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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Guerra ao terror: uma guerra na sociedade de controle

 

 

João Paulo Gusmão P. Duarte

 

 


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar os dispositivos de exceção articulados no contexto da Guerra ao Terror, tais como as guerras preventivas e os instrumentos jurídicos do Patriot Act. Este estudo ressalta que, ao contrário do que se previa - ou seja, de uma época de maior alcance da paz e da segurança internacionais -, o século XXI inaugurou novas maneiras de se fazer a guerra, sendo os atuais terrorismos e o contraterrorismos uma demonstração contemporânea da afirmação de Michel Foucault de que a política é guerra por outros meios. Desta forma, é possível apontar que os efeitos das políticas de contraterror articulam maneiras renovadas de governar o planeta, justificadas a partir da necessidade de contenção das insurgências para o restabelecimento de um equilíbrio por meio da segurança internacional, o que revela, ao mesmo tempo, que o descumprimento ao Direito Internacional e ao Direito Humanitário passa a ser um detalhe diante da urgência de pacificação: o desencontro entre as práticas militares e o Direito ilustra como as regulamentações sobre a guerra são instrumentos relativos para a normalização das relações internacionais; dependendo do ator, da situação e da finalidade, elas são fundamentais ou não.

Palavras-chave: Terrorismo; Guerra ao Terror; segurança internacional


 

 

Definitivamente o terrorismo tornou-se tema obrigatório das relações internacionais desde seu mais recente ponto de inflexão no ano de 2001. As imagens transmitidas ao vivo nos veículos de comunicação pelo mundo afora de "aviões-bomba" atingindo os prédios que marcavam a silhueta de Manhattan, símbolo do desenvolvimento econômico e da hegemonia cultural do século XX, e ao mesmo tempo mostrando o prédio do Pentágono em Washington, símbolo máximo do militarismo em chamas, também atingido por um avião com dezenas de pessoas, somando-se às notícias alarmistas e instantâneas de que dezenas de aviões no espaço aéreo estadunidense poderiam estar seqüestrados, prontos a atingir alvos nas cidades, deram o tom de abertura do século XXI, pronunciado e tido como a era que marcaria o fim da história.

Ao contrário do que se esperava, de uma era de paz e menor tensão internacional após os anos de Guerra Fria, é o calor do terror e do contraterror que pautam as relações internacionais do novo século. O redimensionamento do terrorismo ao qual se viu nos acontecimentos espetaculares que ficaram conhecidos como 11 de setembro marcaram efetivamente o surgimento de um novo problema aos Estados e ao sistema de Estados. O caráter transterritorial dos atos terroristas exigiu uma coligação organizada promovendo ininterruptas ações de segurança internacional. Em vez da paz continuada, o século XXI inaugurou uma inédita forma de se fazer guerra, opondo um poder articulado de forma total obcecado pela contenção de resistências, a um agente não estatal organizado de forma simplista, mas com potencial de desestabilizar a ordem nas relações internacionais.

O terrorismo que surge agora na contemporaneidade tem características muito particulares em relação a outros atos ou acontecimentos também considerados como terrorismo. Sua atuação internacional transfronteiriça, o anonimato dos autores, a fluidez como se movimenta, a imprevisibilidade e instantaneidade do evento de repente violento que surge, destrói, mata e desaparece, marcam esse redimensionamento. O terrorismo contemporâneo não mais se circunscreve a questões regionais ou locais, tornando-se um problema global, pois a sua incidência passou a ser possível em qualquer lugar do planeta. Passetti (2006: 109) aponta que na atual sociabilidade de fluxos contínuos, "o terrorismo saiu do território nacional para se encontrar com atos que procedem de qualquer lugar, de múltiplos fluxos, internacionalizando o problema e as eventuais soluções".

Desta forma, a luta pela extinção ou contenção do terrorismo foi atualizada, sendo estendida ao campo internacional, sem limites de território ou soberania. A chamada Guerra ao Terror inaugurou dispositivos de segurança, combinados com ações militares efetivas, pronunciadas como guerras preventivas.

A Estratégia de Segurança Nacional lançada em 2002, e reforçada em 2006, pelo então presidente estadunidense George W. Bush indicou de maneira objetiva e formal as bases das medidas encampadas para a supressão do terrorismo, identificado como novo inimigo da sociedade mundial.

