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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

O Brasil no regime da cooperação internacional para o desenvolvimento: quoi de neuf?

 

 

Luara Landulpho Alves Lopes

PUC-SP

 

 


RESUMO

Em 2010, o Brasil completou 60 anos como ator do sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento: a CNAT - Comissão Nacional de Assistência Técnica, criada em 1950, representou o primeiro esforço de institucionalização da cooperação internacional no país. A Comissão tinha entre seus objetivos "preparar planos e programas para a obtenção de auxílio técnico", ou seja, estava voltada quase exclusivamente para a cooperação recebida do exterior. Ao longo dos últimos sessenta anos, o país passou por profundas transformações de ordem política, econômica e social, e a inserção do Brasil no regime da cooperação internacional para o desenvolvimento tem acompanhado esses movimentos de mudança. De fato, se a CNAT estava dedicada quase exclusivamente à organização da cooperação recebida do exterior, a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores hoje dedica parte significativa de seus recursos à cooperação prestada a outros países em desenvolvimento (também chamada CTPD - Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento). Assim, o artigo pretende sistematizar a evolução institucional da cooperação técnica internacional no Brasil e problematizar a posição atual do país no que se refere à sua condição de doador não tradicional.

Palavras-chave: Cooperação Internacional para o desenvolvimento; CTPD - Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento; Agência Brasileira de Cooperação; efetividade da ajuda; investimento social privado


SUMMARY

In 2010, Brazil completed 60 years as an actor of the international development cooperation system: the CNAT - National Commission for Technical Assistance, created in 1950, represented the first effort to institutionalize international cooperation activities in the country. The Commission was created "to develop plans and programs to obtain technical assistance," ie, it was focused almost exclusively on received cooperation. Over the last sixty years, however, the country has undergone profound changes in the political, economic and social realms, and the role of Brazil in the international regime of development cooperation has accompanied these changes. In fact, if the CNAT was almost exclusively devoted to organizing received cooperation, today, the Brazilian Cooperation Agency of the Ministry of Foreign Affairs (ABC/MRE)  dedicates a significant portion of its resources to the cooperation provided to other developing countries (TCDC - Technical Cooperation among Developing Countries). Thus, the paper aims to systematize the institutional evolution of international development cooperation in Brazil and discuss the country's current position in the new aid architecture.

Keywords: International Development Cooperation; TCDC - Technical Cooperation among Developing Countries; Brazilian Cooperation Agency; aid effectiveness; corporate philanthropy


 

 

Cooperação Sul-Sul, cooperação técnica, ajuda, assistência: de que se trata neste discurso?

A Cooperação Sul-Sul tem sido objeto de inúmeros artigos, teses e dissertações, especialmente na última década. No entanto, o uso indiscriminado do termo pode dificultar o seu entendimento: "em geral, ele é empregado para se referir a um amplo conjunto de fenômenos relativos às relações entre países em desenvolvimento - desde a formação temporária de coalizões no âmbito de negociações multilaterais até o fluxo de investimentos privados1".

Quando da sua criação, em 1974, a Unidade Especial para Cooperação Sul-Sul do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) dedicava-se à promoção da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD, ou, na sigla em inglês, Technical Cooperation among Developing Countries - TCDC). A partir de 2003, a Unidade Especial ampliou seu mandato para a Cooperação Sul-Sul, de forma a incluir a colaboração entre países em desenvolvimento no âmbito econômico e político2.

Para fins de ilustração, podemos utilizar o quadro abaixo (Quadro 1: Conceitos) como proposta de esquematização do tema. Nele, é possível visualizar com mais precisão o assunto deste artigo: inserida no conceito mais amplo de Cooperação Sul-Sul (CSS), a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) inclui a CTPD, nosso objeto, mas não se resume a ela.

 

 

No caso do Brasil, estudo recente realizado pela Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) dividiu a CID prestada pelo país em cinco categorias: cooperação técnica, científica e tecnológica; contribuições a organizações internacionais e bancos regionais; bolsas de estudo para estrangeiros; assistência humanitária e operações de paz3 (Quadro 2: Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional - 2005 a 2009).

 

 

De acordo com o levantamento realizado pela ABC/MRE e IPEA, o Brasil destinou mais de US$ 1,4 bilhão à cooperação internacional para o desenvolvimento no período de 2005 até 2009, nas categorias descritas acima4. A cooperação técnica aparece associada à cooperação científica e tecnológica realizada por institutos de pesquisa, que tem se intensificado especialmente na última década5.

