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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Intervenções para a paz em conflitos assimétricos: desafios na formulação de estratégias de estabilização no século XXI em relação a novos atores beligerantes

 

 

Rafael Assumpção Rocha

 

 


RESUMO

As questões relativas à segurança internacional mudaram radicalmente após 1989. Não houve erradicação definitiva dos conflitos interestatais no cenário internacional, porém há uma tendência de aumento de conflito interno nos Estados. Verifica-se, portanto, uma alteração do tipo predominante nos conflitos desde o fim da Guerra Fria. Esta mudança originou, em muitos casos, uma situação generalizada de desordem em diversos países. Neste contexto, surge o termo "Estado Falido", referindo-se àqueles em que as instituições públicas governamentais cessaram de funcionar na prática. Ocorre que de forma cada vez mais comum, os Estados são chamados para intervir em ocasiões onde os governos não são capazes de impedir que aconteçam graves violações de direitos humanos. O artigo analisa os desafios de elaboração de estratégias de estabilização e contra-insurgência, caracterizadas dentro do quadro de conflitos assimétricos do século XXI.

Palavras chave: Segurança internacional, conflitos assimétricos, insurgência, Missão de Paz


 

 

"O estudo dos conflitos internacionais é uma ciência inexata que combina história e teoria. Ao percorrer nosso caminho pelas teorias e pelos exemplos, tentamos ter em mente tanto o que mudou quanto o que permanece constante, de modo a poder entender melhor nosso passado e nosso presente e melhor navegar entre os baixios traiçoeiros do futuro." (NYE, 2009, p. 34).

A segurança internacional, as preocupações com a Paz e soluções para a guerra são questões muito antigas e assuntos intrinsecamente ligados às Relações Internacionais. Historicamente, a maioria das regras sobre conflito armado internacional foi concebida com base na concepção de Clausewitz. Isto é, a suposição de conflitos simétricos, ocorrendo entre os exércitos estatais, através de suas forças militares de mais ou menos equivalência. Durante a maior parte dos séculos XIX e XX, os poderes dominantes envolvidos em corridas armamentistas buscavam manter o equilíbrio de poder para assegurar a Paz ou para estabelecer uma tática assimétrica em relação a seus adversários como uma garantia de vitória militar na guerra (GEI, 2006).

Contudo, as questões relativas à segurança internacional mudaram radicalmente após 1989. Não houve erradicação definitiva dos conflitos interestatais no cenário internacional, porém, há uma tendência de aumento de conflito interno nos Estados.

Com o fim da Guerra Fria, a grande parte das análises prospectivas não vislumbra alternativas possíveis ao capitalismo liberal. Em contrapartida, há uma preocupação crescente com o choque de culturas (aspectos sociais, políticos e econômicos que refletem no choque de civilizações). Desta forma, não se pode dizer que nem Fukuyama, nem Huntington estavam completamente equivocados em suas perspectivas (NYE, 2009).

 

Teorias e conflitos

Antes de adentrar mais especificamente na evolução histórica, que nos levará a compreender a realidade dos conflitos na atualidade, acredito ser importante destacar algumas correntes teóricas do campo das Relações Internacionais que nos guiarão nesta análise. Desta forma, seguindo a proposta de Joseph NYE (2009), serão analisadas três grandes correntes teóricas: o realismo, o liberalismo e o construtivismo.

O realismo, como mainstream das relações internacionais, foca sua abordagem no uso da força e na Guerra, sendo os atores centrais os Estados, que coexistem num cenário anárquico internacional. Os Estados buscam maximizar seu poder e minimizar a capacidade de outros Estados que ameaçarem sua própria segurança (WALTZ, 2002).

Já os liberais argumentam a existência de uma sociedade internacional que atua como contexto para os Estados. Nesta perspectiva, o comércio atravessa fronteiras, as pessoas se relacionam e transitam entre os Estados e as Organizações Internacionais estabelecem regimes que promovem estabilidade, minimizando os riscos da ambiente anárquico (KEOHANE, 2005; NYE, 2009). Esta corrente argumenta que o crescimento da interdependência econômica, tecnológica e ecológica, e o aprofundamento de laços culturais irão minimizar a tal ponto as discordâncias políticas internas e internacionais que a humanidade irá evoluir para um mundo sem fronteiras (KEOHANE; NYE 2001).

