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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

As relações econômicas entre Índia e Brasil: trajetória e perspectivas

 

 

Jacqueline A. H. HaffnerI; Larissa de Oliveira Vanzellotti MonteiroII

IProfessora do departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio grande do Sul - UFRGS. Av. João Pessoa 52, sala 18 G. Telefone  (51) 3308-4116 - CEP: 90.040-000 Porto Alegre RS. E-mail: jacqueline_haffner@hotmail.com
IIEstudante do quinto semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; bolsista de Iniciação Científica

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a relação econômica que tem se estabelecido entre Índia e Brasil, analisando seus históricos econômicos e sociais, bem como o desenvolvimento do comércio entre esses dois lugares tão distantes, situados em espaços geográficos opostos no mundo. Ambos os países são membros do bloco dos Brics, o qual tem mostrado nos últimos anos um grande potencial e crescimento.

Palavras-Chave: Brics; Índia; Brasil; Comércio


ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the economic relationship that has been established between India and Brazil, analyzing their economic and social histories, and the development of trade between these two corners of the world. Both countries are members of the Bric block, which has showed promising potential and growth in the recent years.

Key words: Brics; India; Brazil; Trade


 

 

1- Introdução

O grupo denominado "Brics" surgiu com essa nomenclatura em 2001. Ela foi criada pelo Instituto Goldman Sachs, na intenção de fazer uma alusão à palavra "brick" do inglês, que significa tijolo. O grupo contempla quatro países emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China. Estes, além de serem considerados países em desenvolvimento, são nações que têm mostrado nos últimos anos crescimentos acelerados e que chamam a atenção por sua grande população. Os Brics possuem grande população efetivamente, ainda mais se pesarmos que são apenas quatro nações. Em 2008, os quatro continham 2,8 bilhões de habitantes1, número que representava 41,8% da população mundial, sendo Índia e China sozinhas responsáveis por 37% da população total (BAUMANN; 2010). Contudo, não são apenas suas elevadas populações que garantem a essas nações lugar de destaque. Todos os quatro possuem uma área geográfica muito grande, fato que lhes dá clara vantagem frente a muitos outros países. O Brasil e a Índia possuem, respectivamente, 8,5 e 3,3 milhões de Km² (World Bank). Estes dados podem ser melhor apreciados na tabela 1 abaixo:

 

 

Nos últimos anos tem-se observado que o crescimento do PIB do bloco como um todo foi alto mas existe uma grande desigualdade entre o crescimento dos PIB's dos países que compõem este grupo. Por exemplo, entre os anos 1990 e 2008 o PIB chinês cresceu a uma taxa de 10,3% enquanto a Rússia cresceu a uma taxa de apenas 0,7% de seu PIB. O Brasil, por sua vez, cresceu 3%, pouco menos da metade do crescimento indiano (BAUMANN; 2010).

Mas, apesar das inconformidades existentes entre os BRICS, pode-se afirmar que as nações componentes do bloco possuem uma identificação bastante grande e partilham várias características; além de possuírem grande capacidade produtiva nos diversos setores e de terem aumentado sua participação no comércio internacional, como mostra a tabela 2 abaixo:

 

 

No que se refere a população, espera-se que em 2020, um em cada cinco habitantes do planeta seja da classe média destes países. Para o Economista Jim O'Neill, não há duvidas de que essas famílias serão o principal motor do crescimento global até 2020. O único país que difere desta na análise é a Rússia que tem ficado reiteradamente para trás no julgamento dos bancos. Isso tem acontecido porque a classe média russa não tem apresentado níveis de crescimento tão expressivos comparativamente com os demais países do bloco.

Hoje, há 94 milhões de brasileiros na classe C, quase metade da população do País. Na China, cerca de 160 milhões de cidadãos pertencem à classe média, ou 12% da população. Na Índia, a proporção é menor. São 5% dos indianos, ou cerca de 60 milhões de pessoas.

