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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

O Brasil e o sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento: limites e perspectivas para inserção e reforma*

 

 

Rodrigo Pires de Campos

Professor e pesquisador da Universidade Católica de Brasília (UCB), Pesquisador Bolsista do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

 

 


RESUMO

A presente pesquisa busca explorar limites e perspectivas à inserção do Brasil no Sistema Internacional de Cooperação para o Desenvolvimento, considerando o equilíbrio de poder e perspectivas de manutenção e reforma desse Sistema. Para tanto, descreve-se a recente entrada de novos atores no referido Sistema, sobretudo os chamados países em desenvolvimento, e a aparente contradição na posição atribuída ao Brasil como doador emergente desse Sistema. Lançam-se questões e quadros hipotéticos como potenciais indicativos de caminhos relevantes de pesquisa sobre o tema.

Palavras-chave: Sistema Internacional, Cooperação para o Desenvolvimento, Brasil


 

 

Introdução

Em 2011 aproximamo-nos dos sessenta anos de existência da cooperação internacional para o desenvolvimento (CID), entendida aqui em perspectiva genérica, como "o leque de possibilidades de assistência econômica e/ou técnica e de apoio político aos processos de desenvolvimento econômico, de fortalecimento institucional e de melhoria das condições de paz e governabilidade democrática oferecidas pelos Governos, organismos multilaterais, organizações sociais e fundações privadas" (HIRST, 2010, p. 19). Entre 1949 e 1950 a cooperação internacional para o desenvolvimento foi inaugurada oficialmente pelo governo dos Estados Unidos da América - por meio de seu Act for International Development1 - e, no âmbito multilateral, pelas Nações Unidas - por meio da Resolução 200/1949, que criava o Expanded Programme for Technical Asssistance (VALLER FILHO, 2007, p. 33).

Ao longo das últimas cinco ou seis décadas, os investimentos em cooperação internacional para o desenvolvimento tornaram-se uma regra no sistema internacional, tanto para os chamados países desenvolvidos, quanto, mais recentemente, para países em desenvolvimento. O Gráfico 1 indica a tendência dos investimentos em Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD)2, entre 1960 e 2009, dos países-membros do Comitê de Assistência para o Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (DAC/OCDE). A barra vertical da esquerda indica uma escala para os valores líquidos, em dólares norte-americanos constantes de 2008, investidos na AOD por esses países no período. Como se observa na linha azul, que se inicia à esquerda do gráfico, aproximadamente na marca dos US$ 40 bilhões, houve no período indicado uma tendência predominante de crescimento, apesar de oscilações acentuadas3. Já a linha verde, que à esquerda do gráfico inicia-se acima da linha azul, refere-se à barra vertical localizada à direita do gráfico, que representa uma escala dos investimentos como percentual dos Produtos Internos Brutos (PIB) dos países-membros do DAC/OCDE. Essa linha, por sua vez, aponta tendência predominante de queda ao longo das décadas com maior recuperação a partir do início do século XXI4.

Conforme mencionado anteriormente, o fenômeno da CID não se restringe aos governos dos países-membros do DAC/OCDE, mas envolve igualmente países em desenvolvimento tradicionalmente não-membros do DAC/OCDE. Entre os países em desenvolvimento que passaram a investir em cooperação internacional para o desenvolvimento - ou cooperação Sul-Sul - desde os anos 1970 até os dias atuais, podemos destacar África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Brasil, Bulgária, Chile, China, Ciprus, Colômbia, Coréia do Sul, Cuba, Eslovênia, Hungria, Índia, Israel, Kuwait, Letônia, Lituânia, Malta, México, Polônia, República Eslovaca, República Checa, Romênia, Rússia, Tailândia, Taiwan, Turquia e Venezuela (CHUN et al, 2009, p. 3). Na década de 2000, novos atores da cooperação Sul-Sul passaram a oferecer crescentes volumes de recursos para diferentes partes do mundo. Pino e Surasky (2010), ao final de um estudo sobre a cooperação Sul-Sul na América Latina nesse período, concluem que a cooperação implantou-se definitivamente nas políticas externas dos países da região em desenvolvimento. Segundo Sotillo (2010), essa realidade foi favorecida pelo fim da Guerra Fria que

[...]  mudou o panorama internacional e favoreceu também o protagonismo da dimensão Sul-Sul na busca da reformulação de políticas conjuntas que levem em conta os interesses dos países em situações de desvantagens, especialmente em áreas fora do primado de outras agências internacionais.

