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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Caminhos bifurcados: o Brasil e a Argentina na dinâmica global de clima

 

 

Matías Franchini

Universidade de Brasília (UnB)

 

 


RESUMO

No ultimo quinquênio a consciência global sobre os riscos das mudanças climáticas derivadas da ação antrópica tem crescido significativamente. Como consequência, lideranças políticas em todo o mundo tem intensificado a procura por respostas ao problema. Na arena das Relações Internacionais, o tópico tem ingressado no centro da agenda, tornando-se um vetor chave para as perspectivas da governança global. O presente artigo tem como objetivo fazer um estudo comparado do lugar da Argentina e do Brasil na dinâmica global das mudanças climáticas. Para atingir esse objetivo são analisados e comparados alguns dados agrupados em duas dimensões. A primeira é a situação objetiva de cada ator em relação ao fenômeno: perfil de emissões, vulnerabilidades, necessidades de adaptação e possibilidades de mitigação. A segunda faz referência à face política da questão: consciência climática da sociedade e lideranças políticas, políticas climáticas domésticas e trajetória de política externa. Os dados são analisados sob marco conceitual amplo, que inclui noções sobre global governance, economia das mudanças climáticas e, com especial relevância o conceito de potências climáticas.

Palavras-chave: Mudança Climática, Governança Global, Argentina, Brasil, Potencias Climáticas


 

 

Introdução

Nos últimos cinco anos uma série diversa de acontecimentos físicos e processos sociais tem revelado o caráter da mudança climática como fenômeno político relevante e complexo, por envolver as condições históricas de sobrevivência e desenvolvimento da humanidade e abranger múltiplos atores e níveis de interação social.

Em linha com esse desenvolvimento, sociedades e lideranças políticas ao redor do mundo têm acelerado as respostas ao desafio climático - embora em diversos graus e velocidades - gerando movimentos importantes, tanto no âmbito da política doméstica, quanto no âmbito da política internacional. Assim, no nível estatal, cresce o número de casos de adoção de medidas unilaterais de mitigação e adaptação enquanto a "agenda climática" insere-se cada vez mais no debate público interno, tornando-se um vetor significativo nas disputas eleitorais. Ainda, esse crescimento do tópico climático na agenda doméstica dos países não é mais patrimônio exclusivo do mundo desenvolvido, países como México, Brasil e China adotam medidas convergentes com a moderação das vulnerabilidades próprias e sistêmicas.

No nível do sistema internacional, o problema da desestabilização do sistema climático tem migrado para o centro da agenda. Algumas evidências desse processo são: a Cúpula do Conselho de Segurança da ONU em 2007 para debater pela primeira vez os efeitos do fenômeno, a formação do Fórum das 16 maiores economias mundiais sobre energia e clima por convocatória da administração George W. Bush, o Premio Nobel da Paz outorgado ao Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) junto ao ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, no ano de 2007 e a massiva participação de chefes de Estado e governo na COP-15 de Copenhague (Viola, 2009).

A intenção desse artigo é comparar como se inserem a Argentina e o Brasil nesse novo marco de interação entre clima e relações internacionais. A inserção de um determinado ator estatal na dinâmica global de clima implica analisar pelo menos três dimensões: a) a situação climática, definida como o estado do país em relação aos indicadores do fenômeno de desestabilização do clima (volume e trajetória das emissões de Gases de Efeito Estufa - GEE -, vulnerabilidades, opções de mitigação), b) o estado da política doméstica em relação à mitigação e adaptação, d) o perfil de politica externa na matéria.

A interpretação desses dados se faz através de um marco conceitual amplo que incorpora ferramentas analíticas de diferentes literaturas:

Governança global multi-estrato permite considerar a grande quantidade de interações sociais que contornam as fronteiras da politica global de clima: uma enorme variedade de atores - estatais e não estatais-, localizados em vários níveis - nacionais, sub-nacionais, internacionais, transnacionais -, que interagem em diferentes âmbitos (desde as organizações formais tipo CQNUMC até outras esferas informais de interação), e que são portadores de uma ampla série de interesses e motivações, não apenas baseada no conceito utilitário do interesse.

