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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Possibilidades e desafios para um projeto sul-americano de cooperação em temas relacionados à propriedade intelectual no âmbito a Unasul

 

 

Marc Antoni Deitos

Coordenador do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Ritter dos Reis - Rede Laureate International Universities, Porto Alegre/RS, Mestre em Relações Internacionais e Doutorando em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pesquisador do Grupo de Estudo em Antropologia da Propriedade Intelectual da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

 

 


RESUMO

Sob o guarda-chuva da União Sul-Americana de Nações (UNASUL) debate-se a construção de um projeto subcontinental de proteção à propriedade intelectual (PI) que sirva às necessidades do desenvolvimento econômico e social da região. Os esforços integrativos nessa área alicerçam-se em duas experiências de integração regional em curso: a Comunidade Andina das Nações (CAN) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Nesse sentido, o presente artigo perquire as possibilidades e desafios da regulação sul-americana da PI diante das assimetrias institucionais na região. Conclui-se que, apesar do formato intergovernamental ter mais força de expansão para a UNASUL ao se utilizar como variável a influência brasileira na construção dessa organização e do Mercosul, quando se restringe o foco da análise para a área da propriedade intelectual (PI), nota-se um grande potencial do surgimento de uma instituição supranacional sul-americana de PI no bojo da UNASUL.

Palavras-chave: Propriedade Intelectual, Mercosul, Comunidade Andina, Unasul


 

 

Introdução

Sob o guarda-chuva da União Sul-Americana de Nações (UNASUL) debate-se a construção de um projeto subcontinental de proteção à propriedade intelectual (PI) que sirva às necessidades do desenvolvimento econômico e social da região. Os esforços integrativos nessa área alicerçam-se em duas experiências de integração regional em curso: a Comunidade Andina das Nações (CAN) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Esses dois blocos regionais assentam-se em modelos distintos de integração, o primeiro criou instituições comunitárias independentes e o segundo trilhou por mecanismos intergovernamentais de negociação que, colados aos interesses dos Estados-partes, os previnem de exercer o papel de motor do processo integrativo.

A liderança do Brasil no processo de formação da UNASUL, com base na perspectiva histórica da concepção do Mercosul, sugere que o modelo intergovernamental contenha mais força de expansão para o subcontinente. Apesar da ampla aceitabilidade acadêmica dessa tese, a institucionalidade das relações regionais no campo da PI apresenta elementos particulares para uma dinâmica distinta. O principal fator impulsionador dessas relações repousa na assimetria entre o tratamento dispensado à PI na CAN e no Mercosul.

Desde meados da década de 1990, a PI constitui o campo mais profícuo e efetivo do direito comunitário andino: as diretrizes regionais são efetivamente implementadas pelas agências nacionais de PI, os particulares demandam perante o Tribunal de Justiça Andina (TJA) e as decisões são efetivamente cumpridas pelos Estados. Esse corpo supranacional implicou o estabelecimento de um sistema coeso e resoluto capaz de rechaçar fortes pressões estrangeiras. De outra parte, no Mercosul, o tema nunca representou o papel de catalisador do processo integrativo e as iniciativas tanto domésticas quanto externas permanecem encapsuladas no âmbito nacional. Nesse sentido, o presente artigo perquire as possibilidades e desafios da regulação sul-americana da PI diante das assimetrias institucionais na região.     .

 

1. Influências distintas na construção dos modelos integracionistas na América do Sul

De modo geral, no Brasil, desconhece-se a história e as instituições do bloco regional mais próximo ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), a Comunidade Andina (CAN). A CAN tem origem mais antiga que o projeto que reúne os países da Bacia do Prata. Pelo momento histórico distinto de suas fundações originais, as razões para a integração e as influências que sofreram esses modelos integracionistas apresentam diferenças de fundo em suas concepções. A Comunidade Andina (1997) constituiu-se no relançamento do Pacto Andino (1969), e apresenta como influências principais de sua atual estrutura o modelo europeu de integração e as diretrizes emanadas do "Conselho de Washington" (1.1). O Mercosul (1991) apresenta como influência principal de seu modelo de integração a preocupação dos Estados fundadores em manter o bloco vinculado aos interesses nacionais e, dessa forma, controlar diretamente o rumo do processo integrativo. (1.2).