Um levantamento da AOD de países não-membros do DAC/OCDE revela uma tendência de aumento no volume de investimentos dessa natureza (TABELA 1) entre países em desenvolvimento, ainda que seus patamares de valores estejam aquém dos países da tradicional comunidade de doadores.

Para além do aumento dos volumes de investimentos e do número de atores envolvidos na CID5, os sessenta anos de história da CID levaram à gradual consolidação de um "Sistema de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento" (SCID) (PINO, 2006, p. 7), também comumente referido como "Arquitetura do Desenvolvimento Internacional" (BURALL, MAXWELL & MENOCAL, 2006; CULPEPER & MORTON, 2008), caracterizado por uma relação verticalizada entre "doadores" e "recipiendários"6. Segundo Galán e Sanahuja (1999, apud PINO, 2006, p. 7), o SICD é definido como a

Rede de instituições públicas e da sociedade civil que promovem ações de Cooperação Internacional ao desenvolvimento. O SICD está formado por muitas organizações de diferentes naturezas, orientações e funções, dentre as quais encontram-se organismos internacionais, governos e instituições públicas dos países doadores e receptores de ajuda, organizações não-governamentais, empresas e outras entidades da sociedade civil. Estas organizações compõem uma rede que de forma mais ou menos articulada configura o SICD.

Similarmente, Culpeper e Morton (2008, p. 31) definem a Arquitetura do Desenvolvimento Internacional (ADI) como "agências, instituições e sistemas mundiais destinados à gestão da transferência de recursos (finanças e expertise) para, e relações de desenvolvimento com, países de baixa renda."7 Apesar de as definições acima destacarem basicamente instituições que promovem ações de cooperação internacional - como agências, organizações, governos, ONGs, empresas, entre ouras - pode-se afirmar que o SICD, tal como um regime internacional, é composto por um conjunto de leis, normas, regras, princípios, metas, procedimentos, mecanismos, e métodos em torno dos quais convergem em grande medida as expectativas de atores desse Sistema. Existem inúmeros exemplos de regimes que compõem esse Sistema ou Arquitetura, a totalidade deles desenvolvidos ao longo das décadas no âmbito do DAC/OCDE, ou da própria ONU:

Esses regimes, ainda que desenvolvidos de forma fragmentada por grupos de países ou regiões, sob os auspícios de organizações internacionais e foros de articulação política, longe de estarem difundidos e aceitos de forma consensual globalmente, compõem, juntamente com atores e instituições da CID, o que vem sendo chamado de SICD. O SICD é, portanto, um espaço de construção constante de governança global da CID, potencialmente gerador, no futuro, de um regime global de CID. O SICD mais conhecido e difundido nos dias atuais é oriundo dos trabalhos do DAC/OCDE que, desde o início dos anos 1960, vem buscando consolidar-se como um espaço legítimo de articulação política entre seus países-membros em torno do tema da CID.

Como sugerido anteriormente, o fato de o SICD ter sido por muitos anos ocupado predominantemente por países industrializados de economia de mercado, notadamente do Norte, membros do DAC/OCDE, suscita dúvidas quanto à real possibilidade de reformas do mesmo frente ao surgimento crescente de novos atores nesse Sistema. Rowlands (2008), por exemplo, aponta que os padrões e normas atuais para a análise das atividades de ajuda externa dos doadores são derivadas da própria comunidade tradicional de doadores e emergem "no espaço de tensão entre a sua função técnica como um instrumento de aplicação de teorias de desenvolvimento orientadas para o mercado [dos países tradicionalmente do Norte ], e a realidade das origens e ímpetos intrinsecamente políticas da ajuda externa [originários da conjuntura do pós-guerra, descolonização e Guerra Fria ]."10 (p. 4). O mesmo autor reconhece que, longe de assumir que o DAC/OCDE, o Banco Mundial, o FMI, e os bancos regionais de desenvolvimento detêm poder absoluto no que se refere às normas e padrões da cooperação internacional para o desenvolvimento, essas instituiçõe.

