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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A atuação do BNDES como agente indutor da inserção comercial do Brasil no governo Lula*

 

 

Robson Coelho Cardoch Valdez

 

 


RESUMO

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) teve um papel importante na promoção das exportações brasileiras e na internacionalização de empresas nacionais durante o Governo Lula. Assim, o país apresentou aumentos consistentes nos saldos da balança comercial brasileira e no número de empresas nacionais que passaram a atuar no mercado internacional. Nesse sentido, o trabalho busca rastrear a atuação do BNDES como agente indutor da inserção comercial do Brasil no Governo Lula, levando-se em consideração a prioridade que este governo deu à América do Sul no contexto de sua política externa. Antes de aprofundar-se no tema, o trabalho apresenta um breve antecedente histórico do BNDES com o propósito de contextualizar a atuação do Banco no Governo Lula.

Palavras-chave: Política Externa, Governo Lula, BNDES, América do Sul


 

 

Introdução

O governo do Presidente Lula, em seus dois mandatos, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - principal órgão governamental de apoio ao desenvolvimento nacional -, apoiou a inserção da economia brasileira no mercado mundial. Desfrutando do cenário econômico, interno e externo, favorável e dentro de uma política externa que privilegiava o continente sul-americano como área de ação, o Banco passou por mudanças para melhor atender às necessidades e aos interesses do governo federal. Segundo o BNDES, "a política do BNDES de apoio ao comércio exterior, articulada às prioridades definidas pelo governo federal, desenvolverá tratamento diferenciado às operações com os países do Mercosul e demais vizinhos sul-americanos." (BNDES, 2003).

Nesse contexto, a primeira parte do presente trabalho apresenta um breve histórico do BNDES com o propósito de contextualizar a atuação do Banco até o início do governo do Presidente Lula. Na segunda parte, o trabalho trata da pertinência do BNDES para a América do Sul no contexto da política externa brasileira do Governo Lula. Seguindo o desenvolvimento desta pesquisa, a terceira parte do trabalho analisa o desempenho do BNDES como fomentador da inserção comercial do Brasil no Governo Lula da Silva. Dessa forma, levando-se em consideração toda a informação levantada neste estudo, o trabalho é finalizado com a apresentação de sua conclusão.

 

1. BNDES: ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

O BNDES foi criado em 1952 com o propósito de financiar projetos de desenvolvimento nacional. No decorrer de seus 59 anos, o banco passou por diversas reestruturações para atender novas funções da economia nacional e da política externa brasileira, principalmente no âmbito sul-americano. Transformado em empresa pública, vinculada ao Ministério do Planejamento em 1967, o banco, em 1982, até então chamado BNDE, passou a se denominar BNDES e, sem prejuízo de sua subordinação técnica à autoridade monetária, ficou vinculado administrativamente à Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN). Caberia ao BNDES incentivar o desenvolvimento econômico juntamente com o desenvolvimento social.

Durante seus primeiros trinta anos de existência, o BNDE financiou o setor produtivo nacional nas áreas de energia, siderurgia e transporte (1952-1964); o setor privado tornou-se prioridade nos financiamentos no período (1964-1974). De 1974 a 1990 houve uma acentuada aceleração no volume de seus financiamentos devido ao cenário econômico desfavorável ao investimento privado na década de 1980. A partir de 1994, o Banco passou a apoiar a inserção do Brasil no mercado internacional dentro de um contexto de reformas liberais que já vinham sendo implementadas desde o governo Fernando Collor de Mello (1990-1992). (ALEM, 1997, p. 4). Estas reformas foram atenuadas em decorrência do impeachment de Collor e da chegada ao poder de seu vice-presidente Itamar Franco.

Na década de noventa o BNDES tornou-se o principal órgão gestor e financiador do processo de privatização de empresas estatais brasileiras. Até meados de 2002 o banco apoiou a internacionalização de empresas brasileiras de forma indireta. O Programa de financiamento às Exportações de Máquinas e Equipamentos (Finamex -1991) transformou-se em BNDES-Exim e passou a financiar grandes projetos (exportação de equipamentos para usina de Três Gargantas na China e aquisições de aeronaves ERJ-145 da Embraer pela American Eagle). A partir de meados de 2002 a diretoria do BNDES aprovou as diretrizes para o financiamento de investimentos brasileiros no exterior. Com isso, em 2005, foi aprovada a primeira operação do BNDES na linha de internacionalização de empresas.

