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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Excepcionalismo americano, direitos humanos e política externa dos estados unidos no pós-11 de Setembro

 

 

Matheus de Carvalho HernandezI; William Torres Laureano da RosaII

IDoutorando - Universidade Estadual de Campinas
IIMestrando - Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP, PUC-SP)

 

 


RESUMO

A noção de nação norte-americana tem sua pedra de toque na atuação dos pais fundadores e no modo como estes pensaram o país segundo sua base valorativa. Segundo esse assim chamado "credo americano", a sociedade norte-americana seria dissociada e superior às demais pelo fato de ter sido construída por aqueles que desejavam se apartar das condições contrárias aos ideais cristãos da sociedade europeia para constituir um "farol entre os povos." Tal particularismo cultural, apontando para o que são os EUA e o ser norte-americano, está presente em diversos âmbitos da sociedade, como por exemplo, na construção da ordem constitucional, nos significados dos direitos humanos e na postura e aplicação da política externa. A realidade do 11 de setembro demonstrou, entretanto, violações de direitos humanos cometidas pela administração federal, seja pela promulgação de leis, seja pela atuação de suas agências. O presente trabalho, dessa forma, pretende compreender a política externa norte-americana para os direitos humanos do ponto de vista do excepcionalismo e tendo como pergunta central qual tipo de relação - de consonância ou de contradição - existente entre as violações aos direitos humanos ocorridas no âmbito do combate ao terror no pós-11/09 e esse excepcionalismo.

Palavras-chaves: Excepcionalismo americano, terrorismo, direitos humanos, 11 de Setembro


 

 

Os eventos ocorridos em 11 de Setembro de 2001 trouxeram conseqüências até hoje visíveis na sociedade estadunidense. Ainda há casos contra cidadãos e não-cidadãos acusados de terroristas transitando nos tribunais e os reflexos de casos julgados ainda produzem efeitos, limitando ou abrangendo o poder do Executivo. As invasões de Iraque e Afeganistão atentaram contra uma série de normativas internacionais, especialmente no campo dos direitos humanos. Além disso, a guerra contra o terror instaurou o medo na sociedade estadunidense, que viu a regressão de uma série de direitos civis tradicionalmente defendidos pelos EUA internacionalmente1.

Tendo em vista que as violações aos direitos humanos também ocorreram em outras administrações, o que tornaria o pós-11/09 um momento peculiar? A peculiaridade parece se localizar no fato de que, para além da estigmatização do "outro" (especialmente o "outro muçulmano") - característica fortemente presente em algumas visões de excepcionalismo -, a supressão de garantias, além de ter atingido direitos centrais tradicionalmente defendidos interna e externamente pelos EUA, generalizou-se para toda a sociedade estadunidense a partir da idéia de guerra contra o terror2.

A peculiaridade desse período pós-11/09 trouxe a tona, assim, a importância de se investigar como a guerra contra o terror tentou se justificar tanto externa quanto internamente. A partir disso, a noção de excepcionalismo ganha destaque na análise, uma vez que ela foi recorrentemente usada pela administração Bush para justificar o combate ao terrorismo e as suas medidas e está fortemente presente no pensamento político dos EUA.

Assim, o presente artigo parte do seguinte problema: qual o lugar do excepcionalismo na política externa em direitos humanos no pós-11/09? A esse problema de análise política precede outro, de caráter mais histórico-conceitual, com o qual teremos que lidar também: haveria uma visão única de excepcionalismo? Como essa noção é abordada por diferentes autores? E como alguns desses autores vêem a relação entre excepcionalismo, política externa e direitos humanos, especialmente no governo Bush?

Na tentativa senão de responder, mas de problematizar tais questões, o presente estudo tentará, ainda que de maneira introdutória, analisar o papel dos direitos humanos no ideário político estadunidense. Por meio de análise da conturbada e polêmica "noção" de excepcionalismo americano, buscará visualizar quais as bases sobre as quais a ideia de "ser americano" é continuamente construída, influenciando no relacionamento dos EUA consigo mesmo e com o mundo. Por fim, pretende compreender como o governo Bush vinculou a narrativa do excepcionalismo com os direitos humanos em sua política externa de combate ao terrorismo. O presente trabalho entende que o momento de "guerra contra o terror" levada a cabo pela Administração Bush pôde, ao mesmo tempo, ressaltar a excepcionalidade política estadunidense e destruir as bases nas quais essa mesma excepcionalidade foi construída e, por isso, quer compreender e ressaltar como foi possível utilizar-se da noção de excepcionalismo com base nos direitos humanos para violar esses mesmos direitos no plano doméstico.

Subjacente a esse objetivo principal, nos preocupa também a questão da viabilidade da noção de excepcionalismo enquanto ferramenta metodológica de análise da política externa dos EUA, especialmente no campo dos direitos humanos.

