Print ISBN 2236-7381
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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011
Mapeamento dos projetos de cooperação horizontal Brasil-África em países de língua oficial portuguesa na área da saúde entre 2000-2010
Livia de Oliveira PasqualinI; Tatiana de Souza Leite GarciaII
IBacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) Email: liviapasqualin@gmail.com
IIDocente e coordenadora da graduação em Relações Internacionais e Comércio Exterior da Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Relações Internacionais NEPRI / UNAERP. Email: tatianaslgarcia@yahoo.com.br
RESUMO
A cooperação internacional (CI) é importante instrumento de desenvolvimento e auxilia países a promoverem mudanças estruturais, como forma de superar restrições que prejudicam seu crescimento e desenvolvimento. Países em desenvolvimento estabelecem acordos de cooperação horizontal (hemisfério Sul-Sul), buscando desenvolver-se em áreas específicas. Este estudo buscou mapear as parcerias entre Brasil e África (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa - PALOP) na área da saúde firmados entre os anos de 2000 e 2010. Atos bilaterais celebrados pelo Brasil com os PALOP foram pesquisados no banco de dados da página eletrônica da Divisão de Atos Internacionais (DAI) do Ministério das Relações Exteriores. O período determinado para esta pesquisa pode-se constatar que houveram 21 acordos de CI entre o Brasil e os PALOP na área da saúde, cujas áreas específicas mais freqüentes são combate ao HIV/AIDS, produção de medicamentos anti-retrovirais, capacitação de recursos humanos, prevenção e controle da malária, organização e fortalecimento de serviços de saúde e educação de nível superior e pós-graduação. As ações concentram-se em áreas de grande necessidade nos países receptores. A justificativa para esta pesquisa documental e bibliográfica é devido ao aumento da cooperação horizontal a ênfase da política externa brasileira para com os países africanos e a importância de políticas e práticas na área da saúde visando o bem-estar social.
Palavras-chave: Cooperação Internacional, saúde, África
Introdução
O início da estruturação da cooperação internacional, em suas várias formas, intensificou-se com a criação da ONU (Organização das Nações Unidas), após a Segunda Guerra Mundial, no contexto de busca da reconstrução dos Estados afetados pelo conflito e aceleração do desenvolvimento dos países menos industrializados.
A preocupação em se explicar o acontecimento de um conflito global recorrente e de tamanho impacto e destruição e o desafio de prevenir outra recorrência deste evento no futuro marcou a metade do século XX, e estimulou a criação, configuração, reavaliação e consolidação de organizações internacionais (OIs), formadas por Estados, mas com personalidade independente, como foros de discussão e tomada de decisão sobre questões de interesse global, consolidando um esforço internacional de busca de diálogo em detrimento do uso da força, embasado principalmente nos princípios de cooperação entre as nações.
Nesse contexto, as OIs representam um mecanismo complexo e que demanda enorme esforço de seus membros para efetivar sua proposta, como pondera Sato (2003):
As organizações internacionais são a expressão mais visível dos esforços de cooperação internacional de forma articulada e permanente. Desde o surgimento do Estado Nacional como categoria política central nas relações entre povos e unidades políticas, a história registra a ocorrência de iniciativas de estadistas e formulações de pensadores voltadas para a estruturação de instituições que hoje chamamos de organizações internacionais. Mas, a história registra, igualmente, as enormes dificuldades de se por em prática essas iniciativas (SATO, 2003, p.164).
Diferentes razões ameaçam o sucesso das iniciativas de cooperação, para que de fato garantam alguma paz ao Sistema Internacional (SI), dentre elas enfatizam-se os "limites bastante estreitos da parcela de soberania que as nações estão dispostas a ceder em favor de instâncias internacionais" (SATO, 2003, p.166).
A cooperação demanda, portanto, que ações separadas de indivíduos ou organizações, que antes não eram harmônicas, sejam realizadas em consonância, por meio de um processo de negociação, muitas vezes chamado de "coordenação política". A cooperação ocorre, então, quando os atores ajustam suas condutas às preferências alheias, por meio de um processo de coordenação política. Keohane (2005) resume este processo ocorrendo no âmbito governamental quando "as políticas realmente seguidas por um governo são consideradas por seus parceiros como facilitadoras da realização de seus próprios objetivos, como resultado de um processo de coordenação política1" (KEOHANE, 2005, p.51-52, traduzido pelas autoras).
Assim, a cooperação internacional (CI) não depende apenas da existência de interesses compartilhados, mas surge de uma estrutura de discórdia, mesmo que potencial. Sem isto não haveria cooperação, apenas harmonia. O autor define a cooperação como "mútua adaptação" que não deve ser vista apenas como reflexo de uma situação na qual os interesses comuns superam os interesses conflituosos, diferenciando a cooperação do simples interesse comum. Enquanto a harmonia é apolítica, não necessitando de qualquer comunicação, a cooperação é altamente política, uma vez que altera padrões de comportamento. Conforme aponta, a harmonia tende a desaparecer da política mundial, de maneira que o alcance de ganhos a partir da adoção de políticas complementares depende da cooperação.
Segundo Holsti (1967 apud AYLLÓN 2007, p.33), uma relação de cooperação pode ser definida como:
1. O reconhecimento de dois ou mais interesses coincidentes que podem ser alcançados por ambas as partes simultaneamente;
2. A expectativa de uma das partes de que a atuação adotada pela outra parte, ou pelas outras partes se a cooperação for multilateral, para alcançar seus próprios objetivos, lhe ajude a cumprir seus interesses e valores;
3. A existência de um acordo (expresso ou tácito) sobre os aspectos essenciais das transações ou das atividades a realizar;
4. A aplicação de regras e pautas (protocolos de atuação) que regerão as futuras transações;
5. O desenvolvimento das transações ou atividades para o cumprimento do acordo.
A Carta das Nações Unidas2, assinada em São Francisco em 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, e que entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano, traz, em diversas partes, a importância e inclusão da Cooperação Internacional entre seus objetivos. O Artigo 1 inclui, dentre os propósitos da ONU:
Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001, p. 5).