Por sua vez, os construtivistas sustentam que há mudanças no cenário internacional que vão além das perspectivas acima destacadas, enfatizando que as idéias e a cultura moldam a realidade e o discurso na política internacional. Eles salientam questões sobre identidades, normas, culturas, interesses nacionais e na governança global. Estas questões estão relacionadas com contextos históricos específicos e são suscetíveis de mudanças com o passar do tempo. Defendem a subjetividade suprema dos interesses e suas ligações com identidades em mutação. Para os construtivistas, os neorealistas e neoliberais entendem que os Estados agem de acordo com seu interesse nacional, mas pouco contribuem para a análise de como esses interesses são construídos ou mudam conforme o passar do tempo.

Os construtivistas argumentam que toda teoria está relacionada com seu contexto histórico. Estados, soberania, segurança, território, nação e diversos outros conceitos de política internacional foram e ainda são construídos socialmente e não são permanentes. Eles contribuem para a análise de como as preferências são formadas e como o conhecimento é constituído. Desta forma, o construtivismo não se opõe necessariamente ao realismo e ao liberalismo, mas complementa as carências das duas análises (HURD, 2008).

Por fim, segurança internacional, num amplo conceito, é o conjunto de questões que podem ameaçar um ou mais ator das relações internacionais. (ROBSON, 2008). A partir de 1990, o conceito de segurança internacional acompanhou o aumento de temas da agenda internacional, abrangendo não somente questões tradicionais como a sobrevivência do Estado, do território, da nação; a soberania; a busca e maximização de poder; e as estratégias militares. Com a evolução dos temas relativos à segurança internacional, estudam-se também temas como o desenvolvimento, a ecologia, os direitos humanos, a pobreza etc.

 

Contextualizando a evolução da forma de se fazer a guerra no século XXI.

Desde o século XVII, o sistema internacional baseava-se na soberania dos estados. Hoje, porém, há uma grande tendência em enxergar a soberania sob a perspectiva dos povos. Realmente, o mundo após 1989 é sui generis. As questões relativas à manutenção da Paz e segurança internacional mudaram radicalmente após o fim da Guerra Fria. Não houve erradicação definitiva dos conflitos interestatais no cenário internacional, tornando-o cada vez mais multidimensional. As estruturas do sistema mais, agora, são mais complexas. Outra característica relevante é a maior permeabilidade dos Estados às questões internacionais. A distinção do que é nacional e do que é internacional fica cada vez mais confusa.

Há uma tendência no aumento de conflitos internos nos Estados, opondo etnias, religiões, culturas, facções regionais que, até então, conviviam juntos, ainda que pela imposição da força do Estado. A tradicional lógica da guerra é contestada. Observa-se a transição do paradigma de Clausewitz, onde existe racionalidade do ato de agressão, essencialmente por parte dos Estados nacionais, para uma situação em que a irracionalidade da violência praticada por grupos subnacionais solaparia a lógica suposta por aquele general. Esta situação promoveu em alguns casos um ambiente de desordem em diversos países e regiões (FERREIRA, 2005). Surge então o termo "Estado Falido", referindo-se àqueles em que as instituições governamentais cessaram de funcionar na prática, ou seja, o Legislativo e o Judiciário, em muitos casos, deixaram de existir e o Executivo entrou em colapso com os governantes perdendo o controle sobre o país. Em muitos destes casos, formam-se facções ilegais, milícias informais, grupos para-militares que se camuflam entre os civis (THE FOUND FOR PEACE, 2011). "A maioria das guerras étnicas acontece onde os mecanismos estabelecidos para mediar os conflitos se deterioraram". (NYE, 2009, p. 198).

Os ataques de 11 de setembro puseram fim a um período em que as grandes potências, sobretudo os Estados Unidos, vinham aperfeiçoando sua abordagem da "guerra com morte zero". Contudo, o cenário dos conflitos mudou. O inimigo já não é mais um Estado soberano. Hoje o inimigo é móvel, transnacional. Logo, observa-se o aumento significativo do que se convencionou chamar de conflito assimétrico (BISHARA, 2001).

Neste contexto, observa-se um despreparo dos Estados em lidar com a nova realidade. Em relação aos Estados Unidos, verifica-se que, após a guerra no Vietnã, foram deixadas de lado todas as estratégias relacionadas à insurgência ou com a guerra irregular. Isto, somado com a mais recém experiência na Somália, o exército estadunidense passou a acreditar que qualquer compromisso de longo prazo com esforços no exterior seria politicamente inaceitável. (NAGL, 2010). Assim, criou-se uma doutrina entre os militares das grandes potências que buscava deslocar-se rapidamente para locais problemáticos para prestar ajuda humanitária, conduzir projetos de rápido impacto, e em seguida, transferiam as áreas para outros órgãos, organizações governamentais internacionais, organizações voluntárias privadas e entidades locais. Esta doutrina influenciou os primeiros anos de ocupação no Afeganistão e no Iraque, acarretando sérias complicações para o êxito das operações.