A expectativa é que mais pessoas terão uma renda maior, deixarão as condições de pobreza e passarão a fazer parte da classe C nos três países. Desta forma, entende-se que a década passada foi marcada pelo surgimento do Bric e a atual ficará para a história como a das classes médias desses países.

Como não poderia ser diferente, as relações comerciais entre esses quatro países têm crescido muito nos últimos tempos. Há uma tendência de fortalecimento mútuo frente aos novos desafios mundiais e à força que ainda possuem as grandes potências no comércio internacional. Desta forma, insere-se nesse contexto a aproximação da Índia com a América Latina e, mais precisamente, com o Brasil.

O que se tem percebido é que a relação entre esses dois países e entre a Índia e a região latino-americana tem se estreitado. Não apenas pela identificação existente derivada da participação de ambos no bloco, como também pela criação de laços através de acordos e trocas comerciais. Contudo, é importante analisar qual é o caráter dessa relação e quais são os pontos responsáveis por tal aproximação.

A Índia e o Brasil possuem características que os aproximam como o fato de partilharem de um histórico de colonialismo. Ambos foram, durante muito tempo colonizados e a esse fato devem grande parte das características que hoje possuem. A exploração enfrentada contribuiu, e muito, para atual estágio de sub-desenvolvimento que os países possuem. Apesar de agora esse já na ser fator de impedimento para o crescimento dessas duas economias. Além disso, Brasil e Índia enfrentam questões que os fazem mercados complementares ao invés de competidores, tornando o comércio necessário e positivo para o suprimento de produtos e serviços demandados por suas economias, mas os quais não são capazes de produzir. É preciso, portanto, que analisemos o porquê do início da aproximação entre Índia e Brasil, mas também a situação em que essa relação se encontra e suas perspectivas para o futuro.

Dessa forma, esse artigo buscará fazer um pequeno histórico da trajetória econômica desses dois grandes países- mostrando pontos relevantes de sua história que contribuíram muito para a existência das nações que hoje conhecemos- e, posteriormente, da relação comercial e política que vêm se estabelecendo entre eles- destacando os pontos que colaboram para o melhor relacionamento entre Índia e Brasil. Ademais, procuraremos mostrar quais são as características dessa relação que nos dão indícios do contínuo estreitamento dos contatos atualmente estabelecidos, no futuro próximo.

 

2- Índia2

A Índia é um país que há muitos anos sofre com grandes desigualdades e com uma divisão fortemente baseada no sistema de castas3. Primeiramente, foi dominado pelo império Mongol. Durante esse período, era uma nação predominantemente agrícola, promissora e líder na produção manufatureira. Posição que manteve até o advento da Revolução Industrial. Até então, o comércio era interno e as principais exportações eram de arroz, trigo e algodão. A classe urbana que possuía melhores condições econômicas gerava demanda para os produtos indianos e, portanto, prosperidade. O Império Mongol teve sua queda em meados do século XVII.

O país passou, então, a um período de subordinação à Inglaterra. Nesse momento, criou-se um cenário favorável à propriedade privada, onde se estimulou o livre comércio e onde houve a criação de uma moeda corrente juntamente com uma taxa de câmbio fixa. A indústria passou a ser dual: exportadora e importadora. Durante o século XIX, houve a implementação de uma rede de transportes ferroviários, a qual cobria o país e que só foi possível graças aos incentivos do governo.

Contudo, apesar das aparentes melhoras no país, a participação da renda indiana no mundo caiu muito do período anterior para o de domínio inglês. Houve aumento do comércio, fato que gerou queda nos preços dos têxteis e que, portanto, diminuiu a lucratividade e levou à desindustrialização. Esta teve como causa fatores internos e externos: queda nos preços; colapso do Império Mongol- queda da produção manufatureira; e as forças globais devido ao desenvolvimento do setor exportador- permitindo a entrada de manufaturas inglesas no mercado indiano.

