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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Pós-Modernismo e as relações internacionais: uma análise sob a ótica da complexidade

 

 

Heron Sérgio Moreira Begnis; Gabriella Azevedo; Maurício Stein; Rafael Kirst

 

 


RESUMO

O presente artigo abordará questões características das relações internacionais, sob a ótica da Teoria da Complexidade. Serão interpretados os princípios da Teoria Complexa, para que se possa visualizar da melhor forma as capacidades das teorias de Relações Internacionais em lidar com a multidisciplinariedade do campo. Assim, abordar-se-ão com maior profundidade os estudos pós-modernistas, em especial a Teoria Crítica e o Construtivismo, devido à proximidade com os fundamentos do pensamento complexo e a maior habilidade deste discurso em integrar diferentes áreas do conhecimento.

Palavras-chave: Teoria das Relações Internacionais. Complexidade. Pós-Modernismo


ABSTRACT

The present paper is going to debate key topics of international relations, under the Complexity Theory lenses. The main principles of the Complexity Theory will be interpreted, making it possible to see the best way for the International Relations theories to show themselves as a broad research field. Thus, there will be a focus in post-positivist studies, like Constructivism, due to its proximity with the foundations of the complex thought and greater capability of integrating different areas of knowledge.

Keywords: International Relations Theory. Complexity. Postmodernism


 

 

INTRODUÇÃO

A teoria da complexidade, desenvolvida a partir do início do século XX, tem sido empregada em diversas áreas do conhecimento, justamente por se basear na multidisciplinaridade e na inter-relação de diferentes ciências. Porém, as bases da ciência ocidental moderna foram construídas a partir do pensamento reducionista cartesiano, o qual sugere a separação do objeto de estudo de seu pesquisador. Raciocínio que, por sinal, propiciou avanços inquestionáveis no entendimento do homem, de seu meio ambiente e de suas interações.

Na primeira metade do século XX, durante o período entre a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, surge o campo das Relações Internacionais, com o objetivo de explicar as causas e as origens dos conflitos. No entanto, apesar da natureza do campo das Relações Internacionais incorporar diversas áreas (já que existem muitas possíveis explicações para a causa dos conflitos), esse ainda não fez uso das ferramentas de explicação geradas pelo pensamento complexo, pois essa teoria tem sido ferrenhamente contestada pelo pensamento mainstream, marcadamente reducionista.

Com a evolução da disciplina de Relações Internacionais, inúmeras correntes de outras áreas, particularmente filosofia política e economia, reforçaram a elaboração de novas e mais amplas teorias de Relações Internacionais, não mais focadas apenas no fenômeno da guerra, mas nas mais diversas interações possíveis entre os atores da comunidade internacional. Portanto, o novo contexto teórico e prático das Relações Internacionais provoca, pelo menos, um questionamento inicial: teriam essas novas explorações na área incorporado a lógica dos fenômenos complexos, de modo a propiciar um maior entendimento da realidade internacional?

Feitas as indagações necessárias ao tema, o presente artigo apresentará uma breve explanação sobre a Teoria da Complexidade e, após, uma análise da produção intelectual pós-moderna na área das Relações Internacionais.

 

1 A TEORIA DA COMPLEXIDADE

A Teoria da Complexidade, mais profundamente abordada pelo filósofo e sociólogo Edgar Morin, denuncia as incapacidades da atual forma da pensar da ciência e as constantes falhas causadas por estas. As descobertas da moderna Física Quântica, incompatíveis com a Física Clássica, evidenciam esses limites.

O modo de pensar do mundo ocidental é fundamentado nos conceitos de disjunção, redução e abstração, remontando ao método científico e às ideias de Descartes. A ciência, apesar de compreender que o mundo cerca o objeto de estudo de um número de variáveis incalculáveis, gerando incertezas sobre as leis que regem o evento a ser estudado, releva esse fato para melhor entender ou interpretá-lo. O pesquisador, portanto, abstrai o objeto em questão de seu meio, analisando-o separadamente. Após identificar o que não é o objeto de estudo, o pesquisador consegue, então, interpretar somente as características fundamentais deste, formulando sua teoria.