 

O lugar peculiar dos direitos humanos nos EUA pós-11/09

Haveria, segundo Mertus, no pós-11/09, três fatores que tornaram a luta pelos direitos humanos extraordinariamente difícil: a supremacia econômica e militar dos EUA e seu uso unilateral para o avanço dos interesses norte-americanos; o desprezo (sem precedentes) por parte dos EUA em relação às instituições e normas internacionais; e a cooptação do discurso dos direitos humanos pelo governo norte-americano como instrumento para a satisfação de interesses dos EUA contrários aos princípios dos direitos humanos3.

Há, portanto, na visão de Mertus, uma peculiaridade do período pós-11/09 com relação a períodos anteriores. A partir da década de noventa, o tema dos direitos humanos esteve muito mais presente na agenda política e teve papel muito mais relevante na tomada de decisão do que em momentos anteriores. Entretanto, a partir da gestão Bush, parece que os direitos humanos não conseguiram superar o clima de medo que asfixiou as liberdades civis e as políticas imperiais que tornaram isso possível4 (MERTUS, 2005: p. 320).

Trabalhos mostram que os EUA se declaravam promotores dos direitos humanos internacionalmente ao mesmo tempo em que não só mantinham relações com países autoritários, mas também promoviam esses regimes (SIKKINK, 2004; APODACA, 2006; MERTUS, 2004). A partir da guerra contra o terror, essa equação tornou-se mais complexa. Isso porque a já estudada ambivalência se misturou com a dificuldade de compreensão do papel que os EUA se rogam frente aos demais países ao mesmo tempo em que violam sistemática e deliberadamente esses direitos internamente.

Diante dessa peculiaridade do pós-11/09, é plausível argumentar, tal como faz Apodaca, que a guerra contra o terror tornou os direitos humanos uma vítima calculada da campanha anti-terror, a qual teria praticamente erradicado a pauta de direitos humanos da política externa dos EUA. Os críticos desses direitos e os formuladores da política externa de Bush argumentaram que os EUA deveriam abandoná-los temporariamente em nome de objetivos mais urgentes.

A retórica de Bush era restritiva, dicotômica e maniqueísta: Bem X Mal, Aliado X Inimigo. A partir do 11/09, os EUA voltaram a ter um inimigo e, dessa vez, diferentemente da Guerra Fria, um inimigo difuso e ambíguo. Sendo assim, esse inimigo podia ser personificado em um terrorista e suas organizações (al Qaeda e Bin Laden), em líderes tiranos (Saddam Hussein) ou ainda em regimes "desobedientes" (Eixo do Mal - Irã, Iraque e Coréia do Norte).

Diante da "nebulosidade" do inimigo, A guerra contra o terrorismo de Bush favoreceu regimes militares autocráticos, uma vez que eles não necessitavam responder a seus cidadãos, mas apenas às demandas dos EUA. É neste sentido, portanto, que a autora coloca os direitos humanos como uma vítima calculada do governo Bush, isto é, como intencionalmente instrumentalizado por essa gestão.

Human rights violations could now be justified by the global fight against terrorism, particularly if the institution of democracy and the respect for human rights would bring to power a political party that did not support U.S. hegemony and influence in the region (APODACA, 2006: p. 184).

Outras administrações também foram acusadas de dar suporte a regimes que não respeitam os direitos humanos, no entanto, a administração Bush foi acusada de ter colocado violações desses direitos (torturas, etc) como política governamental. Além da gravidade dessa situação, essa postura de Bush, segundo a autora, violou os próprios valores norte-americanos, os direitos básicos e as leis internacionais.

O contraste, portanto, não está mais com a violação aos direitos humanos em outros países simplesmente, mas sim, com a violação de direitos humanos na própria sociedade estadunidense. Sua política externa para os direitos humanos, assim como a imagem de promotor desses direitos, perdeu legitimidade no momento em que a proteção dos direitos humanos deixou de ser garantida internamente.

 

Visões do Excepcionalismo Americano e a Administração Bush

Pode-se dizer que, de certa forma, a política externa americana seria expressa pela ideia de excepcionalismo, referindo-se à (auto)percepção de que os EUA diferem qualitativamente das outras nações desenvolvidas por percepção esta fundamentada na 'origem única' do país, em seu credo nacional, sua evolução histórica e em suas distintivas instituições políticas e religiosas. Refere-se ainda às qualidades distintivas que procederiam de sua "ímpar" comunidade política definida pelos valores liberais-democráticos.

