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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Jogos ocultos e potências médias: um estudo da atuação brasileira na OMC

 

 

Pascoal Teófilo Carvalho Gonçalves

Universidade Estadual de Campinas

 

 


RESUMO

Esse projeto tem por objetivo a construção de minha tese de doutorado, que busca explicar o comportamento do Brasil nas negociações sobre agricultura e serviços na Organização Mundial do Comércio. Partimos do seguinte problema: o que define o comportamento do Brasil nas negociações sobre agricultura e serviços na Organização Mundial de Comércio? Consideramos que o arcabouço teórico institucionalista liberal das Relações Internacionais é limitado em abordar nosso objeto. A fim de procedermos com a investigação, tomamos como modelo de análise o neo institucionalismo de escolha racional de George Tsebelis (1998) associado às Relações Internacionais. Valeremo-nos da noção de "jogos ocultos" desenvolvido por esse autor para analisar a participação do Brasil na agenda de comércio internacional a partir do entendimento de "jogos em arenas múltiplas" e de "projeto institucional". Buscaremos comprovar ou refutar a seguinte hipótese: o comportamento do Brasil na OMC é determinado pelas características institucionais da Organização e por fatores contextuais.

Palavras-chave: Política externa brasileira; regimes internacionais; escolha racional; política comercial


 

 

Objetivos

Nosso trabalho tem como objetivo explicar a atuação brasileira na agenda de comércio internacional, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse objetivo deriva de pesquisa anterior1 que descreveu a atuação de Brasil, Índia e África do Sul na OMC, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e nas negociações sobre mudanças climáticas no domínio da ONU em termos de suas contribuições para a produção do bem coletivo almejado pelas respectivas organizações. Verificamos a partir do modelo utilizado2 que o comportamento desses países não obedece nenhum padrão, nem entre si nem tomando um só país e comparando sua atuação as três agendas.

Tendo isso em mente, nos deparamos com o seguinte problema: por que esses países se comportam da maneira observada, ou: o que define as estratégias de inserção internacional desses países? A fim de elucidarmos essa questão propomos o estudo específico do caso brasileiro, que apresenta um comportamento ativo - engajado no processo decisório - nas negociações sobre agricultura, mas pouco expressivo em relação a serviços - apresenta uma atuação discreta no processo decisório e pouco expressiva na implementação das regras. Considerando o exposto, chegamos ao seguinte problema de pesquisa: o que define o comportamento do Brasil nas negociações sobre agricultura e serviços na Organização Mundial de Comércio?

A fim de respondermos essa pergunta consideramos que o institucionalismo liberal postulado por Robert O. Keohane e Stephen D. Krasner. constitui o melhor programa de pesquisa em relações internacionais para tratar nosso problema, uma vez que reconhece as organizações e regimes internacionais, seu caráter burocrático e o papel de estados que não são a potência sistêmica. Entretanto, o foco do institucionalismo liberal estaria em explicar por que os estados cooperam, na demanda por instituições e regimes internacionais e no papel destes em influenciarem o comportamento dos estados. Isso deriva do fato dessa corrente ter se constituído a partir da Escolha Racional3, para a qual as instituições possuem o limitado papel de corrigir falhas de mercado política (KEOHANE, 1984). Desta maneira, a problemática existente nesse campo deixa de fora os processos que ocorrem no interior de um ambiente cooperativo. Em outras palavras, a abordagem é limitada em analisar ações individuais decorrentes de processos cooperativos em ambientes institucionalizados.

A fim superarmos essa limitação propomos o uso da obra "Jogos Ocultos" de George Tsebelis (1998), particularmente dos conceitos de "jogos em arenas múltiplas" e "projeto institucional", em concordância com a abordagem institucionalista liberal de relações internacionais. Apesar de partir dos mesmos pressupostos racionalistas do modelo institucionalista liberal em relações internacionais, o foco de Tsebelis (1998) em explicar comportamentos desviantes de atores racionais muito tem a acrescentar ao nosso estudo da ação brasileira na OMC, uma vez que considera aspectos institucionais e contextuais para compreender o comportamento dos atores.