1.1. Influência direta do modelo europeu de integração e do "Conselho de Washington" na estrutura institucional da Comunidade Andina

Diante das dificuldades enfrentadas para a consolidação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), constituída em 1960 com o objetivo de, em 12 anos, estabelecer uma área de livre comércio entre 11 países sul-americanos, alguns países andinos lançaram uma iniciativa complementar.  Em 26 de maio de 1969, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador e Peru colocaram em marcha, pelo Acordo de Cartagena, um projeto de integração econômica e social intitulado Pacto Andino. O objetivo do projeto andino em auxiliar na construção da ALALC vem descrito no art. 1° de seu tratado constitutivo, que visa "promover o desenvolvimento equilibrado e harmônico dos países-membros, acelerar seu crescimento mediante a integração econômica, facilitar sua participação no processo de integração previsto no Tratado de Montevidéu e estabelecer condições favoráveis para a conversão da ALALC num mercado comum".

O modelo econômico de "substituição de importações" adotado por grande parte dos países da América do Sul que buscavam modernizar-se constituiu um dos pilares do projeto andino. Por meio do bloco regional, os países buscavam incentivar o nascimento de uma indústria regional competitiva, protegida por uma tarifa externa comum (TEC) elevada e com amplos incentivos governamentais, o que se designou como "regionalismo fechado". Esse modelo assentava-se, também, naquilo que não estava no âmbito da TEC, na aplicação de altas taxas de importação nacional postas aos produtos estrangeiros, como método para fomentar o consumo dos produtos produzidos intra-bloco.

No art. 3° de seu tratado constitutivo, ficam nítidas as diretrizes do "regionalismo fechado" ao estabelecer, dentre os meios para se alcançar a integração: um programa de diminuição tarifária progressiva entre os membros, a adoção de uma tarifa externa comum, incentivos comuns aos programas de desenvolvimento industrial, um regime comum para o tratamento do capital estrangeiro e o tratamento preferencial concebido à Bolívia e ao Equador.

O desenho institucional adotado pelo Pacto Andino inspirou-se, então, no único modelo de integração em curso que demonstrava ter sucedido e evoluído progressivamente: a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Nesse sentido, o Pacto Andino dotou-se de uma estrutura supranacional composta por um órgão (Junta) responsável por supervisionar a implementação das decisões provenientes do órgão máximo da organização (Comissão). Estava ausente, ainda, nessa fase um órgão "jurisdicional" para interpretar o direito comunitário Andino ou resolver as controvérsias surgidas entre os membros.

Apesar do desenho institucional inspirado no modelo europeu, os objetivos perseguidos pelos dois blocos eram, em seu fundamento, distintos. Enquanto, a CEE estava focada na liberalização do comércio entre os membros e na criação de um mercado comum, o Pacto Andino visava estabelecer uma indústria competitiva por meio do protecionismo concedido aos investimentos na região.

Durante a década de 1970, logo após o início do funcionamento do Pacto Andino, os países da região vivenciarem um período de florescimento e ampliação de suas indústrias, assim como ocorria em outros países sul-americanos que adotavam medidas protecionistas e de investimento público na construção de parques industriais robustos.  Apesar disso, os investimentos estrangeiros não fluíram para a região andina como o esperado, tendo em vista, principalmente, a ausência de infraestrutura e a instabilidade política na região, que afetava diretamente a intensidade de filiação dos países aos objetivos do Pacto Andino.  Exemplo mais nítido desta insegurança revelou-se com a retirada do Chile do Pacto Andino em 1976, após o golpe de Estado de Augusto Pinochet.

Como resposta à instabilidade política na região que levava ao afastamento dos investidores por não se sentirem seguros quanto ao cumprimento e à segurança das normas estabelecidas no Pacto Andino, o bloco resolveu, mais uma vez inspirando-se na CEE, estabelecer um mecanismo judicial para garantir a aplicabilidade das normas comunitárias. Em 1979, foi estabelecido o Tribunal de Justiça Andino (TJA) com poderes similares ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, ou seja: um procedimento que possibilitava à Junta demandar um Estado pelo não-cumprimento de uma norma comunitária andina, um procedimento de nulificação de atos emanados dos órgãos Andinos que ultrapassavam as competências instituídas no tratado constitutivo e um procedimento de consulta ao TJA pelas cortes nacionais quando o caso, no âmbito doméstico, abordava temas de direito comunitário.

Mesmo com os esforços dos países andinos para garantir certa estabilidade às normas comunitárias, o contexto da década de 1980 não apresentou uma conjuntura favorável a todos os países sul-americanos. A grave crise da dívida externa e o baixo grau de crescimento identificado com a estagnação econômica levaram os países a repensarem suas estruturas protecionistas internas, que refletiram na reformulação do Pacto Andino para se adaptar a nova conjuntura internacional.

