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ISBN 2236-7381 versão impressa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Desenvolvimento econômico na América Latina: instituições e capital social

 

 

Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS), Universidade Estadual Paulista, UNESP - campus de Franca. Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, CEP 14409-160, Franca/SP. Fone: (16) 3706.8890. E-mail: pavarina@franca.unesp.br

 

 


RESUMO

Este trabalho busca apresentar reflexões sobre o comportamento econômico da América Latina, considerando a importância dos atributos diretamente relacionados ao capital social (confiança interpessoal, que conduz à associação e ao comprometimento cívico, perfazendo o que Robert Putnam chama de 'comunidade cívica') pari passu a elementos institucionais - que podem ser entendidos como as 'regras do jogo' para o estabelecimento de relações sociais, políticas e econômicas. Agregadas, estas duas dimensões podem contribuir para a compreensão das diferentes economias da América Latina, de acordo com a 'visão sinérgica' do capital social apresentada pelo Banco Mundial, que considera que o "capital social não existe no vácuo político". Isto porque a decisão econômica racional de cooperar ou não ocorre em função de dois fatores: (1) do comportamento esperado dos outros agentes ('coopero se o outro também cooperar') e (2) da existência de normas ou regras que tolham ou impeçam o oportunismo (para evitar que a decisão de cooperação pareça coisa de 'tolo').

Palavras-chave: capital social, instituições, desenvolvimento econômico


 

 

1. INTRODUÇÃO

Os países possuem condições de crescimento e desenvolvimento econômico diferenciadas, estando estas vinculadas à disponibilidade dos fatores de produção tradicionais: os capitais físico, financeiro, humano e natural. Transcorrido mais de meio século de estudos, a partir das idéias propostas pelo modelo de Solow, a Teoria do Desenvolvimento Econômico foi incorporando fatores e variáveis que estavam originalmente fora do modelo tradicional - isto porque somente explicações puramente econômicas falharam em explicar questões de desenvolvimento (PORTES; LANDOLT, 2000). Contemporaneamente são investigadas as contribuições das condições políticas, sociais, culturais e institucionais, a partir de estudos sobre o papel do capital social e das instituições.

O capital social foi incorporada à literatura a partir de estudos de não economistas. Após a concepção inicial no campo da Sociologia - por Pierre Bordieu e James Coleman (1988, 1990) - o assunto foi tratado pelo politólogo Robert Putnam (1995, 1996). Estes autores lançaram as bases teóricas para a incorporação do capital social enquanto um fator de produção relevante e com efeitos e impactos na atividade econômica1. Ainda que as definições sejam várias, entende-se o capital social como as "[...] características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribu[e]m para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas" (PUTNAM, 1996, p.177).

A compreensão acerca das instituições e de sua contribuição à Economia é contemporânea ao debate sobre capital social, sendo relacionada às idéias originais de Douglas North (1989, 1991, 1995). O autor sintetiza as instituições enquanto 'regras do jogo', que constituem um guia para a realização das atividades e das interações econômicas.

Na intersecção destes dois conceitos, há a abordagem 'institucional' do capital social, preconizada nas análises do Banco Mundial, sobretudo a partir dos estudos de Woolcok e Narayan2. Esta abordagem destaca que a vitalidade das relações sociais é ditada pelo arcabouço institucional - o ambiente político, leal e institucional no qual as relações pessoais (e a confiança interpessoal) se estabelecem. A 'visão sinérgica' - uma extrapolação para além da abordagem institucional3 - destaca a sinergia e retroalimentação entre o capital social e o ambiente institucional. As estruturas, normas e regras estabelecidas pelo Estado, por meio das instituições e do sistema político, interagem constantemente com a dinâmica da organização social da sociedade, seja a nível horizontal ou vertical, sendo constantemente afetado por ela e afetando-as da mesma maneira. Da mesma maneira as instituições formais precisam do envolvimento e do comprometimento social, pois caso contrário de nada vale a 'institucionalidade vazia' (como por exemplo: regras que não são seguidas ou a existência ou prevalência de corrupção para driblar o sistema legal). Esta abordagem abre espaço para contemplar a mesmo tempo as condições de reciprocidade e confiança (vinculadas ao capital social) e aspectos institucionais, tais como fazer valer os contratos (contract enforcement), rule of law e acesso e garantia a liberdades civis e políticas; a confiança e a reciprocidade interpessoal estabelecem-se em um processo iterativo com o ambiente institucional.

