ISBN 2236-7381 versión
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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011
Ajuda ou estorvo? Respostas americanas à postura mais assertiva do Brasil nas políticas externas governança global e novos atores
Doutor Kai E. Lehmann
Instituto de Relações Internacionais Pontifícia Universidade Católica Rio de Janeiro E-mail: klehmann@puc-rio.br
RESUMO
O estudo analisa as relações políticas entre o Brasil e os Estados Unidos durante os últimos tempos, com foco particular nos assuntos de segurança internacional. Usando a resposta dada ao programa nuclear do Irã como estudo de caso, o trabalho se propõe a responder à pergunta: se as diferentes posturas do Brasil e dos Estados Unidos em relação ao programa nuclear iraniano sugerem uma divergência mais profunda entre os dois países na interpretação dos assuntos internacionais contemporâneos mais urgentes. Além disso, o estudo analisa as conseqüências para os Estados Unidos da 'independência brasileira' evidente na postura do país vis - à - vis o Irã, tanto em termos regionais, quanto em termos globais. O trabalho investiga as novas dinâmicas entre os dois países nas políticas externas e analisa se o pragmatismo brasileiro evidente na política do país em relação ao Irã representa uma oportunidade ou um problema para os Estados Unidos ao enfrentar as complexidades contemporâneas na área de segurança.
Palavras chave: Irã; política externa brasileira e americana
1.Introdução
O Brasil está passando por uma época de estabilidade política e prosperidade econômica sem precedentes na sua história recente. Incontestavelmente o líder de uma região na sua 'melhor época econômica desde os anos 60, com uma média de 5,5% de crescimento anual e inflação de um modo geral [sob controle ]' (Reid, 2010), o país tem recebido muita atenção política e acadêmica com o foco nesse 'novo Brasil' (Sweig & Spector, 2011). Como o Brasil se comportará nas políticas externas diante de um cenário internacional considerado instável e cheio de perigos1, com os principais desafios sendo o terrorismo, a reforma do sistema econômico internacional, estados fracos e a proliferação nuclear, além de outros problemas como segurança alimentar, ambientais ou a reforma do sistema de governança internacional?2
O comportamento do Brasil está sendo analisado com cada vez mais atenção, primeiro porque o Brasil tem interesses particulares em respeito a muitos desses problemas, segundo porque tem o potencial para contribuir e solucionar esses problemas e, terceiro, porque, durante os últimos anos, o próprio país tem exigido um papel maior na solução desses problemas contemporâneos mais urgentes, sustentando que o seu 'status' hoje em dia exige que ele seja levado a sério pelas potências 'estabelecidas' do sistema internacional.3 .
O objetivo do presente trabalho é investigar como essa postura mais 'firme' do Brasil vai impactar na relação política com, historicamente, o país mais importante tanto para a região em geral, quanto para o Brasil em particular, os Estados Unidos. O Brasil será um parceiro indispensável para os americanos ou um 'problema', com interesses, idéias e posturas diferentes? Em outras palavras, o Brasil irá facilitar ou dificultar os Estados Unidos na busca por seus objetivos políticos internacionais.
Para responder a essa pergunta, o presente trabalho tem como objetivo principalmente a questão da segurança internacional, com as respostas dos dois países ao programa nuclear iraniano sendo o estudo de caso a ser desenvolvido. Quais são as lições a serem extraídas deste caso para a relação entre os dois países?
O trabalho vai começar com um rápido resumo histórico das relações políticas entre os dois, antes de falar especificamente sobre as mudanças aparentes a partir da presidência de Lula. Essas mudanças vão ser ilustradas através do estudo de caso acima mencionado. Finalmente, algumas observações serão feitas em relação à postura da nova presidente brasileira em relação aos Estados Unidos e algumas conclusões gerais serão formuladas, assim como pesquisas futuras.
2. O contexto: As relações políticas entre o Brasil e os Estados Unidos em termos históricos
A relação Brasil - Estados Unidos sempre foi de uma importância fundamental. Como afirma Monica Hirst: 'Ao longo do século XX, o relacionamento Brasil - Estados Unidos ocupou um papel central nos assuntos externos brasileiros e na agenda hemisférica norte-americana' (Hirst 2006: 93).