Aqui, entretanto, tratamos da cooperação técnica executada pela Agência Brasileira de Cooperação, com seus diversos parceiros, entre países em desenvolvimento. Propomos o caminho inverso daquele trilhado pela Unidade Especial do PNUD, em favor de uma análise mais apurada: partimos da Cooperação Sul-Sul em direção à cooperação técnica, e, mais especificamente, à CTPD.

A cooperação técnica internacional compreende projetos e programas intergovernamentais (bilaterais ou multilaterais) com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento dos países parceiros, por meio da troca de conhecimentos e experiências de sucesso, além de outras atividades de treinamento e capacitação. Ficou conhecida inicialmente como assistência técnica internacional, conforme a Resolução 200 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AG/ONU) de 1948, que trata da "assistência técnica para o desenvolvimento econômico" e considera a "falta de especialistas e de organização técnica" como empecilho ao desenvolvimento. Onze anos depois, a AG/ONU substitui formalmente o termo assistência por cooperação (Resolução 1383, de 1959).

No Brasil, a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE) é o principal órgão responsável pela gestão da cooperação técnica com outros países ou organismos internacionais - nas suas modalidades recebida e prestada6. A cooperação recebida do exterior visa à internalização de conhecimentos técnicos disponibilizados por organismos internacionais (cooperação multilateral) e por países mais desenvolvidos (cooperação bilateral). A cooperação prestada, por sua vez, também conhecida como cooperação horizontal ou CTPD, refere-se à cooperação técnica implementada pelo governo brasileiro tendo em vista o desenvolvimento de outros países7.

O discurso oficial costuma destacar a diferença entre a CTPD brasileira e os arranjos tradicionais de cooperação Norte x Sul, comumente chamados de "ajuda internacional", implementados, de forma geral, pelos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE. Em contraste com a ajuda internacional, a cooperação brasileira se propõe mais participativa e voltada para a demanda, desvinculada de interesses comerciais imediatos e orientada pelo princípio da solidariedade e da não indiferença. Com efeito, a ascensão dos chamados "doadores emergentes" ou "doadores não tradicionais" é tema central no debate contemporâneo sobre a efetividade da ajuda internacional8.

A OCDE reúne os países doadores de AOD - Assistência Oficial ao Desenvolvimento9 - e é também a principal instituição intergovernamental a reunir dados e promover pesquisas sobre o tema. A OCDE define cooperação técnica como uma "forma de colaboração internacional cujo propósito é assegurar a transferência de habilidades por intermédio do envio de peritos em áreas especializadas dos países nos quais eles estão disponíveis em grande quantidade para países nos quais eles são menos numerosos ou inexistem10".

A OCDE - por meio, principalmente, do seu Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD/OCDE) - dedica esforço considerável para normatizar o sistema da ajuda internacional e abriga o debate sobre sua efetividade: nesse sentido, o CAD/OCDE estabeleceu, em 2003, o Grupo de Trabalho sobre Efetividade da Ajuda (Working Group on Aid Effectiveness), a partir das recomendações do chamado Consenso de Monterrey. Uma das primeiras iniciativas do GT foi convocar o I Fórum de Alto Nível sobre Harmonização, realizado em Roma (vide Quadro 3: Debate internacional sobre a efetividade da ajuda).

 

 

Apesar de endossada por 28 países recebedores, a Declaração de Roma, resultante do encontro, traz recomendações principalmente para a "comunidade de doadores", a maior parte referente à harmonização das ações e diminuição dos custos de transação. Foi apenas em 2005, portanto, no II Fórum de Alto Nível do CAD/OCDE, que se consolidou o marco principal do debate internacional sobre a efetividade da ajuda. De fato, a Declaração de Paris se tornou referência para avaliar a ajuda internacional, aumentar seu impacto e sua legitimidade. Ela destaca cinco princípios fundamentais para aumentar a efetividade da ajuda, e estabelece 12 indicadores para o cumprimento de suas recomendações. Os princípios são: apropriação; alinhamento; harmonização; gestão para resultados e mútua responsabilidade.