Internacionalmente, esse excepcionalismo exige que as ações do governo estadunidense sejam reflexos dos valores políticos liberais que definem os EUA como uma estrutura e um ambiente político significativamente distinto dos outros países. A política externa expressa, segundo Monten, a crença de que os estadunidenses são o povo eleito, uma nação escolhida guiada pela providência para demonstrar a viabilidade da propagação dos valores e instituições democráticas e liberais conforme o experimento americano (MONTEN, 2005, p. 120)5.

Nesse sentido, o autor, a promoção dos direitos humanos seria um objetivo de política pública independente das demais, mesmo que poucos recursos sejam efetivamente disponibilizados com esse intuito. Segundo Hancock, os oficiais da administração Bush colocaram, através de seus discursos, tal como em outros momentos da história dos EUA, os direitos humanos como um objetivo independente de política externa. Hancock também aponta para o caráter vago desses discursos, os quais não definem de quais direitos se fala e tampouco referem-se às condições de realização de tais direitos. Observa-se, com essa separação entre os diversos objetivos da política externa estadunidense, que os direitos humanos são instrumentalizados, justificando os atos do governo nas outras áreas, haja visto que no plano retórico a proteção a esses direitos são garantidos.

Desde já, vale ressaltar a dificuldade em apresentar uma visão única do excepcionalismo americano e, a partir dela, analisar o período pós-11/09, uma vez que diferentes visões coexistem e tentam explicar partes significativas da experiência política estadunidense. Isso nos leva à escolha não só de apresentar essas diversas visões do excepcionalismo, mas também de detalhar as análises do período confrontando-as, sem necessariamente adotar previamente uma dessas visões.

A terminologia "excepcionalismo americano" foi cunhada no meio do século XX como parte de uma tentativa dos cientistas sociais de explicar a ausência de uma resposta revolucionária socialista americana à decadência do capitalismo industrial na Grande Depressão. A natureza da noção de excepcionalismo americano é visto de forma diferente por cada autor que busca equiparar a sua definição ora como um distintivo cultural, ora como identidade política. O excepcionalismo norte-americano, de acordo com Schmidt (2006), é uma narrativa que oscila em colocar os EUA como singularmente sagrado, brutalmente secular, hiper-individualista, conformista e profundamente violento.

Os EUA, segundo Hartz (1991), diferem da Europa por não possuir um passado feudal ou um pensamento marxista que pudesse ter estimulado a construção de uma alternativa revolucionária ao discurso político do New Deal. Isso chama a atenção nos EUA, pois toda uma geração de políticos e intelectuais insiste que os EUA teriam uma "alma americana essencial e singular", sintetizada por algumas virtudes e uma missão de alcance global, posto que os EUA seriam um modelo para o restante da humanidade.

Nas décadas posteriores à metade do séc. XX, a ideia de "excepcionalismo" passou a ser usada mais amplamente nas ciências sociais, empregada para referir-se à crença de que a história política dos EUA seria radicalmente diferente das experiências de qualquer outra nação e que, de fato, sua experiência seria exemplar para as outras nações.

Um dos primeiros elementos que conformou a idéia de excepcionalismo decorre de John Locke: o chamado American wilderness. Segundo Locke, os EUA representavam tanto uma possessão da Inglaterra quanto uma representação da vida humana sem o advento do dinheiro.

Os puritanos, contudo, tinham outro entendimento a respeito do que seria esse excepcionalismo. Para eles, as colônias da Nova Inglaterra eram repúblicas teocráticas, pondo em prática sua fé e seus princípios políticos nos "desertos" do Novo Mundo6. John Wintrop foi quem caracterizou tal pensamento afirmando que a colônia deveria ser: ''[...] as a city upon a hill, and the eyes of the world shall be upon us'' (MILLER, 1956: p. 79). As colônias da Nova Inglaterra, segundo essa visão puritana, eram vistas como se fossem um laboratório de Deus antes de ele estender todo seu pacto com o restante do mundo.

Os flagelos impostos por Deus aos puritanos seriam representados, segundo eles, pelas guerras de redenção travada contra os nativos americanos, os quais, ao serem considerados pagãos, se constituiriam no elemento de alteridade a partir do qual os americanos definiriam sua identidade e sua missão. Ou seja, a ideia de "outro pagão" era fundamental à definição e consolidação do excepcionalismo americano. Assim, a natureza excepcional dos EUA seria definida por suas guerras sagradas, narrativa esta que, de certa forma, permanece sendo a estrutura básica de algumas das versões da história excepcionalista da república americana (FONSECA, 2007).

Interessante destacar que, ao incorporar essa idéia de povo eleito a partir da referência aos puritanos, os EUA criaram gradativamente uma história nacional que privilegiou alguns temas e negligenciou outros. Nesse sentido, ao destacar o papel central dos puritanos na formação da cultura da Nova Inglaterra, excluiu-se, por exemplo, a contribuição do Sul dos EUA na formação da nação e negligenciou-se a atuação de outros grupos religiosos, que não os puritanos (JUNQUEIRA, 2003).

