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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Mercosul: custos e benefícios de diferentes acordos comerciais

 

 

Rosana Curzel

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo foi estimar impactos de diferentes políticas de liberalização comercial sobre a economia do Mercosul, formado por Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela. Utilizou-se da metodologia dos Modelos de Equilíbrio Geral Aplicado (GTAP). Foram implementados dez cenários de política comercial: a formação da Alca; um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia (UE); a formação de ambos os acordos; a assinatura de Tratados de Livre Comércio (TLCs) entre os países da América Latina e os EUA, sem a participação do Brasil; e a assinatura de TLCs entre países da América Latina e os EUA, com a exceção do Mercosul, Bolívia e Equador. Repetiram-se as simulações excluindo-se os produtos sensíveis nas negociações internacionais. Parte da base tarifária foi modificada para novamente ser submetida à simulação dos mesmos cenários. Os maiores ganhos de bem estar foram apresentados pela formação simultânea da Alca e do acordo Mercosul-UE.

Palavras-chave: Mercosul; Integração comercial; Equilíbrio Geral Aplicado; GTAP


 

 

1. INTRODUÇÃO

A questão da integração regional da América Latina faz parte da história dos países da região desde a independência e suas motivações quase sempre perseguiram o desenvolvimento econômico das nações. No entanto, as iniciativas em direção à integração mantiveram-se durante longos anos no plano retórico quando, em meados dos anos 80s, Argentina e Brasil decidiram estreitar o comércio bilateral e assinaram um conjunto de protocolos setoriais com intenções de desgravamento tarifário gradual para os anos subseqüentes e, a partir desses acordos deu-se início à formação do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), através da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, incorporando Uruguai e Paraguai.

Essa iniciativa está incluída no que se convencionou chamar de 'novo regionalismo', distinguindo-se do denominado regionalismo característico do pós-guerra. O novo regionalismo pertence ao período subseqüente ao colapso da União Soviética e início do período em que os Estados Unidos emergem como superpotência econômico-tecnológica e militar predominante no sistema internacional1. Insere-se no debate mundial a defesa da liberdade do comércio entre as Nações, e sendo os EUA os líderes em competitividade econômica, adquirem grandes vantagens no acesso a mercados não protegidos. Daí o lema vigente de que a competitividade é benéfica para os consumidores de todo o mundo. Contrariamente ao velho regionalismo - que vigorou desde o pós-guerra até o término da guerra fria e colapso do comunismo - cuja principal característica era a estratégia econômica de substituição às importações e conduzida por um Estado protecionista dos países em desenvolvimento, o 'novo regionalismo' é caracterizado por acordos de livre comércio entre países, sendo o principal ponto de partida para uma integração regional (Giordano, 2002).

Caracteriza ainda o novo regionalismo, de acordo com Ethier (1998): quando existe ligação de países economicamente pequenos com potências econômicas através de acordos comerciais; quando há implementação de reformas unilaterais de comércio por países em desenvolvimento (por exemplo, os antigos países comunistas, México e os países do Mercosul); quando existe grau modesto de liberalização do comércio no bloco como um todo relativamente à liberalização unilateral de seus membros; quando existe uma liberalização fundamentalmente concedida pelos países menores (sendo o Mercosul uma exceção); quando os países se limitam a reduzir ou eliminar barreiras tarifárias e harmonizam outras políticas econômicas; e quando a maioria dos acordos é feita entre países vizinhos.

Os países da América Latina e o Caribe, no geral, possuem vantagens comparativas e considerável competitividade no mercado de produtos agrícolas internacional e, portanto, são bastante atingidos com o protecionismo dos países desenvolvidos (Nogués, 2004).

Uma metodologia para se avaliar os efeitos de acordos comerciais sobre as economias, de modo a capturar os resultados das inter-relações entre os agentes econômicos é através do uso de modelos de equilíbrio geral aplicado, os quais têm sido crescentemente implementados nos últimos trinta anos para o estudo das mais diferentes questões econômicas (Bandara, 1991; Fochezatto, 1999; e Bandara, 1991).