Foi nesse contexto de crise sul-americana que, no início da década de 1990, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Interamericano para o Desenvolvimento lançaram as bases do que seria conhecido como "Consenso de Washington", que pregava, em grandes linhas, um programa de liberalização econômica, desregulamentação de alguns setores com ampla participação estatal e um programa de disciplina fiscal envolvendo tributos, juros, câmbio e gastos públicos.  Destaca-se que, dentre as dez regras básicas consideradas o núcleo duro do "Consenso de Washington", encontrava-se a defesa dos direitos de propriedade intelectual.

Como resposta às diretrizes provindas das instituições financeiras internacionais, os países membros do Pacto Andino, resolvem relançar o projeto com base nessas novas políticas. Em 1997, a Comunidade Andina (CAN) sucede o Pacto Andino por meio de uma reformulação no Acordo de Cartagena para adaptá-lo aos novos objetivos do bloco. A principal mudança foi o abandono do modelo de substituição de importação pelo modelo de livre comércio com o objetivo de incentivar a interdependência industrial e, consequentemente, estabelecer uma espiral ascendente de coesão econômica entre seus membros. Transitou-se, então, do "regionalismo fechado" para o "regionalismo aberto".

1.2. A influência brasileira na construção do Mercosul e a preocupação em manter canais de influência direta na estrutura do bloco

O Mercosul nasce no momento da segunda onda do regionalismo, ou seja, ao tempo da reformulação do Pacto Andino conforme os preceitos do Consenso de Washington. Ao Mercosul, contudo, além daquelas diretrizes, adiciona-se um forte elemento de influência sobre a sua estrutura: a vontade dos grupos domésticos em manter canais de comunicação diretos com os órgãos decisórios do bloco por meio da presença de seus Estados nacionais.

A história do Mercosul está diretamente ligada à transição democrática nos países do bloco. Em meados da década de 1980, a redemocratização do Brasil coincidiu com a retomada do poder pelos civis na Argentina, assim como nos outros dois países que viriam compor o Mercosul: o Uruguai e o Paraguai, que promoveram suas primeiras eleições democráticas pós-ditaduras nesse mesmo período, respectivamente, em 1985 e em 1989. Por conseguinte, o Estado Democrático de Direito é elemento comum e de particular relevância para os quatro países no momento da concepção do bloco regional. Além desse fator político de aproximação, fatores econômicos concorreram para o afastamento das rivalidades e para o incremento da cooperação entre esses países do Cone Sul, como observa Ricardo Seitenfus:

Na década de 80, dois fatores convergentes alteram a postura do Brasil e da Argentina, acerca da competição entre os dois países. O primeiro, de cunho econômico, é a crise latino-americana durante tal período, com o crescimento descontrolado das dívidas interna e externa, além da inoperância de um Estado maximizado, que intervém - sem eficácia - em todos os setores da sociedade e da economia. (...) O segundo fator é o reencontro, quase simultâneo, ocorrido no Brasil e na Argentina, com o governo civil, compreendendo a alternância de poder, a democracia e o afastamento do militarismo do comando de ambos os países. (SEITENFUS, 2008, p. 293).

O desenho institucional atribuído aos órgãos do bloco foi o consenso com a presença de todos os Estados-Partes. Essa estrutura requer que os atos normativos emanados dos órgãos do Mercosul com poder deliberativo sejam submetidos às instituições domésticas para internalização. De fato, como afirmam Mônica Herz e Andrea Hoffman "o desenho institucional do Mercosul tem um caráter intergovernamental, não incluindo nenhuma instituição supranacional e exigindo a tomada de decisão por consenso com a presença de todos os Estados-parte (...)." (HERZ; HOFFMAN, 2004).  Conforme elucida Alcides Costa Vaz, a institucionalidade intergovernamental do Mercosul refletia a preferência dos grupos de interesse empresariais.

A preferência por esse tipo de arranjo [intergovernamental ], por parte dos empresariados argentino e brasileiro, refletia a preocupação de manter formas de interlocução direta com os tomadores de decisão, como meio de resguardar e promover seus interesses no contexto das mudanças a que o Mercosul se associava (VAZ, 2002, p. 269).