Em 1947, a Índia se torna independente. A partir de então, sua economia passa a ser fechada e é marcada por dois grandes períodos até 1985: o socialismo indiano e a reforma de mercado. Uma série de planos quinquenais foram implementados os quais tinham como base a substituição de importações, uma menor liberdade aos agentes econômicos e uma maior intervenção estatal. A meta nesse período era a industrialização e a diminuição das desigualdades. O país teve também nesse período influência do socialismo soviético, o qual guiou os rumos indianos. Entretanto, a falta de harmonia entre o setor público e o privado, além da exagerada interferência do Estado, prejudicou o desenvolvimento.

As reformas implementadas entre 1985 e 1993 foram classificadas como reformas básicas, entre as quais duas medidas foram tomadas: a substituição de importações e a restauração das liberdades dos agentes econômicos nos diversos setores da economia. Houve, nesse período, a desvalorização da Rúpia, fato que levou a um maior volume de exportações. Esse período de fechamento indiano, no entanto, teve fim em 1991 quando da assinatura de acordo com o FMI. As reformas dos anos 1990 deram continuidade a certas políticas das reformas anteriores, mas foram mais efetivas.

Na década de 1990, a liberalização das importações foi mais intensa e houve um maior controle sobre a taxa de câmbio, esta era flutuante, mas conduzida para estimular o comércio internacional. Nesse mesmo período, o controle estatal foi reduzido e novas regras para o investimento externo direto foram estabelecidas - os setores mais beneficiados foram o de engenharia, o de serviços, o de equipamentos elétricos e o de computação. Os resultados foram bastante positivos, pois aumentaram o comércio exterior de forma considerável. O fluxo de investimentos estrangeiros também teve crescimento; em 1990 o valor era de 103 milhões de dólares e em 2005 de 17 bilhões (BARBOSA, 2008).

Depois das reformas, nota-se que a economia indiana foi caracterizada por um crescimento movido pelo setor de serviços, onde o comércio exterior teve pouca participação no PIB. A pauta exportadora ficou constituída por produtos simples e pouco diversificados, com baixo nível técnico, nos quais a vantagem comparativa era a mão-de-obra barata. Também desde os anos 1990, a Índia tem se destacado nos setores químico, farmacêutico e de engenharia, sendo hoje a maior exportadora de genéricos.

Hoje, segundo o Banco Mundial, são quatro os maiores entraves ao desenvolvimento indiano. O primeiro é a infra-estrutura: o país tem carência de eletricidade, transporte e infra-estrutura em geral. Faltam investimentos por parte do governo. Apenas de 3 a 4% do PIB é investido (Idem). Diante dessa situação, são feitas parcerias entre o público e o privado para o suprimento das carências. O segundo entrave é o Déficit Fiscal: há risco de crise, é necessário que se aumente impostos e se reduza os gastos, contudo, o governo não sabe lidar com o problema. O terceiro são as Leis Trabalhistas, as quais possuem várias falhas e inconsistências, fato que causa incerteza e que, portanto, acaba desestimulando o investimento. O quarto e último entrave é o setor financeiro que cresceu pós-1990, mas que exclui as pequenas e médias empresas do acesso ao crédito.

Entretanto, apesar desses empecilhos ao desenvolvimento pleno da economia indiana, ela possui algumas virtudes que garantem ou ao menos facilitam o seu crescimento futuro. Possui reservas internacionais, sua inflação é controlada, o seu déficit é administrável e há controle de capitais.

 

3- Brasil

O Brasil está inserido em um contexto de países que por muito tempo foram colonizados e dominados por grandes potências. Dessa forma, existe uma história comum que põe o país em situação semelhante ao do resto da América Latina. Os países desse continente sofreram por muitas décadas com a colonização de exploração imposta pelos europeus. Por esse motivo, tanto o Brasil como as demais nações tiveram suas economias voltadas para fora. Desde o princípio, o Brasil foi responsável por abastecer de matérias-primas Portugal- desde o pau-brasil até o açúcar e o café. O país luso, por sua vez, produzia manufaturados que posteriormente eram comprados por nossa população. Essa situação se manteve por muito tempo e garantiu altíssimos ganhos para os cofres portugueses e um atraso imensurável para o Brasil e para a América Latina.