Desse modo, será apresentado o resultado de um estudo sobre a aplicação dessa classe de modelagem a diferentes formatos de acordos comerciais para o Mercosul. Assim, foi utilizado um modelo concebido propriamente para o estudo das questões relacionadas ao comércio internacional, o Global Trade Analysis Project, GTAP na sua versão 6.0.

Então, o que se fez foi simular cinco tipos de cenários: 1) o da formação de uma Área de Livre Comércio das Américas, ou seja, a eliminação das tarifas às importações e subsídios às exportações e produção entre os signatários; 2) a assinatura de tratados de livre comércio de países da América Latina, com exceção do Brasil; 3) a assinatura de TLCs entre países da América Latina, excluindo-se os sócios do Mercosul, Bolívia e Equador; 4) uma área de livre comércio entre Mercosul e União Européia (UE27); e 5) ambos os acordos simultaneamente: Alca e Mercosul-UE27. Os mesmos cenários também foram simulados com a exclusão dos produtos sensíveis das negociações: os agropecuários, têxtil, vestuário e calçados. Além disso, ainda se substituiu parte da base de dados de proteção tarifária do Brasil e dos EUA, servindo como um teste de consistência para a base de dados original associada ao modelo GTAP.

À parte esta introdução, há três seções. Na primeira, fazemos uma descrição bastante sucinta da estrutura de agregação de países e setores utilizada, apresentamos as principais estatísticas da estrutura produtiva e do comércio resultantes, bem como da estrutura de proteção tarifária. Mostramos ainda nessa seção, a modificação implementada em parte da estrutura de proteção tarifária. Na segunda seção, apresentamos a descrição dos cenários das simulações e seus resultados mais gerais. Por fim, fazemos algumas considerações finais.

 

2. O MODELO E A BASE DE DADOS2

 Foi utilizado o modelo GTAP3 de equilíbrio geral, multirregional (87 países e/ou regiões), multissetorial (57 setores da atividade econômica), cuja base de dados representa a economia mundial no ano de 2001 (Hertel, 1997; Dimaranan, 2006). A tecnologia utilizada foi a de uma função de produção com rendimentos constantes de escala, num ambiente de competição perfeita e fechamento macroeconômico de curto prazo. Os fatores de produção estão agregados da seguinte forma: capital, trabalho qualificado, trabalho não qualificado, recursos naturais e terra, esta utilizada apenas pelo setor agrícola. O capital é móvel internacionalmente, mas a terra e o trabalho não. Este é móvel no mercado doméstico4.

Nas simulações deste trabalho, a atenção voltou-se para a formação da Alca e de um acordo entre o Mercosul e a União Européia (UE). Assim, dividiu-se a base de dados mundial da estrutura GTAP em 15 países/regiões, evidenciando os países das Américas, a União Européia de 27 países,- subdivididos em bloco dos 15 primeiros e bloco dos 12 agregados posteriormente - e um bloco para o Restante do Mundo, conforme Tabela 2.1.

2.1 Estrutura produtiva e de comércio5

Em conformidade com essa base de dados, o bloco do NAFTA - Acordo de Livre Comércio da América do Norte - (EUA, Canadá e México) representava 36,5% da produção mundial, a União Européia (UE27)6, 26,7% e o Mercosul, com 2.9% (Tabela 2.1). O NAFTA participa com 19.1% das exportações mundiais, a UE27, com 39.0% e o Mercosul com 1.8%. O restante da América do Sul (Chile, Peru, Colômbia, RPA) e o Restante das Américas (RDA) juntos contribuem com 1,5% da produção global e 1.7% das exportações mundiais. Tais informações são suficientes para evidenciar o quão pequeno é, por exemplo, o bloco do Mercosul frente aos outros dois grandes blocos econômicos (NAFTA e UE27). Assim, pode-se depreender da mesma tabela que a Alca representaria 41% da produção mundial e quase 23% das exportações globais. Portanto, algumas das assimetrias entre os países envolvidos nas negociações da Alca já se apresentam. Naturalmente há ainda aquelas relacionadas aos níveis de desenvolvimento alcançados em cada país, seu tamanho, etc..