Em relação ao comportamento e instituições, Tsebelis (1999) assume que os atores escolhem seu comportamento ótimo sob as coerções impostas pela instituição e depois teorizam sobre o fenômeno inverso: por que e como mudar as coerções do jogo que eles jogam. Os fatores contextuais, por sua vez, podem ser estudados a partir dos subjogos adjacentes à arena principal.

Desta maneira, buscaremos comprovar ou refutar a seguinte hipótese:

Nosso marco temporal vai do início do ano 2000 ao fim de 2008. Tal período se justifica pelo início das negociações na OMC sobre serviços em janeiro e das negociações agrícolas em março de 2000. Quanto à data final, as negociações agrícolas estão paradas desde 2008 e as negociações sobre serviços tiveram seus últimos desdobramentos relevantes nesse ano. Desde então, as negociações sobre ambos os temas "esfriaram" e ainda não tiveram desdobramentos relevantes (WTO, 2011).

 

Justificativa e estado da arte

Esse trabalho é necessário para ampliarmos o conhecimento das formas de inserção do Brasil no sistema multilateral de comércio. Propormos concomitantemente um programa de pesquisa na área de relações internacionais que supera uma limitação da teoria institucionalista liberal, em dialogo com a literatura na área de ciência política.

Isso se deve ao fato de que muito do foi escrito sobre a atuação do Brasil na OMC e na suas estratégias de inserção internacional toma separadamente as questões institucionais, as características econômicas, o regionalismo e as coalizões internacionais. Entendemos que uma resposta satisfatória ao problema "por que o Brasil se comporta de maneira ativa na OMC" precisa necessariamente englobar esses aspectos múltiplos da estratégia de inserção internacional do Brasil. Entretanto, por que devemos considerar esses fatores e não outros?

Inicialmente, a questão institucional é relevante pelo fato de constituir, segundo Krasner (1982), uma variável interveniente entre fatores causais e comportamentos. O autor se vale do conceito de regimes internacionais, entendidos como um conjunto de princípios, normas, regras de tomada de decisão implícitos e explícitos, em que as expectativas dos atores convergem em uma determinada área temática das Relações Internacionais. Regimes são entendidos, desta maneira, como variáveis intervenientes entre as variáveis causais e padrões de comportamento e desempenhariam a função de coordenar o comportamento dos estados de forma que estes obtenham resultados em uma determinada área de interesse. Tendo isso em mente, o regime internacional de comercio, cujas normas e regras estão expressas na OMC, constitui nosso contexto institucional para estudarmos o comportamento do Brasil.

Dentro do aparato institucional da OMC, focaremos as áreas temáticas "agricultura" e "serviços", uma vez que compreendem duas questões sensíveis para o Brasil na agenda comercial. De um lado, a agricultura, apesar de constituir cerca de somente 6% do Produto Interno Bruto do Brasil4, representa mais de 30% de tudo que nosso país exporta5. Por outro lado, os serviços constituem cerca de 65% do PIB brasileiro6, mas não ultrapassa os 13% das exportações totais do país7.

Dentro desse contexto, devemos considerar também as questões relativas a regionalismos e coalizões internacionais. Essas questões são relevantes uma vez que caracterizam um instrumento para inserção e negociação do Brasil e outros países em agendas multilaterais, notadamente na OMC. Segundo Lima e Coutinho (2006), há dois modelos fundamentais de regionalismo, o modelo aberto e o regionalismo geográfico. O primeiro, decorrente do Consenso do Washington, dominou a orientação e a legitimação dos processos de regionalização na década de 1990, o segundo, relacionada à noção de região como espaço geográfico, passou a imperar a partir dos primeiros anos do séc. XXI.