Mencionam ainda a cooperação os artigos 11, 13 e 73, além do Capítulo IX, que trata exclusivamente de Cooperação Internacional Econômica e Social, estabelecendo que a ONU favorecerá a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e afins; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional, visa "criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos" (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001, p. 33)
Segundo Iglesias Puente (2010), a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) desempenha, desde a segunda metade século XX, papel significativo e especial nas relações internacionais, tanto no plano bilateral quanto multilateral. Dentre as modalidades existentes, destaca-se a Cooperação Técnica Internacional (CTI), que fomenta o desenvolvimento dos países recipiendários, que são aqueles que recebem a assistência e têm normalmente menor nível de desenvolvimento relativo.
Os projetos de cooperação técnica vêm produzindo benefícios em importantes setores como transportes, energia, mineração, meio ambiente, agricultura, educação e saúde, este último foco do trabalho em questão.
A CTI atrai o interesse de vários segmentos da sociedade, incluindo setores governamentais, Organizações Não-Governamentais (ONGs), organizações internacionais, entidades representativas do setor produtivo, instituições de ensino, institutos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e o público em geral, por possibilitar acesso a tecnologias, conhecimentos, informações e capacitação, por meio da transferência e do compartilhamento de conhecimentos e experiências.
No Brasil, a cooperação técnica é desenvolvida segundo duas vertentes: a cooperação horizontal, ou Sul-Sul, e a cooperação recebida do exterior, ou Norte-Sul. A cooperação horizontal refere-se à cooperação técnica implementada pelo Brasil com outros países em desenvolvimento, possibilitando a intensificação e o estreitamento de seus laços políticos e econômicos (ABC, 2005). Já a cooperação recebida do exterior inclui as cooperações técnicas bi e multilateral, e busca a aquisição, pelo Brasil, de conhecimentos técnicos disponibilizados por organismos internacionais (OI) (cooperação multilateral) e por países mais desenvolvidos (cooperação bilateral), na ótica de aceleração do processo de desenvolvimento nacional. A cooperação realizada nos projetos com o Banco Mundial enfocada neste estudo enquadra-se na cooperação multilateral recebida. Em suma, apesar de não haver uma conclusão definitiva sobre as motivações que levam os países a cooperarem, é possível dizer que ela se prolifera para que os Estados possam enfrentar os problemas globais ou alcançar seus interesses. Existem também as razões subjetivas, como aponta Ayllón (2007), como o sentimento derivado do dever moral, os valores compartilhados pela humanidade na busca de justiça e pelas dívidas históricas existentes na relação entre os países do Norte e os do Sul.
Nessa perspectiva, este estudo descritivo, com base em pesquisa documental, teve como objetivo geral analisar os acordos bilaterais de cooperação horizontal Brasil-África, com os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), especificamente na área da Saúde, entre 2000 e 2010, e suas especificidades.
Os objetivos específicos do trabalho foram: levantar os acordos bilaterais de cooperação horizontal Brasil-África (PALOP) na área da Saúde, firmados e com vigência entre 2000 e 2010; analisar as atividades estabelecidas como objetivo dos acordos; analisar as atividades desenvolvidas como produto dos acordos e verificar as áreas específicas, dentro da área da Saúde, em que os acordos têm sido desenvolvidos.
Pondera-se, no entanto, que a consecução dos objetivos da pesquisa limitou-se à disponibilidade de documentos divulgados pelo Governo Brasileiro acerca das variáveis investigadas pelo estudo.
Foi realizada pesquisa bibliográfica para se conhecer as contribuições culturais ou científicas do passado, em obras de estudiosos de cooperação internacional, em especial cooperação horizontal (Sul-Sul), além de outros autores da área das Relações Internacionais, em especial que abordam os temas de desenvolvimento, organizações internacionais e o continente africano.
A partir daí, por meio de busca em banco de dados, foram levantados os projetos de cooperação internacional firmados pelo Brasil, disponíveis na página eletrônica da Divisão de Atos Internacionais (DAI) do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil. O critério de inclusão foram os acordos bilaterais, firmados e vigentes entre os anos de 2000 e 2010 pelo Brasil com PALOP, e que explicitamente mencionassem a cooperação sanitária em seus objetivos.
A Cooperação Internacional como instrumento para o desenvolvimento
Historicamente, a CI se concentrou em certas áreas nas cinco décadas da segunda metade do século XX. Nos anos de 1950 focou-se na recuperação pós-guerra, tentando superar barreiras para diminuir a distância entre os países em desenvolvimento e desenvolvidos, com foco na cooperação técnica. O objetivo principal era o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), usando políticas de substituição de importação, investimentos na área industrial e na infra-estrutura, enfatizando o setor urbano. Na década seguinte, somou-se ao crescimento do PIB a geração de empregos para a população, incentivo às exportações, grandes empréstimos, integração regional, reformas fiscais e planos direcionados para setores específicos, quase sempre buscando o crescimento econômico.
A década de 1970 foi marcada pelo enfoque nas necessidades básicas, priorizando as demandas dos mais pobres e o desenvolvimento rural e agrário, além de políticas distributivas. Houve a re-estruturação das políticas de desenvolvimento social e econômico, considerando, pela primeira vez, a qualidade da assistência ao desenvolvimento. A reforma econômica foi o destaque da CI na década seguinte, com atuações favoráveis à privatização e desregulação, buscando a estabilidade macroeconômica por meio de políticas para reduzir os déficits na balança de pagamentos e os déficits orçamentais, com ênfase na cooperação reembolsável. Estabeleceu-se o Consenso de Washington na tentativa de estabilizar as economias dos países em desenvolvimento, focando a estabilidade econômica em detrimento dos objetivos sociais.