A economia politica da mudança climática faz referencia às eventuais consequências do fenômeno sobre a estrutura econômica global em duas dimensões: os custos dos efeitos do aquecimento global sobre a vida econômica das sociedades e os custos de transição para uma economia de baixo carbono. Essa área de conhecimento considera a estrutura de incentivos econômicos que guia a decisão dos atores envolvidos na dinâmica global de clima.

Segurança climática: gera aportes analíticos para pensar a interação entre a mudança climática e as relações internacionais num duplo sentido. Em primeiro lugar, ajudando a esclarecer os efeitos da desestabilização climática sobre certas pautas de conflito e cooperação em vários níveis da governança. Em segundo lugar, melhora o entendimento de como os interesses de segurança podem afetar a consolidação de uma estrutura eficaz de governança global sobre clima.

Potencias climáticas (Viola, 2010): O crescente impacto da mudança climática sobre as considerações de economia e segurança no nível global torna cada vez mais necessário contemplar os efeitos do fenômeno sobre as relações de poder no sistema internacional, concentrando-se em dois canais principais. O primeiro é como a mudança climática pode alterar a distribuição de poder nos diversos níveis das relações internacionais, modificando a distribuição de capacidades materiais e simbólicas. O segundo dos canais faz referência a como a dinâmica do poder em seus diversos níveis pode influenciar no desenho de uma solução eficiente, eficaz e equitativa ao problema climático.

Valores e identidades: em duas formas principais essa questão afeta a dinâmica global de clima. De um lado, a dispersão doméstica e global de valores associados com a sustentabilidade - sensibilidades pósmaterialistas - tem um impacto positivo sobre as perspectivas de estabilização do sistema climático e a adaptação a suas consequências. Do outro lado, diferenças fundamentais em religião, organização social e cultura, podem bloquear ou complicar a ação cooperativa (Hurrell, 2005).

Para atingir o objetivo proposto esse trabalho é dividido em duas partes, a primeira analisa a situação climática do Brasil e da Argentina e a segunda compara o estado da politica climática dos dois países, na esfera interna e externa.

 

1. Situação climática no Brasil e na Argentina

Nesse segmento se comparam os elementos que aqui definimos como "situação climática" dos países escolhidos: volume, trajetória e perfil de emissões; vulnerabilidades aos efeitos do aquecimento global; e opções de mitigação. A análise desses tópicos permite fazer uma serie de afirmações sobre a contribuição de cada país ao fenômeno de desestabilização do sistema climático e as perspectivas de cada um deles frente à transição para uma economia de baixo carbono.

1.1 Perfil e trajetória de emissões

Segundo dados da Fundación Bariloche (2008) as emissões de GEE da Argentina no ano 2005 foram 298 milhões de T de CO2e. Se considerarmos que o nível global de emissões nesse ano foi de quase 33 bilhões de T CO2e (WRI1), Argentina representou pouco menos do 1% do total mundial - que é a proporção aproximada que o país manteve nas últimas duas décadas. O particular perfil de emissões argentino esta dado pelo peso dos setores de energia (50% em 2005) e agricultura (40% em 2005) na produção total de gases de efeito estufa.

A tendência geral do período 1990-2005 é de um notável crescimento do nível global das emissões argentinas: quase 40% para o horizonte temporal considerado, o que equivale a um ritmo anual de quase 2,7%. É interessante notar que, a partir do ano 2000, se produz uma sensível aceleração no crescimento das emissões, que quase dobra o ritmo anual da década anterior (5%) e que coloca o nível de 2005 25% acima do de 2000. A taxa de crescimento anual das emissões argentinas no período 2000-2005 está acima da média global - 3% entre 2000 e 2007 (Viola, 2009) - mas longe das economias mais dinâmicas na produção de GEE, como a China (8%) e a Índia (10%) (Viola e Machado, 2011).