Em relação às coalizões, como apontam Oliveira, Onuk e Oliveira (2006), essas surgiram durante a Guerra Fria como uma alternativa à polarização Leste-Oeste por parte de países do Sul, como o Movimento dos Não-Alinhados, de se contraporem aos países do Norte. Em tempos recentes temos a formação do G-20 durante a reunião ministerial de Cancun em 2003, liderado por Brasil, Índia e África do Sul. Essa coalizão se caracterizou, segundo Narlikar e Tussie (2004), pela inovação e resultados efetivos nas negociações sobre agricultura.

Já no que tange ao regionalismo, a constituição do bloco econômico Mercosul introduziu a variável "região" nas negociações multilaterais do Brasil. Uma pesquisa rápida nos documentos negociais da OMC é suficiente para percebermos que todos os membros do blocos assinam conjuntamente todos os documentos apresentados. Ou seja, o Brasil vai para as negociações já com Argentina, Paraguai e Uruguai avalizando suas propostas e vice e versa.

Entretanto, além dos fatores acima citados, devemos entender o Brasil a partir da conceituação de potência média. Isso se faz necessário uma vez que a posição sistêmica brasileira tem muito a dizer sobre a forma de inserção do país no plano externo. Segundo Sennes (1998), além da posição intermediária no sistema internacional global, potências médias possuem uma participação expressiva nos sistemas regionais e sub-regionais onde estão inseridos. Para além do âmbito regional, Hurrell (2000) nos chama a atenção para a relação entre esses países médios e instituições multilaterais. Segundo esse autor potências médias se valerão das instituições internacionais para defenderem a si próprios contra normas, regras ou práticas que afetam adversamente seus interesses, ou para tentarem mudar normas internacionais dominantes para que correspondam a seus interesses.

Finalmente, a fim compreendermos a dinâmica desses fatores no comportamento do Brasil na OMC, devemos considerar a contribuição de Tsebelis (1998). Para esse autor, somente o estudo de toda a rede de jogos no qual o ator está envolvido pode revelar as motivações desse ator e explicar seu comportamento. Tsebelis (1998) argumenta que se com informação adequada a escolha de um ator parecer sub-ótima, é porque a perspectiva do observador está incompleta. O observador centra a sua atenção em apenas um jogo, mas o ator está envolvido em toda uma rede de jogos - a que chama de jogos ocultos. O que parece sub-ótimo a partir da perspectiva de um único jogo é na verdade ótimo quando é considerada toda a rede de jogos.

Segundo Tsebelis (1998), a discordância entre ator e observador, desta maneira, pode ter duas razões: o ator está envolvido em múltiplas arenas, mas o observador só analisa a arena principal - denominados de jogos em múltiplas arenas; o ator pode aumentar as opções disponíveis, o que significa alterar as regras do jogo que definem as opções de cada ator, nesse caso, o ator está envolvido num jogo na arena principal e num jogo sobre as regras do jogo - denominado de projeto institucional. Jogos em múltiplas arenas e projeto institucional são os "jogos ocultos", como denominado pelo autor. As múltiplas arenas correspondem aos fatores contextuais e a possibilidade de mudança das regras do jogo reflete a concepção de que as instituições são consideradas não como coerções herdadas, mas possíveis objetos da atividade dos atores.

Tendo isso em mente, os objetivos específicos anunciados anteriormente se apoiam em duas hipóteses auxiliares amparadas na obra de Tsebelis (1998):

 

Debate Bibliográfico

Fundamental para nosso estudo é a noção de potência média uma vez que é essa conceituação que nos permite entender o Brasil como um estado intermediário no sistema internacional e aponta para as variáveis que buscamos utilizar para explicar o comportamento brasileiro na OMC. Nomeadamente, a preferência por organizações multilaterais, o papel no ambiente regional e a formação de coalizões internacionais.

Nesse sentido, Lima (1986) caracteriza estados intermediários, em oposição ao resto do mundo em desenvolvimento, um estágio mais avançado no processo de industrialização e um maior nível de interação na economia mundial pelo comércio, investimento e finanças. Assim, eles tendem a perseguir um conjunto amplo de objetivos, diversificando assim o escopo de seus interesses, a natureza de suas interações na economia mundial e as arenas onde ele possui interesses.