Há uma interpretação alternativa da fundação da Nova Inglaterra, invocada pela primeira geração de acadêmicos na tentativa de explicar as políticas dos EUA a partir da noção de excepcionalismo americano (SCHMIDT, 2006). Nessa interpretação, que decorre de Locke, o Novo Mundo seria um espaço de indivíduos orientados por uma racionalidade econômica e que tiveram a chance de estruturar todos os aspectos daquela nova sociedade. Não haveria espaço para um pensamento revolucionário nos EUA, mesmo diante das crises, por conta dessa tradição excepcional e de longo prazo baseada no individualismo lockeano.

Turner (1996), na virada do século XX, sugeriu uma outra interpretação a respeito do que conformaria o excepcionalismo americano. Seria a contínua e perpétua expansão americana para o oeste (no binômio civilização-barbárie) que singularizariam os EUA, e não o retorno ao American wilderness, como sugeriam os puritanos. Esse padrão expansivo, segundo Turner, fez com que os EUA fossem obrigados a evoluir e a adaptar suas instituições de maneira contínua, dando origem a instituições singulares, não copiadas da Europa.

Para Hartz, essa busca incessante por um excepcionalismo americano, esse desejo de ser capaz de identificar o que é a república e quem são seus amigos e inimigos transformariam a cultura democrática americana em ameaça aos seus próprios cidadãos. Isso ocorreria, segundo ele, por que a matriz lockeana cria um dilema na sociedade norte-americana (e no Direito), pois ao mesmo tempo em que ela localiza o excepcionalismo no individualismo liberal e racional, ela produz uma explicação macro para a definição do que é ser americano. Com isso, o excepcionalismo exige que os americanos tenham consciência de sua "alma essencial", no entanto, essa "alma" compartilhada entraria em choque com a singularidade que caracteriza o individualismo racional.

O que acontece, segundo Hartz, é que, por conta desse complexo "dilema identitário", os liberais americanos transferiram sua insegurança e irracionalidade aos "outros" excluídos e, com isso, eles conseguiriam manter sua crença em seu pertencimento a um rol de indivíduos autogovernados. Mas o preço dessa segurança é a demonização do "outro" que fica de fora da conformidade democrática liberal7.

Nesse sentido, Junqueira afirma que a construção da nação norte-americana calcada no excepcionalismo situa os EUA como uma sociedade exclusiva e excludente:

Segundo essa perspectiva, eles criavam não só uma sociedade única, mas um modelo de organização universal, que deveria ser seguido por todos; qualquer outra alternativa estaria caminhando na direção errada. Dentro dessa ordem de idéias, construíam um modelo de sociedade profundamente excludente: no plano doméstico eram excluídos índios, negros, católicos e imigrantes (iniciou-se depois da Independência a versão de que os Estados Unidos, a "América profunda", era formada pelo homem branco, anglo-saxão e protestante), e tratava-se de uma sociedade excludente também no plano internacional, pois a idéia de povo e de sociedade exclusiva que montavam tornou difícil reconhecer culturas diferentes da cultura protestante (JUNQUEIRA, 2003: p. 167).

Moravcsik (2005) é altamente crítico a essa visão de excepcionalismo construída em bases religiosas que se transpõe para o âmbito político. Inicialmente, ele argumenta que o excepcionalismo americano, no que concerne ao campo dos direitos humanos, pode ser entendido como a aversão a qualquer aceitação formal das normas e de enforcement de direito internacional dos direitos humanos (DIDH). Isso põe uma questão paradoxal: a resistência em aceitar essas normas de direito internacional por um lado e, por outro, a longa tradição de promoção dos direitos humanos, tanto judicialmente no âmbito interno, quanto politicamente no plano externo.

Nesse caso, o excepcionalismo americano pode se desdobrar em não conformidade e não ratificação dos documentos internacionais de direitos humanos ou ainda em padrões duplos. Independentemente disso, todas essas decorrências podem ser vistas como padrões de um mesmo fenômeno, qual seja, a falta de vontade de impor a si mesmo regras gerais de direito internacional que o governo estadunidense considera em princípio como justas. Deve-se recordar que nos poucos casos em que os EUA ratificam uma convenção internacional de direitos humanos, o fazem com a inclusão de mais reservas do que qualquer outra democracia8.