Isso, portanto, não significa uma relação estática. De fato Hirst, de novo, identifica 5 etapas distintas desse relacionamento ao longo do século XX:
Uma aliança de fato (não escrita) até 1940: relações econômicas fortes, assistência militar, apoio diplomático etc.
Alinhamento do Brasil aos Estados Unidos de 1942 até 1977: Crescente importância da cooperação militar e econômica (mas com dominância dos EUA), a Guerra Fria, divergências entre os dois lados a partir dos anos 70.
Uma política autônoma do Brasil diante dos Estados Unidos de 1977 até 1990: uma relação política mais complexa, com o Brasil buscando uma política mais independente, por exemplo vis-à-vis os outros países sul-americanos.
Ajuste das relações do Brasil com os Estados Unidos, com o Brasil adotando uma postura mais flexível a partir dos anos 90 (fim do conflito oeste-leste, globalização) e
Afirmação, marcado por posicionamentos altivos que pretendem demarcar os limites das concessões e os alcances das pretensões brasileiras (IBID: 93-4).
Embora seja impossível falar sobre cada uma dessas etapas em detalhe, a consciência dessas fases nos ajuda a perceber a natureza dinâmica das relações políticas entre esses dois países ao longo da história. Sendo assim, quando nós analisarmos as mudanças recentes, é bom lembrar que elas não representam uma ruptura radical após uma época de absoluta estabilidade. Mas que as atuais mudanças são a continuação de um processo dinâmico; mudanças que, por sua vez, irão causar outras mudanças daqui para frente. Sendo assim, será difícil fazer previsões detalhadas sobre a natureza das relações brasileiras - americanas no futuro, além de dizer que os dois países irão continuar sendo parceiros importantes em alguns assuntos simplesmente por serem os principais países das suas respectivas regiões.
Tendo em mente a natureza contemporânea do presente trabalho, o que será feito agora é um rápido resumo das tendências gerais das relações políticas brasileiras - americanas ao longo dos últimos anos, o que nos permitirá a construção de um contexto mais específico para o estudo de caso. O fim da Guerra Fria será um ponto conveniente, pois a partir desse ponto a relação política e econômica entre os dois países se tornou mais complexo.
Um dos destaques das relações entre os dois países ao longo dos anos 90, talvez . destaque, foi o forte crescimento do comércio entre os dois lados. Para dar uma idéia desse fenômeno, as exportações brasileiras para os Estados Unidos cresceram de 7,6 bilhões de Dólares em 1990 para 13,18 bilhões em 2000. Igualmente, as importações cresceram de 4,4 bilhões em 1990 para quase 23,1 bilhões de Dólares em 2000 (Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, 2002).
Ao mesmo tempo, tanto o Brasil, quanto os Estados Unidos iniciaram projetos para uma maior integração regional em suas respectivas regiões, com o lançamento do MERCOSUL na América do Sul e do NAFTA na América do Norte, com o eventual objetivo sendo a criação de uma área de livre comércio hemisférica, ALCA. Portanto, a postura Brasileira em relação a essa proposta já mostrava as primeiras divergências entre os dois lados, com o governo em Brasília somente assumindo uma posição definitivamente afirmativa ao estabelecimento de tal área a partir de 1998, quando negociações pouco harmônicas começaram.4
Desenvolvimentos parecidos podiam ser observados no campo político, o foco principal desse trabalho. Durante os anos 90, o Brasil aumentou o seu envolvimento nas questões internacionais de segurança, buscando uma presença maior, por exemplo, em operações de paz das Nações Unidas.5 Ao mesmo tempo, o país participou em vários regimes internacionais de não-proliferação de armas de destruição em massa, como o Tratado de Não - Proliferação em 1998. Embora esse crescente envolvimento fosse bem visto pelos Estados Unidos, os dois países muitas vezes não agiram em conjunto dentro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o Brasil habitualmente 'se guia pelas posições do Terceiro Mundo, que geralmente contrastam com as dos Estados Unidos e de outras potências mundiais' (Hirst 2006: 108).
Sendo assim, podemos perceber que a adoção de posições mais 'independentes' do governo brasileiro não é um fenômeno recente. Ao invés disso, os últimos anos testemunharam uma continuação e, talvez, uma aceleração de um processo de 'emancipação' brasileira em relação aos Estados Unidos. As reações aos eventos do 11 de setembro mostram isso claramente.
3. Segurança internacional depois dos ataques terroristas de 2001
Em termos das relações políticas entre os Estados Unidos e o Brasil, o impacto imediato dos eventos foi o esperado: a reafirmação do governo brasileiro dos valores políticos ocidentais.6 Além de representar um reflexo da verdadeira posição brasileira, qualquer reação que não fosse essa, teria sido politicamente insustentável.
Mesmo assim, ao longo dos anos após o 11de setembro, surgiram divergências significativas entre os dois países, tanto em relação à definição dos problemas trazidos pelos ataques, como as políticas desenvolvidas para responder a esses problemas.
Após ter ganho as eleições presidências de 2002, Lula da Silva, em conjunto com o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi o homem que conduziu a política externa brasileira e, assim, a resposta aos atentados do 11 de setembro. As políticas externas do governo Lula foram marcadas por vários aspectos de continuidade, mas também por algumas mudanças significativas na postura e no comportamento internacional do Brasil.
Um dos principais focos da política externa do Brasil desde 2003 tem sido a região sul-americana. Em um sinal de continuidade com a política anterior, um dos principais objetivos do presidente foi uma política externa 'que contribua à melhoria das condições de vida [da população brasileira ]' (da Cruz 2005: 15). Esse objetivo seria alcançado através de mais integração regional, criando 'uma América Latina mais forte vis-à-vis os Estados Unidos e o resto do mundo' (IBID: 15-6).
Entender esse foco brasileiro no desenvolvimento econômico é importante porque explica outro fundamento das políticas externas brasileiras: a ligação explícita que o Brasil faz entre o desenvolvimento econômico e a segurança internacional. De acordo com o Ministro da Defesa, Nelson Jobin, 'a estratégia brasileira de defesa nacional de 2008 estabelece uma relação explicita entre [desenvolvimento econômico e segurança ]' (Jobin, 2011). De acordo com esse argumento, segurança internacional 'é um problema holístico [e qualquer política tem que enfrentar ] as causas profundas de conflitos entre grupos humanos: pobreza, desespero, ódio tribal, ignorância etc.' (IBID). Sendo assim, o desenvolvimento econômico das regiões mais pobres, como, por exemplo, a América do Sul, é considerado um dos principais objetivos para melhorar a segurança internacional.
Esse reconhecimento da complexidade dos problemas de segurança internacional também reforça outro principio das políticas externas brasileiras destacado pelo governo Lula: o multilateralismo. De acordo com o governo brasileiro 'a melhor maneira para enfrentar [o terrorismo internacional ] é através de uma abordagem multilateral' (da Cruz 2005: 16-7).
O terceiro principio fundamental das políticas externas brasileiras destacado por Lula e, desde então, reafirmado pela atual Presidente Dilma Rousseff é o respeito à soberania nacional e ao direito internacional.7 Para o Brasil, a preservação da - e respeito à - soberania nacional tem sido um principio fundamental das políticas externas há muito tempo.8
Em relação ao contexto brasileiro, então, podemos identificar certos aspectos de continuidade entre o governo Lula e os governos anteriores: o forte desejo de usar as políticas externas como um instrumento de desenvolvimento econômico, o compromisso com o multilateralismo etc.
Todavia, Lula também mudou os rumos da política externa brasileira em alguns aspectos, com um foco maior na integração regional e, de um modo geral, uma postura mais confiante e independente das tradicionais potências internacionais, principalmente os Estados Unidos. De acordo com Lula, o forte crescimento econômico do país, a estabilidade do sistema político democrático, o papel chave do país em questões energéticas internacionais, e o fato geral que o país 'tem muitas coisas que outros países precisam' (Sweig, 2010), dá ao Brasil o direito de assumir um papel mais significativo dentro do cenário internacional.9 Como resultado, mais do que outros presidentes, Lula exigiu a reforma do sistema institucional internacional para que os países emergentes fossem mais bem representados.10 Além disso, ele adotou um tom muito mais rígido em seus discursos internacionais, como o feito durante a reunião da United Nations Climate Change Conference, (COP15) em Copenhagen em 2009 sendo um dos melhores exemplos.11
Sendo assim, é possível perceber que mudanças importantes aconteceram em relação às políticas externas brasileiras. Tudo isso acontece durante uma época que parecia ser transformadora para as políticas externas americanas por causa do impacto dos ataques do 11 de setembro.