Em seguida à Paris, o III Fórum de Alto Nível para a efetividade da ajuda foi realizada em Acra, em 2008. O encontro foi marcado por dois aspectos que o diferenciavam dos primeiros: a participação - ainda que em fórum paralelo - da sociedade civil e a questão da Cooperação Sul-Sul (CSS).

Dias antes do encontro de alto nível em Acra, organizações da sociedade civil de todo o mundo se reuniram e elaboraram um conjunto de recomendações que foi entregue às delegações governamentais. A CSS, por sua vez, foi assunto de debates inflamados durante o fórum, mas o impacto das discussões no documento final foi tímido: a Agenda de Ação de Acra - AAA - apenas convida os países engajados em arranjos de CSS a usarem os princípios de Paris como referência de efetividade, e menciona rapidamente a CSS como eventual fonte de aprendizado.

Estava claro que o objetivo do encontro não era rever os princípios de Paris, mas sim monitorá-los e aprofundá-los. A delegação brasileira em Acra criticou o documento por não contemplar as especificidades da CSS no debate sobre a efetividade da ajuda: "A CSS tem desenvolvido suas próprias práticas em termos de motivação, negociação e implementação. Essas práticas às vezes diferem daquelas aplicadas na cooperação Norte-Sul ou por algumas instituições financeiras internacionais (...) a existência de diferentes maneiras de prestar cooperação não quer dizer que uma seja melhor do que as outras11".

De todo modo, o debate em Acra teve também um resultado mais concreto, com a formação de uma Força Tarefa sobre CSS (Task Team on South-South Cooperation) criada no âmbito do GT sobre Efetividade da Ajuda do CAD/OCDE, que tem como objetivos: adaptar os princípios de Paris à CSS; fazer uso das experiências de CSS para enriquecer o debate sobre a efetividade da ajuda e identificar complementaridades entre a Cooperação Sul-Sul e a Cooperação Norte-Sul. Em 2010, a força-tarefa promoveu uma reunião de alto nível em Bogotá.

Em contraste com o debate sobre a efetividade da ajuda promovido no âmbito do CAD/OCDE, o tema da CTPD e da CSS, de forma geral, não recebeu a mesma atenção. Há um hiato de trinta anos entre a reunião organizada pela ONU em Buenos Aires, em 1978, e a conferência de Nairóbi, que dá seguimento ao tema no âmbito das Nações Unidas (Vide quadro 4: Conferências sobre CTPD/Cooperação Sul-Sul - ONU).

 

 

Assim, em 1978, a Unidade Especial de CTPD do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realizou a Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento na capital argentina, da qual resultou o Plano de Ação de Buenos Aires (PABA), considerado o marco inicial de promoção e difusão do conceito de CTPD.

O PABA descreve a CTPD como uma "força vital" para o compartilhamento de experiências que possam vir a contribuir para o mútuo desenvolvimento e autonomia. No entanto, o artigo seguinte lembra que o estímulo à CTPD não diminui a responsabilidade dos países desenvolvidos em seguir com a ajuda internacional, e, se possível, aumentá-la, tendo em vista, principalmente, a transferência de tecnologia: "(...) a CTPD não é nem um fim em si mesma nem um substituto para a cooperação técnica com países desenvolvidos12".

Essa função complementar da CTPD foi reiterada em Nairóbi, por ocasião da Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul, cujo objetivo era rever os trinta anos de PABA. Nota-se, a princípio, a mudança de denominação, de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento para Cooperação Sul-Sul. Assim como ocorreu com a Unidade Especial do PNUD, que em sua origem era dedicada à CTPD e, a partir de 2003, ampliou seu mandato para a CSS de forma mais geral, o debate internacional promovido sob a égide da ONU acompanhou a mudança de vocabulário.

O Resultado de Nairóbi (Nairobi Outcome), que formaliza as recomendações do evento de 2009, ratifica o papel da CSS como complementar, e não substituta, da cooperação Norte-Sul. Vai além, no entanto, quando enfatiza a diferença entre CSS e AOD e chama atenção para a necessidade de desenvolver parâmetros próprios de eficiência, sem mencionar os princípios de Paris13. Ou seja, abre espaço para um debate multilateral com margem de manobra para a discussão de novas propostas, sem referência obrigatória à OCDE.