Por séculos, o método científico gerou avanços para a ciência, porém essa abstração tomou tal proporção que hoje, em vários momentos, questiona-se quanto à utilidade do conhecimento produzido para a sociedade. No momento em que se abstraem as variáveis que influenciam um evento, para melhor estudá-lo, anula-se a capacidade do conhecimento advindo desta pesquisa de ser útil à sociedade. Em outras palavras: será uma teoria elegante e bem-formulada, porém com sua utilidade limitada, pois quando esta for aplicada, voltará a sofrer as influências do que antes havia sido ignorado.

Isso fica evidente no campo da Física, dados os avanços da Física Quântica. São observáveis dois universos: o macro e o micro universos. O macro universo é aquele explicado pelas leis de Newton, pela mecânica de fluidos, entre outros construtos. O micro universo diz respeito às interações entre partículas ou sub-partículas. Esse pode também ser explicado pelas leis do macro universo, porém enquanto estas partículas ajam como se fossem corpúsculos. A questão é que as mesmas também podem se comportar de maneira imprevisível, necessitando de toda uma nova gama de leis para se decifrar suas interações.

O problema é o fato de que o macro universo, tão bem explicado pelas equações newtonianas, é composto pelo micro universo - o qual não se sabe exatamente por quais leis funciona. Dessa forma, o método desagregador dá ao homem a capacidade de explicar um evento, sem que consiga saber completamente a sua causa. Esse método "hipersimplifica" o pensar, pois é o homem que abstrai determinados elementos do mundo para facilitar sua observação. Porém, o mundo é complexo e inter-relacionado e a simplificação é apenas um estágio entre a abstração do complexo e o retorno à realidade funcional - também complexa.

Como que propondo uma nova organização do conhecimento, a teoria da Complexidade, por incorporar as incertezas do mundo, demonstra como o conhecimento pode se tornar mais capaz de responder às dificuldades encontradas na utilização das teorias. O pensamento complexo possui maior grau de incerteza, ao mesmo tempo em que possui maior capacidade de interpretação.

É neste sentido que se mostra a importância de um enfoque que envolva a complexidade do pensamento tal como apresentada por Morin (1987), o qual conduz ao paradoxo do uno e do múltiplo. Busca uma associação entre a ideia de unidade e de diversidade que, por sua vez, se repelem e se excluem compreendendo o sistema como uma unidade global, não elementar, visto que é constituído por partes diversas inter-relacionadas. Sendo este considerado como uma unidade original que dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas que, no entanto, deve ser produzido, construído e organizado. Segundo a compreensão de Morin (1987), a complexidade considera a diversidade, a multiplicidade e a incompatibilidade de ideias, buscando integrá-las dentro de uma visão dialógica que busca unir aspectos antagônicos e concorrentes sob a ótica da complementaridade e da indissociabilidade para a compreensão da mesma realidade, ou seja, a lógica dos fenômenos complexos.

Esta teoria se destaca das demais pela forma de pensar a sociedade, os sistemas, o universo, admitindo os princípios que dificilmente poderiam ser encaixados em outras correntes de pensamento por serem bastante contestadores, inovadores e criativos. Os estudos passam a considerar sistemas caóticos, não lineares e de dinâmica ambígua. No entanto, por maior que seja a complexidade aí aplicada, é sempre possível se enxergar a ordem.

Demo (2002), em sua obra Complexidade e aprendizagem, observa a complexidade e destaca características que condicionam seus pilares. São, portanto, princípios da teoria complexa: a reconstrução dos acontecimentos e, alinhada a esta, o processo dialético evolutivo que compreende a capacidade de aprendizagem e absorção de conhecimentos e práticas, bem como a não linearidade e irreversibilidade do tempo, a dinâmica, que entende o ser humano, as descobertas e a própria vida, como algo em movimento, em transformação; compreende ainda a intensidade dos fatos e a ambiguidade deles como fatores determinantes de estudo.

Fica clara a necessidade de todo conhecimento do complexo de abarcar várias áreas de pensamento em uma mesma explicação. Neste sentido, Morin (2001) constrói sua linha de raciocínio a partir da Teoria Sistêmica.

A Teoria Sistêmica foi criada nos anos 1950 por Von Bertalanffy e ampliada a outras áreas, tratando das relações organizadas entre fatores dentro de um sistema, como os órgãos dentro de um ser vivo. Porém, esta teoria foi levada a outros patamares na medida em que facilitou a percepção de que todos os objetos estão dentro de algum tipo de sistema. As células interagem dentro dos órgãos, que interagem dentro de um ser vivo que interage com outros seres vivos em um bioma e assim por diante. A partir desta análise, percebe-se que a realidade nada mais é do que um aglomerado de relações entre partes de um sistema. Assim, todos os objetos podem ser analisados como sistemas abertos, pois estão suscetíveis a interações com outros objetos de seu conjunto.