O contexto internacional que propiciou a emergência desses países como atores relevantes seriam, para Lima (1986), os desdobramentos econômicos, políticos e militares da ordem pós Segunda Guerra Mundial que levaram progressivamente à multipolaridade em uma série de áreas temáticas. Em assuntos políticos e militares, o sistema bipolar rígido dos anos de 1950 deu origem a um sistema de alianças muito mais flexível. Esses fatores facilitaram a implementação de uma série de organizações e regimes internacionais caracterizados pelo interesse norte-americano em ordenar as relações econômicas e políticas dos países do bloco ocidental. Lima (1986) nos lembra que fatos desenvolvidos posteriormente, como a recuperação econômica da Europa, a emergência do Japão como um ator econômico poderoso e o processo de descolonização do terceiro mundo minaram a hegemonia norte-americana, cuja supremacia declinou em alguns setores da economia mundial mas se manteve em outras.

 Entretanto, como aponta Lima (1986), o enfraquecimento da posição inicial dos EUA não levou ao colapso dos regimes que sua preeminência permitiu existir. Em algumas áreas, uma ordem oligopolística sucedeu a ordem hegemônica anterior. A principal característica de tal ordem é que vários países são capazes de afetar o curso das relações internacionais, mas nenhum é capaz de prover unilateralmente o bem público de um novo sistema internacional. Em tal ordem, iguais podem acordar em cooperar para prover bem coletivos por meio de regimes internacionais, mas simultaneamente eles tentarão perseguir objetivos de caráter nacionalista que, em uma situação de reduzidos acordos e regras do jogo, são obtidos implicitamente em uma desvantagem para os países restantes.

Além da já mencionada preferência dos países intermediários em relação ao multilateralismo como forma de proteção de seus interesses, Hurrell (2000) assinala também o nível de empoderamento que as instituições oferecem aos estados mais fracos ao constrangerem a liberdades dos mais fortes pelo estabelecimento de regras e procedimentos (como, por exemplo, o mecanismo de solução de disputas da OMC). Há também o espaço político que as instituições provêem para atores intermediários construírem coalizões a fim de afetarem normas emergentes no sentido de seus interesses e contra-balancearem ou afetarem as preferências e políticas dos estados mais poderosos. Finalmente, há a extensão da capacidade das instituições em prover canais de comunicação para os estados intermediários se fazerem ouvidos em seus objetivos e construírem apoio político para suas idéias.

Assim, passemos a uma abordagem geral da organização multilateral que faz parte do nosso objeto de estudo, a Organização Mundial do Comércio. Segundo Boas e McNeill (2003), a OMC tem sua origem na tentativa dos EUA de, juntamente com mais 14 países convidados, darem início às negociações para liberalização do comércio mundial após a Segunda Guerra Mundial. Estas negociações tinham dois objetivos: a criação de uma Organização Internacional do Comércio que facilitaria as relações comerciais e a criação e implementação de um acordo para redução de tarifas. O segundo objetivo deu origem ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreemente os Tariffs and Trade - GATT) assinado por 23 países em 1947. A Organização Internacional do Comércio, entretanto, não foi aprovada pelo congresso norte-americano que apoiou somente o GATT que vigou até dezembro de 1994, uma vez que em janeiro de 1995 a OMC passou a existir e o substituiu. Criada a partir da Rodada Uruguai que teve início em 1986, a OMC é uma instituição multilateral cujo propósito fundamental é organizar as negociações comerciais para reduzir barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio.

Grande parte das negociações sobre a liberalização de produtos agrícolas e serviços ocorreu sobre o mandato da Rodada Doha, que teve início em novembro de 2001 e constituiu a primeira rodada de negociações multilaterais no âmbito da OMC. Segundo Campos (2008), a estrutura de negociação de Doha estabelece que temas difíceis sejam negociados de forma conjunta e sob a supervisão de um comitê. Essa estratégia acentua o mecanismo do issue linkage, sendo que concessões nas negociações agrícolas poderiam ser compensadas pela oferta de serviços ou o acesso a mercados para produtos não-agrícolas.