De forma bastante clara, pode-se perceber que o Brasil, apesar de partilhar uma história latino-americana, se destaca e cada vez coloca-se à frente como potência regional sul-americana e como destaque em um cenário mundial. Contudo, apesar dos grandes indícios de desenvolvimento e crescimento, o Brasil ainda hoje sofre com as heranças advindas do seu período colonial: ainda no começo do século XX, nosso país tinha uma economia caracterizada pela exportação de produtos primários, os quais eram destinados aos países desenvolvidos e retornavam em forma de produtos manufaturados a serem vendidos em nossos mercados internos.

Essa estrutura de comércio mundial permitiu a manutenção da posição dos diversos países no cenário global. Por isso, em meados do século XX, o país iniciou uma série de medidas- entre elas a substituição de importações- que tinha como intuito permitir a industrialização e o desenvolvimento do Brasil. Investiu-se no setor industrial e em infra-estrutura e, como conseqüência, assistiu-se a um crescimento estupendo.

Toda essa mudança dentro do país levou alguns autores a repensarem as causas do subdesenvolvimento latino-americano. Surgiu uma corrente que passou a negar a teoria do etapismo, segunda a qual todos os países precisariam passar por determinados estágios para atingir o desenvolvimento. A corrente Cepalina4 trouxe a ideia da teoria da Dependência, que afirma que existiram duas posições distintas: o centro e a periferia. Segunda ela, a periferia dependeria do centro, e o centro da periferia, e desse modo cada país teria um papel: os subdesenvolvidos de produzir matérias-primas e os desenvolvidos de fornecer produtos industrializados e de maior valor agregado. Não sendo, portanto, essas duas posições estágios de um mesmo desenvolvimento.

Apesar de todo o empenho empregado ao longo do século passado para a industrialização brasileira; e de todos os estudos e teorias criados para o entendimento da posição empregada pela América Latina diante das grandes potências, o que vemos hoje no Brasil é um retorno à produção primária. Nosso país parece cada vez mais voltar-se para o mercado externo e posicionar-se como país tipicamente exportador de matérias-primas.

Contudo, esse "retorno ao passado" não tem impedido o crescimento do PIB brasileiro nos anos recentes. O que se percebe é que o seu valor passou de 235.024.598.984 dólares em 1980 para 1.573.408.702.182 em 20095. Crescendo, portanto, mais de seis vezes nos últimos 30 anos. Além disso, devido a toda a estrutura fiscal encontrada em nosso país, o Brasil conseguiu ser pouco afetado pela crise financeira de 2008 se comparado a países como os Estados Unidos que tiveram suas economias arrasadas e três anos depois ainda sofrem fortes conseqüências.

 

4- Relações Índia- Brasil

Ainda que a aproximação vista entre Ásia e América latina nos últimos tempos seja bastante grande, quando se fala nessa relação o primeiro país que nos vem à memória é a China. Este país tem relações bastante consolidadas em nosso continente, enquanto a nação indiana lentamente está tentando enraizar-se por aqui.

A relação existente, portanto, entre Índia e Brasil é bastante incipiente. Por enquanto, ainda é pouco o que se sabe e o relacionamento entre as duas nações promete crescer, desenvolver-se e, principalmente, mudar muito nos anos vindouros- como tem acontecido nos últimos anos.

Como se pôde perceber pelo histórico apresentado, ambos os países, apesar da diferentes trajetórias, carregam heranças semelhantes que os fizeram- e os fazem- se aproximar e criar vínculos. Tanto o Brasil quanto a Índia se encaixam na categoria de país subdesenvolvido, categoria essa que os condiciona a uma posição na ordem mundial nem sempre muito favorável ou confortável. Há muito tempo, as duas nações tentam se desvencilhar dos laços com suas antigas metrópoles e com as potências mundiais em geral. Possuem hoje uma necessidade de crescimento autônomo, que lhes permita crescer e, principalmente, se desenvolver. Segundo Guimarães:

"Brasil e Índia compartilham semelhanças e interesses comuns por serem "grandes países periféricos", o que os distingue radicalmente dos países médios e pequenos da periferia. Grandes países periféricos seriam aqueles países não-desenvolvidos, de grande população e de grande território contínuo, não-inóspito, razoavelmente passível de exploração econômica" (GUIMARÃES, 1998, p. 9).