Mas há consenso sobre o papel das instituições e do capital social sobre a atividade econômica? Diante das diversas possibilidades de resposta, insere-se este trabalho, cujo objetivo é apresentar algumas reflexões iniciais sobre o papel e a contribuição do capital social e das instituições às condições econômicas da América Latina.

 

2. O referencial teórico

A Teoria do Desenvolvimento Econômico tem destacado a importância dos fatores de produção tradicionais para a geração de riquezas em um país. Porém, "por mais de 40 anos, então, o papel das instituições nacionais e locais - políticas, legais e sociais - foi largamente negligenciado" para a compreensão do crescimento e do desenvolvimento econômicos (WOOLCOCK, 2001, p.66). Em que pese a valorosa contribuição da teoria neoclássica, há de se pensar em suas limitações:

[q]uando aplicada à história econômica e ao desenvolvimento, se concentrou no desenvolvimento tecnológico e, mais recentemente, no investimento em capital humano, mas ignorou a estrutura de incentivos incorporados em instituições que determinam a medida de investimento social nesses fatores. Na análise do desempenho econômico através do tempo [a teoria] continha dois pressupostos errados: um, que as instituições não importam e dois, que o tempo não importa. (NORTH, 1993)4.

Cientes destas críticas, elementos que não estritamente econômicos foram destacados e pôde-se estudar a contribuição e o papel das variáveis sociais, históricas, culturais ou políticas à teoria do desenvolvimento. Uma abordagem teórica incorpora os benefícios e as virtudes da vida cívica, do associativismo e da confiança interpessoal; outra aborda a existência de 'regras do jogo' para os agentes e para a atividade econômica de maneira geral.

O interesse econômico sobre o capital social decorre da difusão das obras de James Coleman (1988, 1990) e de Robert Putnam (1995, 1996), que amplia e completa as idéias do primeiro. O trabalho de 1996 de Putnam apresenta o resultado de cerca de vinte anos de observações e inferências a respeito das condições econômicas desiguais existentes entre o 'norte' e o 'sul' da Itália, comprovando os efeitos positivos da 'comunidade cívica' sobre a atividade econômica. Este "emaranhado de virtudes" engloba posicionamentos além da simples busca por interesses individuais: (1) participação cívica; (2) igualdade política; (3) solidariedade, confiança e tolerância; e (4) vida associativa5, sintetizados no que Putnam (1996, p.177) chama de capital social.

O capital social, sintetizado na 'comunidade cívica', o engajamento associativo e as conexões sociais que a partir daí se estabelecem afetam positivamente a vida das pessoas, melhorando-as. Daí compreende-se o efeito econômico do capital social: as normas e redes de engajamento cívico "[...] criam normas vigorosas de reciprocidade generalizada e estimulam a emergência de confiança social [...], facilitam a coordenação e a comunicação, amplificam reputações e assim permitem a resolução de dilemas de ação coletiva" (PUTNAM, 1995). Os incentivos para atuação oportunista por parte dos agentes diminuem face às regras e redes de interação social.

A análise da contribuição potencial do capital social ao crescimento e desenvolvimento econômicos não rivaliza com a análise institucional6. Considerando-as 'as regras do jogo', Putnam acredita que o respeito (ou não) a elas não são impostas, mas são aprendidas ou ensinadas a partir do próprio convívio comunitário.

A convivência em sociedade, em torno de uma ampla estrutura de relações e intercâmbios sociais, implica no estabelecimento e na aceitação de regras, porque "em interações sociais, os indivíduos lidam uns com os outros com base em alguma suposição sobre o que lhes está sendo oferecido e o que podem esperar obter", ou seja, "[...] com alguma presunção básica de confiança" (SEN, 2000, p.56). A confiança e a reciprocidade advêm ou das relações interpessoais - do capital social, portanto - ou do ambiente institucional. As interações sociais e o desempenho da atividade econômica ocorrem em ambiente de racionalidade limitada e sujeita ao comportamento oportunista, diante da impossibilidade em compreender, conhecer ou antever o comportamento dos demais agentes para o desenvolvimento da atividade econômica.