Em 1998, dada a prioridade que a América do Sul vinha obtendo na política externa do país desde o governo anterior, o BNDES contratou um consórcio de empresas especializadas para a execução do estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Esse estudo serviu de base para o programa de investimentos público e privado do governo federal "Avança Brasil" que em 2000, na Reunião de Chefes de Estados Sul-Americanos em Brasília, incorporou-se aos projetos da então lançada Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

Com o propósito de adaptar o Banco à sua necessidade de ação internacional, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em outubro de 2002, aprovou, por decreto, o novo estatuto do Banco dando à instituição mais autonomia e agilidade para operar no exterior. O Presidente Lula, com o mesmo intuito de seu antecessor, a partir de 2003, prosseguiu com as mudanças no estatuto do Banco. O BNDES ficou então sujeito à supervisão do Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, podendo instalar e manter, no país e no exterior, escritórios, representações ou agências. O BNDES passou, dessa forma, a ser o principal instrumento financiador da política de investimento do governo federal no exterior. Dentre as mudanças, chamam a atenção os incisos II, III e VI do novo estatuto

[...] II - financiar a aquisição de ativos e investimentos realizados por empresas de capital nacional no exterior, desde que contribuam para o desenvolvimento econômico e social do País;
III - financiar e fomentar a exportação de produtos e de serviços, inclusive serviços de instalação, compreendidas as despesas realizadas no exterior, associadas à exportação; [...]
VI - contratar estudos técnicos e prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e social do País ou sua integração à América Latina. (DECRETO, 2002).

Assim, a parceria do BNDES com as grandes empreiteiras brasileiras para a construção da infra-estrutura regional sul-americana e o aumento de sua importância no financiamento dos processos de internacionalização das empresas brasileiras1, bem como o atual crescimento das relações da América do Sul com o continente asiático2, tornaram-se temas relevantes para a política externa brasileira do Governo Lula.

 

2. O BNDES E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA A AMÉRICA DO SUL

Sob a perspectiva da política externa implementada pelo Governo Lula, constatou-se que a continuidade do projeto de integração regional nos marcos da IIRSA, idealizada ainda no Governo FHC, traria também oportunidades de inserção internacional para o BNDES. Nesse sentido, o BNDES e a CAF (Corporación Andina da Fomento), por meio de acordos iniciados na gestão anterior, aumentaram a participação do BNDES no financiamento dos projetos de integração na América do Sul.

Os movimentos iniciais do BNDES no contexto da política externa brasileira do Governo Lula para a América do Sul deram-se com a realização do Primeiro Seminário de Co-Financiamanento BNDES/CAF - Prospecção de Projetos de Integração Física Sul-Americana em agosto de 2003 na cidade do Rio de Janeiro. A partir do envolvimento do BNDES no financiamento de projetos de infra-estrutura na região, o governo federal iniciou o processo de articulação do Banco com os países sul-americanos. De acordo com o então Presidente do BNDES Carlos Lessa,

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República tem, nas visitas e reuniões mantidas com os dirigentes máximos do continente, por diversos momentos, anunciado a criação de linhas especiais que articulem melhor as relações do BNDES com os países irmãos. Nós estamos buscando operacionalizar essas linhas e esperamos construir, prontamente, linhas equivalentes com todos os países do continente (DISCURSO, 2004, p. 68)

Outro aspecto relevante da atuação do BNDES na América do Sul foi o aumento de capital do Banco junto à CAF. Dessa forma, o Brasil passou, em 2005, de sócio classe C a sócio classe A, assim como os sócios fundadores da instituição: Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia e Equador (LEO, 2005, p. A3)

Para Gudynas (2008) a capacidade de incidência de uma instituição financeira de alcance regional depende do volume de recursos disponíveis para investimento. Em 2007, o BNDES, contava com US$ 14 bilhões, a CAF com US$ 4,125 bilhões, o BANDES (da Venezuela) com US$ 4,560 bilhões, o Caribean Development Bank (CDB)3 com US$ 506 milhões e o Fonplata com US$ 415 milhões. Esses valores mostram a importância do BNDES para a inserção comercial do Brasil e para o financiamento da infra-estrutura da região. O autor salienta ainda que o fato do BNDES não estar vinculado a nenhum agrupamento de países, como é o caso da CAF (vinculado à Comunidade Andina de Nações) e do Fonplata4 (vinculado aos países da Bacia do Prata), por exemplo, facilita sua participação indireta nos projetos de infra-estrutura no continente, atendendo a interesses puramente nacionais.