 

 

Os 57 setores/atividades foram agregados nos 33 grupos presentes na Tabela 2.2 a seguir. Desse agrupamento, selecionamos algumas informações estatísticas que são mostradas nas tabelas subseqüentes.

Consideramos o setor do Agronegócio a agregação dos setores 1 a 18, sendo assim o mais importante na estrutura GTAP, atrás apenas do setor de Serviços (33). O Agronegócio respondeu por 8,67% da produção mundial. Sua menor participação relativa nas economias domésticas foi nos EUA, com 5,38% e a maior no Restante do Pacto Andino (RPA), com 23,65% e Uruguai, com 23,34%. O Mercosul propriamente contribuiu com 4,62% da produção mundial do Agronegócio, o qual é respondeu por 14,44% da economia doméstica. Essas mesmas participações, para o Nafta, correspondem a 23,76% e 5,96%, respectivamente, e para a UE27, 23,78% e 7,71%. Donde se nota que, relativamente, o agronegócio é muito mais importante para a economia doméstica do Mercosul do que para os outros dois blocos..

Dentre as atividades que compõem o Agronegócio mundial (1-18), os produtos alimentícios (17) foram os mais representativos, com participação de 22,78%, seguidos do setor de bebidas (18), com participação de 12,78%, carnes (11), com 11,07%, animais vivos (10), com 8,91%, e verduras e frutas (8), com 8,58%.

O Mercosul destaca-se pela participação na produção mundial de soja (6), com 14,74% - onde o Brasil contribui com 8,71%, e a Argentina, com 5,57% - e na produção de óleos vegetais (15), com 8,66%. O Nafta contribui com 20,64% da produção mundial de soja em grão, - sendo 17,89% de responsabilidade dos EUA - e a UE, participa com 9,65%.

No caso do agronegócio do Nafta são vários os setores que se destacam na produção mundial: o de carnes (11), com participação de 35,90%, o de laticínios (16), com 31,47% e o de alimentos (17), com 31,09%, para citar as maiores  contribuições.

O agronegócio da UE27 também tem participação relevante na produção mundial do agronegócio, de 23,78% conforme já mencionado, e expressividade em quase todos os seus setores na produção mundial. Por exemplo, o setor de laticínios (16), com 39,15%, o de óleos vegetais (15), com 37,12% e o de carnes (11), com 32,19%.

O principal destino das exportações do Mercosul foi o Nafta, com  27,90%, seguido da União Européia, com quase 24,13% e as exportações intra-bloco foram de 14,66%, conforme pode-se conferir na Tabela 2.3.

 

 

De longe os produtos mais exportados do Mercosul foram os do agronegócio (1 a 18), representando 24,53% do total das exportações do bloco, seguidos do setor de produtos siderúrgicos e metalúrgicos (27), com 9,77%, produtos minerais (26), com 6,62% e produtos químicos, com 6,8%7 - outros setores como o de papel (32), máquinas e equipamentos (31), automóveis (29) e produtos petroquímicos (24) representaram cerca de 5% cada qual no valor das exportações do bloco. Os principais destinos, por produtos, são mostrados na Tabela 2.4. Destaque-se que quase 90% das exportações do arroz em casca (1) é intra-bloco; e 79.99% do açúcar (7), 81.67% dos óleos vegetais (15) e 66.76% dos outros grãos (4) vão para o Restante do Mundo (ROW).

 

 