Além do passado colonial, que os condiciona e aproxima, outra semelhança existente são as altas barreiras tarifárias e não-tarifárias que os países impõem à entrada de produtos em seus territórios. O fato de os países terem virado suas costas para o mercado internacional os fez perder grandes oportunidades de crescimento.

Também como apresentado anteriormente, tanto a Índia quanto o Brasil realizaram reformas em seus países com o intuito de desenvolver sua indústria. Entretanto, as reformas realizadas no Brasil foram anteriores às indianos, o que deu vantagem ao país latino. Mas essa situação não teve longa duração, pois o país asiático aderiu às reformas juntamente com a expansão fiscal, fato que colocou a Índia em posição mais favorável dos anos 1980 em diante. As reformas indianas incluíam relaxamento na licença industrial, desvalorização da taxa de câmbio, incentivos à exportação e racionalização do controle de importações.

O Brasil, a partir dos anos 1990, adotou uma política de liberalização. Esta foi efetivada de forma mais rápida do que na Índia e permitiu que o país cortasse suas tarifas de forma mais profunda evitando ter ainda hoje taxas altíssimas como as sustentadas pela Índia. Além disso, apesar de as empresas privadas terem invadido ambos os países, na Índia as estatais se mantiveram responsáveis por grande parte dos investimentos. Aparentemente, os diferentes resultados atingidos por cada um dos países se deve às diferenças entre as estruturas das sociedades: tendo a Índia uma sociedade baseada nos mais pobres, mais hierarquizada e heterogênea do que a brasileira.

Segundo pesquisa recente do IPEA:

 "apesar de a corrente de comércio entre os dois países ter aumentado quase 16 vezes em uma década, de menos de US$ 500 milhões em 2000 para cerca de US$ 7,7 bilhões em 2010, a participação do parceiro asiático na totalidade do comércio exterior brasileiro alcançou apenas 2% em 2009 e 2010, tendo oscilado em torno de 1% ao longo de quase toda a década" (IPEA, 2011, p. 9).

Existem dois tipos básicos de investimento: em fatores de produção e em capital humano. O que se percebe é que a Índia tem gastado muito mais do que o Brasil na obtenção dessas duas forças. Ainda que seu maior investimento seja em capital humano. O dispêndio realizado lhe garante elementos-chave para o crescimento, elementos esses que têm faltado na pauta brasileira. Portanto, caso seja desenvolvido um ambiente favorável à importação e à exportação, com crescimento sustentável e com barreiras comerciais pouco expressivas, a complementaridade entre a Índia e o Brasil será suficiente para aumentar ainda mais o comércio entre esses dois países.

Abaixo temos o gráfico 1 que mostra a evolução do comércio entre Índia e Brasil.

 

 

Como se pode notar, em 1990 as exportações brasileiras para a Índia não chegavam a 0,2 bilhões de dólares e as importações chegavam próximo a zero. Contudo, em menos de vinte anos, as exportações passaram à casa de cerca de 1,1 bilhão de dólares e as importações a mais de 1,8 bilhões de dólares. O que mostra um aumento muito alto no volume de comércio existente entre esses dois países. A curva, principalmente de importações, se mostra em ascendência abrupta, fato que nos indica um crescimento exponencial da relação de comércio entre eles.

Logo abaixo, temos duas outras tabelas que mostram os principais parceiros comerciais brasileiros e onde nessa lista a nação indiana se encaixa.

No caso das exportações brasileiras na tabela 3, o que se nota é a diminuição considerável do comércio com os EUA e com a União Europeia, por exemplo. Enquanto os valores referentes à Índia mostram um aumento, ainda que os números sejam muito menores do que o com os EUA e a União Européia.