De acordo com Vince McElhinny (2008), o BID e o Banco Mundial perderam espaço como emprestadores de recursos na América do Sul para a CAF e o BNDES. O autor afirma que, além da CAF ter aumentado consideravelmente o volume de recursos disponíveis para os países do Bloco Andino e para o BNDES, o Brasil passou a usufruir de maior influência sobre a gestão do BID após assumir a vice-presidência da Divisão de Infra-Estrutura e outros cargos do alto escalão da instituição.

No campo político, a experiência brasileira junto aos projetos integracionistas da IIRSA ganhou reconhecimento internacional. Em 2009, o Coordenador Geral-substituto de Organizações Econômicas do MRE transmitia à Gerência de Organismos Internacionais do BNDES, o convite feito pelo Diretor Geral da OMC, Pascal Lamy, ao vice-presidente do Banco, Sr Armando Mariante, para debater a experiência sul-americana no contexto da integração regional durante a II Revisão Global de Ajuda ao Comércio em julho de 2009 em Genebra (NOTA, 2009).

Além do envolvimento do BNDES com o financiamento de projetos de infra-estrutura na região, a projeção do Banco se deu também por meio de sua relevância nas operações inserção internacional das empresas brasileiras, em especial na América do Sul. Nesse sentido, a criação do primeiro escritório internacional do BNDES em Montevidéu comprovou o novo patamar das relações internacionais do Banco na região. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, defendeu a estratégia do Banco argumentando que "O que justifica esse escritório é a aceleração dos financiamentos do BNDES à exportação de serviços e bens na América do Sul e América Latina" (LEO, 2009, p. A3). No entender de Alcides Costa Vaz (apud Oliveira e Paul, 2008), a presença estatal na região resultou do impulso político do Governo Lula com vistas a aumentar a integração continental

2.1 Empresas Nacionais e Política Externa: uma relação de interesses5

O envolvimento entre empresas nacionais e a política externa do Governo Lula teve o BNDES como o principal agente articulador dessa relação. A busca por novos mercados para os produtos brasileiros e a estratégia de projeção internacional do país consolidou a relação de grandes empresas brasileiras com as ações externas do país no exterior, especialmente no continente sul-americano. Assim, ao mesmo tempo em que os recursos do BNDES auxiliaram empresas nacionais a expandirem suas atividades no exterior, o Banco consolidou-se como instituição financeira de amplo alcance regional aumentando, de forma generalizada, a influência do Brasil no cenário internacional.

Ao induzir as oportunidades de investimento, o BNDES, por meio de sua subsidiária BNDESPAR, acaba por adquirir, em alguns casos, participação acionária de empresas que buscam os recursos do Banco. Dentre essas operações destacam-se as de aquisição de grandes concorrentes internacionais ou de ampliação de suas atividades no Brasil ou no exterior. Nesses casos, a participação acionária do BNDES é mais uma forma de garantir o retorno sobre o capital investido do Banco.

Segundo as demonstrações financeiras referentes ao semestre findo em junho de 2009 e 2010 e parecer de auditores independentes - Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes - é expressivo o número de grandes empresas nacionais que possuem o BNDES como acionista (BNDESPAR, 2010, p.29-30). De acordo com a tabela 1, as empresas contemplam ramos de atividades diversificados que incluem os setores de alimentos, energia elétrica, telecomunicações, mineração, bancos, papel, petroquímica, siderurgia, transportes e aviação.