A década de 1990 foi marcada pela volta ao Estado como foco, reconhecendo seu papel para gerar processos sustentáveis de desenvolvimento, com destaque para inclusão dos problemas de gênero e desenvolvimento no cenário da CI. A elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) permitiu o início da avaliação do impacto das ações de cooperação sobre a vida das pessoas. A questão da "boa governança" ganhou importância, focando a transparência e a gestão dos recursos públicos, além de priorizar a construção e o desenvolvimento de capacidades para munir os países em desenvolvimento de habilidades para agir de forma eficiente e sustentável como agentes de mudanças internas (THORBECKE, 2000; AYLLÓN, 2007; MAGALHÃES, 2009).
Desde os últimos anos do século XX até a atualidade, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) passaram a nortear os esforços internacionais e pautar as políticas públicas nacionais dos países em desenvolvimento, sendo um dos primeiros fatores considerados nos projetos de CI, que continua tendo grande relevância para o desenvolvimento dos países mais carentes. Ela ainda é muito necessária não apenas pelo aspecto moral, já que o domínio das economias cada vez mais ricas tende a criar um mundo insustentável, com mais e mais pobres sem condições de mobilidade econômica e social, mas também porque a intercomunicação da atualidade não permite ignorar as condições de vida das pessoas que vivem nos países menos desenvolvidos (AYLLÓN, 2007).
É sabido que o combate à pobreza contribui para o alcance da paz e estabilidade do sistema internacional, e que a coordenação entre governos, agências de desenvolvimento, Organizações Internacionais e ONGs fomenta o desenvolvimento.
A CI ainda é uma tentativa e uma oportunidade, a depender das condições em que é planejada e implementada, de diminuir as desigualdades e as gritantes diferenças entre os mais e menos desenvolvidos. Torna-se, cada vez mais, condição sine qua non para um mundo com menos violência, com mais oportunidades igualitárias, maior sustentabilidade, menos atentados terroristas, menos mortes preveníveis e condições de vida mais dignas para todos os povos, fatores intrínsecos às grandes diferenças existentes entre os Estados e que podem ser superados por meio do desenvolvimento.
O termo Cooperação Internacional foi introduzido após a II Guerra Mundial, em julho de 1944, na Conferência de Bretton Woods, que criou o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), e constou na Resolução 200 da Assembléia Geral da ONU. No ano seguinte, passou a constar também na Carta da ONU, por sua funcionalidade na criação das condições necessárias para se atingir a estabilidade e bem-estar necessários para o estabelecimento de relações pacíficas e amistosas entre as nações, mostrando, ao menos nas origens da Organização, a preocupação em usar os recursos internacionais para a promoção do progresso social e a melhoria da qualidade de vida das populações. As atividades de Cooperação Internacional, em suas diferentes modalidades, foram iniciadas devido à necessidade de reconstruir os países afetados pelo conflito, acelerar o desenvolvimento dos países menos industrializados e visando ao estabelecimento de um ambiente mais pacífico no Sistema Internacional. (GLOSSÁRIO 2009; MACIEL, 2009)
Nas últimas décadas, o termo 'cooperação' tem substituído definitivamente o termo ajuda, reconhecendo-se grande grau de envolvimento entre doador e receptor e com maior atenção ao recipiendário (recipient-oriented).
Pouco mais de uma década após sua criação, em 1959, a Assembléia Geral da ONU, por sua Resolução 1.383, substituiu o primeiro termo assistência técnica por cooperação técnica, que melhor representava uma relação de trocas e interesses mútuos entre as partes. Desta forma, a Cooperação Técnica Internacional visa à transferência de conhecimentos, sem conotação comercial, por meio de consultoria especializada, treinamento e capacitação de pessoal e à complementação da infra-estrutura disponível no país recipiendário da cooperação (ABC, 2005).
Apesar de não haver uma única tipologia para classificar os diferentes modos de cooperação, é preciso definir algumas categorias. Quanto ao número de participantes:
- Cooperação Bilateral: acordo entre dois países por meio de seus respectivos governos, agências oficiais, financeiras ou técnicas;
- Cooperação Multilateral: entre países tendo uma OI como intermediadora (bancos de desenvolvimento, agências e instâncias da ONU, etc.);
- Cooperação Triangular: associação de uma fonte bilateral ou multilateral e um país em desenvolvimento médio, outorgante da cooperação horizontal, para gerar ações em conjunto em favor de uma terceira nação (beneficiária);
Quanto à origem, classifica-se em:
- Cooperação Horizontal (ou Sul-Sul): países participantes são duas ou mais nações em desenvolvimento localizadas no Hemisfério Sul;
- Cooperação Vertical (ou Norte-Sul): países participantes são uma nação desenvolvida e outra em desenvolvimento localizadas respectivamente no Hemisfério Norte e Hemisfério Sul;
- Cooperação descentralizada ou não-governamental: feita por instituições da sociedade civil, e engloba a Cooperação Técnica descentralizada pública, diferente da realizada por governos locais e regionais.
Como sintetizado no Quadro 1, Hegoa (2002 apud AYLLÓN, 2007, p.35) classifica as formas de cooperação internacional para o desenvolvimento em: cooperação econômica, preferências comerciais, ajuda financeira, assistência técnica, ação humanitária, cooperação científica e tecnológica, apresentando também os fins de cada tipo.
A entidade governamental brasileira responsável pela coordenação da cooperação internacional é a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), criada em setembro de 1987, pelo Decreto Nº 94.973, como parte integrante da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG)3, vinculada ao MRE.