[...] são fundamentais na definição de termos e conceitos em assistência para o desenvolvimento, identificando melhores práticas, e fornecendo uma estrutura a partir da qual doadores bilaterais podem interagir num grau mais elevado de sinergia do que se fossem deixados por conta própria. (p. 4)

Aning (2007) e Opoku-Mensah (2009) seguem a mesma linha de argumentação e concluem, respectivamente, que interesses geopolíticos das nações da comunidade internacional de doadores podem determinar a agenda de desenvolvimento internacional e que o SICD exerce poderosa e duradoura influência sobre o desenvolvimento em todo o mundo. Estaríamos, portanto, diante de um Sistema fundamentalmente dominado por um pequeno grupo de países, reflexo de uma antiga estrutura internacional de poder, sem perspectiva sobre qualquer tipo de reforma? Ou, em outro extremo, estaríamos diante de um Sistema cuja característica maior é a flexibilidade e potencial de ajuste para reformas necessárias e inclusivas? Alternativamente, estaríamos a meio caminho desses dois extremos, frente a um Sistema com limitado potencial de reforma?

Há autores que, mesmo reconhecendo o controle predominante dos tradicionais doadores sobre o SICD, apontam a possibilidade de reformas devido à combinação de fatores externos que juntos conformam uma conjuntura favorável. Segundo Culpeper e Morton (2008), as crises econômicas e financeiras que assolaram o mundo durante os anos 1980 e 1990 associadas ao crescimento e fortalecimento de economias como as da China, Índia, Brasil e África do Sul "oferecem indícios de que eles [tradicionais doadores ] estão abertos às perspectivas do Sul sobre reformas sistêmicas." (p. 12). Segundo esses autores, o movimento recente do FMI na direção de aumentar o poder de voz e de voto de certos países em desenvolvimento em sua estrutura confirmaria essa tendência de abertura para reformas. Similarmente, Girvan (2007) destaca o papel do conhecimento sobre desenvolvimento acumulado pelos países do Sul como um fator determinante para a possibilidade de reforma desse Sistema caracterizado pelo desequilíbrio de poder. Por fim, Schläger (2007) destaca o Global Forum on Development e outras conferências internacionais patrocinadas pela própria OCDE, Banco Mundial e Nações Unidas como espaços de diálogo e potenciais aproximações.

Apesar do otimismo de certos autores, a bibliografia disponível sobre o tema, mormente publicada por centros de pesquisa sobre o tema de tradicionais países doadores, aponta uma forte rivalidade entre doadores tradicionais e doadores não-tradicionais. Manning (2006, p. 373) revela rivalidades entre os países-membros e os não-membros do DAC/OCDE desde as décadas de 1960, 1970 e 1980, quando a Rússia e os países árabes exerciam um destacado papel na cooperação internacional para o desenvolvimento. O autor afirma que essa rivalidade suavizou-se a partir da década de 1990, quando os países do DAC/OCDE assumiram uma participação maior do que 95% no total da CID em todo o mundo.

Na mesma linha de raciocínio, pode-se afirmar que a reação dos tradicionais membros da comunidade internacional de doadores frente à emergência da cooperação Sul-Sul foi, em grande medida, de certa exacerbação de rivalidades. Em estudo recente para a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), Kondoh et al (2010, p. 3) afirmam que o "surgimento desses novos doadores [da cooperação Sul-Sul ] provocou uma percepção de ameaça entre os formuladores de políticas da bem estabelecida comunidade de doadores tradicionais." Em reação, afirmam os autores, essa comunidade passou a criticar tais iniciativas, apontando a falta de alinhamento daqueles novos doadores aos princípios de eficácia proclamados pelo DAC/OCDE, o apoio incondicional a países suspeitos de violação de direitos humanos, de patrocínio de redes terroristas e corrupção, entre outras críticas (p. 2). Aliás, os próprios autores do estudo em questão, nacionais do Japão, em estreita sintonia com outros autores de países tradicionalmente doadores, como Chahoud (2007), propõem "distanciamento emocional e normativo da questão", "sem euforia ou condenação", rumo a uma análise mais detida dos países que compõem a rede de atores da cooperação Sul-Sul, reconhecendo que essa rede não é monolítica, mas se compõe de atores diversos, com práticas diversas e prioridades diversas. Resta complementar o que aparentemente está nas entrelinhas dessas reflexões: e que podem eventualmente alinhar-se ao SICD vigente.