Segundo Campos (2008), podemos dividir as negociações da Rodada Doha em quatro etapas principais: 1) o início das negociações (janeiro de 2000 a março de 2002), quando os membros explicitam suas preferências; 2) as negociações de Cancun (julho a setembro de 2003); 3) julho de 2004, quando os membros acordaram sobre importantes questões; 4) julho de 2008, a mais recente rodada. No início das negociações havia basicamente dois grupos de interesse, um que defendia a liberalização com exceções - como, por exemplo, o Grupo Cairns8, os EUA, os importadores de alimentos e aqueles que tinham problemas de segurança alimentar (incluindo Índia); e outro constituído basicamente pela União Européia.

Entretanto, esse equilíbrio de forças se alterou quando, em meio às negociações de Cancun (2003), os EUA alteraram significativamente suas preferências, se aliando aos europeus. O grupo de países que buscava a liberalização do comércio agrícola foi enfraquecido ameaçando comprometera rodada, uma vez que a aliança EUA - EU não mais buscava a liberalização, mas mecanismos que garantiam a continuidade do protecionismo. Esse grupo, tendo o Brasil à frente, buscou recompor sua capacidade de negociação estabelecendo uma coalizão de países, o G20, que buscava retomar as negociações em outros termos. Todavia, em janeiro de 2004 os EUA reviram sua aliança com os europeus e novamente criaram as condições para as negociações, o que determinou os avanços do chamado "pacote de julho de 2004". Finalmente, em 2008 houve uma grande expectativa acerca de um acordo nas negociações na Cidade de Cingapura. Entretanto, como apontou o jornal Folha de São Paulo na época, EUA, China e Índia (particularmente essa última) não conseguiram chegar a um acordo em relação a salvaguardas e as negociações fracassaram. O Brasil como grande exportador de produtos agrícolas e visando fechar um acordo, abriu mão de seu alinhamento com Uruguai, Paraguai e Argentina, seus sócios no Mercosul, e foi até contra a exigência da Índia de melhorar o mecanismo de salvaguarda, que garantiria proteção aos mercados contra aumentos acentuados nas importações de alimentos. A posição brasileira acabou sendo muito criticada pela Argentina e especialmente pela Índia, devido às concessões feitas a proposta da UE. Por sua vez o Brasil, diplomaticamente tentando não apontar culpados pelo fracasso das negociações, deixou entender que a Índia fora inflexível em seus interesses9.

A OMC, por sua vez, deve ser compreendida dentro do arcabouço teórico estabelecido nas Relações Internacionais, uma vez que envolve conceitos como instituição (aqui entendida pelo enfoque da Escolha Racional), cooperação, regimes internacionais e o caráter multilateral que esses assumem.

Assumindo o caráter indissociável desses termos, Keohane (1984) considera que cooperação internacional requer que ações dos estados, que não estejam previamente em harmonia, sejam postos em conformidade uns com outros por meio de um processo de coordenação política. Isso significa que quando ocorre cooperação cada parte muda seu comportamento, contingenciado por mudanças no comportamento de outros. Para Keohane (1988) qualquer instância de cooperação internacional acontece dentro de algum contexto institucional. Partindo desse suposto, Keohane (1984) estabelece uma explicação funcional para o desenvolvimento de instituições internacionais a partir da ação coletiva, dilema do prisioneiro e falhas de mercado: instituições são estabelecidas como formas de superar as deficiências que tornam impossíveis de consumar acordos mutuamente benéficos entre atores. O autor assume como pressuposto que os estados são atores individuais, racionais e auto-interessados (self-interested) e constituem os principais atores do sistema internacional.