Em termos de emissões per capita, o índice atingiu em 2005 o valor de 7,9 T CO2e, o que implica um crescimento de quase 20% desde 1990 e uma variação anual média de 1,3%. Outra vez resulta curiosa a aceleração do crescimento do indicador entre 2000 e 2005. Nesse período as emissões per capita cresceram quase 25%, a um ritmo anual de 5%. (Fundación Bariloche, 2008). Com esse nível, Argentina pode ser considerada um país de elevadas emissões per capita, na medida em que seu nível está acima da média global (5,9T), da média dos países da América do Sul (5,7T) e dobra a média dos países Não-Anexo I (3,8T) (WRI).

A intensidade de carbono da economia argentina também se acentuou entre 2000 e 2005, passando de 0,86 T de CO2e por cada US$ 1000 para 1,08 T no período, com um ritmo médio de crescimento anual de 5% (Fundación Bariloche, 2008).

Essa deterioração dos principais indicadores (emissões absolutas e per capita, e intensidade de carbono) das emissões na Argentina obedece especialmente ao comportamento do setor energético (aumento da intensidade energética do PIB do país e carbonização da matriz energética) e do setor agricultura (expansão do cultivo de soja e ocupação de terras abandonadas). Considerando os cenários elaborados por instituições especializadas (Fundación Bariloche, 2008) e a tendência dos principais setores emissores, é possível afirmar que as emissões argentinas mantem entre os anos 2005- 2010 uma tendência similar à do período 2000-2005.

No Brasil, dados oficiais do governo (Brasil, 2010) afirmam que o país emitiu quase 2,2 bilhões de T de CO2e no ano 2005 distribuídas da seguinte forma: Mudança do Uso da Terra e Florestas (60,5%), Agricultura (19%), Energia (15%), Processos Industriais (3,5%), e Tratamento de Resíduos (2%). Esse volume representou aproximadamente 6% do total global, e coloca ao Brasil como principal emissor regional e como um dos grandes emissores globais. As emissões per capita nesse ano foram aproximadamente de 12 T de CO2e.

No entanto, em termos de trajetória e perfil de emissões, o país passou por mudanças significativas na ultima década que deixa obsoletos os dados revelados no ano 2010. O processo de mudança teve três movimentos (Viola e Franchini, 2011). Até 2005 as emissões cresciam de forma significativa (media anual de quase 4% entre 1990 e 2005) com predomínio do desmatamento (entre 75 e 60% do total aproximadamente), fato singular para uma economia de renda media (Viola, 2009). Entre 2005 e 2009 se produz um forte processo de retração de emissões produto da drástica queda da taxa de desmatamento na Amazônia (de 20.000 a 6.000 km2 aproximadamente). Assim, com o efeito combinado da crise econômica, as emissões do Brasil em 2009 foram 35% menores às do ano 2005, com consequências positivas em termos de emissões per capita e intensidade de carbono. Finalmente, a partir do ano 2010 a produção de GEE do país volta a crescer, no entanto essa vez não estimulada pelo desmatamento, mas pelos outros setores: energia, agropecuária, indústria e resíduos. Dessa forma, com a queda relativa do desmatamento na pauta de emissões, o Brasil converge para um perfil de emissões mais similar ao dos países desenvolvidos, onde o peso dos setores modernos da economia é maior.

1.2 Vulnerabilidades

As vulnerabilidades dos países aos efeitos da mudança climática são importantes na medida em que estimulam as respostas sociais ao fenômeno. A vulnerabilidade tem duas dimensões básicas (IPCC, 2007): a exposição ou o grau de sensibilidade de uma determinada região ou comunidade a um efeito particular, e a capacidade de adaptação. No caso da Argentina, se espera que a mudança climática traga uma serie de sequelas variadas e profundas, especialmente nessas áreas (Argentina, 2007): acesso a agua nas regiões de Cuyo e Patagônia; déficit hídrico para a geração elétrica;  populações ribeirinhas, que hoje representam quase a metade do total do país e são vitimas potenciais de enchentes e fenômenos climáticos extremos; e a produção de alimentos, setor importante da economia que depende significativamente do estado do clima.