As instituições foram definidas por North (1995) exatamente como "regras do jogo" ou "[...] mais formalmente, são as restrições planejadas humanamente, que moldam as interações humanas. Em conseqüência, elas estruturam os incentivos nas trocas humanas sejam políticas, sociais ou econômicas". Tais regras estão vinculadas ao desenvolvimento de atividades econômicas de qualquer natureza - produção, troca e distribuição. O grande objetivo da existência de instituições é restringir o comportamento humano oportunista, colaborando - em última instância - para a diminuição dos custos de transação.

Em estágios iniciais de desenvolvimento econômico a confiança pode ser considerada somente no âmbito interpessoal, estando o agente econômico obrigado a estabelecer relações pessoais e personalistas entre os frequentes interlocutores. Com a evolução das atividades econômicas é demandada mais do que a confiança interpessoal e sim confiança generalizada. Esta depende tanto de atributos pessoais (honestidade e honradez, por exemplo), de motivadores de natureza social (normas sociais de conduta, reforçados por laços informais que se estabelecem entre os indivíduos) e institucional (regras impostas por meio de aparato formal). Fundamental neste processo é o surgimento e a manutenção de instituições que garantam ou induzam o respeito aos contratos e o comportamento cooperativo, ao mesmo tempo em que restrinjam o comportamento oportunista.

Faz sentido pensar o capital social como complementar ao ambiente institucional (FUKUYAMA, 2000). Não é possível a existência somente de relações econômicas baseadas na confiança interpessoal, ou seja, no capital social. Ainda que o efeito econômico do capital social seja evidenciado e percebido por meio da diminuição dos custos de transação, em qualquer sociedade é preciso o estabelecimento de instituições formais, uma vez que mecanismos de cooperação não se desenvolvem automaticamente conforme sugere a teoria da "mão invisível do mercado":

[...] ninguém se oferecerá de voluntário para trabalhar em uma organização de vizinhos se a polícia não pode garantir aí a segurança pública; ninguém confiara no governo se os funcionários públicos são imunes à ação judicial; ninguém subscreverá um contrato comercial com um estranho se não existe uma legislação sobre delitos civis e contratos válidos (FUKUYAMA, 2003).

Por outro lado, compreender as instituições de maneira isolada ao capital social pode-se incorrer na tentação de uma solução 'institucional' única, que perpassa culturas e aspectos sociais - do tipo 'one size fits all'.

O ambiente econômico é permeado, então, por um amplo espectro de normas formais e informais. Por um lado, pode-se entender que "quando a negociação politica e econômica esta fundada em redes densas de interação social, diminuem os incentivos para oportunismo" (PUTNAM, 1995). Por outro, a atividade econômica está vinculada não somente a instituições econômicas, como também a instituições políticas, responsáveis em sua origem pelo arcabouço institucional: estabelecimento de direitos de propriedade e sistema e normas legais para reger e coordenar a ação econômica e garantir o enforcement dos contratos. O desempenho econômico - o crescimento e o desenvolvimento - acabam sendo influenciados ou moldados por instituições que são delimitadas, em última instância, fora da atividade econômica.

Sabendo-se que as instituições econômicas são moldadas na esfera política, compreende-se o posicionamento de North (1995): "em um mundo com custos de transação zero, o poder de negociação não afeta a eficiência de resultados, mas em um mundo de custos de transação positivos ele afeta - e, portanto, molda a direção das mudanças econômicas de longo prazo". De maneira inversa, podem ser ineficientes na diminuição do comportamento oportunista, dado que podem existir indivíduos que se beneficiam do comportamento free rider ou rent-seeker. Neste caso, as instituições estariam vinculadas não ao atendimento de um bem público e sim a interesses de grupos exclusivos, tais como ocorre com frequência em países em desenvolvimento (BORNER; BODMER; KOBLER, 2004).

 

3. O contexto analisado: confiança interpessoal e institucional na América Latina e a questão econômica

A América Latina, em amplas linhas, pode ser compreendida como uma região pouco confiável e parte de seu desempenho econômico - condições vinculadas ao crescimento e ao desenvolvimento - pode ser relacionado ou explicado por esta constatação.