 

 

Na tabela 4, também observamos aumento no volume de importações de produtos indianos e uma redução dos produtos originários de locais como os Estados Unidos ou a União Europeia. O que se pode concluir dessas duas últimas tabelas é que está havendo uma intensificação do comércio entre o continente asiático e o latino americano.

 

 

A seguir temos a Tabela 5 que apresenta os principais produtos exportados pelo Brasil para a Índia Pela análise das tabelas, pode-se perceber que atualmente os principais produtos exportados pelo Brasil são o minério e concentrado de cobre.

 

 

A tabela 66 abaixo que apresenta os principais produtos importados pelo Brasil da Índia.

 

 

Pela análise das tabelas, pode-se perceber que atualmente os principais produtos exportados pelo Brasil são o minério e concentrado de cobre e os principais produtos importados pelo Brasil são compostos heterocíclicos7. Confirmando assim a tendência brasileira de se voltar para exportação de matérias-primas.

Um fator importante a ser analisado quando tratamos de exportação é o quanto o crescimento de um país se reflete em demanda por produtos de outra nação. A elasticidade indiana por produtos brasileiros na década de 90 era mais baixa do que no resto do mundo. Contudo, nos anos 2000, sua demanda por produtos latinos quase triplicou. Hoje, 1% de aumento do PIB da Índia gera 1,3% de aumento nas exportações latino- americanas8.

Um dos problemas para o baixo aumento nas exportações se deve à concorrência que a China apresenta. O setor manufatureiro indiano tem menos capacidade produtiva, eficiência e diversificação do que o chinês. Dessa forma, o mesmo aumento no PIB da China gera 2,3 % de aumento nas exportações latino-americanas9.

Outro entrave ao aumento do comércio entre é a questão dos custos de comércio. A primeira questão são os custos devido às barreiras impostas pelo Brasil. Elas têm o intuito de proteger nosso mercado, mas acabam sendo um grande empecilho à entrada de produtos indianos. Além disso, mais uma vez, as taxas impostas aos produtos advindos da Índia são mais elevadas do que aquelas impostas a produtos chineses, dando assim incentivo ao aumento do comércio com a China.

O segundo grande obstáculo ao comércio entre Brasil e Índia é o custo do transporte. Na verdade, esse é o principal impedimento às relações comerciais. Os gastos são altos não apenas por que a distância é grande, mas também pela logística de todo a locomoção dos produtos. O trajeto realizado é mais longo, pois faz escalas em portos "desnecessários", o que leva não apenas a custos maiores, como também aumenta o tempo de chegada dos produtos. Um trajeto entre Santos e Mumbai que poderia ser feito em 27 dias e 15 horas, demora atualmente 36 dias e 18 horas. Ou seja, quase dez dias a mais.

Seria interessante, no entanto, que as dificuldades no transporte fossem superadas, pois com isso muito se ganharia em ambos os lados. Tanto a redução das tarifas de importação como a diminuição dos custos do transporte seriam medidas bastante necessárias a boa evolução do comércio entre Brasil e Índia.

Contudo, o contrário também é verdadeiro. A Índia também precisaria reduzir suas barreiras tarifárias para colaborar com o seu comércio com o Brasil. Esforços de ambos os lados seriam fundamentais nesse caso.

Outra importante questão é a infra-estrutura encontrada na Índia. Como mencionado anteriormente, o país sofre uma grande defasagem nessa área devido à falta de investimentos governamentais e privados. Portanto, essa situação afeta em grande medida o comércio com outros países, inclusive com o Brasil. Nesse ponto também, a Índia fica atrás da China, que faz grandes investimentos em seu país e possui, então, mais condições de importar e exportar produtos.

