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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011
China na América Latina: suas estratégias, interesses e as implicações dessa aproximação Sino-Latio-Americana no relacionamento triangular China - América Latina - EUA
Maria Rita Vital Paganini Cintra
Universidade Federal do Rio de Janeiro, programa de mestrado em economia política internacional
RESUMO
Em 2001 a China lançou sua estratégia de going out com o objetivo de promover um relacionamento mais próximo com paÃses produtores de commodities e assim assegurar as matérias-primas que o paÃs necessitava para dar continuidade ao seu crescimento econômico. Em menos de uma década a América Latina (AL), importante produtora de commodities, passou a assumir não apenas um importante papel como fornecedora de produtos estratégicos como também tornou-se importante mercado para os produtos da China. A expansão dos laços diplomáticos e econômicos chineses na região não passaram despercebidos pelos Estados Unidos e tem promovido dois tipos de reação entre os formuladores de polÃticas americanas. Os céticos enxergam a presença da China na AL como uma ameaça aos interesses dos Estados Unidos na região e os otimistas acreditam que o relacionamento sino-latino-americano seja o resultado do aumento da necessidade por commodities e recursos energéticos por parte da China.
Palavras-Chave: China, commodities, América Latina, Estados Unidos
Antecedentes históricos
Em 2001 a China lançou oficialmente sua estratégia de going out com o objetivo de promover um relacionamento mais próximo com países produtores de commodities e assim assegurar as matérias-primas que o país necessitava urgentemente para dar continuidade ao seu crescimento econômico. Em menos de uma década a China fortaleceu antigos laços e criou novos com vários países do globo, sendo que os países da América Latina, importantes produtores de commodities, passaram a ter um importante papel nessa nova estratégia chinesa.
Ao longo das últimas três décadas o PIB da China cresceu de forma fenomenal, o país tirou milhões de pessoas da pobreza, tendo chegado ao posto de segunda economia mundial em meados de 2010. O caminho trilhado pela República Popular da China para chegar a esse posto não foi fácil, nem curto. Nos séculos XIX e XX a China foi ocupada por potências estrangeiras, tendo a Guerra do Ópio em 1839 iniciado um período que mais tarde seria conhecido como o século de humilhação.
Com a Revolução de 1949 foi criado um novo regime, a República Popular da China, com Mao Zedong na liderança do Partido Comunista que vai unificar o país, restaurar a legitimidade entre o povo e promover um período de rápido crescimento econômico. Se por um lado Mao coloca a China ocupando novamente a cadeira como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU e participa do encontro histórico em 1972 com o presidente norte-americano Nixon, por outro lado pratica políticas desastrosas como a do Grande Salto à Frente e a Revolução Cultural, onde dezenas de milhões de pessoas foram mortas violentamente ou simplesmente morreram na fome fabricada, gerada pelo esforço de Mao para acelerar a industrialização da China no período de 1959-1961 (STORY, 2004).
Após a morte de Mao, em 1978 Deng Xiaoping assumiu o poder. A ideologia deu lugar ao pragmatismo, condensado na frase de Deng "não importa se o gato é branco ou preto, contanto que ele pegue o rato". O sucessor de Mao Zedong, centrado numa política liberal de desenvolvimento econômico, muda os rumos do socialismo da China e traça um projeto novo para desenvolver seu país por meio da liberalização econômica, porém preservando a orientação socialista e a liderança do Partido Comunista. O desejo de Deng foi criar um sistema econômico que permitisse à China tornar-se uma nação rica e poderosa em meados do século XXI. Na época, a China era um país muito pobre. A renda per capita era 7% da renda dos EUA, 60% da população sobreviviam com menos de US$1 por dia e o comércio internacional representava apenas 10% do produto interno bruto (STORY, 2004). O objetivo de Deng era quadruplicar a renda per capita da então população de 1,05 bilhão de pessoas. De US$250 em 1981 para US$1.000 no ano 2000 (DENG, 1987), sendo que esse valor deveria ser mais uma vez quadruplicado até 2050.