Resultados de pesquisas de opinião destacam que a região apresenta baixos índices de confiança interpessoal e institucional7, incluindo nesta desconfiança o sistema judiciário, a polícia, os partidos políticos e o legislativo. Se entendermos capital social como o "sacrifício individual, em termo de tempo, esforço, consumo, que se reflete no esforço para promover a cooperação com os outros" (OXOBY, 2009, p.5), chega-se facilmente à conclusão que os latinos não estão dispostos a abrirem mão de interesses pessoais porque entendem este 'sacrifício' como em vão, dado que há desconfiança de que haverá reciprocidade deste comportamento altruísta no futuro.

A América Latina apresenta uma herança comum de desconfiança, sendo a baixa confiança interpessoal o cerne do problema da baixa confiança nas instituições: "se nem as pessoas são confiáveis, como podem ser as instituições?" (LAGOS, 2000).

A existência da baixa confiança pode estar relacionada às condições históricas. É observada relação entre o comportamento institucional na América Latina e o passado colonial ibérico. Enquanto os Estados Unidos souberam aprofundar as instituições que inicialmente se desenvolveram na metrópole - sobretudo com relação a direitos de propriedade - a América Latina manteve estruturas institucionais vinculadas à origem metropolitana; condições presentes nos séculos XVI-XVIII em Portugal e na Espanha foram reproduzidas na América Latina (NORTH, 1989; NORTH et al., 1999).

Estruturas burocráticas de governança existentes em Portugal e Espanha para administrar as colônias podem ser sumarizadas no personalismo das relações econômicas e políticas, na regulação estatal e nos direitos de propriedade mal definidos. Este comportamento induziu e manteve atividades rent-seeking nas colônias, que talvez tenham se perpetuado na economia dos países da América Latina (BJØRNSKOV, 2009)8. Uma vez que estas atividades estão vinculadas a grupos específicos, podem representar os 'grupos exclusivos', cujos benefícios decorrentes da associação são apropriados privadamente, somente por parte daqueles que são membros.

Existe uma lacuna "[...] para não dizer o abismo - entre o país legal e o país real, isto é, entre o que a lei manda e o que a realidade social permite (o famoso 'se acata, mas não se cumpre' da era colonial)" (SORJ; MARTUCCELLI, 2008, p.159). Esta dissociação entre o de jure e o e o de facto pode explicar parte da desconfiança interpessoal e institucional. Este comportamento flexível e moldável perfaz o que é conhecido como o 'jeitinho' latino-americano. Uma faca de dois gumes; um vício e uma virtude. Também dá respaldo à compreensão de comportamentos transgressivos, nos quais o desrespeito à legalidade é recompensado e não punido. Considerando que a "igualdade é uma norma jurídica e um valor, não um fato e tampouco uma asserção" (OTTONE, 2007, p. 20-21), infringir as leis é um pressuposto quase que 'natural'; quem cumpre com suas obrigações acaba fazendo 'papel de tolo'.

A tradição política latino-americana está relacionada à presença de oligarquias e com exemplos recorrentes de centralização política. São inevitáveis os trasbordamentos e respingos deste comportamento na área econômica, dado que as instituições podem conter traços desta conduta, respondendo a interesses de 'grupos exclusivos'. São visíveis traços de clientelismo, nepotismo e uso patrimonialista da estrutura pública. Lagos (2000) comprova sua tese em sentido contrário: ao invés da desconfiança institucional haveria, para a autora, a "institucionalização da desconfiança" (uma profusão de certificados, certidões e provas de boa-fé que são demandados na esfera econômica). Na América Latina há, para a autora, um emaranhado de ligações personalistas e burocrática que de maneira recorrente extrapolam a estrutura formal. Estabelecem-se relações pessoais - "ligações" - para viabilizar o acesso do indivíduo a benefícios ou serviços ou ter acesso a direitos, uma vez que sem estas ligações o acesso amplo ao sistema de garantias individuais parece intransponível ao cidadão comum. Abre-se nas lacunas do funcionamento do Estado, espaço para o surgimento de atividades ilícitas ou ilegais (SORJ; MARTUCCELLI, 2008).