Ainda acerca da institucionalidade intergovernamental do Mercosul, e ao encontro da tese defendida da manutenção da influência direta nacional nos órgãos do Mercosul, é importante observar outra passagem de Alcidez Costa Vaz que, ao referir os meios pelos quais as preferências dos atores empresariais foram agregadas as processo integrativo do bloco regional, afirma:

(...) os interesses dos setores privados foram canalizados não pelos meios institucionais, formalmente concebidos para fazê-lo no contexto da integração do Mercosul, e sim por entidades de representação setorial que atuaram junto às burocracias governamentais das áreas econômicas envolvidas com os temas em negociação (VAZ, 2002, p. 283).
Os órgãos do Mercosul podem ser classificados entre aqueles que detém poder decisório, ou seja, que elaboram atos normativos para o funcionamento do bloco, e os órgãos consultivos, que elaboram recomendações. Têm poder decisório o Conselho Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e Comissão de Comércio. São órgãos consultivos a Comissão Parlamentar Conjunta e o Fórum Consultivo Econômico e Social. Salienta-se, contudo, que todas as Decisões, Resoluções e Diretrizes emanadas dos órgãos com poder decisório do Mercosul devem ser internalizadas via parlamentos nacionais de cada um dos Estados-membros, que mantêm, portanto, um controle direito sobre a evolução do processo integrativo.

O sistema para a solução de controvérsias no Mercosul é composto por duas instâncias jurisdicionais. A primeira é a formação de um Tribunal Arbitral Ad Hoc, cujos árbitros são designados caso a caso mediante a apresentação de uma lista prévia de especialistas pelos Estados-membros. Na hipótese de uma das partes ou mais não se satisfazer com o Laudo do Tribunal Ad Hoc, recorre-se à segunda instância constituída pelo Tribunal Permanente de Revisão. Em algumas circunstâncias, é possível também consultar o TPR no decorrer do curso da ação no âmbito doméstico, mas, vale ressaltar que perante o TPR não cabe todas as ações possíveis no âmbito do Tribunal de Justiça da Comunidade Andina, tendo, portanto, competência mais limitada.

Desse breve debate, pode-se afirmar que o processo de integração no Cone Sul guarda como diferença de fundo do processo de integração dos países andinos a sua incapacidade de alçar voo sozinho, pois está atado umbilicalmente aos Estados-membros. Essa característica vai se refletir, de forma direta, na regulação da propriedade intelectual nessas duas regiões.

 

2. As implicações das estruturas institucionais da Comunidade Andina e do Mercosul para uma proposta Sul-Americana

No âmbito da União Sul-Americana de Nações, inicia-se um debate sobre a uniformização dos métodos de avaliação dos direitos de propriedade intelectual. Enquanto o direito comunitário andino e a própria força desse direito foram construídos, primordialmente, mediante a atuação de particulares e do Estado demandando questões diretamente relacionadas à proteção intelectual, no Mercosul este debate permanece alheio ao sistema jurisdicional do bloco (2.1).  Esse diapasão entre o regime andino e o mercosulino constitui um dos pontos fulcrais para a fusão desses dois blocos no seio de uma unidade Sul-Americana (2.2).

2.1.  Os regimes de Propriedade Intelectual na Comunidade Andina e no Mercosul

Desde o Pacto Andino, a busca por um "sistema comum para o tratamento das marcas, patentes, licenças e royalties" constitui um dos objetivos do bloco, conforme estabelecido no art. 27 do Acordo de Cartagena, de 1969. No decorrer dos últimos quarenta anos, as mudanças nesse sistema comum de proteção à propriedade intelectual são profundas e refletem as fases distintas do bloco regional.

As primeiras decisões provenientes da Comissão que tratavam de temas relacionados à propriedade intelectual, no decorrer da década de 1970, subordinavam os direitos de propriedade intelectual dos investidores aos objetivos de desenvolvimento econômico da região, tratando as patentes e marcas como veículos para a transferência de tecnologia para os países do bloco (HELFER, 2009). Já, no início da década de 1990, seguindo os preceitos do Consenso de Washington, a Comissão emitiu quatro decisões modificando radicalmente esse posicionamento, que passou a ser guiado pela concessão de níveis maiores de proteção aos direitos de propriedade intelectual.

Apesar disso, o Consenso de Washington proclamava a necessidade de novas instituições regulatórias que auxiliassem o funcionamento dos mercados nacionais em diversos níveis como, por exemplo, proteção do consumidor, concorrência, licitações e propriedade intelectual. A pressão das agências internacionais de fomento para essa regulação implicou no estabelecimento do Instituto Nacional para a Defesa da Competição e da Propriedade Intelectual (INDECOPI) no Peru, e da Superintendência da Indústria e Comércio na Colômbia, ambos em 1992 e com as mesmas competências regulatórias sobre temas de propriedade intelectual.

Um próximo passo para a construção de um sistema comum de propriedade intelectual na Comunidade Andina foi dado com a Decisão 486 da Comissão em 2000, que possibilitou às agências reguladoras consultar e demandar perante o Tribunal de Justiça da Comunidade Andina (TJCA). Esse arcabouço resultou numa troca direta e constante entre as agências nacionais e os órgãos supranacionais do bloco, de onde emergiu um direito comunitário amplo e bem definido de defesa da propriedade intelectual.