Quando se trata de Investimentos Externos Diretos, a Índia mostra pouca evolução nos últimos enquanto o Brasil mostra aumentos em seus investimentos no exterior. O número de empresas de ambos os países tem crescido consideravelmente. Contudo, a parcela do investimento indiano que corresponde à América Latina ainda é irrisório, apesar de ter crescido quatro vezes nos últimos anos. No caso do Brasil, entre 2002 e 2009, os investimentos diretos indianos perfizeram 100 milhões de dólares, cerca de 0,05% do total de entrada no país. Grosso modo, 70% desse valor se concentrou na produção e distribuição de farmacêuticos, químicos e acessórios de computador. Do outro lado, o investimento externo brasileiro na Índia ainda é muito baixo se comparado ao realizado nos Estados Unidos, por exemplo (MOREIRA, 2010).

Mas é claro que o interesse indiano nos recursos naturais existentes no Brasil pode aumentar os investimentos feitos por aqui. Parcerias já foram feitas, como, por exemplo, a união da companhia indiana "Petróleo e gás natural" (ONGC) e a Petrobrás para explorar e desenvolver projetos tanto no Brasil como na Índia.

Apesar de ainda haver muitas questões a serem resolvidas para que a relação econômica entre as duas nações de fato prospera, a tendência é o crescimento. Além disso, a relação que antes se restringia ao econômico, nos últimos anos, tem se ampliado para áreas além do comércio e do investimento.

Como é possível observar na tabela 7 abaixo, são vários os setores em que já foram tomadas iniciativas ente Índia e Brasil. Os dois governos já assinaram inúmeros acordos, os quais cobrem 21 áreas de interesse. Essa relação também está se expandindo para a adoção de posições conjuntas entre os países de forma a adotarem uma posição comum em órgãos internacionais como as Nações Unidas - na questão da reivindicação de um assento permanente no Conselho de Segurança - e na OMC.

 

 

Com o intuito de regularizar ainda mais a intensificação das relações entre o Brasil e a Índia, os dois países buscaram meios mais institucionalizados de "legitimar" sua aproximação. Além da criação dos BRICs, foi criado o IBAS, que é um fórum de cooperação entre Índia, Brasil e África do Sul. Surgido em 2003, o fórum de diálogo teve inicio na reunião dos ministros de relações exteriores dos três países em Brasília. O marco inicial considerado é a chamada "Declaração de Brasília". Assim como os BRICs, o IBAS tem a intenção de promover a cooperação entre os três países e com os outros países do sul do planeta.

Como mencionado anteriormente, o setor em que a Índia tem mostrado maior crescimento é o de serviços de informação. Contudo, a sua presença no Brasil e na América Latina, não tem impedido o crescimento das exportações de "Tecnologia da Informação" da região. Entre 2000 e 2007, a exportações brasileiras cresceram em uma média de 17%. E os US$11 bilhões de dólares de exportação do Brasil não são tão menos do que os 17 bilhões exportados pela Índia (MOREIRA, 2010)

Entretanto, a situação e o potencial encontrados na Índia são de difícil reprodução por parte do Brasil. A expansão que se faria necessária se mostra pouco provável devido à falta da combinação que atualmente é encontrada no país asiático: políticas aliadas a recursos e circunstâncias que lhe dão vantagens comparativas e competitivas. Entre as políticas encontradas no país estão: a criação de uma massa de engenheiros de software, a utilização da diáspora para os EUA para criar reputação e abrir mercados, e o uso de parques de software para superar as deficiências da nação em infra-estrutura e do regime político (Idem).10 Apesar de os serviços de TI e de BPT (serviços de negócios, profissionais e técnicos) serem um sucesso, seus resultados para o crescimento da Índia e para a criação de empregos têm sido desapontadores.

Nos países da América Latina, é preciso, para que se expanda o setor, tomar algumas medidas. É necessário que haja apoio por parte do governo via taxas e a promoção de investimentos. Aumentar a coordenação entre governo, indústria e academia. Coordenar esforços entre os países para a canibalização do mercado e incentivar a presença de um ator individual em vários países. E promover o setor certo e os atores corretos através de um plano (Ibidem).

Além da proximidade dos números de exportação de TI dos dois países, é importante dizer que as categorias de produzidas pelo Brasil e pela Índia são complementares. O primeiro concentra suas vendas na categoria de NPT de "instalação, manutenção e reparo de equipamentos" e o segundo, em "administração, consulta e serviços de relações públicas".

