Print ISBN 2236-7381
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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011
O CEBRI e o governo FHC: uma abordagem da influência dos Think Tanks na política externa brasileira
Ricardo Oliveira dos Santos
Graduado e mestrando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
RESUMO
O artigo aborda o fenômeno dos Think Tanks no Brasil voltados para a área de política externa, tendo como estudo de caso o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Partindo do pressuposto que a esfera política nacional constrange a atuação do CEBRI e que os Think Tanks são importantes articuladores de idéias, o presente trabalho visa responder ao seguinte questionamento: Qual o tipo de relacionamento entre o CEBRI e o Poder Executivo (em particular o Ministério de Relações Exteriores) dentro da arena decisória de política externa? Como marco temporal será utilizado o período da segunda gestão do presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso (1998-2002), que culminou na criação da referida organização e ampliação de temas externos na agenda política brasileira. A hipótese que se propõe verificar é a de que embora tenha uma agenda bem definida e estrutura consolidada, o CEBRI pouco consegue influenciar na tomada de decisão no âmbito governamental, conforme previsto pelo marco teórico fornecido por Daniel W. Drezner em seu artigo "Ideas, Bureaucratic Politics, and the Crafting of Foreign Policy" (2000).
Palavras-Chave: Centro Brasileiro de Relações Internacionais; Think-Tanks; Política Externa Brasileira; Fernando Henrique Cardoso; Ministério de Relações Exteriores
1. Introdução
Em sua acepção clássica, um Think Tank pode ser entendido como "organizações relativamente independentes, não-partidárias, sem fins lucrativos, que produzem conhecimento, dedicam-se a resolver problemas, desenvolver projetos de curto, médio e longo prazo, e realizar pesquisa, sobretudo nas áreas de políticas públicas, tecnologia, social ou de política estratégica e militar, visando a ganhar apoio e influenciar o processo político, seja em maior ou menor grau" (Teixeira 2007, p.105).
Classificar um Think Tank é um esforço que necessita, compreender, sobretudo, um conjunto de fatores como a fonte de financiamento, estrutura organizacional, áreas de especialização, linha ideológica, localização, longevidade, escopo das atividades, estilo de atuação, métodos, tamanho e perfil do staff e equilíbrio entre pesquisa (ibid, p.123). Diante dessas características é possível compreender quais serão as suas estratégias, tipos de produção e público alvo (ibid, p.124)
Grande parte dessas instituições não se encaixa em uma única classificação, sendo melhor enxergá-las como um continuum, e não dentro de uma padronização rígida (ibid, p.124). Entretanto, algumas tipologias foram criadas com o intuito de tentar situar o leitor no que tange a natureza dessas instituições, bem como seu escopo de atuação (ibid, p.124).
James McGann1 assume que existem seis principais tipos de Think Tanks: (i) acadêmico; (ii) contract/consulting; (iii) advocacy; (iv) policy enterprise; (v) literary agent/publishing house; (vi) e, finalmente, state-based (ibid, p.125).
No primeiro caso, os Think Tanks (como é o caso da Brooking. AEI. Hoover. CSIS) produzem conhecimento especializado sobre determinado assunto, tendo respaldo acadêmico para publicar livros, artigos e produzir eventos (como seminários e workshop) (ibid, p.126). No segundo caso, (tendo a RAND Corporation e o Urban Institute como exemplos) as pesquisas desenvolvidas têm como público alvo departamentos dos governos, uma vez que funcionam como plataforma política ao oferecer análises objetivas e quantitativas (ibid,p.126). No terceiro caso, os Think Tanks têm como prioridade a divulgação de suas pesquisas e idéias, como forma de influenciar o seu público alvo (ibid, p.127). Contra essa lógica, se encaixa o quarto tipo, que se caracteriza pela produção de estudos curtos e de estilo jornalístico (ibid, p.127). O penúltimo caso, como é o exemplo da Manhattan Institute, as instituições selecionam um tema em voga para elaboração de produções técnicas (como livros) (ibid, p.127). Finalmente, o último caso se caracteriza pelo clientelismo político, que tratam de temáticas mais locais e atendem a uma demanda mais regional (ibid, p.127).