O Brasil no regime internacional de cooperação: cenários e oportunidades A Coréia do Sul completou recentemente sua transição de recebedor para doador de ajuda internacional e, em 2009, formalizou seu novo status no regime internacional de cooperação para o desenvolvimento aderindo ao CAD/OCDE.

Busan, segunda maior cidade do país e uma das poucas a se manter sob sua jurisdição durante a Guerra da Coréia, tornou-se também a principal porta de entrada para a ajuda internacional, fundamental para a reconstrução e o desenvolvimento socioeconômico da Coréia do Sul. Assim, o IV Fórum de Alto Nível sobre a Efetividade da Ajuda, que será realizado em Busan de 29 de novembro a 1º de dezembro de 2011, faz uso do exemplo sul-coreano para reforçar os princípios da Declaração de Paris e da Agenda de Ação de Acra.

Os dados do levantamento realizado pela ABC/MRE e pelo IPEA demonstram o aumento recente da cooperação prestada pelo Brasil aos países de menor desenvolvimento relativo, colocando-o em situação semelhante àquela da Coréia do Sul, mas o país não parece compartilhar, necessariamente, os princípios e conceitos desenvolvidos no âmbito da OCDE.

Assim como o Brasil, países como China, Índia, Venezuela e África do Sul, apesar de atuarem intensamente como prestadores de cooperação internacional para o desenvolvimento, não fazem parte do CAD/OCDE. O rótulo de "novo doador" ou "doador emergente" é impreciso e incômodo, pois tem como referência a ajuda internacional do CAD/OCDE. De fato, o Brasil parece recusar mesmo os conceitos de doadores e recebedores, no que se refere à cooperação: "O governo brasileiro entende que a cooperação para o desenvolvimento não se resume à interação entre doadores e recebedores: entendemo-la como uma troca entre semelhantes, com mútuos benefícios e responsabilidades14".

Nesse sentido, a participação do Brasil no IV Fórum de Alto Nível sobre a Efetividade da Ajuda pode ser bastante oportuna: ao trazer para o debate sua experiência como ator da Cooperação Sul-Sul, o Brasil pode contribuir com a ampliação da agenda internacional sobre cooperação para o desenvolvimento, propondo alternativas e compartilhando experiências. A metodologia utilizada no esforço de quantificação da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional, por exemplo, pode servir como ponto de partida para a proposição de novos conceitos e práticas, alternativas ou complementares àquelas institucionalizadas pelo CAD/OCDE.

Nesse sentido, decidimos, aqui, refletir sobre a motivação da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional. Enquanto o discurso oficial reafirma o caráter solidário e desinteressado da cooperação brasileira, diversos autores têm, em artigos recentes, problematizado essa concepção normativa da cooperação do Brasil. No esforço de se distinguir da ajuda Norte-Sul, a cooperação brasileira assumiu um discurso idealista incapaz de sustentar uma política pública que sirva aos interesses nacionais. Afinal, como lembra Bruno Ayllón, o Brasil se tornou prestador de ajuda internacional com objetivos semelhantes àqueles dos países da OCDE: ampliar e fortalecer seus interesses externos15. Outros autores também defendem a desmistificação dos interesses que sustentam a CSS, em busca de um debate mais honesto16.

A análise das motivações da CTPD não exclui, necessariamente, elementos de solidariedade e boa-vontade para com os países parceiros. Pelo contrário, são aspectos importantes que inspiram, inclusive, os especialistas e profissionais envolvidos nos projetos de cooperação. No entanto, é preciso trazer para o debate as motivações que vão além da não-indiferença, e que são, do ponto de vista da política externa, pragmáticas e legítimas.

No Brasil, a história do Investimento Social Privado (ISP) e da responsabilidade social das empresas pode trazer lições interessantes para a CTPD, especialmente no que se refere à sua motivação e à sua profissionalização. De fato, o tema da responsabilidade social empresarial no Brasil passou por um processo de transformação que procurou superar uma concepção antiquada de filantropia em favor de um posicionamento mais participativo e sistematizado.

Até o final dos anos 1980, a participação de empresas em ações sociais se dava de forma pontual - principalmente por meio de doações -, sem cuidados com relação à gestão, à sustentabilidade ou à avaliação: "(...) associado à ideia de caridade, o conceito de filantropia dava conta de explicar a virtude do doador e a solução do problema do beneficiário, mas não alcançava as dimensões sociais, econômicas e políticas afetadas por essas questões17".