Deng sabia que para alcançar o desenvolvimento que almejava precisava ter uma população mais instruída. Restabeleceu a prioridade à educação, criando novos centros de pesquisa e treinando milhares de trabalhadores em pesquisas científicas concentradas em áreas de alta prioridade (energia, física, genética, etc.). Nas últimas três décadas, a China enviou 1,4 milhão de estudantes para o exterior. (JAKOBSON & KNOX, 2010, p. 22). Três de suas universidades já estão entre as 100 melhores do mundo, sendo que em 2010 alunos do ensino médio da província de Xangai obtiveram o primeiro lugar nas provas de leitura, matemática e ciência do PISA1.
A orientação geral adotada por Deng Xiaoping foi a da "construção e modernização socialista" por meio da adoção do "programa das quatro modernizações" (agricultura, indústria, defesa nacional e ciência e técnica). A ênfase inicial foi colocada na agricultura e nas zonas rurais. Com 80% da população concentradas na área rural, a estratégia de começar as reformas pela agricultura era coerente com o objetivo histórico de buscar a autossuficiência alimentar e servir de base para o desenvolvimento urbano e industrial. Como forma de modernizar o aparelho produtivo, Deng cria zonas especiais econômicas (ZEEs), concebidas para atrair os investidores estrangeiros que, em troca, introduziriam na China tecnologias e métodos modernos de administração com o propósito de criar um fluxo de exportações gerador de divisas, encorajados por vendas sem impostos, tarifas menores, infraestrutura moderna, legislação trabalhista e salarial flexíveis e menos burocracia (PRYBYLA, 1982). A China iria, dessa forma, iluminar a própria trajetória e construir um "socialismo com características chinesas" (DENG, 1987).
Podemos destacar duas situações favoráveis no que tange à abertura da China ao mundo. A primeira é que desde o início de seu processo de abertura a China, diferentemente de muitos países asiáticos, tem se reerguido de forma soberana, isto é, sem ter de se encaixar nos esquemas estratégicos dos Estados Unidos. A China, ao contrário dos Estados asiáticos convidados ao desenvolvimento pelos EUA, como o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan, jamais abriu mão de sua estratégia de defesa autônoma, com capacidade militar nuclear independente, e de sua retórica anti-imperialista liderada por um partido/Estado (MEDEIROS, 2008). O segundo fator é o respaldo do "capitalismo internacional chinês" (CIC), que não é senão o colossal acúmulo de ativos e de conexões comerciais e tecnológicas, reunidos no globo pelos "chineses de ultramar", e convenientemente capitalizados e reciclados a partir de Hong Kong (OLIVEIRA, 2003).
Crescimento Econômico da China
A frase atribuída a Napoleão Bonaparte: "Deixem a China dormir, pois quando acordar fará o mundo tremer" parece ter funcionado por quase duzentos anos, até o início das reformas iniciadas por Deng Xiaoping em 1979, quando a China passou a seguir uma trilha de modernização pragmática. Ao longo das últimas três décadas o PIB da China cresceu a uma média anual de 9% e o país, com 1,3 bilhão de pessoas (WORLD Bank Group, 2011), tornou-se a segunda maior economia do mundo. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apenas entre 1990 e 2002, o número de chineses com rendimento abaixo de US$1,00/dia caiu de 490 milhões para 88 milhões, tirando cerca de 400 milhões de pessoas da pobreza, sendo que a renda per capita média dos chineses aumentou quase sete vezes. Ainda de acordo com o PNUD, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da China passou de 0,53 em 1975 para 0,78 em 2006. O grau de urbanização também foi impressionante. A população urbana, que representava cerca de 18% do total em 1978, passou a quase 44% em 2006. Entre 1978 e 2006, o número de trabalhadores nas áreas urbanas saltou de 95 milhões para 283 milhões. Ao mesmo tempo, os salários reais médios experimentaram um crescimento anual médio de 11% (NONNEMBERG, 2010).