No final da década de 1980, as Nações Unidas (ONU) buscou estimular que os países em desenvolvimento controlassem os programas de cooperação técnica implementados pelos organismos que integravam seu Sistema, o que até então era feito pelos próprios organismos internacionais cooperantes.
A ABC tinha, então, por finalidade, operar programas de cooperação técnica em qualquer área do conhecimento, entre o Brasil e outros países e organismos internacionais, nos termos da Política Externa Brasileira (PEB). No início da década de 1990, a Agência passou também a administrar os projetos desenvolvidos com organismos internacionais e a desenvolver sua ação em coordenação com o Departamento de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica do MRE (ABC, 2005).
Alguns anos mais tarde a ABC foi integrada à Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores, por meio do Decreto nº 2070/96, tornando-se órgão da Administração Direta, com a missão de "coordenar, negociar, aprovar, acompanhar e avaliar, em âmbito nacional, a cooperação para o desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, recebida de outros países e organismos internacionais, e entre o Brasil e países em desenvolvimento" (ABC, 2005).
De acordo com a ABC, a cooperação técnica internacional (CTI) constitui importante instrumento de desenvolvimento, auxiliando um país a promover mudanças estruturais, como forma de superar restrições que prejudicam seu crescimento e desenvolvimento (ABC, 2010). Segundo informação da ABC, o Governo Brasileiro age de acordo e reconhece a importância da CTI, tanto no papel de doador como no de receptor, destacando o estreitamento das relações com os países parceiros promovido por ela:
A CTI é considerada pelo Governo brasileiro como instrumento de política externa e como mecanismo auxiliar de promoção do desenvolvimento sócio-econômico do País. Neste sentido, a política brasileira, nessa área, se realiza pela combinação das suas duas vertentes principais, ou seja, a cooperação recebida e a cooperação prestada. A cooperação técnica internacional constitui, de fato, um instrumento privilegiado de promoção do desenvolvimento nacional uma vez que enseja a transferência de conhecimentos e técnicas, em caráter não comercial, de outros países e de organismos internacionais. Por outro lado, promove também o adensamento de suas relações - políticas, econômicas e comerciais - com os parceiros da cooperação. (BRASIL, 2005).
Os programas implementados como produto dos acordos de cooperação técnica permitem transferir conhecimentos técnicos, experiências de sucesso e sofisticados equipamentos, promover capacidades e assim possibilitar o desenvolvimento do país parceiro. Isto contribui para capacitar recursos humanos e fortalecer instituições do país receptor, possibilitando salto qualitativo e duradouro no seu desenvolvimento.
O conceito de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento foi criado pelas Nações Unidas na década de 1970.
O Governo brasileiro, reconhecendo a importância que a CTI havia representado para o desenvolvimento nacional, considerou que o nosso País deveria dar um retorno compatível com os benefícios dela obtidos. Embora o Brasil ainda necessite receber cooperação em determinados setores, ele já possui condições para compartilhar sua experiência em matéria de cooperação (e os conhecimentos adquiridos ao longo dos 40 anos em que recebe CTI) com outros países também em desenvolvimento. [...] Além de constituir, atualmente, a principal linha de atuação da ABC, ela representa um dos principais instrumentos da política externa brasileira. (ABC, 2005, p.3)
Este foco na Cooperação horizontal buscou aumentar a participação do país no auxílio ao desenvolvimento e possibilitar uma maior aproximação com os países do Sul, com destaque para o continente Africano. Já na década de 1960, com a Política Externa Independente de Jânio Quadros, o continente começava a ser privilegiado nas RIs do Brasil, como parte de sua tentativa de novos parceiros políticos e econômicos e maior autonomia no cenário internacional.
Após um período de afastamento das relações com a África, desde a década de 1980, só retomadas em 1993 com Itamar Franco, a Cooperação Sul-Sul vem sendo intensificada como uma perspectiva de hegemonia regional e interesse no reordenamento do sistema internacional (MAGALHÃES, 2009; SARAIVA, 2007).
O Governo Lula vem demonstrando, desde 2003, uma retomada do interesse pela África, com a reabertura de embaixadas desativadas pelo governo anterior, ampliação dos postos diplomáticos e agenda de viagens regular ao continente. Magalhães (2009) aponta o aumento no número de ações de cooperação desenvolvidas na região, comparada a outros países, já que entre 1998 e 2003 o Brasil desenvolveu, em todo o mundo, 119 projetos e atividades em cooperação prestada, mas em 2005, somente na África, havia 54 ações de cooperação técnica em execução. (VIA ABC, 2005 apud MAGALHÃES, 2009).
Em volume de recursos, a África concentrou, em 2007, 52% do montante destinado à CTPD pelo Governo Brasileiro, segundo dados da ABC. Em número de acordos, os PALOP concentram mais de 70% da cooperação Brasil-África (MAGALHÃES, 2009).
A função da cooperação internacional explicitada pela teoria construtivista é evidenciada nestas considerações, uma vez que o continente Africano tem grande necessidade de auxílio em seu caminho para o desenvolvimento e assim justifica-se o cumprimento de um papel moral e ético nestes países. Esta política de não-indiferença quanto aos problemas alheios, no entanto, não tem bases apenas altruístas, como destaca Maciel (2009) ao afirmar que a CTPD promovida pelo Brasil
[...] espelhou os desígnios e esforços principais da política externa, fortalecendo uma filosofia carregada de polivalência, impregnada de ideais pacifistas, não-confrontacionistas e de não-indiferença, promovendo diálogos essenciais do âmbito Sul-Sul sem se indispor com ou interromper relações no eixo Norte-Sul. Esse processo não se limitou a aprofundar relações econômicas, mas adensou também laços políticos e culturais. Isso mostra como o pragmatismo na política exterior foi transferido para a obtenção e oferecimento da cooperação internacional, possibilitando novas possibilidades de inserção internacional (MACIEL, 2009, p. 27).