Calculamos as vantagens comparativas reveladas8 para todas as regiões e apresentamos algumas na Tabela 2.5. Nela se vê que o Mercosul tem vantagens comparativas em quase todo o setor do agronegócio (1 a 18), com exceção da pecuária bovina (10), produtos da pesca (12), setores de leite (13), produtos florestais (14),  laticínios (16) e bebidas (18) e mesmo em todas essas exceções, pelo menos um país do Mercosul possui vantagem comparativa9. Também se nota claramente as desvantagens nas outras indústrias, exceto nas indústrias de couros e calçados (21), madeira e mobiliário (22), petróleo, carvão e gás (23), produtos petroquímicos (24), produtos minerais (26), produtos siderúrgicos (27) e outros veículos (30). Contudo, há diferenças para cada membro: por exemplo, as maiores vantagens comparativas da Argentina estão em óleos vegetais (15), trigo (3), soja em grão (6) e outros grãos (4); no Brasil, estão em soja em grão (6) e açúcar (7); e no Uruguai, estão em arroz em casca (1) e beneficiado (2), produtos florestais (14), carne bovina (11) e laticínios (16). Por outro lado, o Nafta possui vantagens em quase a metade dos setores do agronegócio: todos os grãos (3, 4 e 6), verduras e frutas (5), algodão e lã (8), animais vivos e carnes bovinas (10 e 11). Nos demais setores, as vantagens estão: nos setores de madeira e mobiliário (22); em todos os setores mais intensivos em capital (29, 30, 31 e 32); e em serviços (33). A Alca, portanto, teria vantagens na maioria dos produtos do agronegócio (3 a 11, 15 e 17), madeira e mobiliário (22), minérios (26) e nas indústrias mais intensivas em capital (29-31) e serviços (33).

 

 

2.2 Estrutura de proteção

Como bem lembraram Laens e Terra (2003:10), diferenças ou semelhanças nas especializações do comércio sugerem maior facilidade nas negociações, uma vez que está presente a complementaridade e, portanto, os potenciais ganhos de bem-estar são maiores na presença de fortes vantagens comparativas. Porém, os países tendem a proteger seus setores menos competitivos pelas mais diversas razões. Serão feitas algumas considerações a respeito da  estrutura de proteção tarifária presente no banco de dados GTAP e, posteriormente, serão apresentadas as modificações implementadas.

De acordo com os dados da estrutura GTAP, a Argentina é muito mais protecionista em relação à concorrência dos Estados Unidos, Chile, e União Européia nessa ordem, do que em relação aos outros países selecionados, para grande parte de sua economia.  Os setores mais protegidos, na média, foram os de automóveis (29), outros produtos metalúrgicos (28), vestuário (20), de bebidas (18), e têxtil (19) - em todos estes, o país tem desvantagens comparativas. De fato, os setores menos protegidos são aqueles que possuem as maiores vantagens comparativas, como pudemos ver anteriormente. Vale mencionar que a maior alíquota aplicada pela Argentina foi de 21,5% ao vestuário (20) de diferentes origens, às bebidas (18) da Colômbia, Bolívia e Equador, e outros veículos e peças (30) da Venezuela. As alíquotas aplicadas aos produtos brasileiros são as menores devido ao Mercosul.

No caso brasileiro, o país também protegeu mais sua economia em relação aos produtos provenientes dos Estados Unidos, União Européia e, em seguida, do México. Os cinco setores brasileiros mais protegidos foram automóveis, caminhões e ônibus (29), vestuário (20), outros produtos metalúrgicos (28), têxtil (19) e bebidas (18). Foi também no setor de automóveis (29) que se encontraram as alíquotas acima de 30% aplicadas ao Uruguai, Peru, Equador e Bolívia. Em quase todos os setores, as menores alíquotas foram aplicadas aos produtos provenientes da Argentina.

A economia Uruguaia também foi mais protegida em relação aos produtos provenientes da União Européia, Estados Unidos e Chile, nessa ordem. Os setores uruguaios mais protegidos foram os de automóveis (29), vestuário (20), outros produtos metalúrgicos (20), têxtil (19) e de produtos alimentícios (17). As alíquotas uruguaias acima de 20% foram aplicadas ao açúcar (7) proveniente da União Européia e Restante do Mundo, ao vestuário (20) de diferentes origens, aos produtos alimentícios (17) da Colômbia e União Européia, às bebidas (18) do Chile e Colômbia, e aos automóveis (29) da Colômbia, Equador e Bolívia. Claro, ao Brasil e à Argentina foram destinadas as menores alíquotas.