Há três décadas, o tamanho da economia duplica a cada oito anos. Hoje, a China exporta em um único dia mais do que exportou em todo o ano de 1978. As vinte cidades que mais crescem no mundo atual estão todas na China. O país abriu-se para o mundo e hoje a proporção do comércio internacional no PIB é de 70%. A China é o maior produtor mundial de carvão, aço e cimento e o maior mercado de telefone celular do mundo. Suas exportações para os Estados Unidos aumentaram 1600% nos últimos quinze anos (ZAKARIA, 2008). A China atualmente possui o título que uma vez pertenceu à Inglaterra, no auge da Revolução Industrial, a de "oficina do mundo".
A política externa chinesa se apoia no que se convencionou a chamar de ascensão pacífica (peaceful rise). China tem praticado uma política diplomática de independência, autonomia e paz. Ela não busca a hegemonia e opõe-se ao hegemonismo sob qualquer forma, sustentando que todos os países do mundo, ricos ou pobres, fortes ou fracos são iguais, sendo que os assuntos próprios de um país devem ser solucionados pelo seu povo e os assuntos do mundo devem ser resolvidos pelos países interessados mediante negociações e consultas, mas nunca por uma ou mais potências.
A China não quer mudar as coisas, pelo contrário, ela tem lutado bravamente para assegurar à comunidade global que ela não se vê como um agente de mudança ansioso para mudar a ordem internacional já estabelecida. Como sua ascensão pode ser vista como uma ameaça pelas grandes potências, China está sempre reforçando sua ideia de desenvolvimento pacífico. A atual estratégia internacional da China pode ser definida como sendo pragmática, cautelosa, guiada pela oportunidade e necessidade de assegurar energia, alimentos, metais e minerais estratégicos a fim de sustentar o crescimento dos padrões de vida da sua imensa população.
Demanda por commodities
Economicamente, a dinâmica do crescimento chinês no longo prazo depende do acesso às matérias-primas. O acesso aos mercados internacionais de petróleo e matérias-primas e garantir fontes de suprimentos de longo prazo transformaram-se em objetivo diplomático central do governo chinês (MEDEIROS, 2008a).
A China é uma grande consumidora de produtos primários não apenas porque sua economia é orientada a produzir bens para exportação, mas também porque seu setor manufatureiro está concentrado na produção de bens que usam grandes quantidades de produtos primários. A expansão da capacidade manufatureira da China requer grandes quantidades de cimento, aço e madeira para a construção de novos prédios e vários tipos de metais para a produção de máquinas, além de muita energia.
A China também está importando quantidades cada vez maiores de alimentos. Como as indústrias consomem grande quantidade de água, recurso cada vez mais escasso na China, a agricultura chinesa tem tido dificuldades para manter seus rebanhos e irrigar suas plantações. Entre 2000 e 2005 as importações agrícolas da China mais que duplicaram. Em 2005, por exemplo, 40% de toda a exportação de soja no mundo foram para a China (TRINH et all, 2006).
O aumento pela demanda de recursos naturais não tem sido pequeno. Em 2004 a China já era a maior importadora de materiais plásticos, minérios, sementes oleaginosas, fibras têxteis e celulose. Em dezembro de 2009 as importações de petróleo bruto pela China atingiram 21,26 milhões de toneladas, cerca de 5,03 milhões de barris por dia, volume 48% superior ao registrado em dezembro de 2008, transformando o país no segundo maior consumidor de petróleo do mundo. No mesmo período, as importações de gás natural liquefeito aumentaram em 182%, as de cobre em 119%, as de minério em 80% e as de carvão foram seis vezes maiores. Hoje ela é a principal importadora de ferro do mundo (CHAVES & SOUZA, 2010).