Com relação à ideia de "direitos culturais" dos EUA, as explicações culturalistas veem o excepcionalismo americano para os direitos humanos como o resultado de valores culturais amplamente difundidos e de longa data sobre a legitimidade de procedimento que torna as normas internacionais intrinsecamente não atrativas para os americanos. Moravcsik não concorda com esse tipo de explicações do excepcionalismo norte-americano9. Nesse sentido, ele refuta, por exemplo, análises que adotam elementos culturais como explicativos da relação extremamente tensa entre os EUA e o direito internacional dos direitos humanos. Comumente, os elementos culturais explicativos referidos - e dos quais Moravcsik abertamente discorda - são os seguintes: a) as obrigações internacionais violariam a ampla reverência para com a Constituição dos EUA e instituições políticas como símbolos sagrados entre a elite legal e os cidadãos. b) a duradoura crença norte-americana na soberania popular e no governo local predisporia americanos a se opor a normas judiciais centralizadas. c) uma cultura norte-americana popular de direitos negativos enraizadas em uma visão de mundo individualista seria incompatível com obrigações de direito internacional dos direitos humanos.

Essas afirmações, segundo Moravcsik, têm grandes dificuldades de comprovação. Aqueles que compartilham de uma visão que "santifica" a Constituição dos EUA, como a atual dispersão da interpretação legal chamada de "originalismo" sugere, são os maiores críticos da aplicação das normas de direitos humanos. Entretanto, Moravcsik afirma que a opinião pública estadunidense tem visto mais positivamente os tratados de direitos humanos e as ações multilaterais, quando comparada aos decision makers, particularmente aqueles do Senado. Ademais, o autor alerta para o fato de que as pesquisas acadêmicas sobre políticas de direitos humanos vêm mostrando que é majoritariamente a elite e não a opinião pública que guia as políticas de direitos humanos.

Aceitar o DIDH também traria problemas de déficit democrático, segundo aquelas críticas que apontam a falta de legitimação da burocracia internacional não eleita em contraste com o sistema democrático nacional. A forte relação com a soberania popular seria um empecilho para a aplicação de normas de DIDH. Entretanto, para o autor, o procedimento através do qual a burocracia das organizações internacionais é eleita não seria a grande preocupação daqueles que se opõe à observância dos EUA em relação ao DIDH. O problema, de acordo com Moravcsik, está na ideia de localismo das instituições políticas.

O ceticismo com relação à implementação de tais normas viria, segundo Moravcsik, da posição geopolítica norte-americana, de sua posição como democracia estável, de uma ativa minoria conservadora de instituições políticas descentralizadas e fragmentadas. Seriam quatro características importantes: o superpoder externo, estabilidade democrática, minorias conservadoras e políticas de veto-group. O autor argumenta que exatamente por ter essas quatro características exacerbadas é que os EUA são céticos em implementar as normas internacionais no plano doméstico. Embora Moravcsik veja os EUA como uma democracia com histórico de intensa preocupação com os direitos civis internamente e grande senso de solidariedade com outras democracias liberais, essa seria uma explicação no doméstico. ee direitos humanosmais plausível para a ambivalência com relação ao DIDH do que as explicações de cunho cultural. Seria essa, portanto, a verdadeira excepcionalidade dos EUA, na visão de Moravcsik.

As visões pluralistas, das quais Moravcsik compartilha, reforçam as relações de interesse, as instituições e a "lógica da consequência". Moravscki dá forte atenção ao papel das instituições na formação da política estadunidense para os direitos humanos. Dessa forma, entram no cálculo do pluralismo: estruturas institucionais, posições substantivas de formação de políticas e a distribuição do poder político.

A explicação mais convincente e coerente, segundo Moravcsik, com a história política norte-americana e que está em acordo com o procedimento constitucional dos EUA estaria na natureza fragmentada das instituições políticas norte-americanas. Conforme o autor, partindo da representação política madsoniana do governo norte-americano baseado em um esquema de "checks and balances" e de separação dos poderes, tudo o mais estando constante, o que vai determinar a aprovação ou não dos tratados e demais obrigações internacionais é o chamado "veto players", considerados como aqueles que podem impedir ou bloquear uma ação governamental. Quanto maior o número de "veto players", maior a possibilidade de não obter sucesso na aprovação de normas de direitos humanos. O sistema descentralizado das instituições norte-americanas geraria, assim, um número grande de "veto players"10

Pensando-se nas decorrências externas dessa percepção excepcionalista observa-se o National Security Strategy de 2002. Tal documento, elaborado no âmbito da guerra contra o terror, sustenta que a posição de primazia estadunidense criou um momento oportuno para estender os benefícios de liberdade por todo o globo. Os EUA passariam assim, a trabalhar ativamente para trazer esperança de direitos humanos, democracia, desenvolvimento, livre mercado e livre comércio para cada canto do mundo. Essa expectativa do governo dos EUA acerca de seu próprio papel "civilizador" parece estar altamente relacionada com a narrativa excepcionalista, qual seja, a crença de que o poder americano é o único pilar sustentando uma ordem mundial liberal que é conduzida justamente pelos princípios que eles acreditam.