Os dados do ano de 2007 revelam a importância do tema da propriedade intelectual na Comunidade Andina. Das 1338 decisões emanadas do TJCA 1303 (97%) concernem a temas relacionados à propriedade intelectual: 1165 (87%) referentes à proteção das marcas, 103 (8%) envolvendo patentes, 11 (menos de 1%) acerca de direitos autorais e 24 (menos de 2%) referentes a desenhos industriais e modelos utilitários. Somente 35 das 1338 decisões do TJCA não se referiam a algum caso relativo à propriedade intelectual.

Dessa constatação, se percebe que a própria construção do direito andino está ligada a trajetória da propriedade intelectual no bloco. De outro lado, e pouco se tem a comentar, basta referir que, no âmbito do Mercosul, os temas de propriedade intelectual permanecem encapsulados nos âmbitos nacionais, com agências autônomas em cada Estado-membro que aplicam critérios distintos para a concessão de proteção aos direitos de propriedade intelectual e que não dispõe de mecanismos formalmente estabelecidos de comunicação. Nesse cenário, uma das primeiras iniciativas regionais de conjugação de esforços no que tange ao tema da propriedade intelectual ocorre entre os Estados-Membros do Mercosul, atuando individualmente, e a Comunidade Andina, como bloco. .

2.2. O embate dos modelos no âmbito da União Sul-Americana das Nações

No âmbito regional Sul-americano, há claros sinais de que o Brasil atua no sentido do alargamento do Mercosul, mas não no seu aprofundamento institucional, como sugerem as iniciativas da CASA (Comunidade Sul-Americana das Nações), UNASUL, OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônico) e o projeto de integração da infraestrutura IIRSA IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), todos no sentido da construção de uma base Sul-Americana, ou seja, investe-se no expansionismo da estrutura institucional mercosulina para os demais países da região (COSTA, 2011). Essa realidade se reflete, igualmente, no processo vagaroso, por exemplo, para pleno funcionamento do Parlamento do Mercosul. Instaurado em 2006, as eleições diretas, aguardadas para o corrente período eleitoral brasileiro de 2010, não ocorreram, e, até agora, somente o Paraguai elegeu seus representantes.

No que tange, diretamente, a questão da propriedade intelectual, os Institutos Nacionais de Propriedade Intelectual de nove países sul-americanos lançaram em 25 de janeiro de 2011 o PROSUR (Projeto de cooperação regional em patentes). Fazem parte do PROSUR: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai.

O PROSUR funcionará da seguinte forma: serão selecionados 300 pedidos de patentes, nos campos de biotecnologia e mecânica, que tenham sido apresentados em dois ou mais países, para o exame cooperativo. Examinadores dos países envolvidos trocarão informações de busca e exame relevantes para a decisão final, que continua sendo tomada, soberanamente, por cada país. No futuro, a meta é expandir a cooperação para outras áreas, com o objetivo de buscar cada vez mais agilidade e qualidade em decisões de patentes.

Dessa iniciativa, parece nascer o embrião de um projeto Sul-americano de cooperação na área da propriedade intelectual. Em algum momento haverá um intenso debate sobre a forma institucional que esse projeto tomará, uma vez que objetivos distintos estão em contraste: enquanto a Comunidade Andina construiu seu arcabouço jurídico utilizando-se como base os temas relacionados à propriedade intelectual, esse assunto não está entre as prioridades das instituições do Mercosul. Dificuldades de adaptação surgirão com grande intensidade entre um sistema comunitário, que parece ter mais força neste momento, e as instituições intergovernamentais do Mercosul, ou mesmo das demais iniciativas no âmbito Sul-americanos. Esse artigo, portanto, alerta para um tema futuro e de ampla repercussão para o futuro institucional das organizações regionais na América do Sul.

 

Bibliografia

COSTA, Rogério Santos da. Instituições em processos de integração: êxitos, dilemas e perspectivas do MERCOSUL. In: SILVA, Karine de Souza [Org. ]. Mercosul e União Europeia: O Estado da arte dos processos de integração regional. Florianópolis: Editora Modelo, 2011.

HELFER, Laurence; ALTER; Karen; GUERZOVICH, Florencia. Islands of effective international adjudication: constructing an intellectual property rule of law in the Andean Community. In: American Journal of International Law, No. 103, 2009.

HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: histórias e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. 5. ed. rev., atual. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

VAZ, Alcides Costa. Cooperação, Integração e Processo Negociador: a construção do Mercosul. Brasília: IBRI, 2002.