Dado que a Argentina é um país emergente, a capacidade adaptativa está limitada por seu estagio de desenvolvimento. De forma que se produz uma concorrência entre necessidades de mitigação, adaptação e desenvolvimento, no marco de recursos financeiros, tecnológicos e humanos escassos.

As vulnerabilidades brasileiras reconhecem fortes diferencias em termos regionais e de setores produtivos, são ressaltadas aqui as seguintes (Brasil, 2010): a intensificação da aridez e fenômenos climáticos extremos na região semiárida, com consequências negativas sobre a produção de alimentos, mineração e hidroenergia; os efeitos de fenômenos climáticos extremos nas áreas urbanas, enchentes, inundações, deslizamentos, pragas urbanas; a sensibilidade das áreas costeiras (aproximadamente 8.000 km.); efeitos sobre a saúde, como o aumento de doenças infecciosas e falta de agua; o impacto negativo do déficit hídrico sobre a produção de energia; a perda de florestas e biodiversidade especialmente na Amazônia e no Cerrado; a queda potencial da área de produção de algumas culturas, como o algodão, arroz, milho e soja.

Como o caso da Argentina, as vulnerabilidades do Brasil às mudanças climáticas estão mediadas pelo estagio de desenvolvimento, que também coloca em concorrência necessidades de adaptação com as necessidades do desenvolvimento.

1.3 Opções de mitigação

Outro elemento importante na hora de analisar a situação climática de um país são suas opções de mitigação - que também influem sobre as possibilidades de ganhos e perdas na transição para uma economia de baixo carbono. A Argentina apresenta um elemento favorável nesse sentido, e é que suas opções mais baratas e viáveis de redução de emissões estão no setor de energia, que é o principal emissor. Aproveitar essas oportunidades implicaria de um lado, desmontar a estrutura de subsídios ao consumo de combustíveis fosseis que no ano 2010 chegou a 2% do PIB (IAE, 2010), e do outro, explorar o potencial na área de energias alternativas, especialmente eólica, solar, hidroelétrica e biocombustíveis. O setor LULUCF (Land Use, Land Use Change and Forestation) apresenta também alternativas pouco custosas, especialmente na área de florestamento. No outro grande setor emissor (agricultura), no entanto, o panorama de mitigação é mais pessimista, dado o nível de modernização do subsetor agricultura e as dificuldades para reduzir emissões de metano no subsetor pecuário.

Em termos de mitigação, Brasil teve historicamente uma vantagem sobre o resto dos grandes emissores emergentes: o baixo custo de redução de emissões - derivado no baixo custo relativo de controle do desmatamento, que nunca foi um driver significativo de crescimento econômico (Viola, 2009). Com a mudança de perfil de emissões, as alternativas mais baratas, tecnicamente fáceis de aplicar e politicamente viáveis, se limitaram significativamente.

No entanto, Brasil tem outras vantagens numa transição para uma economia de baixo carbono: uma matriz elétrica relativamente limpa; grande potencial de energias alternativas, em especial hidroeletricidade e biocombustíveis; e um amplo espaço para introduzir práticas virtuosas no setor agricultura. O setor mais complicado em termos de redução de emissões é o transporte, que apresenta problemas de ineficiência em quase todas suas modalidades: público, particular, de carga e de passageiros.

 

2. Situação politica

Neste segmento se analisa a interação entre clima e politica na Argentina e no Brasil, com o intuito de ver como a sociedade e lideranças políticas assimilam o problema climático e o traduzem em ações especificas. Três áreas são consideradas aqui: a sensibilidade climática da sociedade e suas lideranças, as politicas domésticas relativas ao clima, e a posição de cada um dos países na arena da governança global das mudanças climáticas.