É necessário lembrar que a noção de sistema aberto, importada da química, traz consigo a questão do equilíbrio/desequilíbrio. Esta é importante, segundo Morin (2001), porque a partir disto cria-se a noção de que os seres vivos - que são sistemas abertos - estão constantemente lidando com sua desorganização intrínseca, isto é, são constituídos de células que se renovam constantemente para recriar o dinamismo necessário para que todo o sistema sobreviva. Morrem constantemente para assim continuarem vivos. Noções opostas como morte e vida aparecem na obra de Morin, não apenas como partes de um mesmo sistema, mas também geradores de sua própria ordem, apesar de serem repulsórios.

Outro pensamento, dessa vez advindo das leis da química, é que todo o sistema aberto, para se manter em ordem, necessita de um impulso externo. É essa energia recebida de fora do próprio sistema que permite que este continue a se organizar. A forma como esta energia é recebida e utilizada pelo sistema aberto constitui a informação que este utiliza para sua organização. Surge, então, outra noção importante para a complexidade: a informação.

As atuais teorias da informação são tomadas como incompletas por Morin (2001), já que estas não analisam o surgimento ou a forma de transferência da informação, apenas constatam sua existência e participação nos eventos científicos. Portanto, para analisar a importância da informação na organização de um sistema aberto, Morin (2001) toma como exemplo, novamente, o ser vivo: se ele é um sistemas aberto e organizado, a informação responsável por estabelecer as formas com que esta organização se dá está contidas nas partes que formam o corpo, isto é, no DNA das células.

No caso dos seres vivos, porém, a análise organizacional cria um novo conceito, que vai muito além das capacidades de compreensão das teorias cibernética ou sistêmica: o conceito de auto-organização, que surgiu na engenharia cibernética. Para explicar o funcionamento das máquinas automáticas, o conceito de auto-organização, transposto para a biologia, serve de exemplo para demonstrar como a interação de forças opostas dentro de um mesmo sistema pode contribuir para a capacidade deste de sobreviver.

Maturana e Varela (1997), dentro da abordagem biológica, estabelecem a ideia de autopoiese. Uma característica significativa dos sistemas autopoiéticos é o fato de que eles são encontrados tanto no mundo físico e biológico, quanto na esfera social, expondo uma infindável discussão acerca das semelhanças e diferenças nas ciências sociais e naturais. Essa ideia pode ser englobada em uma nova interpretação evolutiva dos processos econômicos e também das relações internacionais, bem como de seus atores e organismos.

Autopoiese significa autoprodução. Entre os termos alternativos empregados com frequência ou ocasionalmente incluem-se: auto-organização, auto-renovação, autocriação, autogeração, automanutenção e autoreprodução. O conceito de auto-organização elucida o funcionamento do organismo, na sua tarefa de constantemente reproduzir-se, reorganizar-se, baseado na falibilidade de suas partes. Este sistema aberto, ao mesmo tempo sofre com as dificuldades de estar sujeito a interações externas (doenças, por exemplo) como se beneficia, pois é capaz de se organizar justamente para interagir como o meio e dele obter sua vitalidade (alimento).

Considerando os sistemas como autopoiéticos, Luhmann (1997) desenvolveu a sua teoria dos sistemas como sendo autorreferentes, porém, operacionalmente fechados. O sistema é visto como unidade e tudo o que ocorre dentro dele é produzido no próprio sistema através de uma rede de elementos sistêmicos (fechamento operacional). Há, portanto, uma fronteira entre o sistema e o ambiente. Neste tema o que o pensamento de Luhmann (1997) acrescenta é a inexistência ou incorreção da busca por pontos de partida vistos como únicos, corretos, de certezas absolutas. Segundo o autor, esses conceitos "[...] levam a uma teoria geral da observação recursiva de observações, para a qual não existe mais nenhum tipo de posições absolutas, de posições subtraídas à observação, de pontos de partida vistos como únicos corretos [...]" (p. 56).