Diferentes momentos históricos marcaram o surgimento dos Think Tanks, que teve o seu pioneirismo nos Estados Unidos da América (ibid, p.128). O início do século XX marcou a primeira onda dos Think Tanks, que surgiram em um momento no qual os Estados Unidos atravessava um período de recessão econômica e política após a Guerra Civil (1861-1865), e necessitava, portanto, de "pessoal qualificado sem vínculos com as corporações mais influentes da época (...), sem vícios burocráticos e que pudesse analisar dados, investigar problemas e apontar soluções" (ibid, p.129). Entre as organizações mais influentes que surgiram nessa época, encontram-se a Russell Sage Foundation (1907), Carnegie Endowment for International Peace (1910) e o Institute for Government Research (1916) (ibid, p.129).
Já na metade do século XX, onde os Estados Unidos passaram a desempenhar um papel mais engajado na política internacional, os Think Tanks tinham como objetivo primordial analisar e produzir estratégias complexas para a política norte-americana em seus variados segmentos (ibid, p.133). Tendo a RAND Corporation como maior exemplo, as organizações que começaram a surgir nesse momento "foi formada por institutos de pesquisa política com um investimento pesado do governo na forma de ampla verba para departamentos e agências com pesquisas que atendiam às preocupações dos policy-makers, principalmente com a segurança nacional, com programas nas áreas de defesa, espaço ou energia atômica" (ibid, p.134)
Na década de 1960 e 1970, onde, por diversos fatores, a política internacional passou por períodos conturbados, uma nova onda de Think Tanks surgiu com um enfoque distinto das gerações antecedentes (ibid, p.136). As organizações desta terceira fase, se tornaram "arquitetos dos projetos sociais e ambientais" (ibid, p.136) e objetivavam "promover mudanças, interesses pessoais, valores ou afetar a política, mais do que simplesmente informar" (ibid, p.137). Entre as mais destacadas organizações da época, encontram-se a Urban Institute (1968), CSIS (1962), Heritage (1973) e Cato (1970).
Finalmente, não pretendendo esgotar o debate sobre o surgimento dessas instituições, nos anos 1980 e 1990, onde ocorre a crise do bem-estar social e colapso do consenso keynesiano, os Think Tanks passaram a tratar de "uma questão ou filosofia particulares" (ibid, p.146). A Bradley (1985) e a Sarah Scaife (1985) são as fundações mais expressivas que surgiram nesse contexto e que, até hoje, desempenham um papel conservador importante na política econômica dos Estados Unidos (ibid, p.146).
Diante do exposto, é necessário levar em consideração que os seis tipos principais de Think Tanks apresentados surgiram ao longo dessas quatro principais gerações citadas, o que, em grande medida, explica o seu perfil e não implica na anulação de uma geração para outra, pelo contrário, suas características vão se sobrepondo (ibid, p.127).
Igualmente válido notar que, ao se apresentar a evolução histórica desse fenômeno essencialmente norte-americano, é preciso entender que essas organizações também se expandiram ao longo dos anos 1980 e início dos anos 1990 para o resto do mundo, principalmente por conta da globalização, os efeitos do término da Guerra Fria e o conseqüente surgimento dos problemas transnacionais (ibid, p.146).
Com os dados supracitados, pretende-se apenas situar o leitor sobre o contexto histórico e as múltiplas características que essas organizações assumem, o que muitas vezes não permite, conforme sublinhado, criar uma taxonomia única para enquadrar os Think Tanks.