2.1 Sensibilidade climática

Na Argentina, diversos elementos permitem concluir que a problemática do clima não está presente nem nas preocupações cotidianas dos cidadãos nem nos cálculos políticos da elite, fenômenos que obviamente estão profundamente imbricados. Estudos de opinião mostram um baixíssimo nível de preocupação (entre 1 e 7 % consideram o clima como um problema principal do ambiente), a presença da problemática na imprensa é mínima, o clima não aparece na plataforma de nenhum partido ou figura politica relevante, não fez parte das ultimas duas campanhas politicas nacionais (2007 e 2009), incluída a atual (2011), não integra a agenda legislativa, não existem movimentos relevantes de atores subnacionais ou empresariais que demande um maior compromisso climático do governo.

Já o caso brasileiro é diferente, o tópico mudanças climáticas - e questões conexas como energia e desmatamento - é comum na media gráfica e digital, e não sujeita à existência de grandes cúpulas internacionais como no caso da Argentina. Nas eleições presidenciais de 2010, a candidata do Partido Verde (PV), Marina Silva, levou pouco mais de 19% dos votos validos se apresentando com um discurso que destacava a transição para uma economia de baixo carbono e outros temas relacionados com a mudança climática, como o desenvolvimento sustentável. Sua presença na campanha foi um dos motivos que levou ao governo a anunciar nos dias prévios à Cúpula de Copenhagen (COP 15) o compromisso voluntario de redução da curva de emissões (Viola, 2010), que trataremos mais na frente.

Em julho de 2009, os estados amazônicos formaram o Fórum Amazônico para demandar ao governo federal uma mudança de postura em referencia ao tratamento das florestas no regime internacional de clima, historicamente conservadora. Também nesse ano, três diferentes coalisões de empresas - Aliança de Empresas pelo Clima, Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas e a Coalizão de Empresas pelo Clima - lançaram documentos pedindo modificações na postura domestica e internacional do país em relação ao processo de aquecimento global (Viola, 2010).

2.2 Politicas climáticas domésticas

Em termos de politicas climáticas pode se afirmar que Argentina não tem adotado medidas de relevância, nos seguintes argumentos descansa essa afirmação.

Primeiro, a estrutura normativa que governa a questão climática no país está representada pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), o Protocolo Kyoto (PK), e uma serie de medidas administrativas menores. No entanto não existe uma legislação nacional que estabeleça critérios mínimos para a proteção do sistema climático. Segundo, a estrutura burocrática criada para lidar com o clima reflete o baixo nível de relevância da questão: o único órgão especializado é a Dirección de Cambio Climático que depende da Secretaria de Ambiente y Desarrollo Sustentable que depende da Jefatura de Gabinete de Ministros. Tradicionalmente seus titulares carecem de poder politico para influir nos rumos da politica da área.

Terceiro, das medidas relativas ao clima historicamente adotadas, a maioria são orientadas ao estudo da questão, outras nunca foram implementadas, e outras estão em elaboração. De maneira que as ações da Argentina para atingir o fim último da Convenção (estabilizar a concentração de GEE) são mínimas. Quarto, o estado das medidas que a Argentina submeteu à Convenção no âmbito do Acordo de Copenhagen, também reflete o estado das politicas climáticas do país. Das 5 áreas onde a Argentina alega que contribui com a mitigação, apenas duas apresentam algum avanço: programa de biocombustíveis e manejo de florestas, nas outas três a situação é negativa: as medidas de eficiência energética convivem com uma estrutura de subsídios ao consumo de combustíveis fosseis que chegou a 2% do PIB em 2010; o plano de energias renováveis não consegue evitar o avanço dos combustíveis fosseis na matriz energética e a politica de resíduos sólidos urbanos não tem sido efetiva em eliminar os lixões a céu aberto que predominam no setor. Finalmente, a participação da argentina no MDL (Mecanismo para um Desenvolvimento Limpo) é também modesta, com apenas 1% do total dos projetos.

No caso do Brasil, pode se dizer que até 2009 não houve politicas climáticas especificas. No entanto, o desenvolvimento das medidas de estimulo à produção de etanol e de controle do desmatamento - embora procurando objetivos "não climáticos" - teve um efeito significativo sobre a pauta de emissões do país. Criado no anos 1970s com motivações de segurança energética e altamente subsidiado, o setor do etanol hoje é competitivo e faz parte significativa da matriz energética brasileira. No caso do desmatamento, e como vimos, a queda da sua taxa media anual é o principal fator responsável pela trajetória declinante de emissões do país entre 2005 e 2009.