"Nós defenderemos a paz lutando contra terroristas e tiranos. Preservaremos a paz construindo boas relações entre as grandes potências. Ampliaremos a paz incentivando sociedades livres e abertas em todos os continentes (...). Defender nossa nação contra seus inimigos é o primeiro e fundamental comprometimento do Governo Federal. Hoje, essa tarefa mudou drasticamente. Inimigos no passado precisavam de grandes exércitos e grande capacidade industrial para ameaçar a América. Agora, redes obscuras de indivíduos podem trazer grande caos e sofrimento para nossa terra por menos do custo de um único tanque. Terroristas estão organizados para penetrar em sociedades abertas e para utilizar o poder de tecnologias modernas contra nós (...). Para derrotar essa ameaça, nós devemos fazer uso de toda ferramenta em nosso arsenal: poderio militar para melhores defesas do território, garantia de obediência às leis, serviços de inteligência e esforços vigorosos para cortar o financiamento de terroristas. A guerra contra terroristas de alcance global é uma iniciativa global de duração incerta"1.

Lutar contra um inimigo impreciso, muitas vezes invisível e nômade foi o objetivo crucial deste novo paradigma de segurança internacional inaugurado pela estratégia estadunidense, mas também articulada em outras esferas e por outros poderes. A principal tarefa passou a ser a identificação do inimigo e de suas armas. Como aponta Zizek (2003), deter o fluxo do terrorismo em qualquer espaço do planeta passou a ser a "lógica paranóica" da Doutrina Bush - como ficou conhecida a estratégia para o grande empreendimento de contraterror. A idéia central desta ação é de que, evitar a ocorrência de um ataque terrorista em solo estadunidense, ou em outros espaços de interesse e influência estadunidense, é assegurar que não vá acontecer em lugar nenhum.

O Patriot Act representa um exemplo evidente do estado de exceção criado no contexto da Guerra ao Terror. Buscando "interceptar os terrorismos por meio da união dos americanos e do fortalecimento da América", foi promulgado o ato que permitiu nos Estados Unidos "melhorias para a aplicação de ferramentas de investigação judicial"2, tais como diligências especiais para a quebra de sigilos bancário e fiscal de suspeitos de envolvimento com os atos terroristas, ou com possíveis novos ataques contra a segurança estadunidense; redução de restrições aos procedimentos de agências de inteligência e de segurança; autorizações para investigar os meios de comunicações dos cidadãos, como grampos telefônicos e acesso a redes de e-mails; autorizações para averiguações de laudos médicos e históricos profissionais e acadêmicos de pessoas consideradas suspeitas; medidas especiais de jurisdição para facilitação de investigações, de composições de inquérito policial, de acusações e de prisões de acusados de envolvimento com terrorismo; acesso aos registros bancários de instituições financeiras visando verificação e identificação dos clientes e de suas atividades e movimentações bancárias, como forma de capturar os agentes financiadores de terrorismos; medidas para o reforço da atividade policial e judicial contra a imigração ilegal.

Segundo Agamben (2004), tanto o Patriot Act quanto as Military Orders, promulgadas em 13 de novembro de 2001, transformam medidas excepcionais em medidas jurídicas, fazendo do estado de exceção "uma forma legal daquilo que não pode ter forma legal" (Idem: 12), chamando atenção para o fato de os Estados contemporâneos democráticos usarem voluntariamente o estado de emergência permanente (ainda que não declarado no sentido técnico) como "práticas essências" de governo. De acordo com o autor, esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma prática de governamentalidade tende a cada vez mais se apresentar como "um paradigma de governo dominante na política contemporânea" (Ibid.: 13). No contexto da Guerra ao Terror, o estado de exceção como técnica de governo utiliza-se de alguns de seus mecanismos de atuação como o julgamento e execução de não cidadãos suspeito de envolvimento em atividades terroristas por military commissions3, e as prisões indeterminadas e sem acusação formal de um estrangeiro suspeito de atividades que ponham em perigo a segurança nacional dos Estados Unidos, sendo que o estrangeiro deve ser expulso em até 7 dias ou condenado por violação da lei sobre imigração ou de algum outro delito.