Embora a China seja uma nação relativamente rica em recursos naturais, a quantidade necessária para sustentar tanto o crescimento econômico chinês, baseado na industrialização, quanto os novos e melhores padrões de vida dos chineses, é maior do que a capacidade de adquiri-los no plano doméstico. Ciente de sua deficiência em recursos naturais, o Partido Comunista da China, no seu décimo plano quinquenal (2001 - 2005), promoveu uma estratégia de "going out" (zouchuqu), encorajando as principais empresas chinesas a investir no exterior a fim de construir uma cadeia de suprimento global para assegurar o fornecimento dos recursos necessários para sustentar a atividade econômica da China.
China e a América Latina
O comércio bilateral entre China e os países da América Latina, que foi de US$200 milhões em 1975, alcançou US$47 bilhões em 2005, tendo o comércio entre as duas regiões crescido a uma taxa anual de 24% desde o início da década de 90, quase três vezes a taxa de crescimento de todo o comércio da América Latina (CHENG, 2005). Em 2009, a cifra chegou a US$121,5 bilhões, sendo a China o quarto maior exportador para a região latino-americana (CRI, 2010).
Por que a China se interessa pela América Latina? Podemos citar quatro interesses principais:
1) Busca por commodities
A América Latina passa a ter um papel importante como fornecedora de alimentos como a soja (em 2006 o Brasil exportou onze milhões de toneladas de soja para a China, representando um aumento de 100% no volume exportado em 2004), óleo de girassol da Argentina e produtos mais voltados para a nova classe média chinesa, como os vinhos chilenos, o café colombiano e a cerveja mexicana (ELLIS, 2009, pp.9-19).
Outro recurso importante para a China é o petróleo. De acordo com dados de 2010 do BP Statistical Review of World Energy, desde 2003 o país é o segundo maior consumidor de petróleo do mundo, absorvendo hoje cerca de 8 milhões de barris por dia, atrás apenas dos Estados Unidos. As reservas chinesas provadas de 14.8 bilhões de barris de petróleo no final de 2009 são suficientes somente para alguns poucos anos de produção, tornando exatamente crítica a busca por fontes no exterior. Preocupada com o abastecimento de petróleo no longo prazo, a China está formando reservas usando petróleo produzido internamente e com parte das importações que vem realizando. A América Latina é, cada vez mais, um destino para os investimentos em energia da China. Os chineses estão se tornando importantes produtores no Peru e Equador, adquiriram ativos na Colômbia, estão prontos para participar de futuros desenvolvimentos energéticos no Brasil e têm investimentos na Venezuela (PALACIOS, 2008).
As complementaridades econômicas são uma parte crucial na relação sino-latino-americana. É praticamente impossível para os exportadores de alimentos, minérios e produtos agrícolas ignorar um mercado de mais de 1,3 bilhão de pessoas cujo padrão de vida está melhorando. Ao mesmo tempo, as matérias-primas, minérios e petróleo encontrados na América Latina são sine qua non para suprir a demanda sem precedentes da China por tais commodities necessárias para que ela possa manter sua taxa de crescimento agressiva. Isso explica porque nos últimos anos alguns países da região, como Argentina e Brasil, aumentaram tanto suas exportações para a China. O Brasil ocupa uma posição dominante entre os parceiros comerciais da China na América Latina. De acordo com dados do United Nations Commodity Trade Statistics Database o Brasil é não apenas o maior exportador da região para o país asiático como também o maior cliente dos produtos chineses (COMTRADE, 2009). A Tabela 1 abaixo demonstra os principais produtos de alguns países da América Latina exportados para a China.
2) Mercado para produtos chineses
China se interessa pela América Latina como um mercado para exportar seus produtos. Com a crise econômica de 2008, as economias dos Estados Unidos e da Europa - mercados tradicionais para os produtos chineses - começaram a se contrair. A China reconheceu, então, a necessidade de diversificar seus mercados a fim de manter o crescimento. Jiang Shixue (2008) afirma que expandir seu market share na América Latina tem sido parte do objetivo da China em reduzir sua dependência dos Estados Unidos, Japão e Europa. E que a América Latina, com uma população de mais de 500 milhões de pessoas e uma economia de US$ 3 trilhões, é um mercado atrativo para os produtos Chineses. A Tabela 3 abaixo demonstra os principais produtos importados pela América Latina da China.