O chanceler brasileiro Celso Amorim justifica a mudança da postura de não-intervenção do Brasil afirmando que o país "sempre pautou pela não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados... mas... o preceito da não-intervenção deve ser visto à luz de outro preceito, baseado na solidariedade: o da não-indiferença" (OLIVEIRA, 2005, apud SARAIVA, 2007, p.49). Esta formulação explica o papel ativo desempenhado pela diplomacia brasileira na cooperação com outros países do hemisfério sul.
Em discurso feito em visita à África do Sul em 2003, o presidente Luís Inácio Lula da Silva expressa o discurso diplomático da CTPD brasileira na África e "adiciona às motivações solidárias dessa cooperação um elemento ético quase de reparação, pelo período histórico da escravidão" (IGLEGIAS PUENTE, 2010, p.237) ao afirmar qu.
[...] o Brasil tem uma dívida com a África. Uma dívida de reconhecimento pela contribuição, em condições de sofrimento e opressão, que milhões de africanos deram para a construção do Brasil. Associamo-nos no renovado compromisso do continente africano em tomar em suas próprias mãos a responsabilidade de encontrar respostas para seus problemas (BRASIL, 2007a, p.71 apud IGLEGIAS PUENTE, 2010, p.237).
Por outro lado, há a possibilidade de interpretação pela teoria da interdependência, já que entre os objetivos da cooperação crescente com países em desenvolvimento está o objetivo da PEB de exercer maior poder e hegemonia no SI, utilizando-a como auxílio para sua inserção internacional. Nye Jr. argumenta também sobre a influência do poder brando (soft power) em casos como este, definido por ele como a "habilidade de obter o que se quer pela atração ao invés da coerção" (NYE JR, 2004 apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 95), ou seja, "a atração com base em valores compartilhados e equitativos" (NYE JR, 2004 apud IGLESIAS PUENTE, 2010, p. 95). Segundo o autor, o soft power de um Estado tem várias fontes, sendo uma delas sua cultura e as manifestações dela - quando admirada ou atraente para outros países -, seus valores políticos e sua política externa - desde que visto como expressão de legitimidade e autoridade moral. O poder não-coercitivo dos Estados pode dotá-los de capacidade de maior influência no cenário internacional nas relações com outros atores.
É importante mencionar outro argumento exposto por Nye Jr (2004 apud IGLESIAS PUENTE, 2010), sobre a importância do desenvolvimento internacional como Bem Público Global (BPG)4 gerado pela cooperação para o desenvolvimento, mesmo quando utilizada como instrumento ativo de política externa.
Além dos BPG, a adoção dos ODM, como meta para a presente década, fez com que estes fossem incorporados às prioridades de cooperação dos principais países doadores, num esforço global de diminuição das diferenças e tentativa de prover os países menos desenvolvidos de meios sustentáveis para uma maior autonomia em diversas áreas.
O apoio dos países que têm firmado acordos de cooperação sul-sul com o Brasil a sua candidatura a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (CSNU) é outro fator de relevância apontado pela literatura para o esforço brasileiro neste sentido, como afirma Iglesias Puente "quase todos os principais recipiendários da CTPD brasileira apóiam o pleito do Brasil em vir a ocupar assento permanente em uma eventual ampliação do CSNU. [...] Todos os principais países africanos recipiendários de CTPD apóiam o pleito brasileiro" (IGLESIAS PUENTE, 2010, p.263).
No mesmo contexto, o governo Lula deu grande importância à sua política externa desde o início de seu governo, expondo-a como instrumento essencial de alcance dos objetivos centrais de seu programa de governo. De acordo com Souto Maior (2004) "nenhum governo colocou tanta ênfase na política externa como instrumento essencial à consecução do objetivo nacional, no caso do governo Lula, o desenvolvimento econômico com inclusão social" (SOUTO MAIOR, 2004 apud MAGALHÃES, 2009, p.27).
A PEB do governo Lula caracteriza-se pela, 'autonomia pela diversificação', ao contrário da idéia de 'autonomia pela participação' de Fernando Henrique Cardoso (FHC). A idéia de autonomia pela diversificação é definida como
A adesão do país aos princípios e às normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul, inclusive regionais, e de acordos com parceiros não tradicionais, pois se acredita que eles reduzem as assimetrias nas relações externas com países mais poderosos e aumentam a capacidade negociadora nacional (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007, p.283 apud MAGALHÃES, 2009, p.28).
De acordo com Magalhães (2009) a política externa do governo Lula buscou: contribuir para um maior equilíbrio internacional, atenuando o unilateralismo, fortalecer relações bi e multilaterais com vistas a aumentar a importância do país nas negociações políticas e econômicas internacionais, adensar as relações diplomáticas aproveitando as possibilidades de maior intercâmbio econômico, financeiro, tecnológico e cultural e evitar acordos que causem prejuízo ao desenvolvimento do país.
Entre as iniciativas concretas originadas desta PEB está o estreitamento das relações com países africanos, em especial os PALOP. Ademais, o Governo Lula mudou a ênfase de alguns temas tratados na Cooperação Sul-Sul. Os temas sociais foram incluídos, com grande destaque, o que não ocorreu com FHC, caracterizando o aspecto humanista da ação externa de Lula. A diversificação dos parceiros é outra característica observada, na busca de ampliar e aprofundar parcerias para além dos Estados Unidos e a União Européia, historicamente privilegiados em PEBs anteriores, como observa Magalhães (2009). Isto, no entanto, não significou o afastamento dos países desenvolvidos, como destaca o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim
O grande diferencial é que deixamos de lado a velha dicotomia [...]; melhoramos nossas articulações com a África, China, Índia - mas sem hostilizar os EUA e a União Européia que têm tido conosco diálogo muito privilegiado [...]. Por outro lado, não preciso olhar para EUA e Europa para enxergar o Oriente Médio e a África (AMORIM apud PECEQUILO, 2008, p.151).