No setor de manufaturas, mais uma vez a presença indiana não representa um grande desafio às manufaturas latino-americanas. Entretanto, o país asiático tem potencial para se tornar um desafiante em um futuro próximo. A tendência é que haja um aumento da presença indiana no mundo, com promessas de bons resultados na produção de bens de baixa e alta tecnologia. E mais uma vez, Índia e Brasil são complementares, pois o segundo se dedica mais à produção das médias tecnologias e dos recursos de base, produtos pouco favoráveis à nação indiana.

 

5- Conclusão

Ao longo deste artigo tentamos demonstrar que as relações tanto econômicas quanto políticas estabelecidas entre Brasil e Índia têm se expandido de forma crescente. Cada dia mais, os dois países têm transcendido sua mera condição de semelhança (subdesenvolvimento, posição sul, tamanho, população, etc.) para atingir uma identificação e complementaridade bastante grande.

Sua relação, antes apenas baseada em elementos econômicos, é agora composta por um caráter político. Diversos acordos têm sido formalizados e a tendência é que de agora em diante haja um aumento nestes acordos e sua relação seja cada vez mais pautada por uma cooperação sul-sul.

Atualmente, a Índia não pode ser considerada uma ameaça ao crescimento brasileiro, pois desempenha um papel diferente na pauta de exportações mundiais, especializando-se em áreas diferentes das brasileiras, mas em um futuro próximo é uma possível ameaça. Contudo, para tanto, precisa resolver, ou ao menos melhorar, a questão da falta de emprego de forma a superar a pobreza e privação enfrentada no país.

Mundialmente falando, exportar manufaturas se tornou uma atividade marcadamente mais competitiva. Portanto, no continente latino-americano, as possibilidades de se utilizar as manufaturas para a geração de empregos e para a manutenção do seu status de região em desenvolvimento são pequenas.

O que se pode concluir, portanto, é que atualmente Índia e Brasil tenderão a continuar sua aproximação e que suas produções são complementares, não apenas entre si, mas também para o mundo. Contudo, é importante manter a atenção para o futuro desenvolvimento dessa relação que promete ser promissora, mas que também corre o risco de ser conflitante em diversos aspectos.

 

Referências

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1. Dados provenientes do World Development Indicators (WDI).
2. Os dados históricos aqui encontrados foram retirados da dissertação de mestrado de Marcel Jaroski Barbosa, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.
3. O sistema de castas indiano é caracterizado por uma estratificação e restrição social nas quais as classes são inseridas de forma hereditária. O sistema de castas possui quatro castas (as quais são endógamas) e grupos sociais externos às castas. A origem do sistema, segundo o hinduísmo, é o Brahma, divindade criadora do universo.
4. Essa corrente surgiu por volta da década de 1970, com intuito de se contrapor a diversas correntes que pregavam a necessária passagem por vários estágios para se atingir o desenvolvimento.
5. Fonte: Banco Mundial.
6. Fonte: CEPAL-IPEA.
7. Entendem-se por compostos heterocíclicos, aqueles compostos orgânicos cíclicos estáveis, que contem no seu anel um ou mais átomos diferentes do carbono, podendo este, ou não, fazer parte do composto. Exemplo disso é o oxigénio, o nitrogénio e o enxofre. Excluem-se desta definição os compostos que sofrem ruptura do anel facilmente, possuindo portanto anéis instáveis, exemplos disso são os compostos epóxidos e anidridos cíclicos, cujas reacções muito se assemelham as reacções dos compostos acíclicos. Eles podem ser também anéis aromáticos simples ou anéis não-aromáticos. Alguns exemplos são piridina (C5H5N), pirimidina (C4H4N2) e dioxano (C4H8O2).
8. Fonte: India: Latin America's next big thing?
9. Idem
10.  Mas é importante frisar que o continente latino americano possui vantagem frente à Índia no que se trata da sua proximidade e identificação com os EUA. Permitindo assim, um maior acesso ao mercado americano.