O Brasil, assim como outros países do Sul, também assiste a uma forte retomada de sua cooperação Sul-Sul a partir da segunda metade da década de 2000. Nesse período, as ações de cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional ampliaram-se substantivamente na medida em que assumiam caráter de prioridade do governo brasileiro, sobretudo sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Schläger (2007), Sarah-Lea (2010), Cabral e Weinstock (2010), Inoue e Vaz (2011), as estimativas dos gastos do governo brasileiro com a cooperação para o desenvolvimento internacional no período apontam crescimento substantivo. Em 2010, o próprio governo brasileiro, com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), decidiu realizar o primeiro levantamento de seus gastos com a cooperação para o desenvolvimento internacional (SCHMITZ ET AL, 2010).

Essa retomada brasileira, sua repercussão internacional e o grau de avanço das estruturas nacionais de CID revelam um paradoxo. De um lado, a retomada da CID pelo Brasil vem sendo observada por uma expressiva parte da comunidade internacional de doadores que reconhece o país como um "doador emergente"11, o que não acontece com "doadores" mais antigos que o próprio Brasil como, por exemplo, Cuba por meio de seus médicos enviados para as regiões mais remotas e mais pobres do planeta desde sua revolução (ERISMAN, 2008).

De fato, a partir de 2007, proliferam publicações de agências, think tanks e organismos internacionais exaltando a nova "condição" de "doador emergente" do Brasil no SICD (SCHLÄGER, 2007; CHAHOUD, 2007; SOUZA, 2007; ROWLANDS, 2008; WOODS, 2008; SOTERO, 2009; CABRAL & WEINSTOCK, 2010; PINO, 2010; INOUE E VAZ, 2011; entre outros).  Por um lado, tais publicações ressaltam, sobretudo, os crescentes investimentos do governo brasileiro em cooperação internacional para o desenvolvimento, apesar de não disporem de estimativas concretas desses investimentos. Em artigo sobre a ajuda externa brasileira, publicado em 15 de julho de 2010 na revista The Economist, afirma-se que o Brasil está se tornando "[...] um dos maiores provedores de ajuda para países pobres do mundo." com base em projeções aproximadas pautadas por conjecturas sem qualquer referência a dados primários ou secundários.

Avançando no quadro paradoxal, o Brasil compõe a lista do DAC/OCDE de países recipiendários e ainda recebe AOD de países desenvolvidos na atualidade. Segundo dados da OCDE (2010), o Brasil recebeu quase US$ 2 bilhões no período de 2001 a 2008. Essa condição, por si só, e considerando as definições de SICD e ADI apresentadas anteriormente - marcadas por uma clara distinção entre "doadores" e "receptores" - seria suficiente para não enquadrá-lo nem como "doador" e tampouco como "emergente". Complementarmente, pouco se sabe sobre o impacto da cooperação brasileira para o desenvolvimento no mundo. Não há até o momento nenhuma avaliação sistematizada do impacto sócio-econômico dessa cooperação no mundo que permita qualificar e comparar o país frente a outros doadores do mundo.

Além disso, em estudo recente sobre "doadores emergentes na assistência internacional para o desenvolvimento", o Centro de Pesquisa em Desenvolvimento Internacional (IDRC) aponta sérios limites a partir do estudo de caso brasileiro. Segundo o estudo, os arranjos administrativos e estruturas institucionais do país para a ajuda externa são difusos e mal coordenados, os recursos escassos e dispersos, e a política externa sem objetivos claros, o que, por sua vez, atribui certa suscetibilidade aos programas apoiados pelo país no exterior. Os dois destaques positivos para o país referiram-se às pesquisas para o desenvolvimento, tradicionalmente realizadas por instituições federais de tradição nacional como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), entre outras. O segundo destaque apontou a colaboração internacional do Brasil para impulsionar sua ajuda externa por meio da triangulação com doadores tradicionais (ROWLANDS, 2008).