Dessa forma, seja em um organismo biológico, seja em uma organização internacional, pode-se definir um sistema de autopoiese como uma unidade que se autodefine por intermédio de uma organização fechada de processos de produção/reprodução. Assim, a mesma organização ou os mesmos processos são gerados pela ação de seus próprios produtos (componentes) e uma fronteira topológica emerge como resultado dos próprios processos constituintes sociais (MATURANA; VARELA, 1997).

Os pontos analisados até aqui são o início do que a Teoria da Complexidade aborda, elucidando o que significa a sua multidisciplinaridade. Para tratar de todos estes temas simultaneamente, Morin (2001) elencou três princípios que precisam ser considerados sempre que a ótica da complexidade for utilizada.

O primeiro princípio é o da dialógica, que demonstra como dois conceitos repulsivos, opostos, podem coexistir dentro de um sistema, não só mantendo-o organizado, mas que a relação entre estes antagônicos é a própria geradora desta organização - como no caso dos seres vivos, onde a morte das células é responsável pela manutenção da vida do organismo como um todo. O cérebro, conforme Morin (2001), obedece de modo dialógico aos princípios que regem o conhecimento humano, a cultura que uma sociedade imprime aos seus membros aos princípios e regras individuais a partir da própria experiência humana e, portanto, sobre a produção do conhecimento

Para Morin (1987, p. 113), "a organização de um sistema é a organização da diferença" e, neste sentido, comporta e produz antagonismos e complementaridades. A realidade não pode ser observada sob um único ângulo ou enfoque, dado que nela se permite a presença de antagonismos, a convivência de lógicas diversas e opostas, mas que muitas vezes não são excludentes (dialógica). Conhecer o fenômeno da vida não se resume no entendimento do código genético ou da biologia celular. A vida em si já é um conceito que traz a sua própria negação: a morte.

O segundo princípio é o da recursão organizacional, que elimina o processo linear do raciocínio clássico da causa e efeito, substituindo por um mais abrangente, que transpõe a alternativa entre reducionismo e holismo, mas abarca a ambos. A partir da teoria sistêmica, mais especificamente da ampliação desta à noção de subsistemas, é possível identificar a eterna retroação entre individuo e sociedade, gerando um processo no qual os efeitos ou produtos são, ao mesmo tempo, causadores e produtores do próprio processo, sendo os estados finais necessários à geração dos estados iniciais. Assim, cada homem é corresponsável por gerar sua própria sociedade, no entanto, esta também é responsável por gerar o indivíduo, já que, caso não fosse organizado em sociedade, um ser humano por si só teria menos chances de sobreviver.

O terceiro princípio é o hologramático. Retomando o exemplo do indivíduo/sociedade, um grupo de homens cria sua sociedade, de acordo com o senso comum que aquela comunidade possui, isto é, a relação entre a personalidade de cada pessoa gera um tipo específico de sociedade, e esta por sua vez, vai definir e moldar o entendimento do mundo que cada indivíduo possui. Assim espelhando-se mutuamente. Nas organizações hologramáticas as partes podem ter três aspectos: (i) serem singulares, dispondo de aspectos gerais e genéricos da organização do todo, (ii) terem autonomia relativa e (iii) estabelecerem comunicações entre elas e eventualmente serem capazes de regenerar o todo.

Com esses conceitos, Morin (2001) demonstra as capacidades iniciais da Teoria da Complexidade, ainda em desenvolvimento, dado à sua natureza dinâmica, e como esta não se opõe ao conhecimento antigo. Vale lembrar que a Complexidade não exclui a capacidade de explicação da ciência clássica, pelo contrário, se utiliza de suas ferramentas para reorganizar o pensamento de forma que este busca a ligação entre teoria e metodologia. Não se deve analisar uma situação de forma despretensiosa, mas com um fim, o de aplicar efetivamente o conhecimento gerado. Esta vontade precisa estar presente no pesquisador no momento que este teoriza sobre algo, utilizando as ferramentas já criadas, porém de uma forma diferente.

 

2 O PÓS-MODERNISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Primeiramente é indispensável estabelecer alguns entendimentos sobre a disciplina de Relações Internacionais. O campo, apesar de relativamente recente (surgido na década de 1920) já possui vasta dissertação. Parte, em geral, de questões relacionadas ao fenômeno da guerra, tais como seu surgimento, suas consequências sociais, econômicas, entre outras, agregando diversos pontos de vista em sua análise.