Entretanto, na década de 1990, líderes empresariais, acadêmicos e diretores de institutos e fundações, articulados em grupos de afinidade18, desenvolveram o conceito de Investimento Social Privado. O conceito procura descrever "uma forma de atuação social do setor privado que buscava se diferenciar de formas mais tradicionais de filantropia19". Diferente das práticas filantrópicas, ineficientes e assistencialistas, o ISP se caracteriza pela eficiência de gestão e compromisso com resultados, sustentabilidade das ações e envolvimento da comunidade atendida. A motivação passa a ser mista: além do sentimento de solidariedade, interesses mais diretamente ligados ao negócio - como a simpatia dos consumidores, facilidade no relacionamento com fornecedores e com a administração pública, aumento da visibilidade e aceitação - passaram a ser considerados pelas empresas engajadas em ações sociais. A questão da responsabilidade social das empresas passa a ser tida como fator de competitividade: "Não por acaso, as empresas ampliaram na década de 1990 sua participação na realização de ações sociais para a comunidade. Esse período foi marcado por inúmeras mudanças nas estratégias empresariais, com o objetivo de atender às novas exigências de uma economia globalizada na qual o país se inseria20".

Logo, pode-se supor que os interesses da empresa, quando abertamente reconhecidos, favoreceram a criação de uma forma mais eficiente de contribuir para o desenvolvimento social. A transformação de um modelo filantrópico de ação social das empresas para o ISP teve como impulso interesses ligados ao negócio, em um arranjo de mútuos benefícios.

É nesse sentido que a cooperação brasileira pode aprender com o ISP: para além da solidariedade, ele serve aos interesses das empresas doadoras, ainda que muitas vezes o benefício para elas seja imaterial, ou de difícil mensuração. A CTPD brasileira pode servir aos interesses de política externa do país e, ao mesmo tempo, contribuir com os objetivos de desenvolvimento de outros países, desde que uma não seja condicionante da outra. A CTPD brasileira pode vir a ser interessada, sem se tornar necessariamente interesseira.

O processo de internacionalização de empresas brasileiras pode, como sugerem alguns pesquisadores21, ajudar a orientar a política de cooperação governamental. Mais especificamente, acreditamos que a cooperação brasileira possa criar uma poderosa sinergia com os investimentos sociais das empresas brasileiras no exterior, já que o ISP e a cooperação têm motivações semelhantes: contribuir com o desenvolvimento dos parceiros e conquistar sua simpatia.

 

Referências bibliográficas

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AYLLÓN, Bruno. La cooperación de Brasil: un modelo en construcción para una potencia emergente. Disponível em: http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano/contenido?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/elcano/elcano_es/zonas_es/ari143-2010. Acesso em 20.jun.2011.