Por fim, essa mesma retomada brasileira é acompanhada por uma posição forte e contrária do próprio governo brasileiro de recusa ao rótulo de "doador". Segundo Vaz e Inoue (2011), a posição oficial do governo é que,

[...] sem desconsiderar o fato de que o país oferece mais cooperação técnica, educacional e financeira, além de ajuda humanitária e emergencial, a posição do país em relação aos seus parceiros de desenvolvimento não se alterou, significando que o Brasil continua a favorecer uma abordagem horizontal mais do que vertical.

Em suma, o país vem sendo atribuído o rótulo de "doador emergente" sem, porém, apresentar qualquer dado mais consistente e imparcial que justifique esse rótulo, sem contar ainda o fato de o país compor a lista de recipiendários do DAC/OCDE. Por outro lado, o governo, mais especificamente o Ministério das Relações Exteriores, rechaça o rótulo e afirma que o país não é um "doador" pela natureza excludente dessa expressão. Essa situação é extremamente instigante  na medida em que nos faz refletir sobre a real "inserção" do Brasil no SICD e sobre suas reais possibilidades de reforma do mesmo. Neste ponto, portanto, está relativamente clara a controvérsia que impulsiona a presente proposta de pesquisa. Pretende-se explorar por meio deste estudo as perspectivas e os limites à inserção do Brasil no SICD. As questões preliminares sob escrutínio no estudo podem ser agrupadas em dois grandes conjuntos:

Possíveis respostas a essas questões serão exploradas na pesquisa à luz da teoria da negociação internacional, mais especificamente com base nas categorias analíticas propostas na obra de Starkey, Boyer e Wilkenfeld (1999), quais sejam i) o tabuleiro, ii) os atores, iii) as questões em jogo, iv) os movimentos, e v) os resultados. Espera-se que essas categorias analíticas possibilitem uma compreensão das negociações internacionais em perspectiva mais ampla e complexa, permitindo explorar e eventualmente conhecer fatores aparentemente desconexos. Implicitamente, portanto, o estudo assume como premissa que o SICD está em pleno potencial de transformação e, nessa condição, pode ser descrito e analisado como um processo de negociação internacional em andamento, ainda que possua referências significativas reveladoras de um potencial regime internacional. Observar o SICD nessa perspectiva permite-nos, é a expectativa em última instância deste estudo, perceber oportunidades de articulações e decisões atinentes às políticas de cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.

Num primeiro momento, pretende-se explorar os fatores que de fato projetam, se é que projetam, o Brasil no SICD. Hipóteses explicativas para essa projeção do Brasil são:

Espera-se verificar essas hipóteses a partir de fontes bibliográficas, fontes de dados e documentos oficiais de governos e organizações internacionais, bem como entrevistas com representantes brasileiros e estrangeiros de instituições diretamente envolvidas na CID. Esta etapa da pesquisa é de natureza predominantemente qualitativa, mas contará com o levantamento e a análise de dados estatísticos em abordagem quantitativa.

Verificadas essas hipóteses e tendo em mãos elementos mais evidentes de inserção do Brasil no SICD, a pesquisa adentrará um segundo momento em que se pretende explorar as perspectivas e limites de reforma desse Sistema pelo Brasil em sua condição de novo ator. Para tanto, serão analisadas i) a conjuntura histórica, social, política e econômica dessa inserção (o tabuleiro), ii) os atores emergentes no SICD, iii) as questões em jogo para o governo brasileiro, sobretudo o MRE, sobre sua inserção nesse Sistema, iv) os movimentos do governo brasileiro, sobretudo o MRE, para fazer frente à questão; e v) os resultados desses movimentos para o próprio governo brasileiro no curto e médio prazos.

 

2. Objetivos

Objetivo geral

Explorar os limites e as perspectivas para a inserção do Brasil no Sistema Internacional de Cooperação para o Desenvolvimento (SICD).