A mudança definitiva do Brasil em favor de medidas climáticas específicas aconteceu em novembro de 2009, quando o governo anunciou um plano ambicioso de redução de trajetória de emissões para o ano 2020. De caráter voluntario, o Brasil se comprometeu a reduzir entre 36 e 39% as emissões projetadas para o ano 2020 num cenário "business as usual": de 2,7 bilhões de toneladas de Co2 equivalente para 1,6 bilhão. O compromisso voluntário foi subsequentemente assumido no âmbito do Acordo de Copenhagen, e distribui os esforços de mitigação em cinco áreas: Controle do desmatamento no Cerrado (aproximadamente 10%) e na Amazônia (55%); energia (20%); agricultura (15%) e siderurgia (1%).

Em dezembro de 2009 o Congresso Federal aprovou a Lei de Clima (N 12.187) que institui a Politica Nacional de Mudança Climática (PNMC) e incorpora o compromisso voluntario assumido no âmbito da COP 15. Única em seu tipo entre os países fora da OCDE, a normativa visa à compatibilização do desenvolvimento com a estabilidade do sistema climático, á redução das emissões antrópicas de GEE, ao fortalecimento das remoções antrópicas por sumidouros, ao cuidado dos recursos ambientais, à preservação e recomposição da cobertura vegetal, e ao desenvolvimento do mercado brasileiro de redução de emissões (MBRE)2. Em linha com o estabelecido pela lei, o governo iniciou em 2010 a implementação em base aos cinco planos setoriais acima referidos.

Junto com a Lei de Clima, foi aprovado também no Congresso o projeto que estabelece o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FMNC) - Lei N 12.114, posteriormente regulamentado por decreto em outubro de 2010. Vinculado a Ministério de Meio Ambiente, seu objetivo é assegurar recursos para medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Nas reuniões acontecidas em 2011 foi aprovada uma proposta de aplicação de recursos por R$ 230 milhões.

2.3 Politica exterior

A politica exterior argentina em relação ao clima tem sido relativamente estável ao longo das últimas duas décadas, defendendo sistematicamente os seguintes princípios.

Como vemos, a Argentina e o Brasil compartilham alguns princípios básicos em sua atuação internacional no âmbito de clima, como a defesa do imperativo do desenvolvimento e a noção de responsabilidades comuns porem diferenciadas. Ademais, ambos os países fazem parte do G-77/China, o principal grupo aglutinador das posições dos países em desenvolvimento nessa área. Esse âmbito de convergência se expressa em posições comuns, como por exemplo: a necessidade de um segundo período de compromisso do Protocolo Kyoto, a negativa a aceitar metas obrigatórias de emissão para os países em desenvolvimento ou a necessidade de transferência de fundos e tecnologia dos países desenvolvidos aos pobres e emergentes.

No entanto, existiram e existem algumas diferencias na atuação do Brasil e da Argentina na arena internacional do clima, resenhamos três aqui:

Esse último é talvez o ponto mais importante de contraste na trajetória dos países nos últimos cinco anos: Brasil iniciou um processo de moderação da sua postura que o levou a assumir um compromisso voluntario de redução de curva de emissões (COP 15) e a abandonar progressivamente sua posição de Estado-veto na questão das florestas no regime de clima (Carvalho, 2010). Argentina, no entanto, manteve sua posição estável, insistindo numa concepção rígida do principio de responsabilidades comuns porém diferenciadas que congela sua politica externa nos padrões da Cúpula do Rio de 1992.