Observa-se o cuidado do Governo Brasileiro para não prejudicar as relações com os países desenvolvidos e potências globais ao mesmo tempo em que usa a CTPD para auxiliar na consecução de seus objetivos de política externa. Outro fato que corrobora esta observação é o aumento do orçamento da ABC entre os anos de 2004 e 2006, de 8 para 32 milhões de reais, segundo dados de Valler Filho (2007, p.89 apud MAGALHÃES, 2009, p.31).
Desde o ano de 2004, como afirma Magalhães (2009), a CTPD brasileira tem focado diretrizes que, em outros objetivos, buscam canalizar esforços para projetos de maior efeito multiplicador e privilegiar projetos estruturantes, com o fortalecimento institucional dos parceiros e capacitação de recursos humanos. Este é um ponto importante que diferencia a CTPD brasileira da cooperação tradicional, pois insere seus programas nas prioridades de desenvolvimento dos países parceiros, evitando que prevaleça a cooperação baseada apenas na oferta, envidando esforços em projetos que possam ser multiplicados, que tenham resultados sustentáveis e assegurem a autonomia na condução do desenvolvimento dos países.
Fator de destaque para a análise feita neste estudo é o uso combinado de experiências externas com conhecimento disponível no Brasil, que culminam em projetos inovadores para a geração e disseminação do conhecimento e boas práticas, internalização de conhecimentos e estabelecimento de condições favoráveis para inovações futuras, que buscam, como dito anteriormente, promover mudanças estruturais e não apenas conjunturais, comum em ações de CTI (MAGALHÃES, 2009).
Além disso, ao menos quatro dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pela ONU como meta de avanço entre seus países signatários até 2015 do que considera os maiores problemas mundiais, estão relacionados à área da saúde. São eles5:
ODM 4: Reduzir a mortalidade infantil;
ODM 5: Melhorar a saúde materna;
ODM 6: Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças;
ODM 8: Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio têm sido incorporados às prioridades de cooperação em um esforço global de diminuição das diferenças e tentativa de prover os países menos desenvolvidos de meios sustentáveis para uma maior autonomia em diversas áreas.
No relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de 2010, Ban Ki-Moon, Secretário-Geral da ONU, enfatiza a importância das parcerias internacionais para que os ODM sejam atingidos até 2015:
Os líderes também se comprometeram a formar uma ampla parceria global de desenvolvimento para atingir estes objetivos universais... Este relatório mostra como muito progresso foi alcançado. Talvez o mais importante, mostra que os objetivos são realizáveis quando estratégias, políticas e programas nacionais de desenvolvimento são apoiados por parceiros internacionais de desenvolvimento6. (UNITED NATIONS, 2010, p.3, traduzido pelas autoras).
As diferentes Teorias das Relações Internacionais (TRI) vêem e explicam o mundo, e principalmente as relações entre os Estados, de maneiras diversas, através de elementos de análise próprios das Relações Internacionais, moldados pelos distintos enfoques teóricos.
Apesar de importantes teóricos como Morgenthau, Krasner, Huntington, Kehoane, Holsti, entre outros, terem abordado o tema da CTI em seus estudos, ainda existem poucos estudos sistemáticos sobre o papel que ela desempenha na configuração do sistema internacional ou na economia mundial.
Em geral, os estudos existentes sobre cooperação para o desenvolvimento são polarizados entre os que pregam que a ajuda internacional segue o interesse dos doadores e os que a consideram como uma resposta ética do mundo à pobreza e um imperativo moral (AYLLÓN, 2007).
A área da saúde está entre as áreas prioritárias para o Governo Brasileiro na cooperação horizontal, assim como os PALOP, como afirmou o Embaixador Marco Cesar Naslausky, Diretor da ABC entre 2001 e 2003, quando questionado sobre os objetivos pré-estabelecidos e as áreas geográficas e temáticas de atuação prioritárias definidos pela diplomacia brasileira para a CTPD: "No plano geográfico, a América do Sul, a África (PALOP) e Timor-Leste. No plano temático eram os campos mais tradicionais de atuação brasileira: agricultura, saúde..." (IGLESIAS PUENTE, 2010, p.325).
Como ocorre em outras áreas, os foros internacionais especializados em saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), por exemplo, fazem recomendações a serem adotadas e aplicadas pelos países. No entanto, problemas de saúde cada vez mais globais, como a disseminação de doenças emergentes ou re-emergentes, a necessidade de aumentar e organizar a ajuda humanitária; a urgência política de compromissos internacionais, como os ODM, o acesso de medicamentos e vacinas, entre outras prioridades, urgem um tipo específico de ação, disciplinada pela Health Diplomacy, ou diplomacia na área da saúde, na tradução para a Língua Portuguesa. Apesar da ocorrência da ação diplomática na saúde não ser recente, nas últimas décadas são vistas ações concretas realizadas como efetivação do discurso 'anunciativo' desta política (ABC, 2007).
As inúmeras dificuldades dos PALOP, como a independência recente, ocorrência de guerras civis e demais problemas históricos, econômicos e sociais torna mais difícil o acúmulo de condições e experiência suficientes para promover a melhoria das condições de saúde de suas populações. Entre outros problemas, "persistem situações de disparidades demográficas devido a grandes deslocamentos populacionais, sérios problemas de educação, saneamento básico e infra-estrutura, além de inadequação na gestão do sistema e dos serviços de saúde" (ABC, 2007, p.4). Estes fatores os tornam dependentes de assessoria especializada de outras Nações, além da utilização de pessoal com formação elementar ou técnica em cargos que demandam recursos humanos de nível superior para uma melhor assistência.