Para Keohane (1984), o dilema do prisioneiro, em princípio, torna impossível a cooperação entre atores racionais. Associado à lógica da ação coletiva estabelecida por Mancur Olson, o autor assume que a cooperação é necessária para a produção de um bem coletivo. Este, por definição, será usufruído por todos os membros de um conjunto de atores, independentemente de eles terem contribuído ou não para a provisão do bem. Quando a contribuição individual de cada membro para o custo total do bem é pequena, indivíduos auto-interessados calculam que é melhor não contribuir, evitando o custo e se beneficiando da produção do bem para o qual sua contribuição individual é quase imperceptível (problema do "free-riding"). Desta forma, o bem coletivo não será produzido, ou será subproduzido, apesar do fato de que seu valor para o grupo é maior que seu custo.

O modelo do dilema do prisioneiro chama nossa atenção para formas nas quais barreiras à informação e à comunicação na política mundial podem impedir a cooperação e criar discórdia mesmo quando interesses comuns existem. Entretanto, como aponta Keohane (1984), jogado repetidas vezes pelos mesmos jogadores, o dilema do prisioneiro tende à cooperação. Isto se dá uma vez que o jogo, ao ser repedido indefinidamente, deixa a deserção pouco recompensável ao passo que a cooperação oferecerá ganhos de curto prazo.

A falha de mercado, segundo Keohane (1984), tanto na microeconomia como na política mundial, afetam o comportamento dos atores de forma que resultados ótimos não aconteçam, mesmo quando há convergência de interesse entre as partes. A falha de mercado pode ser solucionada por instituições que possam resolver os problemas de incertezas e custos de transação, ou seja, as falhas de mercado políticas nos levam a demanda por regimes internacionais. Compartilhando dos mesmos supostos de Keohane, Krasner (1982) sustenta que regimes internacionais (cujo conceito apresentamos anteriormente) podem ter um impacto positivo quando resultados Pareto Ótimos não podem ser alcançados sem coordenação. Assim, a relevância de um regime está diretamente relacionada ao cálculo de beneficio dos estados. Assim, regimes não são relevantes em cálculos de soma-zero.

Sennes (1998) e Hurrell (2000) chamam nossa atenção para outros dois importantes pontos para a nossa abordagem, a participação expressiva dos países médios nos sistemas regionais e sub-regionais onde estão inseridos e a opção que eles possuem entre papeis regionais e extra regionais. Desta maneira, além das noções de potência média, regimes e instituições internacionais, devemos considerar também as coalizões internacionais e o regionalismo. As coalizões no remeterão ao G-20, que surgiu nas negociações sobre agricultura na OMC, e o regionalismo ao MERCOSUL.

Primeiramente, em relação às coalizões internacionais, Narlikar e Tussie (2004) apontam que há dois problemas centrais em relação às coalizões de países em desenvolvimento, a saber, o peso externo mínimo - uma vez que em geral os países são pequenos na economia global - e o risco de fragmentação - pois a coalizão precisa resistir às pressões, às diferentes prioridades dos membros, à diversidade de questões, às diferentes estratégias negociais e ao risco de free-ride por parte dos membros menores.

Entretanto, apesar de todos os fatores contrários, Narlikar e Tussie (2004) apontam que durante as negociações agrícolas na OMC ao longo da reunião ministerial em Cancun, em 2003, um grupo de países liderados por Brasil Índia e África do Sul se reuniu contra o alinhamento dos EUA em relação à União Européia (UE), dando início ao Grupo dos 20, ou G20. O grupo se tornou um novo ator nas negociações e concentrava cerca de 70% da produção agrícola mundial. O bloco também não se limitou a bloquear a agenda "negativa" imposta por EUA e UE, mas foi tecnicamente propositivo.

Em segundo lugar, devemos também ter em mente o regionalismo. Como indicado anteriormente, existem dois modelos fundamentais de regionalismo, o aberto e o fechado. O primeiro, segundo Lima e Coutinho (2006), diz respeito à idéia de abertura de mercados e globalização financeira e produtiva e um regionalismo não exclusivo, ou seja, uma modalidade de integração regional que seria criadora de comércio e não provocaria desvio do mesmo. Os acordos de livre comércio levaram a duas conseqüências no campo da cooperação internacional: a distância geográfica deixou de ser impeditiva de colaboração comercial e a formação de áreas de livre comércio com grandes assimetrias entre os parceiros.