A economia estadunidense é, na média, pouco protegida. As alíquotas médias mais altas foram aplicadas aos produtos argentinos e brasileiros. Mesmo assim, apresentou alíquotas bem elevadas para alguns setores. Os mais protegidos foram os do açúcar (7) e de laticínios (16), cujas médias foram, respectivamente, de 24% e 20%. Os destaques foram para o açúcar peruano, cuja tarifa aplicada foi de  46%, e brasileiro, de 43%. Claro, as tarifas mais baixas foram dirigidas ao México e Canadá, membros do Nafta. Mesmo assim, açúcar (7) e laticínios (16) continuaram protegidos.

O Canadá também apresentou médias tarifárias de importação baixas, com as mais elevadas dirigidas ao Peru, Uruguai, União Européia e Argentina. O setor disparadamente mais protegido foi o de laticínios (16), cuja alíquota mais alta foi destinada ao Uruguai (155%) e a mais baixa aos Estados Unidos (83%), apesar do Nafta. Seguem-se os setores do vestuário (20) e de carnes (11), como os mais protegidos.

A economia mexicana foi mais protegida com relação aos produtos advindos dos mercados brasileiro e argentino, comparativamente às outras regiões selecionadas neste estudo. Os setores mais protegidos foram os de laticínios (16) e de bebidas (18). No setor de laticínios, as mais altas alíquotas foram destinadas ao Canadá (68%), Argentina (65%), União Européia (53%) e Uruguai (46%). Os produtos provenientes do Mercosul estão entre os que possuem as maiores alíquotas de importação no mercado mexicano: os já mencionados laticínios argentinos e brasileiros;  café e outros produtos agropecuários (9),  vestuário (20) e calçados e couro (21) advindos do Brasil, com alíquotas respectivas de 37%, 35% e 30%; as bebidas (18) venezuelanas foram tarifadas em quase 40%. As bebidas peruanas também foram fortemente tarifadas à entrada no mercado mexicano, em 43%.

Por último, o mercado europeu também apresentou-se bastante bem protegido em relação aos produtos brasileiros, em primeiro lugar, com alíquota média de 16%. No geral, os setores mais protegidos foram os do açúcar (7) - cuja média foi de 80% -, arroz (1 e 2), carnes (11), frutas e verduras (5) e laticínios (16). Alíquotas acima de 100% foram observadas nos setores do arroz (1 e 2) e açúcar (7), sendo a maior, de 184%, ao açúcar brasileiro. Os produtos menos tarifados são aqueles de origem venezuelana, peruana e mexicana.

Relativamente aos subsídios à produção e às exportações, os EUA e os países da UE15 são aqueles que mais se utilizam desses mecanismos. A Tabela 2.6 mostra que: (a) a produção de arroz (1) era subsidiada em 85% nos EUA, e no México, em 38%; (b) a produção de soja em grão (6) era subsidiada em 56% no México, em 36%  na UE15 e, em 29% nos EUA; (c) a produção de algodão e lã (8) era subsidiada em 23% pela UE15; e (d) a produção de automóveis (29) uruguaio, em 13%.

No caso dos subsídios às exportações (Tabela. 2.7), disparadamente foram os países da UE15 que mais se utilizaram desse instrumento de política. Atente-se para as concessões da UE15 nos setores do arroz beneficiado (2), outros grãos (4), açúcar (7), carnes (11) e laticínios (11), que possuem tarifas de dois dígitos. O Uruguai também concedeu subsídios de dois dígitos aos setores têxtil (19) e do vestuário (20).

 

3. SIMULAÇÕES COM O MODELO GTAP

O modelo foi utilizado para simular dez diferentes cenários com a base original do GTAP e os mesmos dez com as modificações adotadas, portanto um total de vinte simulações foram executadas. Para distingui-las, utilizaremos G para os casos da base original GTAP e M, para a base modificada. Todos os resultados obtidos foram encontrados com a utilização do método Gragg a 2, 4 e 6 passos extrapolados.

3.1 Descrição dos cenários simulados

Cenário 1 (G1 e M1): Alca - Trata da formação completa da Alca. Foram eliminadas todas as tarifas às importações entre os países membros, bem como todos os subsídios à produção e às exportações em todos os setores de atividade. Nenhuma tarifa externa comum aos países é imposta, sendo que permanecem as mesmas aplicadas para os terceiros países, ou seja, a proteção às importações originadas dos países não envolvidos no acordo permanece. Este exercício fornece uma idéia dos limites máximos de ganhos que produziriam este acordo, considerando-se que, de um lado, os países desenvolvidos como, por exemplo, os EUA, não consideram a eliminação da proteção de seus mercados agrícolas, principalmente. Por outro lado, se as barreiras não tarifárias fossem consideradas, pode-se supor que os ganhos seriam ainda maiores, como bem mostraram Philippidis e Sanjuán (2007a) e Monteagudo e Watanuki (2003).

Cenário 2 (G2 e M2): TLC-BR - Considerando-se que: 1) um dos motivos da paralisação das negociações da Alca foi a falta de um acordo entre Brasil e EUA, uma vez que houve resistências de ambos os lados para eliminar a proteção vigente em seus mercados e apesar de a média tarifária aplicada pelos EUA ao Brasil (5,5%) ser menor que aquela aplicada pelo Brasil aos EUA (11,6% - base GTAP ou 9,9% - base MF), muitos dos produtos cujas vantagens comparativas brasileiras são maiores enfrentam picos tarifários, como o setor de laticínios (16), vestuário (20) e têxtil (19); e 2) os EUA têm feito negociações bilaterais, denominados Tratados de Livre Comércio (TLC)10, com os demais países das Américas como, por exemplo, Chile, Colômbia e Peru, seguindo na conquista de outros11. Então, este cenário trata da eliminação bilateral das tarifas às importações entre os EUA e os países das Américas aqui considerados, com exceção do Brasil. Assim, devido ao desequilíbrio de poder entre as economias envolvidas, nenhum dos países elimina seus subsídios, tanto à produção, quanto às exportações, mesmo porque a posição dos EUA nas mesas de negociações bilaterais têm sido a de excluir os produtos agropecuários, deixando esta questão para o âmbito multilateral, ou seja, para a OMC12.

Cenário 3 (G3 e M3): TLC-MERCO-RPA - Este é um cenário que considera a vigência de Tratados de Livre Comércio bilaterais entre os EUA e os demais países da Américas, exceto os sócios do Mercosul e do Resto do Pacto Andino (Bolívia e Equador). Do mesmo modo que o anterior, os países envolvidos não têm poder de negociação suficiente para conseguir o desmantelamento, mesmo parcial, do sistema de proteção aos produtores através dos subsídios à produção e às exportações, portanto somente são eliminadas as barreiras tarifárias às importações.

Cenário 4 (G4 e M4): Alca-S - Aqui são levados em consideração os obstáculos à formação da Alca, ou seja, as dificuldades em combinar os interesses protecionistas dos EUA e de seus exportadores, bem como os do Mercosul, especialmente do Brasil, no tocante aos denominados produtos sensíveis (1 a 21). Ou seja, são eliminadas as barreiras tarifárias às importações e os subsídios à produção e às exportações dos setores restantes. Os resultados deste exercício são melhor avaliados quando comparados com o primeiro cenário.

Cenário 5 (G5 e M5): TLC-BR-S - Novamente considera-se a formação de TLCs dos países das Américas com os EUA, exceto o Brasil. A diferença com o cenário 2 está na exclusão dos setores sensíveis, tal qual no cenário 4, pois entende-se que os negociadores norte-americanos não concedem acesso integral aos seus mercados agrícolas, têxtil e do vestuário e calçados, mesmo aos países menores do hemisfério americano. Portanto, apenas são eliminadas as tarifas às importações bilaterais dos países envolvidos com os EUA.

Cenário 6 (G6 e M6): TLC-Merco-RPA-S - É quase uma repetição do cenário anterior, com a diferença que o Mercosul e o RPA não assinam nenhum TLC com os EUA. É quase igual ao cenário 3, com a diferença que os produtos sensíveis são excluídos.

Cenário 7 (G7 e M7): Merco+UE27 - Examina-se aqui um acordo de livre comércio entre os países do Mercosul e a União Européia.  Portanto, são eliminadas as tarifas às importações e os subsídios à produção e às exportações entre ambos os blocos, considerando-se a UE dos atuais 27 sócios. Os resultados deste cenário podem ser comparados com o cenário 1, da criação da Alca.

Cenário 8 (G8 e M8): Merco+UE27-S - Devido ao caráter protecionista também da União Européia aos seus produtores e exportadores agrícolas, avalia-se neste cenário um acordo do Mercosul com a EU excluindo-se os mesmos produtos sensíveis dos cenários anteriores. Os resultados podem ser comparados com os do cenário 4.

Cenário 9 (G9 e M9): ALCA+Merco+UE27 - considerou-se que a criação da ALCA e um acordo com a EU não são excludentes. O que se observou foi que os ganhos de cada um se somam na combinação de ambos. Portanto, foram eliminados tarifas às importações e subsídios à produção e às exportações dos países da ALCA entre si e do comércio bilateral entre os países do Mercosul e os membros da UE.

Cenário 10 (G10 e M10): ALCA+Merco+UE27-S - Neste cenário avaliou-se a criação da ALCA e a negociação de um acordo comercial entre o Mercosul e a UE, porém não entram nas negociações os produtos sensíveis (1 a 21). Lembrando que tanto os EUA quanto a UE se utilizam de fortes mecanismos protetores às suas respectivas produções agropecuárias, bem como de instrumentos de estímulos às exportações.

3. 2 Resultados das Simulações

A mais óbvia conseqüência de uma eliminação de tarifas às importações é a queda dos preços do produto no país importador (Pearson et al., 2002, p.7).  No entanto, não é possível acompanhar os efeitos de encadeamento produzidos pela eliminação de diversos preços na economia. Também por isso há um consentimento geral entre os usuários destes modelos de se analisar os efeitos dos choques observando os resultados produzidos em algumas variáveis macroeconômicas, setoriais e, é quase unanimidade avaliar as conseqüências nas medidas de bem-estar representadas, principalmente, pela variação equivalente. O impacto no bem-estar pode ser considerado, no curto prazo, uma espécie de termômetro dos efeitos líquidos produzidos pela liberalização ou acordo comercial nas economias ou países, por ser considerado uma combinação de diversas forças como, por exemplo: a evolução das relações de troca e mudanças nos preços relativos; os efeitos sobre a arrecadação fiscal e seu uso; o padrão de especialização produtiva do país; os setores ganhadores e perdedores; as características do mercado de trabalho e a tecnologia de produção; a distribuição do valor agregado entre os fatores de produção; os efeitos sobre os custos de produção e a nova disponibilidade de insumos e fatores de produção resultantes das mudanças promovidas pelos acordos comerciais (Lima et al., 2006, p. 21). Por ser - pode-se dizer - uma "medida-síntese" dos resultados, devido ao elevado número de simulações e pouco espaço, somente serão apresentados os resultados dos ganhos de bem estar.

3.2.1 Impactos sobre o Bem-Esta13

Simplificadamente, entende-se a Variação equivalente - medida de bem estar do modelo GTAP e de outros de EGA - como um equivalente monetário da mudança percentual na utilidade agregada per capita de cada região.

A Tabela 3.1 mostra os resultados de bem estar para o Mercosul em todos os cenários, relativamente ao cenário base. O maior dos ganhos seria obtido com a formulação dos dois acordos, a Alca e com a UE, e, mais do que isso, seria superior aos mesmos isoladamente (S1 e S7). No entanto, atente-se para o importante fato de que seria necessário que os países industrializados eliminassem o protecionismo aos setores sensíveis. Na seqüência, o acordo com a UE (S7) seria preferível à formação da Alca (S1), feitas as mesmas considerações acerca do protecionismo. Dois são os próximos acordos que ainda poderiam ser positivos para o Mercosul, ambos excluindo-se os setores sensíveis: novamente a implementação de ambos os acordos (S10), seguido da formação da Alca (S4). Todas estas considerações são válidas para os resultados com as duas bases de informações, na mesma seqüência, como se pode observar na mesma tabela.

Nos outros cenários considerados, o Mercosul teria perdas de bem estar. Nestes casos, observamos algumas pequenas diferenças entre as duas bases consideradas. Os três piores cenários para o Mercosul, com a base GTAP, seriam: o acordo Mercosul-UE (S8), quando se excluem os sensíveis; quando o Brasil não assina um TLC com os EUA (S2), excluindo-se ou não os sensíveis (S5). E com a base modificada, essa ordem se alteraria para (S2), (S5) e (S8).

Em suma, nenhum dos TLCs, com ou sem a inclusão dos sensíveis, traria ganhos ao Mercosul, ao contrário, haveria perdas de bem estar. Os únicos casos em que a exclusão dos produtos sensíveis favoreceria o Mercosul seriam ou com a formação dos dois acordos (S10), ou com a formação da Alca (S4).

 

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo deste artigo foi o de verificar a tendência dos custos e benefícios de diferentes escolhas de política comercial para o Mercosul, num contexto de equilíbrio geral, de maneira que se captasse possíveis efeitos aos outros setores da economia e, para tal, utilizou-se do Modelo de Equilíbrio Geral Aplicado GTAP e sua base de dados associada referente ao ano de 2001.

Foram implementadas vinte simulações, sendo dez utilizando-se da base de dados GTAP e as outras dez com as novas informações calculadas. No geral, as bases de dados não mostraram divergência na tendência dos resultados, tendo sido útil para validar os dados da base original.

Observamos que houveram ganhos de bem estar consideráveis para o Mercosul com a formação simultânea da Alca e um acordo do Mercosul com a UE, ou apenas este último, ou ainda apenas a Alca, quando os países industrializados eliminam completamente sua proteção aos setores sensíveis, sobretudo os do agronegócio. A exclusão dos produtos sensíveis nos acordos simulados traz algum ganho de bem estar para o Mercosul apenas quando ambos os acordos - a formação da ALCA e um acordo de livre comércio Mercosul-UE - são feitos conjuntamente (S10), ou quando apenas a Alca (S4) é implementada. Além disso, aproximações de países das Américas, exceto o NAFTA, com os EUA, através de Tratados de Livre Comércio (TLC), não são benéficas para o Mercosul em seu conjunto, em termos de bem estar.

 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. Para mais detalhes, ver Jaguaribe, H. (2000 pp. 11-28).
2. Todas as informações estatísticas desta seção referem-se à base de dados da estrutura GTAP; quando se referirem a outras fontes, estas serão mencionadas.
3. Projeto de Análise do Comércio Global. O modelo também está documentado em www.gtap.agecon.purdue.edu
4. Ver Hertel (1997, pp. 52-60)
5. Consideramos membros do Mercosul: Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela. Lembramos que a base de dados refere-se ao ano-base 2001, com valores expressos em milhões de dólares.
6. Juntamos UE15 e UE12.
7. Não apresentamos uma tabela com tais dados por economia de espaço. Os produtos siderúrgicos e metalúrgicos são mais representativos quando excluímos o setor de serviços (33) e o de petróleo, carvão e gás (23), pois a Venezuela é o principal exportador em ambos os casos, não tendo, portanto, representatividade no restante do bloco.
8. Obtida da seguinte maneira: VCR = (Xir/Xr)/(Xiw/wX), onde Xir  são as exportações do produto i da região r, Xr são as exportações totais da região r, Xiw  são as exportações mundiais do produto i e Xw são as exportações mundiais totais.
9. Mais uma vez, por motivo de espaço não apresentamos a tabela com as vantagens comparativas reveladas por regiões.
10. Os TLCs acabam sendo instrumentos de validação da estrutura protecionista norte-americana, pois são tolerantes ao apoio doméstico e subsídios às exportações, mecanismos estes que são questionados na OMC. Ver, por exemplo, PAPA, G. e CAPURRO, J.M.Q. (2007).
11. Ibid., p. 146.
12. Op. Cit.
13. Ver Huff e Hertel (2000) para uma compreensão detalhada.