A literatura aponta a importância da participação popular dos beneficiados pela cooperação na concepção e implementação dos projetos. As agências de cooperação têm reconhecido, após décadas de assistência paternalista, que é necessário prover a população com meios para seu desenvolvimento, ao invés de optar pelo simples assistencialismo em detrimento da transferência de tecnologia e conhecimentos, ainda que elementares, às populações dos países parceiros (LANDAU, 2008).
Segundo a ABC, o Brasil considera, além desta transferência, as necessidades e áreas de interesse dos países que demandam cooperação, afirmando que
[...] um princípio inalienável da cooperação brasileira, no âmbito sul-sul, é o de atender o interesse do país com o qual se estabelece o acordo de cooperação, a partir de suas necessidades e interesses, e segundo os limites da capacidade nacional em explorar determinada área temática (ABC, 2007, p.13).
Na área da saúde, a cooperação horizontal promovida pelo Brasil nos PALOP foca áreas consideradas de experiência comprovada do MS do Brasil, como Malária, HIV/AIDS, Sistema Único de Saúde, Nutrição, Bancos de Leite Humano, Vigilância Ambiental em Saúde, Vigilância Epidemiológica, Geminação de Hospitais, Fármacos e Imunobiológicos (ABC, 2007).
Resultados
Expõe-se nesta seção o número de atos internacionais para cooperação entre Brasil e PALOP, na área da Saúde, firmados entre 2000 e 2010. A Tabela 1 apresenta os países com os quais os acordos foram firmados, o número total de atos firmados no período e o ano de celebração, com o total de acordos firmados em cada ano. O número de acordos celebrados em cada ano encontra-se entre parênteses.
No total, 21 acordos bilaterais foram firmados no período analisado, sendo 03 com Angola, 05 com Cabo Verde, 01 com Guiné-Bissau, 09 com Moçambique e 03 com São Tomé e Príncipe.
O Gráfico 1 apresenta a evolução, a cada ano, do número de acordos bilaterais firmados com os PALOP no período.
Apesar da ausência de celebrações em alguns anos, de maneira geral evidencia-se evolução no número de acordos celebrados, passando de 01 (um) nos anos de 2000 e 2001 para 06 (seis) nos anos de 2007 e 2008. A ausência de acordos nos últimos dos anos da série histórica, 2009 e 2010, pode ser causa da desatualização da base de dados consultada ou realmente por inexistência de celebrações nestes anos.
Abaixo são apresentados os objetivos estabelecidos e atividades planejadas nos atos internacionais firmados com os PALOP. Os objetivos e atividades, por se repetirem em diversos acordos, são listados por país. Alguns acordos não contemplam atividades pontuais a serem desenvolvidas, que são estabelecidas posteriormente através de projeto aprovado e firmado pelas instituições coordenadoras e executoras. Assim, apresenta-se uma síntese dos objetivos e atividades gerais presentes no texto dos atos bilaterais analisados.
Os acordos celebrados com Angola têm entre seus objetivos e atividades planejadas capacitar o sistema de saúde, formar docentes em saúde pública, o controle da Malária, a organização e implementação de curso de Mestrado em Saúde Pública, estruturação de rede de bibliotecas em Saúde, reestruturação de Escolas Técnicas em Saúde, fortalecimento do Instituto Nacional de Saúde Pública, apoio à estruturação da Escola Nacional de Saúde Pública, fortalecimento do Sistema de Vigilância Epidemiológica e capacitação de agentes multiplicadores de conhecimento.
As atividades previstas nos acordos com Cabo Verde versam sobre o combate ao HIV/AIDS, consolidação de agentes reguladores dos setores farmacêuticos e alimentar, prevenção e controle da malária, fortalecimento da atenção primária à saúde, implementação de Banco de Leite Humano, assessoria e treinamento em vigilância epidemiológica, fornecimento de medicamentos anti-retrovirais produzidos no Brasil, envio de publicações e material de apoio para a formação de técnicos e fornecimento de infra-estrutura para treinamentos no Brasil.
Entre as atividades previstas nos acordos com Guiné Bissau está fortalecer o Sistema de Vigilância Epidemiológica, controle e prevenção da malária, capacitação e treinamento de técnicos especializados no Brasil.
As atividades previstas com Moçambique, país com maior número de acordos celebrados com o Brasil, abrangem principalmente as áreas de saúde da família, da mulher, da criança e do adolescente; formação, atualização e aperfeiçoamento de quadros superiores de saúde; fortalecimento e apoio institucional entre institutos de ciências de saúde de Moçambique e escolas de formação no Brasil; organização do ensino à distancia para a formação contínua dos profissionais de saúde; formação de formadores; elaboração de currículos dos cursos de saúde; tratamento e controle laboratorial das pessoas portadoras de HIV/SIDA, intercâmbio de conhecimento e de meios necessários para a produção de medicamentos de anti-retrovirais genéricos, disponibilização de infra-estrutura para a realização dos treinamentos no Brasil, envio de medicamentos anti-retrovirais genéricos produzidos pelo Brasil e de equipamentos de micro-informática para a reestruturação de Hospital, apoio na organização e implementação de curso de Mestrado em Ciências da Saúde, apoio à reestruturação da rede de bibliotecas em saúde em Moçambique e apoio à elaboração do Planejamento Estratégico do Instituto Nacional de Saúde de Moçambique.