Ao receber o prêmio Nobel da Paz em 2009, o presidente Barack Obama destacou: "Precisamos começar por reconhecer a verdade dura de que não vamos erradicar os conflitos violentos durante nosso tempo de vida. Haverá momentos em que as nações --agindo individualmente ou em conjunto-- verão o recurso à força como não apenas necessário, mas moralmente justificado".

 

Possíveis classificações da guerra

A primeira geração de guerra moderna reflete as "táticas de linha e coluna", logo após a Revolução Francesa. A segunda geração contou com armamento de fogo e culminou na Primeira Guerra Mundial. A terceira geração surgiu com as táticas alemãs desenvolvidas para romper o impasse da guerra de trincheira em 1918. Estas mudanças lhes permitiram derrotar grandes contingentes de tanques franceses e britânicos na conquista da França em 1940. Assim como nas três primeiras gerações, a quarta geração de guerra moderna é marcada por novas déias e novas tecnologias, e concentra-se na sociedade civil inimiga e na vontade política de guerrear. As principais características da quarta geração são: a indefinição da frente militar, devido sua transnacionalidade; o uso da tecnologia da informação como ferramenta de guerra; e a recorrente utilização de alvos civis (NYE, 2011).

A tecnologia sempre teve um papel importante no poder militar. Isto não é novo, e pode-se relacionar com quatro grandes evoluções tecnológicas na guerra: a revolução da pólvora no início de Europa moderna, a Revolução Industrial do século XIX, a Segunda Revolução Industrial do século XX, e a revolução da informação atual. Joseph NYE (2011, p. 36) nos recorda que segundo Max Boot, a história está cheia de exemplos de superpotências que falharam em não se engajar. Os mongóis perderam a Revolução da Pólvora, os chineses, turcos e indianos perderam a Revolução Industrial, os soviéticos perderam a Revolução da Informação. Os custos eram claros. Menos óbvios são os custos de colocar muita fé na tecnologia.

A guerra convencional foi alterada com a evolução tecnológica. No século XIX, com poucos soldados e com o armamento moderno os europeus conquistavam e administravam grandes territórios ao redor do mundo. Com a globalização é muito mais difícil ocupar um país onde a população possui um sentimento nacional arraigado e é socialmente mobilizada. Com o fim da Guerra Fria, os grandes conflitos tornaram-se menos prováveis, mas os conflitos regionais e internos persistem e sempre haverá pressão para que outros estados e instituições internacionais intervenham. (NYE, 2009).

 

Conflitos assimétricos no século XXI

Com o fim da Guerra Fria surgiu uma série reflexões sobre a nova ordem mundial, as novas relações de forças entre os Estados e um possível cenário internacional mais seguro. O contraste entre os Estados Unidos e a União Soviética realmente colocou a guerra em um nível apocalíptico, pela ameaça do uso de armas nucleares, tornando a guerra quase impossível. Estes meios de ataques consideravelmente perigosos e simétricos deixaram de lado as perspectivas de um conflito entre as duas superpotências durante o período da Guerra Fria. Paradoxalmente, a opinião pública estava sempre com medo da possibilidade do fim do mundo. No entanto, o risco exponencial só poderia reduzir tais temores. O fim da bipolaridade abriu a porta a formas de conflito que permaneceram em silêncio durante todo o século XX, opondo adversários com recursos limitados, evidenciando Estados fracos e trazendo ao ambiente internacional atores não estatais (COURMONT, 2003).

Conforme visto, os conflitos intraestatais e guerras transnacionais, envolvendo grupos não estatais, tornam-se recorrentes. Verifica-se que de 226 conflitos armados significativos que ocorreram entre 1945 e 2002, menos da metade eram conflitos entre Estados na década de 1950. Já na década de 1990, os conflitos intraestatais e transnacionais eram a forma dominante (NYE, 2010).

Os atores assimétricos dispõem de meios desproporcionais e objetivos militares e políticos divergentes. Eles buscam vantagem estratégica para contrabalancear suas próprias fraquezas, e compensar a superioridade tecnológica de seu adversário. A desigualdade de poder de fogo também é uma diferença significativa entre os beligerantes e tornou-se uma característica proeminente de vários conflitos armados contemporâneos. A guerra assimétrica, seja na capacidade de foto ou na relação dos distintos tipos de atores beligerantes, é uma característica dos conflitos atuais (GEIß, R. 2006).