No caso do Brasil, os Think Tanks surgiram a partir da década de 1940 e até hoje carecem de uma definição precisa sobre o seu papel e sua própria natureza (McGann e Weaver, 2002, p. 569). Com isso, o artigo não objetiva classificar o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) de forma única, assim como ocorre com mais evidência nos Think Tanks dos Estados Unidos, e, muito menos, adotar uma posição final sobre o assunto.
Nesse sentido, adota como recorte temporal a segunda gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (1998-2002), um dos criadores do CEBRI (CEBRI, 2001). Delimita também seu estudo a um Think Tank que trata especificamente de política externa, e que tinha por objetivo seguir em grande medida os Think Tanks norte-americanos da primeira geração, principalmente o Council of Foreign Relations (1921) em um momento no qual a agenda política para assuntos externos no Brasil ampliava cada vez mais e necessitava, por conta disso, de produção de conhecimento especializado sobre determinadas temáticas (Lampreia, 2008).
Estudar o caso do CEBRI é significativo, pois permite compreender uma série de fatores relevantes como (i) a carência de um entendimento nacional do que significa um Think Tank e, por conseqüência, a dificuldade de classificá-lo em uma das correntes históricas ou taxionomia acadêmica; (ii) a constante volatilidade de sua fonte de financiamento, estrutura organizacional, áreas de especialização, linha ideológica, localização, longevidade, escopo das atividades, estilo de atuação, métodos, tamanho e perfil do staff e equilíbrio entre pesquisa; (iii) qual é o tipo de relacionamento que essa instituição possui com o espectro político nacional (em particular, com o poder executivo); (iv) finalmente, qual o grau de influência que essa instituição exerce ou não sobre o seu público alvo.
Mensurar a influência política que essa instituição exerce é algo demasiado complicado e muitas vezes imperceptível, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde existe um ambiente político altamente favorável para que as instituições exerçam suas atividades com maior envergadura (Teixeira 2007, p.111).
Admiti-se, portanto, que no caso dos Estados Unidos "não existe em nenhum outro país ambiente político equivalente, com tamanho apoio (oficial e privado) e abertura aos Think Tanks" (ibid, p.111).
Apesar disso, o artigo busca lançar alguns debates iniciais sobre a temática proposta e entende que a esfera política nacional, principalmente no que tange ao Ministério de Relações Exteriores (um dos pilares do poder executivo), constrange a atuação do CEBRI por conta de fatores importantes como a tradição histórica do Ministério de Relações Exteriores (MRE) e a constituição brasileira (que concede exclusividade legal ao poder executivo para formulação e implementação de política externa).
Existem vários outros fatores que permitem entender o tipo de relacionamento entre o CEBRI e a esfera governamental brasileira, porém, ao tratar desses tópicos citados, é possível compreender, brevemente, qual o papel que o modelo organizacional e burocrático no Brasil exerce sobre os estágios do processo de tomada de decisão no âmbito do MRE. Nesse sentido, o estudo adota uma perspectiva teórica que segue essa tendência para analisar a política externa brasileira a partir do prisma do principal Think Tank nacional que trata desta temática.
2. Modelo Organizacional e Burocrático Brasileiro e os Estágios do Processo de Tomada de Decisão no MRE
Diversas abordagens podem ser utilizadas para analisar a política externa brasileira. Desde a corrente realista até a pós-estruturalista é possível encontrar subsídios válidos para compreender a temática proposta. Adotando uma perspectiva que leve em consideração os embates internos provocados pela disputa de idéias no âmbito da formulação e implementação da política externa brasileira, o artigo "Ideas, Bureaucratic Politics, and the Crafting of Foreign Policy" de Daniel W. Drezner nos permite compreender como existem vários mecanismos através dos quais as idéias podem influenciar as preferências e os resultados e qual é o papel das instituições nesta dinâmica (Drezner 2000, p.733).