Esta compreensão é respaldada pelo trabalho de Fukuyama (2000). O autor resgata a idéia de 'raio de confiança' para apresentar as suas conclusões. Haveria na América Latina dois sistemas paralelos, com raios de confiança diferentes: um válido para os amigos próximos e para a família e outro para as demais pessoas ('os outros'). Em conseqüência, o capital social residiria somente na família e em grupos estritos de amigos; os 'estranhos' caem em outra categoria. A preocupação excessiva com a vida privada e/ou nuclear familiar e relutância em se envolver com assuntos públicos ou coletivos conduziriam a um individualismo excessivo. É a idéia subjacente ao familismo amoral: o indivíduo sente-se vinculado moralmente somente à sua família, excluindo qualquer cooperação derivada de interações sociais impessoais. As relações sociais ficam diminuídas e por conseqüência, a possibilidade de estabelecimento de relações econômicas; as instituições 'podem menos' (ou têm menos poder) do que 'os conhecidos'.

Com um ponto de vista voltado à análise das instituições democráticas, Booth; Richard (2009) observam correlação entre os grupos formalmente constituídos e países com democracia estabelecida há mais tempo. Aventam a explicação de que os anos de repressão política - incluindo guerras civis - podem ter contribuído para o estabelecimento de grupos informais, cerceando a exposição pública necessária para constituições das redes formais.

Talvez regimes políticos com repressão e vigilância que vigoraram na América Latina podem ter mantido a atividade política dentro de limites estritos e tentaram acabar com a cultura participativa (KLESNER, 2004). É possível relacionar a baixa confiança com as marcas de autoritarismo político, sendo a desconfiança uma resposta da população, uma "forma de sobrevivência frente ao passado e à história" (LOPES, 2004). A desconfiança interpessoal e nas instituições que caracteriza o baixo capital social latino-americano parece acontecer e ter sido fomentado por meio de instituições formais. A atitude de permanecer em silêncio e a decorrente passividade frente ao contexto político, econômico e social seriam reflexos desta desconfiança.

Por fim, outra explicação possível para a baixa confiança interpessoal e institucional está relacionada à desigualdade de renda que caracteriza a América Latina, dado que "em sociedades altamente desiguais, as pessoas procuram agrupar-se com seus semelhantes" (nas palavras de BJØRNSKOV, 2009). Talvez esta deficiência estrutural da economia latino-americana reforce comportamentos excludentes, pois "percepções de injustiça [social] irão reforçar estereótipos dos outros grupos, fazendo a confiança e a acomodação mais difícil" ou possibilitem a compreensão de atitudes do tipo familismo amoral, uma vez que os 'outros' são tomados como 'inimigos potenciais'9.

 

4. Considerações finais

A origem histórica comum dos países latino-americanos pode contribuir com uma possível explicação para a desconfiança e descrença nas atividades públicas que, ao contrário de serem entendidas como 'sendo de todos', são internalizadas como 'sendo de ninguém'. Também possibilitem o entendimento sobre o 'repúdio' ao envolvimento com atividades políticas.

A América Latina apresenta riscos grandes associados à baixa representatividade e intermediação política e ao baixo envolvimento de seus habitantes com questões de natureza coletiva. A desconfiança interpessoal e institucional apresenta relações estatisticamente significativas com as condições desvantajosas da atividade econômica latino-americana10.

Considerando o inter-relacionamento possível entre capital social e instituições e as condições econômicas na América Latina, as premissas que podem ser aplicadas às condições vigentes contemporaneamente na América Latina podem ter sido lançadas há longa data:

O comércio e as manufaturas raramente poderiam florescer em qualquer estado que não desfrute de uma administração regular da justiça, onde o povo não se sinta seguro na posse de sua propriedade, onde a fé dos contratos não é apoiada pela lei e onde a autoridade do Estado não é suposta regularmente empregada em apoio o pagamento dos débitos de todos aqueles que podem pagar. O comércio e as manufaturas, em suma, dificilmente podem florescer em qualquer Estado onde não haja um certo grau de confiança na justiça do governo (p.409).