O comércio entre China e América Latina ainda é pequeno, mas tem crescido rapidamente. Enquanto as exportações da AL para a China tendem a se concentrar em algumas commodities, as exportações chinesas para a AL são bem diversificadas e concentradas, na sua grande maioria, em produtos manufaturados.
3) Isolar Taiwan
Atualmente, 12 dos 23 países que reconhecem Taiwan como o governo legítimo da China se encontram na AL e no Caribe. São eles: Belize, República Dominicana, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas. A questão Taiwan - seu isolamento e incorporação - é uma prioridade da agenda da política externa chinesa, estando Beijing determinada a conter Taiwan em todos os cantos do mundo. Os países da América Latina que reconhecem Taiwan são alvos estratégicos da China, uma vez que o reconhecimento internacional de Taiwan poderá levá-lo a declarar sua independência (ELLIS, 2009).
4) Alianças estratégicas
Como parte de seu posicionamento global enquanto emerge como uma superpotência, a China reconhece os governos do México, Brasil, Venezuela e Argentina como "parceiros estratégicos". Com um tratamento especial dado a esses países, a China espera aumentar sua influência na região.
Para Almeida (2005, p. 11) a China não tem e não quer ter parceiros, estratégicos ou de qualquer outro tipo. Apesar da intensa atividade diplomática e do emergente otimismo existente no relacionamento entre China e países da América Latina,
A China vai agir exatamente como sempre agem os centros da economia mundial: organizando sua própria periferia de 'abastecimento', que ela espera poder controlar da forma como fazem os imperialismos modernos: não pela via extrativista, mas por redes de negócios centrados em circuitos financeiros próprios, chineses.
Porém, para Jiang, não há dúvidas quanto ao fato de que a China compreende o caráter sensível do aprofundamento de seus laços com a América Latina, uma região tradicionalmente percebida como o "quintal" dos Estados Unidos, e de forma alguma o aumento de sua presença na região pode ser interpretada como um desafio à hegemonia dos Estados Unidos no hemisfério (JIANG, 2008).
Perspectivas dos países da América Latina em relação à China
Não é fácil responder à pergunta: O que a América Latina espera de seu relacionamento com a China? Não há uma única resposta para tal pergunta. Há o grupo dos países que ganham com a China, os importantes exportadores de commodities (como Chile, Peru e Venezuela). Há o grupo dos que ganham com suas exportações de commodities e perdem em seus setores manufatureiros como é o caso do Brasil e Argentina e há os que perdem com a presença da China no continente: os países cujas exportações se concentram em bens industriais (países da América Central e, principalmente, o México). Mesmo dentro de um único país há setores que ganham e outros que perdem.
Definitivamente a China teve um papel importante na recuperação econômica de alguns países da América Latina que hoje veem o país asiático como um parceiro estratégico. O Brasil foi um dos principais beneficiados com a expansão chinesa e sua influência sobre o ciclo recente de expansão dos volumes e dos preços das commodities agrícolas, minerais e metálicas no comércio mundial que propiciou o acúmulo de reservas internacionais a muitos países.
O país asiático tem demonstrado grande interesse em investir na AL. O valor dos investimentos chineses na região latino-americana e no Caribe alcançou US$30,6 bilhões em meados de 2010, ocupando 12,5% do total dos investimentos chineses no exterior, o segundo maior destino de investimento no exterior da China (CRI, 2010). Um levantamento da entidade americana Heritage Foundation indica que o Brasil se tornou o principal destino de investimentos diretos chineses em 2010, num total de US$ 13,7 bilhões em 2010.