O referido autor avança na idéia de que, uma vez que as instituições são responsáveis pela criação e manutenção das idéias, elas devem se sustentar em um ambiente marcadamente burocrático para que prospere e consiga de fato impor suas idéias e valores (ibid, p.733). Para o propósito do estudo, é válido notar como o ambiente burocrático (sistema político de uma forma mais ampla) tende a favorecer somente uma instituição (no caso o MRE) no processo de formulação e implementação de política externa e que, mesmo assim, outras instituições (como é o caso do CEBRI) lutam nesse mesmo ambiente para sobreviver e prosperar.
Essa dinâmica resulta do bom posicionamento institucional e a boa articulação entre os atores domésticos que a instituição consegue agregar, sendo possível assim sua sobrevivência e conseqüente prosperidade (ibid, p.746). Nesse sentido, entende-se que o CEBRI possui uma agenda e estrutura bem definida mesmo não conseguindo impor suas idéias e valores no ambiente burocrático brasileiro.
De acordo com o Relatório The Global "Go-To Think Tanks" de 2010, dirigido por James McGann, o CEBRI pela primeira vez "foi considerado como um dos maiores think tanks do mundo, aparecendo na 36ª posição na lista Top 50 Think Tank Worldwide (without US)" (CEBRI, 2011a). Na categoria específica para a América Latina e Caribe, o CEBRI ficou em o 3º lugar, avançando assim sete posições nos últimos dois anos (CEBRI, 2011a). Ainda no referido relatório, apenas a Fundação Getúlio Vargas e o CEBRI fazem parte da lista dos "75 Leading Think Tanks in the World" (CEBRI, 2011a).
Em relação ao MRE e o seu corpo profissional (diplomatas), é possível identificar que ambos "vêm sendo objeto de um fortalecimento crescente ao longo da história ou da formação do Estado Nacional, entre outras razões devido a alguma características que o próprio processo de formação do Estado Nacional brasileiro adquiriu e a alguns fatores relativos tanto à diplomacia quanto às próprias instituições diplomáticas" (Cheibub 1985, p.113).
Nesse sentido, os diplomatas "tendem a adquirir uma autonomia crescente tanto em relação ao sistema social como a segmentos particulares deste sistema e do próprio aparelho estatal. Esta situação lhes confere crescente iniciativa na formulação e implementação da política externa ao mesmo tempo em que lhes fornece uma certa capacidade de assegurar a continuidade desta política ao longo do tempo através da resistência a mudanças bruscas e indesejadas" (ibid, p.114).
Evidencia-se, portanto, um quadro em que as idéias surgidas no âmbito do MRE seguem um relativo continuum e acabam influenciando a forma que o modelo organizacional e burocrático se constitui no Brasil, não abrindo assim espaço para que outras idéias possam de fato alterar as preferências e resultados da própria máquina estatal. Ou seja: o MRE, enquanto instituição governamental, consegue influenciar de forma decisiva no resultado final das preferências e resultados da política externa brasileira.
Curioso notar que o CEBRI, criado em 1998 por um grupo de intelectuais, empresários, autoridades governamentais e acadêmicos, pretendia, nos primeiros anos de sua gestão, atuar como plataforma política do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seguindo assim, em grande medidas, as características já mencionada de um contract/consulting Think Tank (Lampreia, 2008).
Exemplos que corroboram a afirmação acima mencionada é o fato de que o CEBRI contava com financiamento governamental até 2002, sua estrutura organizacional privilegiava setores estratégicos que simpatizavam com a gestão presidencial em questão, seguindo assim uma linha ideológica que privilegiasse determinado segmento em detrimento de outro na política externa (ibid, 2008). Além disso, o escopo de atividades realizadas pelo CEBRI no seu período inicial tinha como objetivo legitimar as ações levadas a cabo pelo governo Fernando Henrique Cardoso, adotando assim um estilo de atuação ideológico tendendo para os ideais da social-democracia (ibid, 2008).