No caso das guerras preventivas, o estado de exceção se estendeu também ao campo internacional. A formação da coalizão militar antiterror liderada pelos EUA - que invadiu o Afeganistão ao final do ano de 2001, país governado por Talibãs (apontados como rebeldes violadores dos Direitos Humanos) e responsabilizado por dar abrigo aos terroristas da rede al-Qaeda (grupo identificado como organizador deste novo redimensionamento do terrorismo), e ao seu líder e mentor intelectual, Osama bin Laden, e que invadiu posteriormente o Iraque em março de 2003, país integrante do eixo do mal, governado pelo ditador Saddam Hussein, e também responsabilizado por prestar assistência aos atuais terrorismos e por possuir ilegalmente armas de destruição em massa -, não obteve autorização jurídica do Conselho de Segurança para suas ações militares, mas ocupa os dois países desde o início da Guerra ao Terror, e imprime um poder às populações e praticam a guerra efetivamente.

Segundo Agamben, esse desencontro entre o direito internacional e as práticas efetivas de governo através de ações diplomático-militares, demonstra que a cultura ocidental encontra-se em uma tensão, opondo duas forças: "uma que institui e põe [a lei, a norma jurídica internacional pronunciada como universal ], e outra que desativa e depõe [a força soberana de sair do ordenamento jurídico instituindo plenos poderes ao Estado ]" (Ibid.: 132). Entretanto, o autor ressalta que cada vez mais se pode notar uma coincidência entre o estado de exceção e a regra, suscitando a observação de que a governamentalidade internacional na contemporaneidade "ameaça hoje torná-las [regra e exceção ] indiscerníveis" (Ibid.: 132).

Esse duplo artifício seria um arranjo tendo o mesmo fim: o de pacificar as relações internacionais, normalizando insurgências e equilibrando forças difusas em benefício de certos valores4 e atores ocidentais. A introdução do texto da Estratégia de Segurança Nacional de 2002 dos EUA estabelece esses parâmetros como objetivos principais da política para a contenção dos terrorismos, dando a entender que a utilização da força à revelia dos ordenamentos internacionais se tornou causa premente de solução, justificando, portanto, as ações das guerras preventivas:

"Os grandes conflitos do século XX, travados entre a liberdade e o totalitarismo, terminaram com a vitória decisiva das forças da liberdade - e com um único modelo sustentável para o êxito de uma nação: liberdade, democracia e livre iniciativa. No século XXI, apenas os países que assumirem o compromisso de proteger os direitos humanos e garantir a liberdade econômica e política serão capazes de abrir espaço para o potencial de seu povo e assegurar sua prosperidade futura (...). Nós lutaremos ativamente para trazer a esperança de democracia, o desenvolvimento de mercados e o livre comércio para todos os cantos do mundo. Os eventos de 11 de setembro de 2001 nos ensinaram que Estados fracos, como o Afeganistão, podem ser uma grande ameaça aos nossos interesses como Estado forte"5.

A partir disso, vê-se ao mesmo tempo a justificativa da coalizão antiterror dizendo da importância em salvar sociedades dominadas por ditaduras violadoras dos Direitos Humanos e de levá-las à democracia e à paz civil, e a própria violação da lei internacional por parte da coalizão ao efetuarem unilateralmente as ações de guerra com incontáveis mortes e a custa de grande destruição, mas sendo pronunciadas como condição sine qua non para a suposta garantida dos benefícios e dos direitos sociais econômicos dos "homens livres".

A então Secretária de Estado dos EUA Codollezza Rice pronunciava em discurso sobre as ações de contraterror dizendo serem medidas que iriam "promover a moderação, a tolerância e os Direitos Humanos"6. Da mesma forma, o preâmbulo da carta das Nações Unidas estabeleceu a importância de "reafirmar a fé nos direitos fundamentais dos homens", mas situando a lei internacional como condição para a promoção dos Direitos Humanos. Vê-se, deste modo, que a justificativa (a humanidade) e o fim (a segurança) são os mesmos. A divergência se dá somente na forma como se busca alcançar o objetivo, sendo pela via do direito ou pela via da guerra, demonstrando como há objetivamente uma composição entre esses dois mecanismos de pacificação das relações sociais.