Com os ataques, as prioridades das políticas americanas mudaram radicalmente, assim como as interpretações do cenário internacional em relação a ameaças de segurança. Por exemplo, a luta contra as chamadas 'ameaças de segurança não-tradicionais' se tornou o foco principal das políticas externas americanas.12 Isso, por sua vez, teve um impacto significativo nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Em termos simples, os países da América Latina não eram considerados uma prioridade em Washington, pois, primeiro, eles não apresentavam uma ameaça de segurança (com a possível exceção do México e sua guerra contra drogas) e, segundo, porque eles não tinham muito a contribuir para a guerra contra o terrorismo, fosse em termos militares ou financeiros. Sendo assim, o Brasil não era considerado nem uma ajuda, nem um estorvo, mas, irrelevante para os Estados Unidos.13 Essa sensação de irrelevância também aumentou porque, os objetivos gerais da política externa brasileira não mudaram muito, e o desenvolvimento econômico continuou sendo talvez, . objetivo principal. Sendo assim, as prioridades dos dois países divergiram consideravelmente, não de propósito, mas porque o impacto dos ataques do 11 de setembro nos dois países foi bem diferente.
Essas considerações ressaltam o argumento feito no inicio do trabalho: Como nós podemos perceber, existem alguns elementos estáveis nas relações políticas entre os dois países, fatores que Gaddis (2002) chamou de 'generalidades'. Portanto, como essas 'generalidades' se expressam ao longo do tempo depende muito das 'particularidades' de uma situação especifica. Os ataques de 2001 mudaram o foco dos Estados Unidos muito mais do que o Brasil. A 'irrelevância' do Brasil para os Estados Unidos imediatamente após os ataques não deveria representar uma surpresa, levando em consideração as mudanças tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil. Tudo isso, portanto, não mudou o contexto geral das relações entre os dois países, ainda consideradas 'amigáveis' pelos dois lados.  .
A coisa interessante sobre o caso do programa nuclear iraniano é o fato dele ter surgido durante essa época e afetado tanto o contexto geral das políticas externas do Brasil e dos Estados Unidos, quanto com as particularidades do mundo pós 11 de setembro.
4. O programa nuclear Iraniano
Levando em consideração as diferenças apontadas acima, talvez não seja uma surpresa que logo após o 11 de setembro algumas das principais brechas entre os Estados Unidos e o Brasil se abriram, com o então Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, criticando especificamente a política de preempção adotada pelo governo americano de George W. Bush em resposta aos ataques de 2001. De acordo com Amorim, 'preempção cria mais problemas do que resolve [e nunca ] vai ter legitimidade internacional' (Amorim, 2004). Sendo assim, o Brasil se manifestou contra a intervenção americana no Iraque.14 Mesmo na guerra no Afeganistão, que conta com a autorização das Nações Unidas, o Brasil não participa. Com isso, a questão do programa nuclear Iraniano simplesmente representa mais uma divergência entre o Brasil e os Estados Unidos após o 11 de Setembro.
Em relação ao Irã, a posição dos Estados Unidos foi claramente definida pelo então Presidente americano, George W. Bush ainda em 2001, que Incluiu o país como parte do 'eixo do mal', ao lado do Iraque e da Correia do Norte. Bush alertou em vários dos seus discursos sobre o perigo do Irã ter uma bomba nuclear ou a capacidade de construir uma.15 O Irã, por sua vez, não nega que o país tenha um programa nuclear, que originalmente foi iniciado durante os anos 50 com 'a ajuda do ocidente' (Bruno, 2010). Portanto, o país insiste que seu programa seja exclusivamente para fins pacíficos e esteja dentro da legalidade.16 Mesmo assim, a preocupação com o programa nuclear iraniano continua até hoje, com o atual presidente americano Barack Obama afirmando várias vezes que as ambições nucleares do Irã representam um dos principais problemas da atualidade.17 .