O CEBRI foi idealizado em um momento no qual o Brasil atravessa por um processo de abertura econômica, privatização liberalização das regras de comércio e responsabilidade fiscal (Pinheiro 2004, p.60). "No plano da Política Externa, o governo (..) foi marcado pela tentativa incessante de influenciar o desenho da nova ordem internacional, intensificando a participação brasileira nos diversos foros decisórios multilaterais como a ONU e a OMC. Nesse sentido, procurou fortalecer a presença brasileira nos debates sobre as novas questões da agenda global, como meio ambiente e direitos humanos, inclusive apoiando a criação do Tribunal Penal Internacional" (Pinheiro 2004, p. 61).
Apesar do CEBRI sugerir que atua de forma "independente, multidisciplinar e apartidária, (...) com o objetivo de promover estudos e debates sobre temas prioritários da política externa brasileira e das relações internacionais em geral" (CEBRI, 2001c) seu Conselho Curador e Consultivo não deixa dúvidas de que a instituição atende a demandas de determinado segmento político brasileiro (ibid, 2011b).
Nesse sentido, novamente, o marco teórico fornecido por Drezner nos ajuda a compreender como as instituições desempenham um papel fundamental na criação e gerenciamento das idéias dentro do modelo organizacional e burocrático (Drezner 2000, p.733).
Mesmo que atuando como plataforma política do governo Fernando Henrique Cardoso, nos quatro primeiros anos de existência, vale lembrar, mais uma vez a exclusividade que o MRE desempenha na formulação e implementação da política externa brasileira, levando o referido Ministério a exercer um papel cada vez mais decisivo no cenário nacional (Cheibub 1985, p.129). E mais "essa disposição, aliada à força do grupo face a outros grupos de elite, efetivamente confere ao Itamaraty uma influência decisiva na formulação da posições internacionais do Brasil" (ibid, p.129).
Rapidamente o CEBRI se tornou um importante espaço para a promoção de encontros de alto nível, conferências e seminários internacionais (CEBRI, 2011c). A instituição tem como missão "criar um espaço para estudos e debates, onde a sociedade brasileira possa discutir temas relativos às relações internacionais e à política externa" (ibid, 2011c).
Porém, com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010), o CEBRI passa um período financeiro delicado (Lampreia, 2008). Com o corte de financiamento governamental para suas atividades, o CEBRI passou a contar com contribuições de seus sócios mantenedores, beneméritos e individuais (ibid, 2008). Ainda assim, entretanto, sua estrutura organizacional a partir de então, relativamente, vem se mantendo a mesma, seguindo a mesma linha ideológica do governo anterior, adotando o semelhante estilo de atuação que vai de encontro aos ideais da social-democracia (CEBRI, 2011c).
Atualmente, o CEBRI se define como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), atuando no ramo de políticas públicas na área externa do Brasil (CEBRI, 2011c). Se no passado, conforme mencionado, o objetivo da instituição era servir como plataforma governamental, nos dias de hoje o CEBRI procura, através dos seus escopos de atividades, influenciar no processo decisório governamental e na atuação brasileira em negociações internacionais (CEBRI, 2011c).
Nesse sentido, a instituição estaria muito mais próxima de um advocacy Think Tank, do que um contract/consulting Think Tank. Conforme exposto na introdução do artigo, não pretende-se classificar o CEBRI em uma única categorização, até mesmo porque muitas dessas categorizações se sobrepõem. Isso não exclui a possibilidade de apontarmos outras categorias classificatórias possíveis para o CEBRI, como por exemplo de um tipo acadêmico, haja vista que a organização conta com um Conselho Acadêmico e também "produz (...) informação e conhecimento específico na área externa e propostas para a elaboração de políticas públicas. Linhas de pesquisa resultam em estudos, boletins, relatórios, newsletters e outros produtos específicos para instituições e empresas patrocinadoras" (CEBRI, 2011c).