Lima e Coutinho (2006) sustentam que o regionalismo aberto deu lugar, a partir dos anos 2000, a noção de região como espaço geográfico, tal como era tradicionalmente entendida. Isso ocorreu em função da valorização política e física das regiões, decorrente, por um lado, da dos atentados de 11 de setembro de 2001 que levou a uma reavaliação da segurança internacional e à alegada ameaça provocada por estados "fracos" ou "falidos" que passaram a ser potenciais hospedeiros de redes terroristas internacionais. Por outro lado, a preocupação da comunidade internacional em criar capacidade institucional e política nas áreas periféricas, mirando os estados com maiores capacidades e recursos e propondo o aumento da representatividade das regiões nos espaços de decisão global.

Há um caráter distintivo entre os dois modelos de regionalismo que se refere aos mecanismos operacionais para a construção regional, segundo Lima e Coutinho (2006). O regionalismo aberto exige menor capacidade operacional do Estado e depende mais dos agentes econômicos do mercado ao passo que, além de depender de maior coordenação dos Estados, a integração física demanda a existência de poder infra-estrutural suficiente dos mesmos, uma vez que supõe uma visão estratégica de região e, assim, atores com capacidades estratégicas como são os Estados e não os atores de mercado.

Tendo essas noções em mente, podemos compreender o papel do regionalismo para o Brasil, que culminou na construção institucional e política do Mercado Comum do Sul, o MERCOSUL, que se caracteriza pelos dois tipos de regionalismo descritos acima. O bloco econômico tem sua origem na aproximação de Brasil e Argentina a partir do fim dos anos de 1970. Em relação aos primeiros movimentos que levaram à criação do MERCOSUL, Candeas (2005) classifica o período entre 1979-1987 das relações entre Brasil e Argentina como "Construção da Estabilidade Estrutural" e destaca, em um primeiro momento, o papel do acordo de Itaipu-Corpus e a questão de energia nuclear. Segundo Russel e Tokatlian (2003), o acordo de Itaipu-Corpus em 1979 abriu as perspectivas para os dois países avançarem no terreno da cooperação.

Para Vaz (2002), a parceria entre Brasil-Argentina a partir de 1979 não envolveria a princípio iniciativas na área econômica, mas propostas e ações no plano da segurança, inclusive na área nuclear. O autor aponta que, posteriormente, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, firmado em 1988, estabeleceu o prazo de dez anos para a conformação do espaço econômico comum. Juntamente com protocolos bilaterais assinados em 1986, o Tratado de Integração de 1988 demandava mecanismos mais complexos para a articulação de interesses e consequentemente, de legitimação política. Refletiam os objetivos pretendidos: no longo prazo, a promoção de desenvolvimento conjunto no quadro de uma integração a ser construída a partir do enlace de setores produtivos e de iniciativas em campos fundamentais como energia, transporte, telecomunicações, etc. No curto prazo, almejava-se atuar cooperativamente diante de problemas comuns, tanto no campo político, notadamente os relacionados à consolidação da democracia, como no econômico, em que a inflação alta e o endividamento externo representavam o ponto comum e mais evidente do desafio que os dois países confrontavam.

Russel e Tokatlian (2003) destacam no terreno político a coordenação de posições em fóruns como a Assembléia Geral das Nações Unidas, a UNCTAD e o GATT. A crise da dívida, o protecionismo comercial do mundo industrializado e a necessidade de preservar a região do conflito Leste-Oeste também operaram como elementos aglutinadores.