A principal razão para tantas divergências nas teorias das Relações Internacionais é que esta é multidisciplinar, ou seja, relações entre nações envolvem uma gama muito grande de aspectos diferentes a serem analisados. Relações comerciais, impactos econômicos, relações políticas, e de poder, todas perpassadas por aspectos culturais a antropológicos que não podem ser ignorados (muito embora costumeiramente o sejam).

Um teórico de Relações Internacionais enfrenta, então, o desafio de perceber as relações entre estes aspectos, dar-lhes seu devido valor de influência, e prospectar as possíveis respostas dos vários agentes envolvidos: Estado, indivíduos, organizações internacionais, entre outros. A própria natureza das relações internacionais faz com que o estudo destas careça da análise complexa em algum nível, em algum aspecto. Caso contrário, teorizar nesta área sendo capaz de perceber, por exemplo, apenas relações de trocas entre países não é suficiente para entender como estas mesmas trocas são influenciadas pela evolução das leis de comércio internacional, ou ainda, como estas leis são influenciadas pela evolução política e histórica da região analisada. Mais ainda, pelo conjunto de organizações e organismos internacionais criados para estes fins.

Englobando os fatores anteriormente citados, o Pós-modernismo surge desafiando a construção positivista do conhecimento. Essa corrente marginal de pensamento no campo das teorias de Relações Internacionais tem como expoentes, conforme citado em Sarfati (2005), os intelectuais Derrida e Foucault. Esses argumentam que não existe um modo neutro de se realizar uma pesquisa, mas sim métodos de acordo com o pensamento vigente, o que torna toda e qualquer pesquisa parcial. Sendo assim, o que é tido como verdade depende diretamente do poder dominante no dado período histórico.

Derrida tenta desconstruir a filosofia ocidental, apontando para as diferenças nas estruturas textuais que constroem o conhecimento e a essência metafísica do pensamento. Através dessa desconstrução, o autor prova que toda análise dita científica é na verdade produto de um viés carregado de visões individuais do mundo (DERRIDA, apud SARFATI, 2005).

Para exemplificar o modo de pensar pós-modernista, Ashley (1986) toma o Estado, peça central da análise Realista e de outras correntes teóricas, como referência. Nas correntes teóricas anteriores, o Estado era tido como uma premissa não problemática, porém, países não são unidades "naturais", mas sim criações humanas. Por isso, é necessário levar em conta a construção do espaço geográfico internacional e as relações de poder que nortearam esse padrão.

A partir deste entendimento, abordar-se-ão em seguida as duas principais formas de se pensar em Relações Internacionais sob a concepção pós-moderna: a Teoria Crítica (também conhecida como Escola de Frankfurt) e o Construtivismo.

2.1 A Teoria Crítica

Utilizando-se dos pensamentos de dois dos maiores filósofos alemães, Kant e Marx, a Teoria Crítica monta um projeto emancipatório das Relações Internacionais, voltado à eliminação de todas as formas de dominação que existem na humanidade. Tendo como fundadores Walter Benjamin, Jurgen Habermas e Herbert Marcuse, o pensamento desenvolvido na universidade de Frankfurt norteia-se principalmente em conceitos pós-marxistas (SARFATI 2005).

De forma bastante utópica, esses autores acreditam que os homens podem construir sua própria história, mas vão além de Marx ao criticarem sua ênfase nas condições materiais e nas lutas de classe. Para eles, maior valor deve ser dado aos aspectos cognitivos da dominação social, bem como a todas as formas de dominação social, não apenas entre duas diferentes classes.

O pensamento crítico kantiano é incorporado pela crença de que as afirmações ditas por certas linhas de conhecimento possuem limites, e não podem ser entendidas como verdades absolutas. Habermas afirma que não existe realidade objetiva, sendo todo o conhecimento fruto de valores identificáveis. Assim, a Teoria Crítica propõe duas tarefas: despir a epistemologia das teorias de Relações Internacionais e, em seguida, propor a construção de um discurso inclusivo com base na ética universalista.

Linklater (1996) diz que foram quatro as principais realizações da Teoria Crítica. Primeiramente, a reflexão sobre a construção social do conhecimento, no qual não há forma de avaliar objetivamente a realidade. Em segundo lugar, desmente a imutabilidade social, mostrando que há formas alternativas para a manutenção do status quo. Outra grande realização é a superação do Marxismo, afirmando que a luta de classes não é a única forma de exclusão social, bem como a forma de produção não é a única variável para a determinação da história e da sociedade. Por fim, a quarta realização é que a Teoria Crítica avalia as sociedades de acordo com suas capacidades de promoverem um diálogo aberto com a humanidade, para assim sobrepor a ordem soberana vigente.