Segundo Hardt e Negri (2005), a formação das associações de Estados, primeiramente com a Liga das Nações, e depois com as Nações Unidas, bem como a consagração do arcabouço jurídico internacional, que foram pronunciados como mecanismos que ampliaria a paz social do campo interno para todo o planeta, garantindo certa ordem global, na contemporaneidade, efetivamente, não representa esse objetivo; em vez do estado de paz como regra e a guerra como evento excepcional, tem-se atualmente um estado generalizado e indefinido de guerra e uma conseqüente indistinção entre ações ditas como para a manutenção da paz e atos de guerra.

Hardt e Negri (Idem) afirmam que a excepcionalidade dos EUA no plano internacional dá-se pela sua condição de superpotência econômica e militar que assumiu uma posição de exclusividade. Se o estado de exceção é instituído no plano interno como uma suspensão do direito amparado pelo monopólio legítimo da violência, no plano internacional é instituído também amparado a partir de um poderio político-militar incontestável. A partir disso, os EUA, ou a coalizão antiterror que ficou responsável pela restauração da paz mundial, permanecem em uma zona de indistinção ou indeterminação, que em alguns momentos reforça as organizações e leis internacionais, e em outros descumpre essas mesmas leis e organizações, mas sempre afirmando a incumbência de agente promotor da democracia, dos Direitos Humanos e da própria lei internacional. Degenzsajn (2006) aponta que, neste caso de instauração do estado de exceção para a contenção dos terrorismos, "a legitimidade, assim como no plano interno, está fundamentada na garantia da segurança e da necessidade em agir para preservar e resguardar os princípios do Estado de Direito e do Direito Internacional" (Idem: 134).

A título de exemplo, Hardt e Negri (2005) apontam que neste estado de guerra os EUA eximem-se cada vez mais dos acordos internacionais sobre os usos e costumes de guerra, e da submissão aos tribunais penais internacionais, "considerando que seus militares não precisam obedecer às regras a que outros países estão sujeitos em questões como ataques preventivos, controle e uso de armamentos e detenções ilegais" (Idem: 28).

A normativa internacional, portanto, não representa obstáculo às intenções de restabelecimento da segurança, demonstrando que os seus mecanismos jurídicos de atuação para a normalização das relações internacionais são ocasionais e seletivos: dependendo do ator, as sanções são impostas e cumpridas à risca, ou, no caso contrário, o próprio sistema do Conselho de Segurança garante "isenções" ao ator, ou mesmo este ignora o sistema de segurança em nome da própria segurança, declarando o princípio da necessidade para instauração do estado de exceção. É sempre importante ressaltar também que o sistema jurídico de segurança em vigor, o sistema das Nações Unidas, é um direito fundado a partir da Segunda Guerra Mundial e instituído pelas nações vencedoras, portanto, um direito em nada "isento" ou universal, como sempre pronunciado. É um direito que nada mais faz que homologar e legitimar uma posição, um ideário, tendo como função basilar o de conter os excessos nas relações internacionais. Objetivamente, no caso da impossibilidade do estabelecimento da segurança por meios formais e jurídicos, como se vê na atual Guerra ao Terror, outro instrumento de captura de insurgências ou sublevações internacionais entra em ação: a guerra.

O 11 de setembro levou a uma reformulação ou ampliação da busca por uma invulnerabilidade em termos de segurança. Neste grande empreendimento que exigiu a instauração do estado de emergência para a contenção dos "novos inimigos" da sociedade, são acoplados ainda outros instrumentos mais sofisticados de captura, anulação ou pacificação, instrumentos voltados mais para a prevenção e a precaução das ocorrências de eventos perturbadores à boa vida digna de ser vivida e aos fluxos financeiros no capitalismo liberal (Degenszajn, 2006).

As guerras preventivas foram seguidas pela instalação e propagação de um novo aparato de segurança em aeroportos, em zonas de fronteira, nas grandes metrópoles mundiais, utilizando tecnologias de câmeras, de raio-x, de detecção biométrica, por políticas de contenção migratória exigindo inúmeras comprovações documentais para a concessão de vistos - sobretudo para pessoas provenientes de regiões do Oriente Médio e África, e de descendentes árabe -, por bloqueios e embargos econômicos à países integrantes do eixo do mal, classificados como hostis aos valores de democracia e liberdade, e por um mapeamento e monitoramento planetário através de satélites com alcances gigantescos, com o poder de registrar imagens para controles territoriais e populacionais.