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde os Think Tanks de cunho advocacy conseguem relativa influência no sistema político nacional, o CEBRI, apesar de criar e gerenciar idéias em um ambiente marcadamente burocrático e organizacional, pouco consegue influenciar as decisões do poder executivo. Isso se deve, conforme citado, tanto as características históricas do MRE quanto ao sistema político nacional. Nesse sentido, devido a mudança de perfil do CEBRI após a eleição de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010), a seção seguinte se ocupará na tentativa de compreender qual o tipo de relacionamento que o CEBRI vem travando com o MRE a partir do período em questão e qual tem sido o grau de impacto de suas idéias no processo de tomada de decisão na política externa brasileira.
3. O Relacionamento entre o CEBRI e o Ministério de Relações Exteriores
No artigo "Contexto Internacional, democracia e política externa" Monica Hirst e Maria Regina Soares de Lima demonstram que a emergência de atores nacionais, sub-nacionais e transnacionais, tanto privados quanto públicos, está causando impacto cada vez mais significativo no processo de tomada de decisão na política externa brasileira (Hirst e Soares 2002, p.79).
As autoras avançam na idéia de que a diplomacia tradicional se vê forçada a lidar com a nova realidade de atores e redes fora do Estado, originados do processo de globalização "não apenas na esfera econômica que acentuou a interdependência entre as economias nacionais, mas no plano das relações sociais, culturais e políticas transnacionais" (ibid, p.80).
Para os propósitos do estudo, é preciso levar em consideração, dentro desse espectro proposto, que o CEBRI, enquanto uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, pode se encaixar dentro desses novos atores. Porém, como visto até o momento, o MRE possui uma tradição histórica e prerrogativa constitucional para a formulação e implementação de política externa.
Conforme observado, medir a influência desses novos atores, em particular do CEBRI, dentro do processo decisório de política externa é algo complicado, haja vista a grande dificuldade de se mensurar o grau de influência exercido. Entretanto, conforme afirma o vice-presidente nato da instituição, Luiz Felipe Lampreia, é possível identificar algum tipo de influência que o CEBRI exerce no poder executivo mesmo a partir de 2003 (Lampreia, 2008).
Como a instituição é formada por ex-ministros, ex-embaixadores e demais personalidades atuantes na máquina burocrática estatal, alguns laços, mesmo que distantes, ainda são mantidos, o que permite, por um lado, que as idéias elaboradas no CEBRI encontrem terreno fértil para a sua aplicação no âmbito governamental (ibid, 2008). Isso não diminui a importância e o papel centralizador que o MRE possui dentro do modelo burocrático organizacional, pelo contrário, reforça-o ainda mais mesmo com as demandas dos novos atores que Hirst e Soares apontam.
Apesar dessa relativa influência apontada por Lampreia, poucas são as idéias que de fato conseguem alterar o resultado ou preferências do ambiente burocrático organizacional que favorece ao MRE (ibid, 2008), condicionando assim o CEBRI a uma posição em que suas idéias só conseguem de fato sobreviver e prosperar graças a sua articulação e agenda bem definida.
De fato é possível sustentar uma ampliação no espaço público que resulta tanto na renovação da agenda política internacional brasileira quanto na expansão de novos atores e organizações (Hirst e Soares 2002, p.87). Porém, apesar desse quadro "as políticas externas e de segurança constituem objetos por excelência da delegação de autoridade do corpo político aos órgãos executivos" (ibid, p.88).
Somado a essa perspectiva, deve-se levar em consideração que "nos sistemas presidencialistas, que se caracterizam pela divisão entre os Poderes, é ainda mais nítida a predominância do Executivo na condução da política externa, cabendo ao Legislativo o papel de posterior ratificação das ações e dos compromissos assumidos externamente" (ibid, p.88).
Apesar disso, o CEBRI, enquanto um Think Tank que busca cada vez mais espaço político e influência junto ao MRE, devido as suas agendas e proposições bem definidas, consegue relativo êxito na condução de suas atividades por conta de seus projetos que contam com o respaldo acadêmico e institucional de diversos atores da sociedade brasileira (CEBRI, 2011c).