Monten (2005) argumenta que a promoção da democracia e dos direitos humanos e a relação com os valores liberais fazem parte do nacionalismo americano, assim como a sua expansão pelo globo. Nesse sentido, o autor percebe, tal como Fonseca (2007), que há duas perspectivas para a promoção da democracia e dos direitos humanos no longo prazo que são baseadas no mesmo espírito de excepcionalismo. A primeira é caracterizada como "exemplarismo," concebendo os EUA como uma nação fundada em separado da política do Velho Mundo e do sistema de equilíbrio de poder. Sugere que as instituições e valores americanos deveriam ser perfeitos e preservados (freqüentemente, mas não exclusivamente,) por meio do isolacionismo. A segunda perspectiva, "vindicacionismo," também compartilha a ideia da "cidade no alto da montanha", mas argumenta que os EUA deveriam mover-se para além do exemplo e tomar medidas ativas para propagar seus valores políticos universais e instituições, ou seja, serem tais como evangelistas e missionários.

O neoconservadorismo, descrito como alarmista e ocasionalmente conspiratório, está situado, de certa forma, no interior dessa tradição vindicacionista. Monten argumenta que o vindicacionismo não é uma aberração, mas sim, consistente com uma história de ideologia nacionalista enraizada no excepcionalismo liberal. Portanto, a peculiaridade do período pós-11/09 estaria justamente na exacerbação dessa doutrina vindicacionista, mobilizada pelos neoconservadores no combate ao terrorismo, alinhado à narrativa do excepcionalismo e justificada pela evocação de valores, como democracia e direitos humanos. Segundo Ruggie, realmente o governo de Bush representa a grande inflexão política em favor de uma postura avessa ao DIDH:

But what may be the politically most significant shift, the Bush administration has been far more hospitable to the exemptionalist agenda than any of its predecessors. Indeed, in its vigorous opposition to the ICC it may end up sabotaging what most American allies consider the crowning achievement of the postwar move toward global governance (RUGGIE, 2005: p. 306).

A presença de elementos decorrentes da narrativa excepcionalista na guerra contra o terror pôde ser observada claramente nos discursos de Bush. Momentos depois dos atentados, ele se dirigia à nação por meio de um discurso contundente se valendo de expressões altamente emblemáticas, tais como: "a liberdade foi atacada", "a democracia foi atacada", "esta é uma guerra do bem contra o mal", "a América está sendo testada". E isso se repetiu nas justificativas, por exemplo, de invasão ao Iraque, quando Bush apresentou a operação como uma missão de salvação aos iraquianos, ou seja, um discurso em estreita consonância com a idéia de que os EUA são tão únicos e excepcionais que são dotados de uma missão civilizatória em relação ao restante do mundo (JUNQUEIRA, 2003).

É importante finalizar dizendo que esses discursos de Bush tinham como meta mobilizar a opinião pública norte-americana e destacar a posição preponderante dos EUA no pós-Guerra Fria. Os direitos humanos foram evocados em tais discursos devido justamente a seu poder de representação junto aos norte-americanos, isto é, codificar os discursos políticos por meio de uma linguagem - ainda que muito vaga e nebulosa - dos direitos humanos "lembrou" aos norte-americanos que todos eles faziam parte de uma comunidade única e exclusiva e, portanto, legítima para levar tais direitos ao resto do mundo. Portanto, por último, deve-se ressaltar que isso não significa que toda a população dos EUA concordasse com Bush naquele momento, mas que todos conheciam aquelas expressões como manifestações de identidades minimamente compartilhadas (JUNQUEIRA, 2003).

 

CONCLUSÃO

A influência do excepcionalismo americano na política externa dos EUA é muito grande, principalmente do ponto de vista do discurso construído sobre os direitos humanos. Moravscki argumenta que a posição dos EUA e os acontecimentos internos e externos de violação dos direitos humanos minaram a legitimidade das ações desse Estado internacionalmente, dando a sensação de que o país não defende os direitos humanos internamente. Para ele, alguns acreditam que essa postura minou até mesmo a "guerra contra o terror" por confundir princípios distintivos entre terrorismo e contraterrorismo, por exacerbar condições políticas e sociais que reproduzem o terrorismo e por minar a cooperação internacional.