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1. LEITE, Iara Costa. Cooperação Sul-Sul: um ensaio conceitual, por Iara Costa Leite. Mundorama, jun. 2010. Disponível em: <http://mundorama.net/2010/06/15/cooperacao-sul-sul-um-ensaio-conceitual-poriara costa-leite/>. Acesso em: 20.jun.2011.
2. Special Unit for South South Cooperation. United Nations Development Program. Disponível em: <http://ssc.undp.org/faq/#irfaq_1_b658b>. Acesso em 20.jun.2011.
3. Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Dez.2010. Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: 2005-2009. Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/Book_Cooperao_Brasileira.pdf. Acesso em 20.jun.2011.
4. As operações de paz não foram incluídas no montante total, pois "as Nações Unidas procedem ao ressarcimento ao Tesouro Nacional das despesas apresentadas pelo governo brasileiro nos itens e percentuais estabelecidos em norma da ONU. (...) Nesse sentido, considerando-se que a Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional apreende somente os recursos investidos pelo governo federal a fundo perdido, manteve-se o registro dos recursos despendidos nas operações de paz como forma de se ter o dimensionamento do esforço, excluindo-se esses valores do montante da cooperação". Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Dez.2010. Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: 2005-2009. p. 47.
5. VAZ, Alcides Costa; INOOUE, Cristina. Emerging Donors in International Development Assistance: The Brazil Case. IDRC/CDRI, Canada, 2007. Disponível em: http://web.idrc.ca/uploads/user-S/12447281201Case_of_Brazil.pdf.
6. Apesar da ABC-MRE concentrar a gestão da cooperação técnica no Brasil, o estudo realizado pela ABC-MRE e IPEA reuniu dados de sessenta e cinco instituições brasileiras do governo federal, entre ministérios e entidades, que contribuíram com a cooperação brasileira no período (Fonte: Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: 2005-2009 - Anexo IV).
7. www.abc.gov.br
8. O debate sobre a efetividade da ajuda internacional teve início em 2003, quando a OCDE organizou o I Fórum de Alto Nível para Harmonização, reunindo representantes de doadores e recebedores em Roma. Em 2005, por ocasião do II Fórum de Alto Nível realizado sob a égide da OCDE, o debate é institucionalizado pela Declaração de Paris sobre a Efetividade da Ajuda, que destaca cinco princípios gerais: apropriação; alinhamento; harmonização; gestão para resultados e mútua responsabilidade. O III Fórum de Alto Nível sobre a Efetividade da Ajuda foi realizado em 2008 em Acra, e foi marcado pela ascensão dos doadores emergentes (em especial China e Índia) e pela participação da sociedade civil. Resultou do encontro a Agenda de Ação de Acra (AAA), que aprofunda e monitora os compromissos assumidos em Paris. Está previsto para novembro de 2011 o IV Fórum de Alto Nível para a Efetividade da Ajuda, a ser realizado em Busan, Coréia do Sul.
9. A AOD difere da concepção brasileira de cooperação ao desenvolvimento sistematizada na pesquisa ABC/MRE e IPEA, na medida em que a primeira inclui empréstimos financeiros com elemento de concessionalidade (grant element) de ao menos 25% que a última não entende como cooperação. De fato, são várias as diferenças entre uma e outra - a AOD é um conceito que tem origem na tradicional cooperação Norte/Sul da OCDE- sua própria definição faz referência às listas publicadas anualmente pelo CAD/OCDE de recebedores de ajuda.
10. Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE. Disponível em: <www.oecd.org/glossary>. Acesso em 20.jun.2011.
11. Declaração final da Delegação brasileira em Acra. Setembro, 2008. Disponível em: <http://www.mofep.gov.gh/hlf_brazil.htm>. Acesso em 20.jun.2011.
12. UNDP. Plano de Ação de Buenos Aires. Disponível em: http://ssc.undp.org/sspolicy/policy-instruments/buenos-aires-plan-of-action/#intro. Acesso em 20.jun.2011.
13. Nairobi Outcome. Disponível em: http://southsouthconference.org/wpcontent/ uploads/2010/01/GA-resolution-endorsed-Nairobi-Outcome-21-Dec-09.pdf
14. xiv Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Dez.2010. Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: 2005-2009. p.7 http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/Book_Cooperao_Brasileira.pdf
15. AYLLÓN, Bruno. La cooperación de Brasil: un modelo en construcción para uma potencia emergente. Disponível em: http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano/contenido?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/elcano/elcano_es/zonas_es/ari143-2010. Acesso em 20.jun.2011.
16. BETANCOURT, Maria Clara Sanín e SCHULZ, Nils-Sjard. South-South cooperation in Latin America and the Caribbean: ways following ahead of Accra. FRIDE, 2009.
17. FISCHER, Rosa Maria. Lições a aprender: a crise e os investimentos sociais. Rev. USP n.85 São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-99892010000200009&script=sci_arttext>
18. O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - GIFE - teve papel destacado nesse movimento, assim como o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
19. Fonte: www.gife.org.br.
20. PELLIANO, Ana. Bondade ou interesse? Como e por que as empresas atuam na área social. Brasília, IPEA 2001.
21. Leite. Iara Costa. O governo Dilma e o futuro da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional. "Um possível caminho seria traçar ações de cooperação em conformidade com uma política de apoio à internacionalização das empresas brasileiras. Ao se estabelecerem parcerias, por exemplo, para a instalação de centros de formação profissional em outros países em desenvolvimento, seria importante que se levasse em conta sua localização em regiões de concentração de filiais de empresas brasileiras, cuja expansão é muitas vezes limitada pela falta de mão-de-obra capacitada nos países que recebem seus investimentos." Disponível em http://mundorama.net/2010/11/03/o-governo-dilma-eo-futuro-da-cooperacao-brasileira-para-o-desenvolvimento-internacional-por-iaracosta-leite/