A proliferação de atores assimétricos últimos anos se explica tanto por um sentimento de frustração sentido em muitas partes do globo (sobretudo contra Washington) quanto pelo vácuo criado pelas inovações tecnológicas rápidas demais e mal adaptadas aos conflitos contemporâneos (COURMONT, 2003). Assim, os atores assimétricos buscarão aumentar a vulnerabilidade do adversário, utilizando-se de meios e soluções alternativas. Eles também procuram produzir um impacto desproporcional com o objetivo de ameaçar seu alvo, sem necessariamente correr o risco de uma grande represália. O mais importante, neste caso, é o efeito psicológico (CLÉMENT-NOGUIER, 2003). Estes atores são caracterizados por grupos armados que podem ser divididos em: insurgentes, terroristas, milícias e organizações criminosas. Estes grupos vêem o conflito como uma continuação da política. São violentas operações irregulares que perduram por um longo período, buscando atingir um controle coercitivo sobre as populações locais. Normalmente, estes grupos utilizam as táticas de unidades pequenas, como incursões rápidas, para perturbar, emboscar, bombardear e desorganizar as estratégicas do oponente (CASSIDY, 2005). Isto leva a um tipo de guerra hibrida - uma mistura de armamentos convencionais, táticas irregulares, terrorismo, combatentes civis que fazem atentados suicidas mirando outros civis, diversas ações criminais em termos humanitários, onde a guerra de informação gera um campo de batalha complexo e entrelaçado. (NYE, 2011).

 

Intervenções internacionais

A soberania e a não intervenção são dois princípios que proporcionam ordem em um sistema mundial anárquico. Contudo, alguns analistas acreditam que, em certas exceções, os Estados devam ignorar a soberania e intervir com o propósito de ajuda humanitária, quando as diversas condições levam à "falência do estado" e há ameaça de genocídio. Existem diversos graus de intervenção, desde as menos coercivas até as altamente coercitivas. A soberania é um conceito jurídico absoluto, ou seja, implica um controle absoluto de um território por parte de um Estado. Mas de fato, o controle de um Governo dentro de suas fronteiras não uma questão absoluta, pois os diversos agentes exteriores influenciam os assuntos internos de um país.

Em 2005, o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças, da ONU, endossou a norma que existe uma responsabilidade coletiva internacional para proteger, colocadas em prática pelo Conselho de Segurança, que pode autorizar a intervenção militar como último recurso, em caso de genocídio e outros assassinatos em larga escala, a limpeza étnica ou violações graves de direito humanitário que os Governos soberanos revelam incapacidade ou não estão dispostos a impedir (ONU, 2004, par. 203).

Também se julga importante o entendimento da relação entre as intervenções puramente militares e as forças de Paz. Pode-se dizer que as intervenções puramente militares são a guerra propriamente dita. As outras formas de intervenções internacionais normalmente buscam levar ajuda humanitária (seja por conflito ou desastres naturais), ou ainda implementam planos de manutenção da Paz (relativos aos Capítulos VI e VII da Carta das Nações Unidas). Há também os casos em que as operações irão lidar contra grupos insurgentes, buscando a estabilização e construção de uma região assolada por um conflito. O que é comum, nestes diversos casos é o uso da força é um instrumento necessário, mas insuficiente, para o êxito da missão (SHIRCLIFFE, 2010).

A insurgência é uma atividade específica político-militar voltada ao objetivo de controlar os recursos de uma área específica através do uso de forças militares irregulares e organizações políticas ilegais. Atividades insurgentes são projetadas para enfraquecer o controle de um governo e sua legitimidade (FM 3-24 MCWP 3-33.5, 2006). O denominador comum da maioria dos grupos insurgentes é seu desejo de controlar uma determinada área. Estes objetivos diferenciam os grupos insurgentes de organizações puramente terroristas, cujos objetivos não incluem a criação de um governo alternativo capaz de controlar uma determinada área ou país. O advento da globalização, o desenvolvimento tecnológico, a urbanização, e extremistas que realizam ataques suicidas em prol de suas causas têm certamente influenciado os conflitos contemporâneos, sobremaneira os do século XXI. Logo, operações de contra-insurgência são combinações de ações ofensivas, defensivas e de operações de estabilização.

 

Estratégicas de estabilização no século XXI

O poder brando foi integrado às estratégias militares. O poder militar é usado para limpar o campo dos insurgentes e controlá-lo, e o poder brando para construir estradas, clínicas, e escolas deixadas para trás. Não se pode tratar a insurgência não é uma questão puramente militar.

Nas operações de estabilização, objetiva-se a segurança civil, a consolidação de autoridade em relação aos civis, o provimento de serviços básicos à população, a instituição de política de governança, e o desenvolvimento econômico e de infra-estrutura.