O próprio Presidente Bush declarou que a invasão do Iraque foi parte de uma lição democrática baseada na ideia de singularidade e excepcionalidade dos EUA. As declarações de Bush sobre segurança nacional, como mostra Schmidt, deixam claro que só há, na concepção do ex-presidente, um único modelo de sucesso que sobreviveu ao século XX - o estadunidense - e que, por conta disso, os EUA seriam unicamente responsáveis por dar o exemplo e por expandir esse modelo pelo mundo. Como pôde ser visto até aqui, o lugar peculiar do excepcionalismo na política externa de combate ao terrorismo no pós-11/09 foi de extrema importância para a mobilização do discurso dos direitos humanos para as ações internacionais dos EUA. Como já dito, esse tipo de mobilização não é inédita na história da política externa dos EUA, porém, a peculiaridade do pós-11/09 estaria na exacerbada vinculação entre o excepcionalismo e o vindicacionismo advogado pelos neoconservadores.

A peculiaridade do período não se esgota aí. Ele também se singulariza por conta do grau de violação interna de direitos tradicionalmente defendidos pelos EUA. Esse grau de violação colocou a própria noção de excepcionalismo em contradição, uma vez que as práticas que atentaram contra os direitos constitutivos da noção de excepcionalismo foram mobilizadas e justificadas a partir de um discurso que se ancorou no mesmo excepcionalismo.

Tamanho grau de contradição e ambivalência - entre a existência de um forte discurso identitário identificando a nação como promotora dos direitos humanos e as violações de direitos constitucionais básicos - só conseguiu se acomodar devido ao desconhecimento e à instauração do medo e de técnicas de vigilância extremamente invasivas.

Segundo Mertus, a população dos EUA não tem desenvolvida uma cultura de direitos humanos. A autora, se reportando a uma pesquisa da Anistia Internacional (MERTUS, 2005, p. 326), afirma que 94% dos norte-americanos adultos e 96% dos jovens não têm nem consciência da existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa lacuna contribuiu para que os governos norte-americanos, com forte destaque para o governo Bush, consigam suprimir direitos internamente enquanto se valem de denúncias de violações ocorridas externamente para a imposição de sanções e até de invasões. Além disso, de acordo com Mertus, desprovidos dessa cultura, os cidadãos norte-americanos não dispõem plenamente de instrumentos e ferramentas em matéria de direitos humanos para avaliar e criticar as decisões de política externa do governo.

O clima de medo criado no pós- 11 de Setembro, principalmente pelo constante estado de alerta a que a população foi obrigada a se manter, permitiu que a população apoiasse a administração Bush nas violações de direitos humanos que foram cometidas por ela, aceitando no plano retórico a valorização do excepcionalismo americano ainda que as medidas tomadas violassem o cerne desse mesmo excepcionalismo que são os direitos humanos em sua dimensão civil e política.

Finalmente, chega-se ao problema metodológico a que esse estudo se propôs a problematizar. Observada a diversidade de visões que tentam definir o excepcionalismo e a elasticidade que permite que ele seja constantemente mobilizado em discurso argumenta-se aqui que o excepcionalismo não possui uma concatenação interna suficientemente lógica e uma coerência formal a ponto de ser considerado um conceito e tampouco uma ferramenta de análise da política externa dos EUA. Essa multiplicidade de definições inviabilizaria a utilização do mesmo como ferramenta analítica. Entretanto, permite observar os termos da retórica política na construção da política doméstica e, assim, leva a entender a valorização dada a determinados conceitos em detrimento de outros.

Apesar dessa possibilidade de recorrente instrumentalização a serviço dos interesses que circundam a formulação e a execução da política externa dos EUA, o excepcionalismo não pode ser, por outro lado, considerado uma mera ferramenta retórica das elites políticas estadunidenses. O que se percebeu com o presente estudo é que o excepcionalismo, mais do que uma noção, é uma auto-percepção que encontra ressonância tanto na esfera social e política quanto na academia norte-americana.

Devemos lembrar que a tentativa excepcionalista de sintetizar a alma americana essencial é muito penetrante, sendo insuficiente querer simplesmente superá-la ou apontá-la como mero discurso vazio. O excepcionalismo americano é absolutamente central ao pensamento político estadunidense para ser erradicado. Segundo Schmidt, é possível, como observado ao longo do texto, que sua forma seja alterada, mas a narrativa em si é a modalidade favorita de autobiografia nacional estadunidense (SCHMIDT, 2006).

Cabe, portanto, ao pesquisador não tentar reverter ou redimir o excepcionalismo, mas sim confrontá-lo, na tentativa de encontrar novas maneiras de analisar o papel dos EUA no novo século. Mais ainda, cabe também ao pesquisador tomar os devidos cuidados metodológicos para não adotar como pressuposto - consciente ou inconscientemente - a ideia de que existe, de fato, uma verdadeira alma americana essencial.