Cox e Sinclair afirmam que, na história das Relações Internacionais, toda teoria é voltada para algum grupo, sempre para algum propósito. Estes autores notam que as teorias tradicionais são marcadas pela metodologia positivista e buscam apenas legitimar a ordem social e política vigente. Mas a Teoria Crítica não aceita as instituições como dadas e questiona tanto suas origens como as mudanças que ocorrem com o passar do tempo, para assim formular uma renovação. Finalizando, as circunstâncias históricas são produtos das relações sociais em um determinado espaço/tempo e por isso podem ser modificadas. A missão dessa forma de pensar é trazer à tona forças que lutem contra a hegemonia vigente no sistema internacional.

2.2 O avanço do Construtivismo

A Teoria Construtivista, por vezes, é vista como uma nova abordagem nas Relações Internacionais, no entanto, é uma antiga metodologia proveniente de textos do filósofo italiano do século XVIII Giambattista Vico. Este pensador considerava que o mundo natural foi feito por Deus, mas que o mundo "histórico" é feito, constantemente, pelo homem. A história, segundo o filósofo, não é feita de maneira independente das relações humanas. O homem cria sua história e organiza Estados, que são estruturas históricas.

Esse pensamento aborda a conscientização humana necessária para enfocar as questões mundiais, não como algo externo à sociedade ou de estrutura dada como o sistema solar, por exemplo, mas como algo que não existiria por conta própria, que existe somente pela ligação intersubjetiva das pessoas. É, dessa forma, uma construção humana, não física ou material, e sim intelectual e/ou idealizada.

Sua criação parte de ideias, pensamentos, normas, organizados por determinado grupo de pessoas em uma época e local particulares. Uma vez que existem variações nas crenças e formas de pensar entre os homens, nas relações internacionais essa também é uma afirmação válida. Porquanto o construtivismo entende que métodos científicos de estudos do caráter internacional devem ser o histórico e o sociólogo e não simplesmente o positivista. Assim a teoria Construtivista é uma rejeição aos postulados positivistas de Relações Internacionais, porém não nega a ciência social como tal. Apesar disso, vem sendo criticada pelos pensadores radicais liberais e realistas por não possuir um caráter de teoria substantiva, explicativa. Para Mingst (2009, p. 68) "os construtivistas compartilham a posição de que, visto que o mundo é tão complicado, nenhuma teoria totalmente abrangente é possível".

Jackson e Sørensen (2007) dão um exemplo sobre a importância das interpretações, costumes, crenças e do pensamento humano em relação aos recursos disponíveis para que seja mantida a segurança. No sistema internacional de segurança e defesa, segundo os autores, há territórios, populações, armas e recursos físicos disponíveis. No entanto, as ideias e o entendimento sobre a utilização desse material em alianças e forças armadas, entre outros arranjos, são mais importantes. Constata-se, nessa análise, que o raciocínio ligado à segurança internacional é mais relevante que os meios utilizados para obtê-la, uma vez que estes recursos não têm qualquer utilidade intelectual e, isoladamente, são apenas "objetos".

Wendt (1992) considerou, acerca da estrutura social, a presença de três elementos: conhecimento comum, recursos materiais e práticas. Em uma situação como a de segurança internacional o autor compreende esse sistema como problemático, pois a estrutura é formada por entendimentos subjetivos, na qual os Estados são tão desconfiados que já elaboram as piores suposições sobre as intenções dos outros atores e, conseqüentemente, agirão de forma egoísta.

Importante salientar que todas essas crenças e ideias trocadas e subentendidas possuem limites. Por exemplo, nas relações internacionais há que se conviver com povos de culturas, nacionalidades, expectativas, crenças e ideais diferentes dos seus. Um português não é igual a um brasileiro (apesar da herança cultural em comum), que não é igual, por sua vez, a um argentino (mesmo sendo geograficamente próximos). Dessa forma, Sørensen e Jackson (2007) compreendem que cada nação tentará sobrepor suas ideologias e crendices sob às dos demais, no entanto analisam que essas mesmas identidades, de certa forma, são incomensuráveis.