A tabela 1 ainda mostra alta participação acionária do BNDES em empresas de energia que atuam, principalmente no Brasil. Nesse rol de empresas, tem-se a MPX Energia (2,60%), CESP (5,71%), CPFL Energia (8,42%), ETH Bioenergia (16,33%)6 Eletrobrás (18,50%), Rede Energia S.A (22,59%), Light (22,96%), Copel (23,96 %), CEG (34,56%) e Brasiliana (53,85%)7.

 

 

Além de grandes empresas que atuam em território nacional, a BNDESPAR possui ações de empresas nacionais com larga experiência internacional como a Brasil Foods (2,55%), Gerdau (3,50%), Vale S/A (5,34%), Braskem8 (5,55%), Embraer (5,37%), Petrobras (7,66%), Marfrig (13,89%), JBS-Friboi (17,32%), Fibria (30,42%) e América Latina Logística (12,21%). Durante o Governo do Presidente Lula essas empresas utilizaram-se do apoio financeiro do BNDES que objetivava a inserção internacional das empresas nacionais, do próprio BNDES e do Brasil.

Ao se observar o envolvimento das empresas com o governo federal no período 2003-2010, constata-se a crescente consolidação da relação do Estado com empresas privadas. Das quarenta empresas apontadas pelo ranking 2010 das transnacionais brasileiras elaborado pela Fundação Dom Cabral, vinte e duas delas tiveram algum tipo de relação com o Estado durante o Governo Lula.

Constata-se, também, que algumas empresas das quais o BNDES detém participação acionária, em decorrência de acordos que viabilizassem a liberação de recursos do Banco, foram posicionadas entre as empresas mais internacionalizadas do país segundo o ranking da FDC (FUNDAÇÃO, 2010). São elas: JBS-Friboi (produtos alimentícios - carnes), Gerdau (siderurgia e metalurgia), Marfrig (produtos alimentícios - carnes), Vale (extração de minerais metálicos), ALL (transporte terrestre - ferrovias), Petrobras (extração de petróleo e gás natural), Brasil Foods (produtos alimentícios). Essas empresas, com exceção da Vale e da Brasil Foods, possuem, em sua maioria, grande parte de seus ativos existentes no exterior localizado no hemisfério americano.

Percebe-se, com esses dados, que ao final do primeiro mandato do Presidente Lula, grande parte das empresas listadas na tabela 1 fizeram doações para a campanha eleitoral de reeleição do então presidente. De maneira geral, as empresas optaram por apoiar a reeleição do Presidente Lula, com um volume de doações maior em comparação com o montante de recursos financeiros doados para a campanha do candidato da oposição Geraldo Alckmin.

As empresas Gerdau, Suzano Papel e Celulose, Marcopolo, Embraer e Randon realizaram doações maiores para a reeleição do Presidente Lula em comparação com o montante doado à campanha opositora de Geraldo Alckmin nas eleições de 2006. Já as doações expressivamente maiores da Camargo Corrêa e Votorantim, juntamente com as doações exclusivas das empresas JBS-Friboi, Odebrecht e Marfrig para a campanha do Presidente Lula sugerem uma preferência pela continuidade da gestão do então presidente. Apenas as empresas Alusa e Andrade Gutierrez realizaram doações maiores para o candidato Geraldo Alckmin. Quanto às demais empresas, não foram registradas doações às campanhas presidenciais de 2006.

Outro dado que evidencia a relação Estado-empresas é o volume de recursos desembolsados pelo BNDES para as empresas realizarem investimentos dentro e fora do país. Com exceção das empresas Odebrecht, Marcopolo, Embraer, Alusa, Andrade Gutierrez e Randon, o volume total de recursos viabilizados para as empresas listadas na tabela 2 foi de aproximadamente R$ 63,6 bilhões no período 2008-2009-20109. Por fim, durante a campanha eleitoral de 2010, a campanha da candidata da situação, Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores, arrecadou um valor ainda mais expressivo das mesmas empresas que apoiaram a reeleição de Lula em 2006.

Dessa forma, o desempenho internacional de empresas nacionais, em especial na América Latina; o volume de recursos destinados a elas pelo BNDES, assim como a participação acionária do Banco em algumas dessas empresas; e a diferença entre os valores doados por elas às campanhas eleitorais presidenciais em 2006 e 2010 mostrou que houve estreitamento de interesses empresariais e governamentais no tocante à política externa no decorrer do governo do Presidente Lula.