A posição adotada pelo então governo Lula em resposta a esse programa refletia os padrões gerais da sua política externa. Em primeiro lugar, Lula afirmou que o Irã tem, como todos os outros países, o direito de desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos18. Como Spektor (2010) mostrou, para o governo Brasileiro a postura americana (e européia) vis-à-vis o Irã indica simplesmente considerações políticas ao invés de preocupação com o regime de não-proliferação, levando em consideração as posições muito mais tolerantes desses atores em relação ao programa nuclear da Índia ou de Israel. Ao mesmo tempo, o Brasil tem demonstrado irritação com o fracasso nas tentativas de reduzir de forma significativa o número de armas nucleares das potencias nucleares declaradas (IBID). Nessa postura, é possível perceber mais uma característica geral das políticas externas brasileiras: solidariedade com países do 'segundo' e 'terceiro' mundo contra as potências estabelecidas, reforçando assim também o desejo de reformar as estruturas da governança internacional, nas quais esses países ainda não conseguiram uma representação maior.19  .
Como resultado, o governo Lula argumentou sobre as sanções internacionais impostas ao governo de Teerã, votando contra elas no Conselho de Segurança das Nações Unidas.20 De acordo com Spektor (2010), a grande preocupação do governo era de que as 'sanções levariam a uma intervenção [...] enfraquecendo o principio da segurança coletiva. ' Além disso, elas somente contribuiriam para o isolamento do governo iraniano, o levando a uma posição mais intransigente e rígida, e assim diminuindo as chances para uma resolução pacífica. Como alternativa, o Brasil, junto com a Turquia, negociou um acordo com o Irá onde o país teria o direito de enriquecer urânio desde que fosse feito em um terceiro país.21
Para muitos, essa iniciativa independente do Brasil mostrou ambições mais amplas. Como Downie explica, o acordo tinha 'menos a ver com o Irã ou armas nucleares, e mais com o crescimento dos países em desenvolvimento e o lugar deles na nova hierarquia mundial' (Downie, 2010). Patrick (2010) afirmou que o acordo mostrou 'o crescimento dramático' dos países em desenvolvimento cuja integração dentro do cenário internacional 'representa [um dos ] principais desafios estratégicos para os Estados Unidos durante as próximas décadas'.
Em muitos aspectos a postura brasileira em relação ao programa Iraniano mostra consistência com elementos críticos da política externa do governo Lula, principalmente o princípio da não-interferência nos assuntos internos de outro país, uma posição reforçada recentemente pelo atual governo em resposta à crise política na Líbia. 22 O objetivo de alcançar uma posição mais visível e forte dentro do cenário internacional em relação aos assuntos mais urgentes de segurança da atualidade, a insatisfação com a estrutura e os processos políticos das instituições internacionais, a solidariedade com outros países do 'segundo' e 'terceiro' mundo; são tendências claramente reconhecidas em relação a esse caso particular.
O que chamou a atenção nesse caso foi à maneira em que o Brasil demonstrou a sua independência, a sua vontade de atuar politicamente de maneira diferente dos demais países desenvolvidos. Sendo assim, o jeito como o Brasil mostrou a sua posição mudou, não necessariamente o seu conteúdo.
5. Implicações gerais
Essa mudança de comportamento, portanto, têm conseqüências importantes tanto para o Brasil, quanto para os Estados Unidos. Para os Americanos, o Brasil precisa ser considerado um 'parceiro a ser levado a sério'. Se o Brasil for um 'new global player', ou, um novo parceiro global, como Julia Sweig (2010) afirmou, os Estados Unidos tem a responsabilidade de incluir o país nos debates sobre os assuntos mais importantes da atualidade. Isso, entre outras coisas, também exige um reconhecimento das diferenças entre os dois países, em termos políticos, econômicos, sociais e culturais. Sendo assim, não basta exigir que o Brasil e outros países emergentes, 'sejam socializados', como exigiu Patrick (2010). Ao invés disso, um diálogo estratégico precisa ser iniciado sobre o papel do Brasil dentro do sistema internacional. Pela sua riqueza em recursos naturais, pelo seu tamanho e seu pragmatismo ao longo dos anos, o Brasil tem a possibilidade de se engajar com muitos países e muitas regiões e em assuntos nos quais os Estados Unidos talvez não tenham a mesma influência, o Irã sendo um exemplo perfeito disso. Em outras palavras, é preciso reconhecer que o crescimento do Brasil representa uma oportunidade enorme e não um jogo de soma zero no qual o crescimento de um significa a perda de influência do outro. Os americanos terão que ajustar a sua postura externa. Na prática isso significa buscar a opinião brasileira e, às vezes, exigir que o país tome uma decisão .