Mas se o mundo é formado por essa estrutura social composta de diferentes crenças e ideais, como isso influencia e explica os diversos conflitos existentes nas relações internacionais? Os construtivistas não conseguem abordar a positividade na causalidade; consideram, portanto, a pesquisa uma questão muito mais de interpretação do que explicação. Assim, a "bola de sinuca", expressão comumente utilizada em Relações Internacionais para explicar os conflitos, não é usada pelos construtivistas, pois o que eles, de fato, atentam é ao que compõe a bola de sinuca.

Os conflitos, ao invés de serem considerados choques entre forças, são entendidos como equívocos, falhas na comunicação ou desacordo. Um programa de pesquisa construtivista em meio a um conflito internacional, então, poderá ser comparado à atividade de um diplomata, que investiga a disputa com finalidade de interpretar os interesses e opiniões, objetivando a resolução do caso.

Em suma, as relações internacionais para os construtivistas são mais complexas do que a abordagem dada até então pelos demais estudiosos como os neo-realistas. Porquanto, compreendem a necessidade de enfatizar aspectos culturais-institucionais-normativos desta complexidade. A diferença fundamental trazida pelos construtivistas diz respeito à forma de enxergar o mundo, sendo esse intersubjetivo elaborado, não objetivo e descoberto.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de muitas características que contribuiriam de forma expressiva no estudo das Relações Internacionais, a obra de Morin (2001) não é muito difundida pelos principais teóricos da disciplina. O objetivo desse trabalho foi apontar a proximidade e construir uma ponte entre a complexidade e as correntes de pensamento Pós-modernistas das Relações Internacionais.

O pensamento complexo (ou a inteligência da complexidade), organizado sob a lógica sistêmica, busca uma reorientação dos esforços de compreensão dos fenômenos contextuais, normalmente chamados de realidade. Disso resulta o entendimento de que nem sempre é possível explicar a realidade segundo abordagens reducionistas e disciplinares da ciência clássica. Não se pode explicar um todo complexo pelo simples somatório daquilo que se conhece acerca das partes em separado.

O conhecimento não pode ser mais tratado de uma ótica positivista, ou seja, imutável. As relações sociais, pelas suas próprias características, estão em constante desenvolvimento e deve-se estudar esse movimento para assim tentar obter um maior entendimento da realidade. Não existe fórmula para definir as interações humanas, e não se deve aceitar qualquer teoria que tente estipulá-las.

Entendido de forma semelhante, o princípio da autopoiese constitui um instrumento analítico que pode ser usado para estudar e expor o funcionamento íntimo (dinâmica interna) de unidades políticas em vários níveis, por exemplo, países, zonas de livre comércio, organizações e organismos internacionais, ou seja, o sistema internacional. Logo, representam uma bem-vinda adição ao arsenal intelectual dos pensadores das relações internacionais. O conceito de autopoiese pode igualmente lançar uma nova luz sobre o problema de coordenação dos organismos internacionais constituindo, assim, artifícios importantes na construção de interpretações mais dinâmicas no campo das teorias de relações internacionais. Porém, cabe advertir sobre o perigo da transposição de conhecimentos de uma disciplina a outros domínios da realidade simplesmente de forma metafórica ou por analogia. Isto pode conduzir a interpretações equivocadas ou superficiais.

Portanto, as relações internacionais são, por excelência, um fenômeno no qual é possível destacar elementos que identificam sua condição de sistema complexo. Um exemplo disso é a interação e a interdependência dos atores e das organizações internacionais que surgem das necessidades do próprio sistema (princípio da recursão organizacional). Sendo assim o ator pode reconstituir todo o sistema internacional, dado o elevado grau de dependência de cada um em relação ao todo, mesmo mantendo sua autonomia enquanto organizações individuais ou subsistemas (princípio hologramático). Logo, faz-se necessário atentar para os fatores que constroem as idéias e, então, questioná-los para que se possa, posteriormente, fazer uma interpretação levando em conta o maior número de variáveis possível.

 

REFERÊNCIAS

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COX, R. W.; SINCLAIR, T.J.  Approaches to World Order. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

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LINKLATER, A. The achievements of critical theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

LUHMANN, N. A Nova Teoria dos Sistemas. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS/ Goethe-Institut/ICBA, 1997.

MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. De máquinas e seres vivos: autopoiese: a organização do vivo. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

MINGST, A. K. Princípios de Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

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SARFATI, G. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

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