proposta concreta havia ainda sido registrada no Comitê Negociador em Agricultura da OMC (WTO, 2005). Apenas no início de outubro de 2005, bastante próximo da realização da VI Reunião Ministerial em Hong Kong, a UE lançou sua proposta detalhada quantificando suas ofertas.

Já no ano de 2006, segundo Maria Izabel Valladão de Carvalho (2010), foi apontado que o nível de ambição da proposta do G-33 poderia prejudicar a integração comercial entre os países do Sul que se beneficiassem de acordos de comércio agrícolas entre eles. Ademais, outras desavenças eclodiram, à medida que as concessões dos EUA, em apoio doméstico, e da UE, em acesso a mercado, passaram a ser vinculadas à abertura dos mercados agrícolas e industriais dos países em desenvolvimento.

A "mini-ministerial" de julho de 2008 foi marcada pelas pressões intensas dos EUA e UE para a abertura dos mercados agrícolas e industriais dos países em desenvolvimento, sobretudo os mais dinâmicos como China, Índia e Brasil, em troca de suas concessões em agricultura. Os EUA e a UE demandaram a abertura de setores específicos, como eletrônico, químico, automotivo e têxtil, bem como requereram uma provisão anti-concentração para impedir que setores industriais inteiros deixassem de ser liberalizados pelos países em desenvolvimento (Id Ibid). Posição que foi rechaçada por estes países e levaram a uma ampliação do impasse na mesa de negociações.

Atualmente, as negociações da rodada estão estacionadas e seguidos fatores como o recrudescimento da crise financeira internacional desencadeada pelo problema do crédito subprime no setor imobiliário dos EUA, assim como a eleição de novembro de 2008 que sagrou o democrata Barack Obama presidente neste mesmo país, a disputa entre China e EUA acerca da desvalorização da moeda chinesa, a falta de programa e consenso dos BRIC, o afastamento do Brasil do G20 e a nova onda protecionista observada em alguns países europeus, especialmente na França, tornaram o cenário das negociações ainda mais carregado e imprevisível.

Embora o discurso oficial da nova administração Obama seja o de resistir ao protecionismo neste momento de crise e de retomar as negociações na OMC, o movimento empreendido pelo representante comercial norte-americano na OMC, Ron Kirk, no sentido de alterar completamente os procedimentos adotados para as negociações, esquivando-se da discussão das modalidades e passando direto para o scheduling parece uma atitude protelatória. Em oposição a esta atitude no âmbito multilateral, no cenário bilateral os EUA tem empreendido especial atenção e esforço nas discussões acerca dos Tratados de Livre Comércio entre EUA e Coréia do Sul, Colômbia e Panamá no Congresso norte-americano.

A União Europeia segue o mesmo caminho dos EUA nos âmbitos regional e bilateral. Os acordos celebrados pela UE geralmente envolvem compromissos em outros temas relacionados ao comércio: propriedade intelectual, meio ambiente, compras governamentais e regras. É o caso dos acordos celebrados, por exemplo, com Egito, Líbano, Chile e México. Há também acordos que não obrigam a uma redução tarifária, mas estabelecem objetivos comuns que visam a uma futura liberalização comercial entre as partes, como os acordos de cooperação celebrados com Argentina, Brasil, Irã e Rússia, entre outros. Além dos acordos que já estão em vigor, são muitas as negociações em andamento, dentre as quais: Comunidade Andina de Nações, MERCOSUL, Japão e Coréia.

Diante dos persistentes impasses que trancam a pauta multilateral na OMC, o MERCOSUL tem procurado também aumentar a sua atuação extrarregional na busca de caminhos alternativos para avançar seus próprios interesses comerciais e de seus países-membros. As formas específicas pelas quais o bloco tem com maior ou menor sucesso enfrentado este novo desafio serão discutidas na próxima seção.

 

3. MERCOSUL

Desde sua criação, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), foi fundado com a intenção de se transformar em um bloco negociador (Artigo 1º do Tratado de Assunção) que pudesse convergir os interesses comerciais de seus membros e instituir uma política comercial comum.

Contudo, o tratado constitutivo do bloco, demonstra uma grande ambição, claramente traduzida na proposta de não só integrar os países comercialmente ou na realização de negociações conjuntas com terceiros países, mas adotar uma "estratégia conjunta de inserção comercial no mundo, implicando tanto a conquista de mercados quanto a defesa de setores produtivos, através de instrumentos comerciais, em função de uma política produtiva interna" (ARAÚJO, 2007).

A estratégia da inserção internacional do  fica demonstrada na construção do relacionamento extrarregional desde 1991, sobretudo com a aproximação política com a União Europeia, sendo que, em abril de 1994, surge uma primeira proposta informal da negociação de um Acordo de Livre Comércio com o MERCOSUL.

Neste sentido destaca Ernesto Araújo (2007):

"O relacionamento extrarregional do MERCOSUL surgia, assim, de forma quase concomitante com o próprio MERCOSUL, e se consubstanciava em torno de um raciocínio de natureza muito mais política e estratégica do que propriamente comercial."