Com São Tomé e Príncipe as atividades incluem o apoio na Prevenção às DST/AIDS, promoção e facilitação da cooperação técnica com ênfase em Vigilância Epidemiológica, Saúde Pública e Imunizações, consultoria em diversas áreas, treinamento de técnicos no Brasil, envio de publicações e material de apoio direcionados à formação de técnicos, apoio na elaboração da política e plano de desenvolvimento de recursos humanos em saúde; capacitação de profissionais de saúde e de docentes em áreas identificadas, reforço da capacidade de resposta da Escola de Formação de Quadros de Saúde, realização de seminários e exposições,intercâmbio de experiências e de práticas bem sucedidas; realização de conferências sobre metodologias de avaliação e intercâmbio de conhecimentos técnicos na área.
A análise das atividades estabelecidas como objetivo dos acordos evidencia concentração em áreas já levantadas pela literatura (ABC, 2007; BRASIL, 2010b; MAGALHAES, 2009) como prioritárias e de maior demanda na celebração dos acordos, como Malária, HIV/AIDS, Sistema Único de Saúde, Nutrição, Bancos de Leite Humano, Vigilância Epidemiológica e Fármacos.
Não foi possível analisar as atividades desenvolvidas como produto dos acordos, pela impossibilidade de acesso aos relatórios e projetos da ABC que contêm as atividades específicas estabelecidas após a celebração dos acordos e os relatórios parciais e finais das atividades realizadas. Apesar do contato feito com a ABC, a Agência não disponibilizou o material solicitado. Esta limitação, no entanto, já havia sido apontada e considerada na introdução do trabalho, dada a dificuldade de acesso pelo público em geral a documentos de avaliação e monitoramento dos projetos de cooperação executados pelo Brasil. Torronteguy (2010) aponta a necessidade de publicidade destes documentos ao sugerir melhorias para alguns aspectos dos atos bilaterais, "deve haver clareza quanto ao monitoramento das atividades durante o projeto, devem ser estabelecidos critérios para a avaliação/monitoramento e deve ser prevista ampla publicidade a esses documentos" (TORRONTEGUY, 2010, p.64).
Quanto à verificação das áreas específicas, dentro da área da Saúde, em que os acordos têm sido desenvolvidos, a análise das áreas de concentração dos acordos firmados permite afirmar que se concentram no combate ao HIV/AIDS e produção de medicamentos anti-retrovirais, capacitação de recursos humanos, prevenção e controle da malária, organização e fortalecimento de serviços de saúde, fortalecimento de ações de nutrição e alimentação e educação de nível superior e pós-graduação.
Considerações Finais
O presente estudo procurou analisar a Cooperação horizontal Brasil-África, especificamente com os PALOP, na área da Saúde, entre 2000 e 2010. Propôs-se levantar os acordos de cooperação internacional e analisar as atividades estabelecidas como objetivo e produto dos acordos, além de analisar as áreas de concentração na área da saúde.
Foi possível verificar o adensamento da Cooperação Brasil-PALOP, especialmente após a criação da CPLP, e como parte da Política Externa Brasileira em sua tentativa de inserção internacional, busca de novos parceiros políticos e econômicos e maior influência política e cultural naqueles países.
Evidenciou-se áreas de concentração, dentro da área da saúde, em que os acordos são firmados, sendo elas o combate ao HIV/AIDS, produção de medicamentos anti-retrovirais, capacitação de recursos humanos, prevenção e controle da malária, organização e fortalecimento de serviços de saúde, fortalecimento de ações de nutrição e alimentação e educação de nível superior e pós-graduação, sendo que muitas delas se repetem com mais de um PALOP. Esta característica não é casual, mas sim reflexo de experiências de sucesso e know-how brasileiro em áreas de necessidade nos PALOP. Outra possível justificativa para esta concentração é a coincidência de problemas enfrentados pelo Brasil e pelos PALOP, mesmo que em escalas diferentes, como um dos fatores que concorrem para esta frequente cooperação, hipótese que, no entanto, necessita de estudos para verificação.
Possibilidades para diversos estudos posteriores suscitam das considerações alcançadas nesta pesquisa. Há vasto campo para investigação, inclusive na cooperação horizontal específica com os PALOP. A cooperação multilateral, por exemplo, é uma área não abordada por este trabalho, mas que, conforme evidências encontradas na literatura, está crescendo.
A análise de variáveis que vão além dos objetivos deste estudo também pode ser considerada, a exemplo das instituições designadas para coordenação e execução dos acordos, autoridade signatária, tipo de acordo, entre outras.
Ademais, estudos mais específicos são necessários para analisar o resultado de algumas atividades de caráter emancipatório, que objetivam prover os países parceiros de recursos para seu desenvolvimento, como a formação de recursos humanos e a transferência de conhecimento. Possibilitar mudanças qualitativas, transformadoras e sustentáveis é uma característica importante da cooperação horizontal que merece investigação para verificação e mesmo proposição de mudanças e melhorias na cooperação atualmente realizada.
Foi traçado um breve perfil da cooperação Brasil-PALOP na área da saúde na primeira década do século XXI, inclusive deixando espaço para diversas linhas de investigação sobre o tema para estudantes e profissionais das relações internacionais.
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2. Disponível na página eletrônica da instituição, em seis idiomas: http://www.un.org/en/documents/charter/
3. A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. (IGLESIAS PUENTE, 2010).
4. Segundo Ayllón (2007, p.35, traduzido pelas autoras), Bens Públicos Globais são aqueles que "trazem benefícios que são vigorosamente universais, em termos de países (cobrindo mais de um grupo de países), de pessoas (envolvendo vários e preferencialmente todos os grupos da população) e de gerações (atuais e futuras)".
5. Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, http://www.pnud.org.br/odm/.
6. "Leaders also pledged to forge a wide-ranging global partnership for development to achieve these universal objectives. This report shows how much progress has been made. Perhaps most important, it shows that the Goals are achievable when nationally owned development strategies, policies and programmes are supported by international development partners".