Objetivos específicos

 

3. Justificativa

O estudo justifica-se pela surpreendente escassez de produção científica e teórica sobre o tema do Sistema Internacional de Cooperação para o Desenvolvimento no Brasil (PINO, 2006, p. 6). O isolamento do país por décadas das discussões internacionais sobre cooperação internacional para o desenvolvimento levou a essa situação de penúria acadêmica sobre o tema em todo o país. Essa situação, porém, tem gradualmente se revertido nos últimos anos, buscando acompanhar os crescentes passos do governo rumo à expansão de ações dessa natureza em todo o mundo.

O estudo também se justifica pela clara limitação dos tradicionais enfoques teóricos das relações internacionais em explicar o tema. Nas relações internacionais, a cooperação internacional tem sido comumente enquadrada sob a corrente teórica liberal ou neo-liberal das relações internacionais, muito em função da premissa de que a cooperação pressupõe maior intercâmbio e permeabilidade das fronteiras do Estado e, portanto, maior interdependência entre os mesmos, aproximando-os de forma gradual, irreversível e inexorável. Claro está que essa perspectiva teórica não atende aos propósitos do enunciado deste estudo, o que aponta para uma potencial combinação teórica a ser definida futuramente.

 

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* Artigo apresentado no Painel intitulado "Políticas Públicas, Política Externa e Cooperação Técnica Internacional: Desconexões Reais e Conexões Ideais" do 3º Congresso Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), realizado entre os dias 19 e 22 de julho de 2011, na Universidade de São Paulo (USP). Trata-se de uma proposta de pesquisa iniciada em janeiro de 2011, em pleno andamento.
1. Assinado em 1º de junho de 1950, com base no chamado Ponto IV de Truman, instituindo a autoridade para a Administração da Cooperação Técnica (USAID, 2011).
2. A OCDE define a AOD como "Fluxos de financiamentos oficiais administrados com o objetivo primordial de promover desenvolvimento econômico e bem-estar nos países em desenvolvimento e que possuem caráter de concessionalidade por serem estendidos com pelo menos 25% de fundo perdido, seja diretamente para países em desenvolvimento (bilateral), via agências governamentais dos países doadores, ou via instituições multilaterais, excluindo empréstimos de agências de créditos de exportação com o único propósito de promoção das exportações nacionais." (OCDE, 2010a)
3. Estas oscilações explicam-se por eventos associados a fatores internos e externos aos países da chamada comunidade internacional de doadores. Porém, o foco deste estudo não se concentra sobre esses fatores.
4. Deve-se relativizar essa redução à luz de uma análise mais detida da variação do PIB desses países no mesmo período, que será eventualmente conduzida pelos responsáveis pelo presente projeto de pesquisa, mas que não se constitui em objeto central deste estudo.
5. Estudos como o de Kaul & Conceição (2006, apud Burall, Maxwell & Menocal, 2006) identificam o crescimento exponencial do número de novos atores envolvidos na chamada CID a partir dos anos 1980 e, sobretudo, na primeira década do século XXI. Esses estudos revelam que além dos países em desenvolvimento, foram criadas muitas entidades filantrópicas, organizações não-governamentais e outras organizações da sociedade civil que passaram a atuar como atores relevantes da CID em todo o mundo.
6. Estas são nomenclaturas adotadas nos documentos oficiais de governos de países e de organizações internacionais desde os primórdios da CID e estabelecem uma clara e proposital distinção entre países pretensamente detentores de recursos técnicos e financeiros (doadores) e países necessitados dos mesmos (recipiendários). Há uma longa polêmica em torno destes "rótulos" que pode ser explorada na literatura.?
7. Tradução e adaptação livre do autor, a partir do original em inglês: "the world's agencies, institutions and systems for managing the transfer of resources (finance and expertise) to, and development relationships with, low-income countries."
8. Para o conceito atual adotado pela OCDE, vide a nota de rodapé de número 4 deste documento.
9. Conforme visto no Gráfico 1, os países doadores tradicionais estão longe de atingir essa meta.
10. Tradução e adaptação livre do autor, a partir do original em inglês: "Modern development assistance programs emerged in the post-Second World War environment of decolonization and Cold War competition. The Western, or Northern, analysis of development assistance activities is conducted in the awkward space between the technical functions of development assistance as na instrumento f market-oriented development theory and the reality of its inherently political origins and impetus."
11. Na expressão, em inglês, "emerging donor".