Porém, a AL tem perdido terceiros mercados para a China e os volumes não são insignificantes. O market-share brasileiro no mercado dos Estados Unidos voltou para o nível de 2002 no primeiro trimestre de 2010. Enquanto isso, os fornecedores chineses continuam a ganhar espaço nas importações norte-americanas, aproximando-se dos 19% do total das compras daquele país. Os empresários brasileiros também estão preocupados com a perda do mercado mexicano para os chineses. Em 2000, o Brasil respondia por 1,1% das compras do México e a China por 1,6%. Em 2008, a fatia brasileira ficou em 1,8%, enquanto a chinesa saltou para 11,2% (CNI, 2010, p. 10).
O México, um dos países mais afetados pelas exportações chinesas para os EUA, teve sua participação nas importações de PCs dos EUA reduzida pela metade, de 14% em 2001 para abaixo de 7% em 2006, enquanto a participação da China mais do que triplicou, de 14% para 45% no mesmo período. Como resultado, estima-se que mais de 45 mil empregos foram perdidos na indústria mexicana de eletrônicos entre 2001 e 2003 (JENKINGS, 2009, p. 49).
Para Gallagher & Porzecanski, a ascensão da China coloca grandes desafios para o desenvolvimento da América Latina. De seus estudos sobre o futuro da industrialização da América Latina eles chegam a quatro conclusões:
- As exportações da América Latina para a China estão muito concentradas em alguns produtos primários, em certos países e setores, deixando a maioria dos países latino-americanos sem a oportunidade de ganhar da China como mercado para suas exportações.
- A China está superando competitivamente as exportações de manufaturados da América Latina no mundo e nos mercados regionais, sendo sua penetração nos mercados de manufaturados muito mais veloz do que a latino-americana. Para os autores, 94% de todas as exportações de manufaturados dos países da América Latina estão ameaçadas pela China.
- A China está desenvolvendo rapidamente suas capacidades tecnológicas necessárias para o desenvolvimento industrial, enquanto a América Latina (particularmente o México) não está prestando a devida atenção ao seu desenvolvimento industrial e inovação.
- Estas três tendências podem acentuar o padrão de especialização na América Latina e podem prejudicar os prospectos de longo prazo para seu desenvolvimento econômico se a região não aproveitar a oportunidade para se desenvolver (GALLAGHER & PORZECANSKI, 2010, pp. 136-139).
Existe uma série de complementaridades entre China e América Latina, pelo menos para alguns países. A mais importante é, sem dúvida, a do comércio. A demanda chinesa por matéria-prima promoveu forte estímulo nas economias de muitos países latino-americanos. Embora alguns países tenham problemas com a competição dos produtos chineses, tanto no plano doméstico quanto no internacional, os ganhos com as exportações de commodities para a China assim como os investimentos chineses (ou promessas de investir) na região têm produzido, pelo menos sob o aspecto de uma visão de curto a médio prazo, uma imagem positiva do país asiático na América Latina, que também tem se beneficiado de uma maior diversificação de mercado consumidor para seus produtos.
Há uma tendência na região para se tornar mais especializada na produção de produtos primários e manufaturas baseadas em recursos naturais, enquanto a China se especializa em bens manufaturados que estão se tornando mais sofisticados tecnologicamente com o tempo. Isto não é uma questão de forças de mercado liderando a especialização baseada em diferentes habilidades naturais. Apesar das reformas econômicas da China no final da década de 70, o estado continua a ter um papel importante no desenvolvimento chinês, promovendo certas indústrias e protegendo seus produtores locais, ao contrário da América Latina, onde não tem havido tentativas de melhorar e utilizar as políticas industriais desde as reformas neoliberais dos anos 80 e início dos anos 90. Como resultado, as partes de alto valor da cadeia de valores global estão se concentrando na China, e não na América Latina (JENKINS, 2009).