Nesse sentido, o CEBRI, apesar de manter uma clara formação que caracterize o governo de oposição a Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-), procura manter um relacionamento aberto com o MRE, tentando agregar diferentes personalidades que compõem o quadro burocrático organizacional do governo, como, por exemplo, o ex-ministro Celso Amorim (2003-2010) as suas atividades (ibid, 2011c).
O MRE, por sua vez, por conta da crescente ampliação de atores no cenário político doméstico apontados por Hirst e Soares, busca uma maior aproximação com vistas a ampliar o debate sobre determinada temática, sem que isso implique em perda de influência ou de exclusividade na formulação e implementação da política externa brasileira.
Diante desse quadro, é possível argumentar que "o que assistimos portanto é uma dinâmica combinada - com graus de cooperação e dissenso diversos - entre pressões externas e domésticas provenientes de organizações e movimentos sociais e iniciativas governamentais, partido do Itamaraty e/ou outras agências credenciadas, complementada por crescente atuação parlamentar" (Hirst e Soares 2002, p.91).
Ou seja, o Itamaraty busca uma aproximação não somente com o CEBRI, bem como outros atores domésticos em suas variadas esferas, sem que o seu papel predominante na política externa brasileira seja perdido. Com isso, é possível sustentar que o relacionamento entre o CEBRI e o MRE é marcado por momentos de aproximação e distanciamento em alguns casos, haja vista a sua linha ideológica.
Deve-se notar também, conforme aludido, que esse relacionamento, muito mais do que algo pretendido entre os dois atores, sofreu alterações significativas a partir da eleição de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010). Se em um primeiro momento o CEBRI se caracterizava por uma organização que servia como plataforma política para o governo Fernando Henrique Cardoso, que legitimava as ações levadas a cabo pelo então presidente e criava um espaço de debates para se pensar os rumos adotados até então, a partir de 2003 esse quadro se alterou. Passou-se então a debater e pensar os rumos da política externa brasileira com o claro objetivo de se influenciar no processo de tomada de decisão.
Nesse sentido, o relacionamento do CEBRI e do MRE deve ser pensado de forma ampla, levando em consideração não somente os condicionantes internos que possibilitaram essa mudança, bem como os condicionantes externos (principalmente os efeitos da globalização) que operam nessa relação e faz com que ambos os atores se constituam e se relacionem de forma distinta do que foi há alguns anos atrás.
Discorrer sobre o relacionamento entre CEBRI e MRE mereceria um trabalho a parte, haja vista as grandes peculiaridades que essa dinâmica possibilita explorar, porém, o propósito do estudo foi o de tentar mostrar brevemente como em um ambiente burocrático e organizacional a natureza do CEBRI foi se modificando, alterando assim o seu relacionamento com o principal e exclusivo ator que formula e implementa política externa brasileira.
Ademais objetivou demonstrar que, embora o CEBRI consiga sobreviver e prosperar (haja vista as adversidades do sistema político nacional) no ambiente burocrático organizacional, seu poder de influência é pouco sentido no âmbito do MRE, principalmente a partir da eleição de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010).
4. Considerações Finais
Conforme o artigo propôs, o principal Think Tank no Brasil voltado para a área de política externa pouco consegue influenciar nos resultados e preferências do ambiente burocrático e organizacional brasileiro. Esse fato se deve, conforme exposto, por uma série de razões históricas e políticas que concede exclusividade ao poder executivo na formulação e implementação de política externa.