Portanto, as conseqüências para o Brasil são igualmente significativas. Embora o pragmatismo na conduta das suas políticas externas muitas vezes seja uma qualidade importante, o país tem que começar resolver algumas das contradições presentes nos fundamentos das suas políticas externas. Por exemplo, é realmente aceitável exigir uma solução multilateral para o assunto iraniano mas, depois, fechar um acordo tri-lateral que não tinha e não tem a confiança da comunidade internacional? É aceitável o país não adotar uma posição firme em relação à guerra civil na Líbia ou apresentar uma alternativa à intervenção internacional? É possível manter uma posição de solidariedade com o 'terceiro mundo' (em si um termo muito mal definido) enquanto o país está se posicionando como um país do primeiro mundo? Nesse sentido, a linha dura adotada pela Presidente Dilma em relação ao Irã talvez seja o primeiro sinal de mudança.
Finalmente, é também muito importante reconhecer a necessidade de mudar os termos do debate sobre a relação entre o primeiro mundo e o mundo em desenvolvimento em geral e a relação entre o Brasil e os Estados Unidos em particular. Nada na história entre esses dois países sugere que exista a possibilidade de rompimento entre eles. Embora as relações políticas claramente estejam passando por mudanças nesse momento, isso não representa algo novo, mas a evolução natural de uma parceria que está mudando há mais de um século. O que a retórica do Presidente Lula fez foi esclarecer essas mudanças e acelerar esse processo, levando aos debates sobre os assuntos citados acima. Esse debate vai e deve continuar, mas com expectativas realísticas. O Brasil nunca será os Estados Unidos, enquanto os americanos nunca terão o mesmo padrão para desenvolver as suas políticas externas como tem o Brasil. Existe uma necessidade urgente para aprofundar o conhecimento dos dois lados sobre o outro, sobre as generalidades e as particularidades de cada caso, para que os pontos fortes de cada um sejam aproveitados.
Sendo assim, o Brasil, às vezes, será uma ajuda, às vezes um estorvo para os americanos. Isto não representa uma ruptura com o passado, menos ainda uma ameaça para os americanos, mas a normalidade.
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1. Veja, por exemplo, Harvey (2003).
2. Veja, por exemplo, Zakaria (2008).
3. Para um resumo desse argumento, veja Rohter (2010).
4. Sobre essa questão, veja, entre outros autores, Guimarães (2006).
5. Veja, por exemplo, Kenkel (2010).
6. Veja Hirst (2006).
7. Veja, por exemplo, Landau (2003).
8. Esse princípio foi reafirmado pós-9/11. Veja, por exemplo, Brigagão & Proença Jr. (2002).
9. Como ele reafirmou numa entrevista com o programa 60 Minutes da rede televisão americana CBS, que foi ao ar no dia 12 de dezembro de 2010
10. Veja, pro exemplo, Ramos Becard (2009).
11. Veja o discurso inteiro na http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,leia-na-integra-o-discurso-de-lula-na-cop-15,484275,0.htm.
12. Como o então Presidente Americano, George W. Bush, afirmou após os ataques. Veja Bush (2001).
13. Para um sumário da atitude do governo Bush, veja Leogrande (2007).
14. Veja, por exemplo, Velasco e Cruz (2010).
15. Veja Bush (2006).
16. Veja, de novo, Bruno (2010).
17. Veja, por exemplo, Obama (2009).
18. Numa reunião com o presidente iraniano em Brasília em 2009, ele afirmou que 'o Irã tem direito a programa nuclear pacífico'. Veja http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,lula-defende-direito-do-ira-a-programa-nuclear-pacifico,470802,0.htm.
19. Veja, por exemplo, o seu discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas em 2009: 'Lula defende "novo mundo" em discurso na Assembléia Geral da ONU." http://www.jornalnh.com.br/mundo/218892/lula-defende-novo-mundo-em-discurso-na-assembleia-geral-da-onu.html.
20. Para o discurso justificando essa decisão, veja http://brazilportal.wordpress.com/2010/06/10/understanding-and-appreciating-brazil%e2%80%99s-vote-against-new-iran-sanctions/.
21. O texto integral do acordo está disponível no site http://www.guardian.co.uk/world/julian-borger-global-security-blog/2010/may/17/iran-brazil-turkey-nuclear/print.
22. Veja Cannon (2011).