América Latina, China e Estados Unidos: uma relação triangular
As relações entre China e América Latina têm que ser analisadas levando em conta o papel dominante que os Estados Unidos têm com ambos. Estados Unidos e América Latina são cruciais para a China. Com renda e consumo baixos, a China precisa dos investimentos estrangeiros e de exportações, de investidores e de mercados para seus produtos para continuar a crescer. Os mercados, o capital e a tecnologia dos Estados Unidos assim como as matérias-primas como petróleo, minérios e produtos agrícolas da América Latina são essenciais para o governo chinês manter seu crescimento (STALLINGS, 2008).
Para o deputado republicano Dan Burton, os Estados Unidos deveriam considerar as ações da China na América Latina como um movimento de uma potência hegemônica no hemisfério (JIANG, 2008, p. 39):
Os objetivos tradicionais da política dos Estados Unidos sempre incluíram a promoção da estabilidade política, democracia, aumento ao acesso de mercados e prevenção do surgimento de poder hegemônico. Até que saibamos se a China seguirá as regras de comércio justo e se vai engajar responsavelmente em assuntos transnacionais, devemos ser cuidadosos e encarar a ascensão do poder chinês como algo a ser contrabalanceado ou contido, e talvez até mesmo considerar as ações da China na América Latina como um movimento de um poder hegemônico em nosso hemisfério.
Jiang (2008) discorda de Burton. Para ele, a China está bem ciente do fato de que os Estados Unidos consideram a América Latina seu "quintal", não tendo o país asiático a intenção de desafiar a hegemonia dos Estados Unidos na região. Tanto a China como a AL se beneficiariam de trabalhar juntos em prol da paz e do desenvolvimento regional na Ásia e AL, um resultado que só pode ser favorável aos Estados Unidos. Para Tokatlian (2008) Washington parece cautelosa com a presença da China na América Latina ao mesmo tempo em que negligencia seus vizinhos do sul. A estratégia de Beijing para a região, que combina necessidade e oportunidade, não havendo qualquer indicação que sua intenção seja a de desafiar os EUA no hemisfério ocidental, tem contribuído para a ausência de tensões no relacionamento triangular Sino-Latino-Americano-EUA.
É muito improvável que a China e a AL busquem uma aliança que restrinja o acesso dos Estados Unidos na região latino-americana. Washington continua sendo mais importante para a China do que qualquer país latino-americano, ou mesmo toda a América Latina. Ao mesmo tempo, com os interesses dos Estados Unidos mais voltados para o Oriente Médio e na guerra contra o terrorismo, parece bem provável que Beijing continue com seu nível de envolvimento na América Latina, sem levantar suspeitas ou causar tensões com os EUA.
Já para a América Latina, o caminho a ser trilhado para que os recursos naturais não sejam uma "maldição" não é fácil, nem viável em curto prazo. Para que eles possam vir a ser um importante ativo, os países da região devem usar os recursos financeiros - obtidos com a comercialização de suas commodities - para desenvolver suas economias e adicionar valor aos seus recursos nacionais. Maiores investimentos em educação, ciência, pesquisa e inovação devem ser prioridades nos governos dos países latino-americanos. É necessária uma política industrial de longo prazo, com incentivos para o setor privado para que ele possa tornar-se mais competitivo no mercado internacional. "A China já sabe o que quer para 2020 e, o mais importante, já tem um plano para alcançar seus objetivos" (GARCÍA, 2006, pp. 288).
O crescente papel da China na América Latina deve ser visto como uma oportunidade singular para fortalecer as três relações do triângulo assimétrico Sino-Latino-Americano-EUA. Seria um erro se Washington perseguisse uma estratégia geopolítica que forçasse a América Latina a escolher entre os EUA e a China. A última coisa que a região precisa é de um novo jogo de soma zero.
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1. Sigla em Inglês para Programa Internacional para Avaliação dos Alunos. O exame, que é aplicado a cada três anos, é divulgado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Juntos, os países que participam do Pisa representam aproximadamente 90% da economia mundial.