 

Métodos e técnicas

Nossa pesquisa será orientada pelos métodos quantitativo e qualitativo. Seguindo a categorização de Tsebelis (1999), para a investigação sobre os "jogos em múltiplas arenas" devemos considerar os fatores contextuais que determinam as variações dos payoffs. Por outro lado, a expressão "projeto institucional" refere-se à inovação política referente às regras do jogo onde os atores escolhem entre diferentes jogos possíveis, ou seja, entre os possíveis conjuntos de regras. Em relação ao "projeto institucional" buscaremos aferir: a história da demanda, a configuração institucional atual e a configuração institucional demandada pelo Brasil. Em relação aos "jogos em arenas múltiplas" buscaremos aferir o papel dos seguintes fatores: regionalismo (particularmente o Mercosul), coalizões internacionais (em especial o G20) e as características da economia doméstica brasileira em relação a agricultura e serviços que se refletem no comércio exterior do Brasil. Desta maneira, o comportamento do Brasil na OMC nas negociações sobre agricultura e serviços constitui nossa variável dependente. Por outro lado, os fatores institucionais e contextuais mencionados constituem nossas variáveis independentes.

Em relação à agricultura e serviços no que tange o "projeto institucional", nos valeremos de revisão bibliográfica sobre o tema, análise documental (a OMC possui em seu site World Trade Organization - www.wto.org - acervo completo de todos os documentos gerados e apresentados pelos países, dos quais já foram selecionados aqueles relevantes para nosso trabalho), e entrevistas semi-estruturadas com os principais responsáveis pela condução da pauta e das negociações (em especial, o ex ministro das relações exteriores Celso Amorim, o ex assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia, o diplomata Rubens Ricúpero e o ex secretário-geral das Relações Exteriores Samuel Pinheiro Guimarães).

No que se refere aos "jogos em arenas múltiplas", mapearemos os grupos regionais e as coalizões internacionais por trás de cada documento apresentado pelo Brasil na OMC a fim determinar sua influência ou peso na estratégia de inserção internacional brasileira. Essa informação consta de forma explícita nos próprios documentos a serem analisado. Consideraremos para essa análise os modelos analíticos e a bibliografia produzida sobre regionalismo e coalizões intencionais. Essa etapa de nosso trabalho se valerá da metodologia quantitativa. Esperamos encontrar uma relação direta entre a participação brasileira nas negociações na OMC, o MERCOSUL e o G20. As características da economia brasileira referente à agricultura e serviços nos proverá o pano de fundo para a pesquisa. Diversos institutos e organizações nacionais e internacionais possuem informações detalhadas sobre o tema, como o IBGE, a Fundação Getúlio Vargas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Partimos do pressuposto de que quanto maior a participação de um desses setores no comércio exterior do país, maior será o engajamento do Brasil na respectiva pauta na OMC. Inversamente, quanto menor a participação do setor no comércio exterior, maior o protecionismo nas negociações.

 

Bibliografia

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1. Essa pesquisa resultou na minha dissertação de mestrado: GONÇALVES, Pascoal T. C. "Ação Coletiva e Potências Médias: uma análise do comportamento de Brasil, Índia e África do Sul nas agendas internacionais de segurança, meio ambiente e comércio".
2. ORENSTEIN, Luis. "A estratégia da ação coletiva". Para o autor os atores políticos se diferenciariam em elite de referência, imitador e free-rider conforme a participação de cada um nas etapas de decisão, implementação e uso fruto de um bem coletivo.
3. Keohane parte dos supostos teóricos do modelo da Escolha Racional desenvolvido por Mancur Olson e Robert Axelrod para desenvolver seu modelo "neo-institucionalista" liberal da política internacional.
4. Fonte: The World Bank, World Development Indicators (2005)
5. Fonte: World Trade Organization - Trade Profiles
6. Fonte: The World Bank, World Development Indicators (2005)
7. Fonte: World Trade Organization - Trade Profiles
8. Grupo formado por Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paquistão, Paraguai, Peru, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Uruguai.
9. Baseado em informes online da Folha: 30/07/2008 - "Após fracasso, EUA afirmam que manterão ofertas feitas na Rodada Doha"; 30/07/2008 - "Brasil fez tudo o que pôde para ter acordo, diz Amorim"; 30/07/2008 - "Negociações de Doha deixam 'ferida' entre Brasil e Argentina"; 04/12/2008 - "Argentina pede que Brasil 'não a deixe sozinha' em Doha.