Os dados coletados indicam que as empresas elencadas desenvolveram algum tipo de atividade econômica em áreas estratégicas para a política externa brasileira. Dentro do hemisfério americano tem-se a América do Sul como região de inserção internacional do Brasil devido aos vários processos de integração em andamento (IIRSA, MERCOSUL, UNASUL, Organização do Tratado de Cooperação Amazônico - OTCA). Na região do Caribe e América Central, além da presença brasileira à frente da MINUSTAH, empresas brasileiras, por meio do BNDES, desenvolvem suas atividades em países como a República Dominicana e El Salvador. E, não menos importante, tem-se na América do Norte os Estados Unidos, que apesar de ter perdido o título de principal comprador de produtos brasileiros para a China nos últimos anos, ainda é um importante parceiro comercial do Brasil.

 

3. A INSERÇÃO COMERCIAL DO BRASIL VIA BNDES

O aumento do valor desembolsado pelo BNDES para financiar as exportações e a internacionalização de empresas brasileiras no Governo Lula é conseqüência das políticas estratégicas do Banco que privilegiaram a ação comercial do Brasil na América do Sul. Essa estratégia estava vinculada à prioridade da região na política externa do país. Nesse sentido, modalidades de acesso aos recursos do Banco foram criadas e novas garantias a essas operações foram estruturadas para tornar possível a meta de dar apoio ao processo de integração da região.

Além da criação de novas modalidades de financiamento às exportações, o BNDES beneficiou-se de decretos, leis e resoluções que aumentaram os recursos do Banco para operar suas estruturas de financiamento para o comércio exterior nos dois mandatos do Presidente Lula. Da mesma forma, o Decreto nº 6.322 de 2007, ao mudar o estatuto do BNDES, afirma que o Banco, a partir de então, está apto a "financiar a aquisição de ativos e investimentos realizados por empresas de capital nacional no exterior, desde que contribuam para o desenvolvimento econômico e social do País"11. Ainda mais enfático, o item VI do mesmo decreto salienta que o BNDES poderá "contratar estudos técnicos e prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e social do País ou sua integração à América Latina." Nesse sentido, a América do Sul tornou-se área de ação internacional preferencial para o BNDES.

As medidas pertinentes à ação internacional do BNDES durante o Governo Lula refletiram no incremento constante dos recursos do Banco destinados ao apoio aos exportadores brasileiros na região. O gráfico 1 mostra que o montante de recursos do BNDES investidos na América do Sul retoma o crescimento justamente no primeiro ano do Governo Lula. Essa tendência de crescimento contrasta com o ritmo acentuado de queda desses desembolsos desde o final dos anos noventa. O retorno do aumento dos desembolsos para região pode estar relacionado ao fim das restrições uso do CCR como garantia para os financiamentos do Banco no ano de 2003, e ao envolvimento do BNDES com os financiamentos de projetos de infra-estrutura no âmbito da IIRSA. Nesse sentido, a análise dos resultados da relação BNDES-IIRSA chama a atenção ao fato de que:

 

 

O apoio do BNDES a esta iniciativa, através do financiamento às exportações para a implantação dessa estrutura física, não apenas incrementa as exportações brasileiras envolvidas diretamente nos projetos, mas também contribui para o desenvolvimento de seu mercado consumidor, estimulando, de modo geral, o fluxo de comércio entre os países. Existe hoje mais de US$ 1 bilhão entre operações aprovadas e/ou contratadas para financiamentos à exportação de bens e serviços brasileiros para projetos de engenharia e construção de infra-estrutura que viabilizam uma maior integração dos países da América do Sul. (ALEM; CATERMOL; ZENDRON; KRUTMAN, 2006, p21).

De acordo com os dados do gráfico 1, durante o período 2003-2009, aumentou também a participação dos investimentos em infra-estrutura em relação ao montante desembolsado pelo BNDES na região. Ao analisar esses números, Luciano Coutinho, presidente da instituição, constatou a consolidação do Banco na América do Sul ao afirmar que a carteira de projetos da instituição "já é uma fonte de financiamento importante para a infra-estrutura na América do Sul" (LEO, 2009, p. A3).