Este investimento de governamentalidade contra uma imagem construída dos terrorismos e dos terroristas contemporâneos atualizou a noção de periculosidade, ou seja, o combate ao "virtual" baseado na probabilidade de recorrência do terror, o combate às potencialidades que podem interferir ou intervir futuramente nos fluxos de poder. Além de coagir os terrorismos e violentar os terroristas, na luta contra o terror nota-se um engajamento que tem o intuito de mostrar a todos - no mundo -, o exemplo, atuando no controle de possíveis eventos caóticos de terror, e na reforma contínua dos virtuais e potenciais novos terroristas.

A grande operação sem precedentes que caracterizaria o que vem sendo intitulado como novo paradigma de segurança internacional conclamou também todas as nações do mundo a se unirem no combate ao terrorismo internacional, estabelecendo uma "fronteira moral" que separa os Estados dispostos a lutar por valores cuja extensão é desejável para toda a humanidade, de Estados que estão do lado de terroristas e tiranos ao negarem apoio à coalizão antiterror. No lema tão proclamado, ou vocês estão conosco, ou estão contra nós, há implícito um engajamento que estimula e convoca à participação geral e voluntária para operar uma "grande obra" coligando Estados, organizações não-governamentais, empresas, instituições internacionais e a sociedade civil, mobilizando as forças sociais, em uma associação em favor da seguridade da vida, sempre ameaçada pela violência, pela irracionalidade, pelos excessos, dando ênfase ao "projeto inacabado" da consagração total dos Direitos Humanos, que deve ser restaurado e estendido gradualmente.

A constatação da impossibilidade de circunscrever o risco terrorista, de estimar o tipo, a magnitude e a probabilidade de um evento violento, de prever ou definir as regiões que podem ser atingidas por um atentado, estimula e reforça essa lógica de intenção de contenção total visando um controle absoluto. Hardt e Negri (2005) apontam que os dirigentes militares estadunidenses que conduzem a Guerra ao Terror anunciaram-na como um conflito que deveria se estender por todo o mundo e por tempo indeterminado. "Uma guerra para criar ou manter a ordem social não pode ter fim; envolverá necessariamente o contínuo e ininterrupto exercício do poder e da violência" (Idem: 35). Em outras palavras, segundo os autores, esta guerra absoluta não é possível de se vencer; "ela precisa ser vencida diariamente" (Ibid.: 36).

A maneira como é estimulada a participação geral em coligação para a composição de um governo universal e permanente que contenha a insegurança é através de uma disseminação de uma "cultura do medo" que generaliza o alarme e mantém presente a possibilidade real de um novo ataque terrorista, ou de um novo evento violento vindo de "forças obscuras". O medo do terrorismo passou a representar internacionalmente o mesmo que o medo do crime no plano interno dos Estados, justificando e legitimando a utilização da prisão de Guantánamo, dentre muitas outras medidas, da mesma forma como é reconhecido o direito penal e a utilização das prisões no plano doméstico dos Estados. A sensação de insegurança é permanentemente evocada por meio de alertas de risco em níveis que determinam o grau de possibilidade de um evento violento ou catastrófico. Segundo Zizek (2003), a política atual da Guerra ao Terror busca de maneira incessante reviver os terrores apocalípticos dos atentados, considerados e lembrados sempre como possíveis de ocorrer a qualquer instante e em qualquer lugar. Isso gera e mantém o estado de ameaça terrorista sempre presente, como forma de justificar, legitimar e ainda de angariar novos colaboradores no combate ao terror inimigo. Rodrigues (2010: 159) afirma que, "em tempos de guerra global a ameaças difusas, como o terrorismo e o narcotráfico, o medo da morte violenta sacramenta o estado de guerra entre sujeitos ciosos de sua própria existência e prontos a acatar ordens".