 

Bibliografia

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1. Entre esses eventos é possível observar o acontecido em tais casos: a) no intenso uso de ordens executivas, como é o caso da Executive Order 13233 denomida " Further Implementation of the Presidential Records Act" de novembro de 2001 e que permitiu a retenção dos documentos relativos à "guerra contra o terror", Abu Ghraib e Guantánamo, escondendo os já inúmeros casos de irregularidades e violações de direitos humanos, incluindo a tortura dos primeiros, justificadas pelos juristas Jay Bybee e John Yoo, uma vez que a Convenção de Genebra sobre prisioneiros de Guerra foi considerada obsoleta e o presidente foi alçado ao posto de acima da lei pelo Departamento de Defesa, e da Military Order, permitindo a detenção de qualquer pessoa suspeita e na criação de tribunais militares ad hoc para julgamento desses suspeitos sem atender aos direitos anteriormente consagrados e impossibilitando-os de procurar defesa nos Tribunais Federais e nem de procurar a Suprema Corte por meio do judicial review. Além disso, restringiu direitos humanos da população por meio de alterações legislativas, principalmente na concessão de poderes ilimitados ao  Department of Homeland Security e na aprovação do USA Patriot Act em 2001, assim como nas suas modificações posteriores.
2. "After 9/11, the Bush Administration had declared the United States to be at war. This declaration of war once again justified the emergency measures that would limit not only the rights and liberties of enemies and foreigners, but also those of American citizens." (APODACA: 2006, p. 173).
3. Havia uma grande dificuldade de obtenção de informações pelos defensores dos direitos humanos diante do quadro de restrição e classificação de documentos, por exemplo (MERTUS, 2005: p. 318). Além disso, a administração Bush exerceu grande pressão junto aos grupos defensores dos direitos humanos, exigindo que as organizações diminuíssem a publicização dos abusos ocorridos internamente. Inclusive, uma questão pouco divulgada é de que aquelas organizações que recebiam financiamento federal passaram a ter que verificar se entre seus empregados não havia os que estavam na então criada lista-negra do governo (MERTUS, 2005: p. 319).
4. Estudos prévios mostram que nesse ínterim, a parte da sociedade civil que busca a proteção do direito internacional dos direitos humanos teve reações diversas (MEZAROBBA, G.; HERNANDEZ, M.; ROSA, W., 2010).
5. Nesse sentido, o interesse dos EUA com a promoção da democracia seria um compromisso moral com os valores liberais, mais do que com uma maximização de interesses materiais, e derivaria de três fontes: calvinismo, iluminismo e necessidade funcional ou histórica (MONTEN, 2005, p. 121).
6. Essa posição puritana era de grande significado, pois ser um modelo para as outras nações implicava em pagar os "altos custos" de pactuar com Deus, a constante responsabilidade de viver como uma comunidade pedagógica, sendo testada e até flagelada por uma divindade "ciumenta".
7. Rogin (1998) não se opõe à abordagem de Hartz. No entanto, para Rogin, além do aporte lockeano e individualista, o excepcionalismo se reveste da questão racial e nacionalista. Além disso, Rogin agrega um importante elemento ao excepcionalismo americano: o self-made man. Hannah Arendt (1990) afirma que a insistência norte-americana sobre "verdades auto-evidentes", pretensão presente na Declaração de Independência, demonstra um desejo coercivo e apolítico de encontrar uma fundação apriorística que estabeleça indubitavelmente a identidade e a missão norte-americanas.
8. Essa postura de recusa às normativas internacionais de direitos humanos, tal como a de construção de uma ordem internacional à luz dos valores norte-americanos, é justificada, segundo Ruggie, nas bases do excepcionalismo americano e em um elemento chave da identidade norte-americana: o nacionalismo cívico, definido pelas instituições e práticas que vinculam os norte-americanos, cuja expressão máxima seria a Constituição. Esse "exemptionalism" é tradicionalmente vinculado ao Congresso. Esse exemptionalism se pronuncia, de acordo com o autor, principalmente nas áreas dos direitos humanos e de questões sociais, nas quais o discurso se estrutura em termos de proteção dos direitos dos estados (unidades federativas) contra as incursões de tratados internacionais, negociados em nível federal.
9. Nesse trecho fica claro como Fonseca coloca o excepcionalismo fora do âmbito material, diferentemente de Moravcsik: "O conceito de "excepcionalismo" é o principal determinante da identidade nacional norte-americana tal como expressa em política externa. Nesse sentido, ele pode importar tanto quanto os interesses materiais que porventura conduzam o país a essa ou àquela posição". (FONSECA, 2007: p. 156).
10. Haveria pelo menos três características principais para o entendimento da questão: (1) as regras de votação super majoritárias (necessidade de maioria qualificada para a aprovação de normas desse tipo) e a estrutura de comitê do Senado, (2) federalismo e (3) o saliente papel do judiciário em adjudicar questões de direitos humanos.