Apesar desta passagem ter sido escrita por Adam Smith ainda no século XVIII11, talvez pudesse ser aplicada ao contexto econômico da América Latina, em pleno século XXI.

 

5. Referências

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1. A introdução ao livro de Svendsen; Svendsen (2009) utiliza a analogia a uma triga (troika, no original) para descrever a análise do capital social: uma intersecção de conhecimentos provenientes da Ciência Econômica, da Sociologia e da Ciência Política.
2. Sobretudo a partir dos trabalhos e Woolcock e de Narayan. Estes autores descrevem a 'evolução' do conceito de capital social, partindo da "visão comunitária" preconizada por Putnam (1996) para a visão "de rede", e em seguida a ampliam considerando as propostas "institucionais" e apresentam a própria compreensão, traduzida na "visão sinérgica" (WOOLCOCK; NARAYAN, 2000).
3. Woolcock e de Narayan julgam que esta perspectiva poderia exclui as pessoas do centro da análise do capital social, incorrendo em risco potencial de crowding out: ao reforçar a importância das instituições formais, notadamente centrando a análise no Estado, a abordagem tira importância do comportamento da sociedade civil.
4. Discurso de Douglas North, quando agraciado com o Prêmio Nobel de Economia, no ano de 1993. Disponível em <http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/ laureates/1993/north-lecture.html>.
5. No trabalho datado de 1995, publicado após a versão original em língua inglesa de Putnam (1996), o autor destaca o efeito e a consequência da diminuição no capital social norte-americano.
6. Pelo contrário: a obra 'Comunidade e democracia', de Putnam (1996) inicia-se com comentários sobre as instituições! Os capítulos iniciais do livro tratam da 'Mudança das regras: duas décadas de desenvolvimento institucional' e 'Avaliação do desempenho institucional'. O autor estabelece, entretanto, seu escopo de análise nas relações interpessoais e considera as instituições como resultantes do processo de interação social e do capital social, enquanto construções sociais.
7. Rennó (2001) é um dos autores que destaca este fato, assim como Lagos (2000), Lopes (2004), Ottone (2007), Calderón (2008) e os autores que compõem a obra de Moisés (2010). Todos argumentam sobre a menção à falta de confiança, com base em resultados de pesquisas de opinião pública.
8. Ainda que não retomem o passado, Portes; Landolt (2000) relacionam a desconfiança na América Latina à adoção de preceitos econômicos liberais - atendendo à máxima de que políticas econômicas do tipo 'one-size-fits-all' produziram resultados contraditórios e não explicados totalmente pela teoria ortodoxa. A extrapolação desta noção para o lado social também é de difícil predeterminação. A incorporação de forças estritas de mercado - transformando o ambiente em um grande "cada um por si" ('everyone for himself') conduz ao atomismo social e econômico e ao estabelecimento de relações de crime e corrupção. Ainda que esta situação não seja observada pelos autores como crítica na América Latina, abre espaço para a análise sobre o comportamento do capital social. Ottone (2007) também destaca como consequência do excesso de individualismo o baixo associativismo, sobretudo formal, observado na região e o baixo comprometimento e interesse com aspectos públicos, coletivos ou comunitários. Os países estão engastados em valores individualistas, em detrimento da preocupação com bem comum; "o fato de o privado exercer maior influencia do que o público e a autonomia pessoal impor-se à solidariedade coletiva é acelerado tanto pela economia quanto pela cultura midiática [...]" (p.19).
9. Também Jordahl (2009, p.325) relaciona capital social, por intermédio da confiança e menor desigualdade de renda, concluindo que "a sociedade é vista como um jogo de soma-zero entre grupos conflitivos e isto se reflete em menores níveis de confiança".
10. Fukuyama (2003) destaca que um dos motivos que explicam o baixo crescimento da América Latina, comparativamente aos países da Ásia Oriental, é a qualidade das instituições presentes em ambas os conjuntos de países: "nas sociedades em que as pessoas têm o costume de cooperar e trabalhar em conjunto [...], são muito maiores as probabilidades de que surjam instituições estatais poderosas e eficientes".
11. SMITH, A. Riqueza das nações. São Paulo: Hemus, 2008 (1776), p.409.