O estudo entende que o fenômeno dos Think Tanks em suas variadas composições no Brasil é muito amplo e merece uma análise cuidadosa, principalmente no que tange ao tipo de relacionamento que essas organizações desempenham face ao seu público alvo (seja ele qualquer esfera do governo ou da sociedade como um todo). Certamente outros Think Tanks poderiam ser estudados para os propósitos do presente artigo. Porém, ao delimitar ao estudo do CEBRI, procurou-se compreender como a mais importante organização (de acordo com o estudo desenvolvido por James McGann) voltada para a área de política externa brasileira carece de uma definição dentro das taxonomias e dificilmente se enquadra em uma das ondas históricas apresentadas no início do estudo.
Esse fato se deve, principalmente, pela composição inicial que o CEBRI assumiu e, em seguida, se alterou a partir da emergência do governo de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010). Outros Think Tanks voltados para a área de política externa brasileira poderiam ser estudados, porém, curioso notar, que muitos destes não se definem como tal, preferindo ser enxergados como centros de pesquisa (McGann & Weaver 2002, p.569).
A própria literatura acadêmica nacional pouco discorre sobre esse fenômeno essencialmente norte-americano por dois motivos principais: (i) primeiro pela falta de entendimento do que compreende os Think Tanks e como ele é definido dentro das taxonomias e ondas históricas; (ii) segundo, conforme visto, pela estrutura política norte-americana sui generis no que tange a atuação dessas organizações, o que de certa forma impede que os Think Tanks ganhem visibilidade e importância em outras regiões, como o caso do Brasil.
Como exposto, esse fenômeno começa a se expandir no mundo a partir da década de 1980, mesmo assim sendo possível encontrar em 1940 algumas organizações dessa natureza no Brasil (como é o caso do Instituto Superior de Estudos Brasileiros e do Instituto Brasileiro de Economia).
Estudar o caso do CEBRI se mostra mais uma vez relevante pelo fato de que por um lado essa organização se apresenta como a mais notória articuladora de idéias voltadas para a área de política externa por outro, por conta do marco teórico fornecido por Daniel W. Drezner, o MRE (enquanto instituição governamental) tende a ser beneficiado pelo sistema político na implementação e formulação de política externa, influenciando assim decisivamente as preferências e resultados dentro da arena política.
Nesse sentido, entende-se que o MRE, apesar da crescente emergência de novos atores não governamentais e sua conseqüente pressão para a revisão de algumas políticas adotas, consegue centralizar todas as reivindicações e manter um amplo diálogo com esses atores de forma que sua exclusividade e legalidade para a implementação de políticas externas não seja extinta.
O autor do presente estudo entende que formulação e implementação da política externa brasileira também é outro assunto que deve ser discutido com maior ênfase e merece um esforço acadêmico muito grande, principalmente quando percebemos o movimento de governos sub-nacionais e seu crescente papel na condução de acordos internacionais. Porém, como dito, diversos atores se articulam no espaço político brasileiro, mas o MRE ainda assim consegue influenciar decisivamente nos resultados e preferências da política externa brasileira.
Ao focar especificamente no relacionamento entre um Think Tank e o poder executivo procurou-se apresentar apenas uma faceta das muitas existentes que o espaço burocrático organizacional encontra no embate político nacional. Portanto, o estudo não objetivou revisar de forma mais ampla as multiplicidades e complexidades que o MRE encontra ao longo de sua história no que tange ao processo de formulação e implementação de política externa. Esse assunto certamente levaria à um novo estudo.
Por fim, cabe lembrar que está é uma pesquisa preliminar sobre o tema e tenta dar uma contribuição importante a respeito do relacionamento que os Think Tanks no Brasil voltados para a área de política externa desempenham com o poder executivo.
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PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
TEIXEIRA, Tatiana. Os Think Tanks e sua Influência na Política Externa dos EUA. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.
1. Além da classificação feita por James McGann, existem outras, como a de Richard Weaver, Donald Abelson e Paul Smith, que falam em contract research (ou advisory corporations), advocacy think tanks, vanity legacy (ou candidate-based think tanks), policy club, philosophical think tanks, industrial (ou hard science), entre outros (Teixeira 2007,p. 124-125).