Alguns anos depois de sua fundação e ainda com a necessidade de contar com uma política comercial externa comum, foi que, inspirado na Decisão 32/00 do Conselho Mercado Comum, foi criado no âmbito do bloco, mais precisamente no ano de 2005, o Grupo Ad hoc de consulta e coordenação para as negociações no âmbito da OMC e do Sistema Global de Preferências Comerciais entre países em Desenvolvimento (SGPC).

A resolução 09/05 do Grupo Mercado Comum (GMC) ao instituir o grupo ad hoc, estabeleceu um foro apropriado para a coordenação das ações que envolvem o interesse do bloco comercial tanto junto à OMC, como organizar as posições e definir modalidade de negociação no que se refere à presença do MERCOSUL no SGPC, sistema esse, ligado à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Concomitantemente a época da criação do grupo ad hoc, o MERCOSUL enfrentava dificuldades de concluir acordos comerciais preferenciais com terceiros países e com o estancamento da Rodada de Doha e a crise econômica de 2008, as discussões sobre liberalização comercial nos âmbitos regional e multilateral foi duramente atingida, dificultando o avanço e acusando incerteza no plano internacional.

Porém, por mais que os riscos de agravamento do protecionismo, que pairavam no ar logo após a eclosão da crise internacional, o MERCOSUL continuou a busca de novos acordos comerciais que pudessem melhorar as condições comerciais para seus membros (INTAL, 2010).

O primeiro exemplo dessa busca se concretizou no ano de 2007. O MERCOSUL e o Estado de Israel concluíram um Acordo de Livro Comércio (ALC), tendo como escopo, o comércio de bens, regras de origem, salvaguardas, cooperação em normas técnicas, cooperação em normas sanitárias e fitossanitárias, cooperação tecnológica e técnica e cooperação aduaneira. O acordo versa ainda, sobre o acesso de serviços e investimentos. Desta maneira, com este acordo, os países exportadores do MERCOSUL podem se beneficiar das mesmas condições de acesso ao mercado israelita já usufruída por Estados Unidos, União Europeia, México e Canadá, todos estes, possuidores de ALC com Israel. A formulação do acordo de livre comércio com Israel facilitou o intercâmbio de mercadorias entre as partes e aproximou as tratativas que orbitam o comércio.

 

 

Como é possível perceber, desde o início das negociações para o acordo, o resultado das exportações para o país tem crescido principalmente se verificarmos os dados dos países do bloco.

A segunda ação concreta foi com o Egito. Em julho de 2004, MERCOSUL e Egito iniciaram as negociações bilaterais visando a criação de um Acordo de Livre Comércio. Após cinco rodadas de negociação o processo culminou em agosto de 2010, com a assinatura do ALC. Apesar de o país figurar entre os menores na balança comercial do  MERCOSUL, vem apresentando participação crescente nas exportações do bloco nos últimos anos, chegando a 1% das vendas externas totais no primeiro semestre de 2010 (INTAL, 2010). Este acordo, contudo, marca a ampliação de negociações extrarregionais do MERCOSUL com países do Oriente Médio e do Norte Africano.

Dando prosseguimento à sua inserção comercial internacional, o MERCOSUL firmou Acordo de Preferência Comercial (APC) com a Índia e com a União Aduaneira da África-Austral (SACU), no ano de 2009 e, fazendo parte da sua promoção de negócios comerciais extrarregionais, o bloco mantém negociações comerciais com Marrocos, Conselho de Cooperação do Golfo - CCG (Arábia Saudita, Bareine, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuaite e Omã), Jordânia, Paquistão, Síria, Palestina e Turquia.

Particularmente, com a Índia e a União Aduaneira da África-Austral (ambas com tratativas iniciadas desde 2003), o bloco mantém um esforço de ampliar as negociações com a intenção de constituir uma ação trilateral, basicamente capitaneada pela presença brasileira na promoção da coalização internacional formada por Índia-Brasil-África do Sul (IBAS) e pela presença da Índia nas exportações brasileiras, como demonstram as Tabelas 2 e 3 na página a seguir.

 

 

 

Sobre o ponto de vista comercial,

"tanto o comércio entre a Índia, o Brasil e a África do Sul quanto com seus respectivos blocos de integração econômica aumentaram significativamente (e especialmente após a institucionalização do Fórum IBAS). O intercâmbio entre Índia e MERCOSUL mais do que duplicou entre 2001 e 2005, passando de menos de US$ 1 bilhão para US$ 2,3 bilhões." (RODRIGUES, 2010, p. 63).

Embora as ações extrarregionais do MERCOSUL no campo comercial tenham crescido, a retomada das negociações com a União Europeia representa um marco dessas ações. No mês de maio de 2010, as autoridades dos dois blocos anunciaram o objetivo de concluir "um acordo de Associação abrangente, equilibrado, e ambicioso" (Comissão Europeia, 2010).