Com a inserção do BNDES no cenário internacional e o apoio do Banco à internacionalização de empresas brasileiras, elevou-se o volume do capital brasileiro investido no exterior. Nesse sentido, a proximidade geográfica fez da América do Sul a região preferencial para dos investimentos brasileiros no exterior. Esse crescimento substancial dos investimentos brasileiros no cenário externo é perceptível, dentre outras formas, por meio da análise dos empréstimos intercompanhia e na participação de capital. Os empréstimos intercompanhia referem-se às transações financeiras entre a matriz brasileira e suas subsidiárias no exterior. Quanto à participação de capital, esse dado diz respeito às fusões e aquisições realizadas por empresas brasileiras em território estrangeiro.

Percebe-se que durante o Governo Lula houve aumento crescente no indicador de investimento externo brasileiro. No período 2004-200612, de acordo com o gráfico 2, o volume de investimentos brasileiros aumentou consideravelmente, partindo do montante aproximado de US$ 250 milhões em 2003 para alcançar US$ 28 bilhões no final do primeiro mandato do Presidente Lula em 2006. Naquele ano, a Companhia Vale do Rio Doce, maior mineradora de ferro do mundo, comprou 75,6% da empresa mineradora canadense Inco pelo preço aproximado de US$ 17 bilhões tornando-se a segunda mineradora global, atrás apenas da empresa australiana BHP Billiton13.

 

 

De acordo com o gráfico 2, o total de investimentos brasileiros no exterior alcançou o valor de US$ 69,73 bilhões em 2010. Em sua maior parte, este valor se deve ao forte investimento que empresas brasileiras fazem no exterior por meio, principalmente, de aquisições, fusões e investimentos em plantas produtivas próprias. Nesse sentido, o BNDES tem tido papel fundamental no financiamento à internacionalização de empresas nacionais.

Somente no período de janeiro a maio de 2010, as empresas Gerdau, Votorantim, Braskem e Marfrig investiram US$ 11,6 bilhões em suas operações no exterior (ARBIX, 2010, p. A14). Esses empréstimos intercompanhias, forma de inserção no mercado internacional, mostraram uma evolução constante em relação aos desembolsos do BNDES ao setor exportador brasileiro durante o Governo Lula.

Os dados e os fatos apresentados mostram, assim, o impacto que as medidas de apoio ao comércio exterior e à internacionalização de empresas adotadas no Governo Lula tiveram sobre a projeção política e econômica do país no cenário internacional, em especial na América do Sul.

 

4. CONCLUSÃO

Em um contexto de construção de alternativas externas para o desenvolvimento nacional, o Governo Lula deu continuidade a um processo lento de consolidação da América do Sul como área de interesse prioritário da política externa brasileira que tem origem na década de oitenta. O Estado nacional adaptou-se às circunstâncias domésticas e internacionais.

Diferentemente do Estado desenvolvimentista e interventor que caracterizou o regime militar brasileiro, os governos civis da década de oitenta e alguns outros da década de noventa (Governo Itamar Franco e os últimos anos do Governo FHC), no Governo Lula, o Estado consolidou-se como um Estado logístico15. Essa nova característica que foi sendo construída no segundo mandato do Governo FHC atribuiu um papel de destaque ao empresariado nacional como ator da política externa brasileira.

Por meio da relação política externa/BNDES/empresas, a América do Sul tornou-se área de inserção e projeção internacional do Brasil, do BNDES e das empresas nacionais. Essa afirmação sustenta-se no fato da região ter-se consolidado como destino importante das exportações nacionais, área preferencial para inserção internacional das empresas brasileiras. Ademais, o Brasil consolidou-se, provavelmente, como o principal articulador da integração política e econômica do continente sul-americano.

Nesse sentido, ao se analisar priorização da América do Sul, no âmbito da política externa do Governo Lula, percebe-se o BNDES como variável fundamental no processo de inserção comercial do Brasil no mundo, em especial na América do Sul.