Uma das questões mais importantes ao definir estratégias de estabilização nos confrontos é ter em mente que os projetos de desenvolvimento serão de longo prazo e dificilmente terão um resultado imediato. A primeira etapa da estratégia de estabilização é levar segurança à população. Se a segurança local melhorar, a população além de confiar nas forças estabilizadoras, poderá voltar a se desenvolver economicamente. Paralelamente a esta primeira estratégia, iniciam-se empreitadas mais custosas, mais demoradas, mas que ao longo prazo garantirá o sucesso da operação. Estas estratégias estão relacionadas à instalação ou reconstrução de escolas, de sistema sanitário, de estradas, de pontes etc. Além da reconstrução da infraestrutura, também são necessários incentivos junto ao governo local para elaborar projetos de desenvolvimento relacionados com abastecimento de energia, telecomunicação, portos etc. (SHIRCLIFFE, 2010).

As estratégias de contrainsurgência também são questões complexas, mesmo para as melhores forças militares do mundo. Os soldados, além de cumprir suas funções típicas, devem agir como policiais, como oficiais de inteligência, como diplomatas, além, de em muitos casos, serem um agente humanitário. Estes oficiais devem ter um alto nível de iniciativa, inteligência, liderança e criatividade. (BYMAN, 2006). Além destas qualidades, os soldados devem conseguir desenvolver suas funções integrando-se com forças aliadas, oficiais do país em questão, representantes de organismos internacionais, agentes de organizações não governamentais, e, sobretudo, os civis. Para muitos soldados das forças armadas que estão acostumados a trabalhar sob a tradicional estrutura de hierarquia, a interação com estes diversos atores pode ser mais complexa do que se pode imaginar.

 

Conclusão

Verificamos que nas questões relativas aos conflitos assimétricos uma análise sobre o prisma do realismo nos ajuda a entender a importância das forças militares nos conflitos. Os liberais enfatizam a relevância das instituições que, nas operações, conjuntamente com as forças armadas, levam estabilidade ao "campo de batalha". A importância do comercio e do desenvolvimento para a segurança local também é relevante para a análise. A abordagem construtivista influi sobremaneira na reformulação das estratégias tradicionais de apaziguamento. Verifica-se que é necessário entender a população, para ganhar o seu "coração. Compreender sua história, a dinâmica dos fatores simbólicos e psicológicos que influem no relacionamento entre a população civil e as forças de intervenção. Com estas contribuições, as forças intervenientes sabem que não basta tomar um território, mas desenvolvê-lo para que a população seja capaz de construir no futuro um país com bases consolidadas, mais igualdade, menos pobreza, mais conhecimentos, logo, mais seguro.

Estas intervenções e estratégias são custosas, difíceis, e necessitam de muito planejamento para que alcancem resultados positivos. Mesmo com os melhores esforços, baixas civis são inevitáveis. Além do que, os números e o tempo necessário para implementar estratégias de contra-insurgência podem provar ser custosos demais tanto em termos políticos quanto orçamentários.

Analistas concluem que, em alguns casos, contra-insurgência deve ser evitada ao máximo, pois os custos são altos e os benefícios incertos e duvidosos. Fica clara, portanto, a crença de que a capacidade tecnológica consegue limpar o campo de batalha. Enganam-se quem crê que o desenvolvimento tecnológico substituiria os elementos tradicionais do poder de combate, poder de fogo, e, sobretudo, a batalha terrestre. Isto torna ainda mais complexas as decisões referentes à administração orçamentária, com recursos cada vez mais escassos.

Sob a ótica dos insurgentes, a disparidade de desafios e objetivos é um recurso adicional para os pobres. Para superar a superioridade militar do Ocidente, a assimetria é a única maneira de desafio, para combater ou responder a lacunas da diferença de poder. Assim, os conflitos assimétricos são um importante marco na estratégia de guerra e de Paz.

Os limites da ação contra a assimetria estabelecida nos conflitos são facilmente entendidos por meios de questões conjunturais como a globalização e a dissimetria. Observa-se a dificuldade de cobrir o terreno do "campo de batalha" assimétrico e a impossibilidade de uma vitória clássica absoluta. O insurgente é invisível e imprevisível. Isto, somado a facilidade de acesso às informações sensíveis e aos armamentos. A descentralização proporcionada pela globalização torna os desafios de estabilização enormes.

Por fim, estes conflitos nunca estão isolados no tempo e no espaço. Não é possível destacá-los de seu contexto histórico, dos enlaces sócios econômicos da população, muito menos das relações culturais e religiosas, penetradas há muito no inconsciente coletivo dos povos.

 

Referência bibliográfica

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