Desde a suspensão das negociações de um acordo de livre comércio no ano de 2004 e apesar das resistências de alguns países mais vulneráveis nos aspectos políticos e econômicos, a conclusão desse acordo colocaria a relação entre os dois blocos em um patamar inédito.

De acordo com o Instituto de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), de janeiro a agosto de 2010, as exportações da União Europeia para o MERCOSUL somaram 26,3 bilhões de Euros, enquanto no sentido inverso da relação comercial, o MERCOSUL vendeu para países da União Europeia, cerca de 27,7 bilhões de Euros (Comissão Europeia, 2010).

A perspectiva de ganhar preferências comerciais nos países do MERCOSUL animou o bloco europeu, principalmente na sua atual conjuntura econômica agravada pela crise. A possibilidade de um tratamento distinto para o comércio e o bom retorno dos investimentos diretos na América do Sul, contribuem para compensar as perdas no mercado europeu. Ademais, para os países do MERCOSUL, a balança comercial com países da Europa é superavitária, apesar de indicar uma leve queda no último ano (INTAL, 2010).

A possibilidade de negociar bilateralmente as questões que envolvem o acesso de comércio de bens, investimentos, política de concorrência, defesa e facilitação do comércio, medidas sanitárias, propriedade intelectual, dentre outros assuntos relativos ao tema, facilitam a aproximação e demonstram um horizonte favorável de ganhos para ambos os lados.

Outra importante iniciativa extrarregional do MERCOSUL se concentra em sua atuação junto à Rodada de São Paulo, lançada durante a XI Sessão da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD, em junho de 2004. O objetivo do bloco em atuar nesta rodada justifica-se em aprofundar os compromissos de liberalização comercial entre os países participantes do Sistema Global de Preferência Comercial (SGPC), sistema este, que é composto por países em desenvolvimento e tem por meta, desenvolver o comércio mútuo entre seus membros.

O MERCOSUL tem conseguido um bom desempenho em suas articulações extrarregionais, principalmente, agregando parceiros estratégicos e que possuam, ao mesmo tempo, uma agenda produtiva e comercial que se coadunam. A busca por relações bilaterais que, por vezes, construídas fora do ambiente tradicional da governança comercial global, traduzem na vontade de coexistir diferentes projetos de desenvolvimento e ao mesmo tempo, podem construir um espaço que se possa concorrer no plano comercial e produtivo com menor disparidade.

 

4. Conclusão

O relacionamento com outros blocos comerciais e a busca de alianças comerciais fora de seu espaço regional demonstra uma importante evolução do MERCOSUL no sentido do enfrentamento dos novos desafios do mundo globalizado e dos entraves das negociações comerciais do sistema multilateral. Depois de atravessar algumas crises internas, até mesmo colocando o processo integrativo econômico em dúvida, o MERCOSUL conquista o status de ator global e a criação de uma política comercial comum fortalece o bloco enquanto agente negociador internacional.

Por mais que o Brasil desempenhe um importante papel na condução dessa política, Argentina, Paraguai, Uruguai e agora agregando a Venezuela, são fundamentais para a construção de uma agenda comercial extrarregional. A harmonização das políticas de crescimento econômico, a integração das cadeias produtivas e a solução dos problemas com a tarifa externa comum, das questões aduaneiras e da circulação de mercadorias são aspectos imprescindíveis para que o MERCOSUL possa ser um respeitado ator internacional com potencial para auxiliar na construção de um multilateralismo que possa congregar os interesses dos países em desenvolvimento e consequentemente trazer novas perspectivas comerciais, redesenhando as relações fora das negociações tradicionais Norte-Sul.

Torna-se cada vez mais claro que a crescente utilização de instrumentos comerciais bilaterais e extrarregionais nos últimos anos demonstra que estas não são apenas mais meras opções na complexa caixa de ferramentas de instrumentos comerciais dos países e blocos regionais, mas, ao contrário, têm se tornado as principais. Esta é a constatação de uma realidade para a qual acadêmicos, políticos e operadores do comércio internacional precisam devotar suas atenções. Pois, estes instrumentos, embora eficientes em avançar interesses comerciais específicos ao largo dos impasses do sistema multilateral e mesmo fundamentais para garantir o crescimento e a competitividade destas economias no curto prazo, acabam por comprometer o desempenho das mesmas e da própria agenda de liberalização comercial internacional no longo prazo.

De forma que, ao contrário do que possa parecer a princípio, esta solução aos impasses na OMC não engendra verdadeiramente uma real solução e projeta para o futuro inúmeros problemas de equidade no tratamento comercial entre signatários de tratados distintos, erodindo o princípio básico multilateral da "nação mais favorecida", e sobre a administração de um comércio que aos poucos pode deixar de ser verdadeiramente internacional e perder-se em uma imensa e complexa estrutura de acordos comerciais sobrepostos, que acabam por dificultar o comércio fora dos blocos através do efeito que Jagdish Bhagwati denominou de spaghetti bowl (1995).

 

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