 

Bibliografia

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* III ECONTRO NACIONAL ABRI – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
1. O Brasil apareceu quatro vezes entre as 50 maiores empresas emergentes de 2006, a saber: Vale, Gerdau, Odebrecht, Petrobras. Fonte, Unctad.
2. Acordos Mercosul-Índia, Mercosul-Asean, IBAS, Tratado de Livre Comércio China-Chile, e atuação de diversas empresas asiáticas em muitos países da América do Sul são alguns exemplos da inserção asiática na região.
3. Este banco foi fundado em 1969 e tem sede em Barbados. Atualmente conta com 26 membros, dos quais quase todos são países caribenhos, além de algumas nações como a China, o Reino Unido, a Colômbia e a Venezuela (GUDYNAS, 2008).
4. O Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) é composto pela Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai, e sua sede está em Santa Cruz (Bolívia). Seus objetivos são apoiar estudos de pré-investimento e assistência técnica, e pode conceder empréstimos, dar fianças e avais. Sua sede é em Santa Cruz (Bolívia) (GUDYNAS, 2008).
5. O objetivo deste artigo não é atribuir um juízo de valor à relação entre Estado e empresas nacionais. (inclusive grandes empreiteiras nacionais). Apesar da constatação de que a ocorrência dessa relação pode sugerir dúvidas quanto à forma, objetivos e conseqüências desse envolvimento, a análise desse trabalho busca investigar, somente, a ocorrência (em que intensidade?), ou não, da relação Estado/empresas nacionais durante o Governo Lula.
6.  A ETH Bioenergia é uma empresa do Grupo Odebrecht, criada em 2007, que atua na produção, comercialização e logística do etanol, energia elétrica e açúcar.
7. É importante notar que muitas dessas empresas eram antigas estatais estaduais que foram privatizadas na década de noventa. Além disso, percebes-se a ação conjunta de distintos grupos empresariais nacionais atuando no setor. Esse é o caso da CPFL ENERGIA que é controlado pelo grupo composto pela VBC Energia (Grupo Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa), pelo Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), e pela Bonaire Participações (que reúne os fundos de pensão Funcesp, Sistel, Petros e Sabesprev). Ver <http://www.cpfl.com.br/HistoacuteriaCPFLEnergia/tabid/106/Default.aspx>.
8. A Odebrecht e a Petrobras participam direta e indiretamente no capital da Braskem por meio da holding BRK Investimentos cuja a divisão societária corresponde, respectivamente, 53,8% e 46,2%.
9. É importante ressaltar que as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, apesar de não constarem nos registros do BNDES no período mencionado, executam várias obras de infra-estrutura na América Latina que contam com o financiamento do Banco estatal brasileiro.
10. As operações do BNDES dizem respeito aos investimentos das empresas nas áreas de inclusão social, infra-estrutura, insumos básicos, industrial e comércio exterior.
11. Redação do art. 9º, II, V, VI e VII pelo Decreto nº 6.322 de 21 de dezembro de 2007
12. Somente a fusão da Ambev com a belga Interbrew, realizado em agosto, criando o grupo Imbev, representou um fluxo de US$ 5 bilhões (MOREIRA, 2004, p.A2).
13. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/mat/2006/10/24/286378361.asp>
14. Dados coletados a partir da série histórica do balanço de pagamentos do Brasil, disponíveis no site eletrônico do Banco Central do Brasil: <http://www.bcb.gov.br/?SERIEBALPAG>. Os sinais negativos (-) representam a saída do volume de dinheiro do país na forma de investimento. No gráfico, as barras azuis representam o saldo total do volume de investimentos brasileiros no exterior que é composto pela soma dos saldos de recursos transacionados em termos de empréstimos intercompanhia e de participação no capital.
15. Ao se levar em consideração as características gerais do Estado Desenvolvimentista (defesa da industrialização, intervencionismo estatal na promoção do crescimento econômico e o nacionalismo em suas mais variadas manifestações), o vetor desenvolvimentista da economia brasileira pode ser percebido, em intensidades diferentes, desde o período da República Velha, no final do século XIX, até os dias de hoje. Adicionalmente, ressalta-se também, que tais características podem, em alguma intensidade, definir a ação de um Estado Liberal. Nesse sentido, a definição de Estado Logístico, elaborado por Amado Cervo, é empregado neste  trabalho como forma de tentar caracterizar o papel do Estado brasileiro na economia sob a perspectiva de um estudo de política externa.