Segundo Agamben (2004) as políticas de Estado que buscam promover uma nova estabilidade se definem hoje estritamente pela necessidade de segurança, gerando um desenvolvimento extremo deste paradigma. Aquilo que antes era uma dentre muitas medidas decisivas na administração pública até as últimas décadas do século XX, agora se tornou o critério por excelência da legitimação política. Essa busca incessante pela segurança articulada em todas as esferas, segundo Degenszajn (2006), ao mesmo tempo alimenta o terrorismo e se alimenta dele, "como dois elementos que se reforçam mutuamente" (Idem: 133). Assim, "sempre haverá forças em conflito e resistências que confirmarão o caráter utópico da segurança" (Ibid.: 133), mas, no entanto, essas mesmas resistências são as desculpas para a continuidade e a reformulação constante dos mecanismos de segurança. Seja pela via da guerra ou pela via do direito, a ocorrência do terrorismo jamais é solucionada absolutamente e, portanto, não deixa de existir. De outro lado, o contraterror se instaura de maneira permanente, normalizando o estado de exceção.

Como assinala Rodrigues (2010), se no pós-Segunda Guerra Mundial o Estado se notabilizou por afirmar o welfare state, o Estado no século XXI passa a se notabilizar pela evidência do warfare state, reforçando mais uma vez a afirmação de Michel Foucault (2005) de que a política é a guerra continuada por outros meios. A atual Guerra ao Terror comprova que o estado de exceção não só é permanente, como também é intrínseco ao Estado.

 

Referências bibliográficas

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DEGENSZAJN, André (2006). "Terrorismos e invulnerabilidades". In. Terrorismos. PASSETTI, Edson; OLIVEIRA, Salete (Orgs). São Paulo: Educ, p. 163-175.

HARDT, Michel; NEGRI, Antonio (2005). Multidão - guerra e democracia na era do império. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeio: Record.

FOUCAULT. Michel (2005). Em defesa da sociedade. Tradução Maria Ermanita Galvão. São Paulo: Martins Fontes.

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MAIA, Clarita Costa (2004). "Estados Unidos e o direito internacional dos conflitos armados: a negação da herança de Lieber". In. Meridiano 47 - Boletim de análise de conjuntura em relações internacionais. Inst. Bras. de Rels. Internacionais: nº 46.

PASSETTI, Edson; OLIVEIRA, Salete (Orgs) (2006). Terrorismos. São Paulo: Educ.

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WHITTAKER, David J. (2005). Terrorismo - um retrato. Tradução Jouber de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: Bibliex.

ZIZEK, Slavoj (2003). Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. Tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo.

 

 

1. BUSH, George Walker. (2002). A estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos da América. Revista Política Externa. Tradução Marco Antonio Martins Ferreira. São Paulo, Vol. 11, Nº 3, p. 78-113, 2002 / 2003.
2. Introdução do texto do USA Patriot Act. Tradução minha. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/USA_PATRIOT_Act>. Acesso em: 29/04/2011.
3. Em 17 de outubro de 2006 foi promulgado o Military Commissions Act, que instituiu e legalizou no direito interno estadunidense a criação de comissões militares para julgamento de indivíduos acusados de violação das leis internacionais de guerra. O artifício foi criado como forma de escapar às pressões internacionais de organismos diversos que solicitavam uma acusação formal e um julgamento aos indivíduos presos sob alegação de envolvimento com atos terroristas ou de associação ao terrorismo. Disponível em: <http://www.loc.gov/rr/frd/Military_Law/MC_Act-2006.html.>.Acesso em 14/02/2011.
4. Em discurso proferido por Codollezza Rice, Secretária de Estado dos EUA durante o governo do Presidente George W. Bush, salientou-se que a defesa contra os terrorismos seria uma luta pela afirmação dos "nossos valores: liberdade, tolerância, abertura e diversidade". RICE, Codoleezza (2002). "Consciência de vulnerabilidade inspirou a doutrina". In. Revista Política Externa. Tradução Irene Hirsch. São Paulo, Vol. 11, Nº 3, p. 62-69.
5. Introdução da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA. BUSH, George Walker. (2002). A estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos da América. Revista Política Externa. Tradução Marco Antonio Martins Ferreira. São Paulo, Vol. 11, Nº 3, p. 78-113, 2002 / 2003.
6. RICE, Codoleezza (2002). "Consciência de vulnerabilidade inspirou a doutrina". In. Revista Política Externa. Tradução Irene Hirsch. São Paulo, Vol. 11, Nº 3, p. 62-69.