Existe ainda nesse último quinquênio outro desenvolvimento que merece ser ressaltado, que não tem a ver com o conteúdo da politica externa, mas o com perfil de negociação. Enquanto o Brasil alimenta seu papel como ator relevante nas negociações internacionais sobre clima, participando por exemplo, do estratégico BASIC; a Argentina tem abandonado o ativismo diplomático na área, que foi uma da suas características até o ano 2007. Esse declinar se produz, paradoxalmente, no mesmo período em que a questão climática migra ao centro da agenda internacional.

Finalmente, cabe destacar que a maior instancia de cooperação que envolve aos dos países, o Mercosul, tem sido irrelevante na hora da definição das politicas climáticas de seus membros (Viola, 2009).

 

3. Conclusões

O objetivo desse trabalho foi comparar a forma de inserção da Argentina e do Brasil na politica internacional de clima. Para isso foram analisadas duas dimensões, a situação climática e a situação política da mudança do clima em cada um dos países. As principais conclusões são as seguintes:

Pelas características da sua economia e população, o Brasil é um emissor importante no nível global, com 4,5% do total, enquanto a Argentina representa pouco menos de 1%. O perfil e trajetória de emissões de cada um dos países são também diferenciados: as emissões argentinas crescem acima da media global na última década concentradas nos setores de energia e agricultura; o Brasil, no entanto, atravessou no último quinquênio por um processo de redução de emissões (2005-2009), que transformou o perfil de produção de GEE: o desmatamento perdeu participação relativa vis a vis os setores modernos da economia.

Em termos de vulnerabilidades, se espera que ambos os países sejam impactados significativamente pelos efeitos da mudança climática, compartilhando ambos sensibilidades na área de produção de alimentos, disponibilidade de recursos hídricos, e populações ribeirinhas afetadas por extremos climáticos. Os dois países compartilham ainda o fato de serem nações emergentes, com recursos financeiros, humanos e tecnológicos escassos para fazer frente aos desafios combinados da mudança climática e o desenvolvimento.

Ambos os países tem opções viáveis de mitigação no setor de energia, tanto no campo da eficiência quanto no desenvolvimento de alternativas às fontes fosseis, como a hidroelétrica, a solar e a eólica. A área de biocombustíveis (etanol, biodiesel) possui potencial relevante nas duas economias e pode se tornar um ganhador numa transição para uma economia de baixo carbono.

A área de interação entre politica e clima é a principal diferencia entre a forma de inserção do Brasil e da Argentina na politica global de clima. Enquanto a sociedade e lideranças politicas brasileiras assimilam progressivamente a gravidade do problema climático, que se expressa incluso no plano eleitoral; na Argentina o tópico é marginal e não faz parte da agenda pública. Como reflexo dessa consciência climática emergente, as autoridades politicas do Brasil começaram a tomar medidas especificas para reduzir as vulnerabilidades próprias e sistémicas à mudança climática, destacando-se o compromisso voluntario de redução da trajetória de emissões e a Lei do Clima. No caso da Argentina, não existem medidas especificas orientadas à mitigação (fora alguns projetos MDL) e o rumo de politicas potencialmente convergentes com esse objetivo - eficiência energética, energias alternativas, florestas - é errático.

Finalmente, no âmbito da politica exterior, o Brasil tem mudado progressivamente sua posição conservadora em relação aos compromissos dos países emergentes e à inclusão das florestas no regime internacional de clima; enquanto a Argentina mantem a mesma posição desde começos da década de 1990, defendendo rigidamente a divisão do mundo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento consagrada no Protocolo Kyoto. Se o Brasil continuar aprofundando o rumo da decarbonização da sua economia e a Argentina se perpetua no modelo intensivo em carbono, seus comportamentos externos tenderam a separar-se cada vez mais.

Nesse sentido, pode se afirmar que a Argentina e o Brasil assimilam de forma diferente duas transformações estruturais recentes do sistema internacional: o crescimento do papel dos países emergentes na politica internacional, que inclui mudanças na distribuição global de poder e novas responsabilidades para os países; e a migração da questão climática ao centro da agenda internacional, que demanda cada vez maiores esforços de cooperação.

 

Referencias Bibliográficas

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1. World Resources Institute: http://www.wri.org/
2. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm