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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Brasil e África: um novo olhar?*

 

 

Shiguenoli MIyamoto

Universidade Estadual de Campinas

 

 


RESUMO

Ligados histórica  e culturalmente, Brasil e África têm mantido relacionamento aquém daquele que poderia ser considerado ideal. Retomados com certo fôlego  a partir do final da década de 1960, com Mário Gibson Barboza, nem por isso, os vínculos políticos, econômicos e estratégicos com a África receberam, nos anos posteriores, prioridade por parte dos condutores da política externa brasileira. Contudo, no novo século, com a administração do presidente Lula, a África passou a ocupar espaço maior na agenda brasileira internacional. O objetivo deste texto é discutir se as motivações do governo brasileiro rumando para África significam maior solidariedade com o continente mais pobre do mundo, conforme a retórica governamental, ou se o mesmo se insere como mercado e região promissores para as novas demandas e interesses nacionais, frente a concorrência e presença de outros países, sobretudo chinesa, no continente africano.

Palavras-chave: política externa brasileira ; relações Brasil-África; relações Sul-Sul; relações internacionais brasileiras


 

 

Introdução

Em julho de 2008, o ministro da Educação Fernando Haddad anunciou a intenção de criar uma nova universidade, no interior do estado do Ceará, na cidade de Redenção, a 66 quilômetros da capital. O nome oficial é  Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), conhecida  como  Universidade da África.

Os objetivos da nova universidade seriam  atender as necessidades africanas, nos setores mais carentes do continente. Isto estava explícito no discurso de Fernando Haddad, ainda quando se pensava na instituição. Segundo ele, além dos objetivos citados, essa seria  uma universidade digna da nossa amizade com os povos africanos.

O local escolhido, também, apresenta um caráter simbólico: trata-se do primeiro lugar, no país, que aboliu a escravidão em 1883.

Uma consulta ao site da instituição mostra que as áreas consideradas estratégicas pela UNILAB privilegiam, portanto, aquelas que poderiam, efetivamente, contribuir para o formação e o desenvolvimento do continente africano: agricultura, saúde coletiva, educação básica, gestão pública, tecnologias e desenvolvimento sustentável. Os alunos seriam brasileiros e africanos, em igual número.1

Inaugurada em maio de 2011, esta instituição pode ser mencionada como exemplo da importância que os países africanos passaram a ocupar na agenda da política externa brasileira.

Ao longo dos dois últimos lustros inúmeros foram os acordos e tratados firmados pelo Brasil com as nações africanas, tanto as de língua portuguesa, quanto as demais, anglófonas ou francófonas, em termos bilaterais ou multilaterais.

Qual o peso que, efetivamente, o continente africano desempenha na agenda brasileira, em termos comerciais e estratégicos? Equipara-se ao continente sul-americano? Em que áreas o país tem investido, quais os resultados, e os motivos que levaram o governo brasileiro a interessar-se pelo outro lado do oceano Atlântico? Responder a algumas dessas indagações é o objeto deste texto.

 

A política externa e as relações Sul-Sul

Uma das características mais visíveis da política externa brasileira, na primeira década do século XXI, seria a mudança de rumo de prioridades, orientando-se na direção dos países em desenvolvimento, quase todos situados abaixo da linha do Equador.

Sendo assim, o continente sul-americano, os países africanos e árabes estariam sendo privilegiados pelo Ministério das Relações Exteriores, na escolha de suas parcerias. Ao contrário dos períodos anteriores, que conferiam importância ao relacionamento com as grandes nações do Norte, as denominadas parcerias seletivas, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e, agora, de Dilma Roussef, o discurso e a prática seriam outros.

As relações Sul-Sul mereceriam atenção especial na agenda brasileira, por causa de vários motivos. Um deles, a necessidade de fazer com que os países em desenvolvimento pudessem ocupar lugar de maior realce no sistema internacional, já que constituem a maioria dos Estados existentes. Em segundo lugar, o país poderia, ao priorizar esse tipo de relacionamento, contar com o apoio dos mesmos, quando apresentasse suas demandas, em benefício próprio e até representando ou falando em nome das nações menos aquinhoadas.

Solidariedade e interesses constituiriam, assim, as duas faces da mesma moeda. Ao contrário, portanto, do que alardeiam as autoridades nacionais responsáveis pela área, a importância conferida pelo país ao continente africano, e aos demais Estados pobres, seria, então, dirigido por interesses. Ou seja, os governantes brasileiros não são os bons samaritanos, apenas preocupados com a busca de soluções para resolver as dificuldades enfrentadas pelo continente. Entre essas, a insuficiência de alimentação, o aumento do número de refugiados como resultado de conflitos ou afetados por problemas ambientais como as secas, questões relacionadas com doenças, etc.

Essa pode ser uma boa explicação que mostra como o governo brasileiro, apoiado em um discurso humanitário e de resolução dos grandes problemas mundiais - que sabe ser impossível, da maneira como sempre tem proposto - opera de acordo com seus próprios interesses, agindo de forma pragmática quando mira possíveis transformações do cenário internacional.

Apresenta uma retórica revolucionária, mas implementa uma política revisionista. Por isso, flutua de acordo com as conveniências. Os responsáveis pela conduta da política externa brasileira têm forte discurso, mas práticas que nem sempre caminham na mesma direção. A própria questão dos direitos humanos pode ser enquadrada nesse contexto, de atuar em diversos planos.

As escolhas pelo Sul nada mais representam do que uma política de interesses, como sói acontecer com qualquer outro Estado. Entretanto, as opções feitas, contemplando o Hemisfério Sul, não coincidem com a prática realizada. No discurso as relações Sul-Sul merecem espaço significativo, quase exclusivo, para reduzir as diferenças que separam os grandes dos outros, e aumentar a presença daqueles que são mais afetados, e com menor capacidade de intervenção até o momento.

O fato de se prestar auxílio às nações menos favorecidas não significou abandono das relações importantes com as grandes potências do mundo ocidental. O mesmo se observa com os chamados países emergentes, com os quais o Brasil se identifica e em cuja categoria se enquadraria, e em tentativas de ocupar espaços cada vez maiores nos organismos internacionais. Pelo contrário, todos esses parceiros e instituições receberam primazia em qualquer tipo de intercâmbio, como os dados podem comprovar.

O Brasil tem adotado postura semelhante à ambigüidade percebida nos anos 70, quando oscilava entre os antigos Primeiro e Terceiro Mundos, implementando o pragmatismo responsável e universalista, tentando fincar os pés em todo o globo ao mesmo tempo, e procurando beneficiar-se dos dois grupos.

De um lado, considerava-se no direito de fazer parte do seleto grupo das grandes potências para ajudar a configurar a ordem mundial; queria a possibilidade de veto e não apenas de voto; de outro lado, desejava obter as vantagens oferecidas aos países em desenvolvimento, como políticas especiais para seu comércio e desenvolvimento. Nem um nem outro bem atendido, o governo executou uma política realista, de acordo com seus interesses.

Por isso, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva tentou-se em inúmeras oportunidades preencher as vagas das direções dos organismos internacionais, enquanto, simultaneamente procurava, nas palavras do ex-presidente, arrombar a porta para entrar no G8. Não conseguindo as primeiras, o governo atual busca, igualmente, o cargo de diretor geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) nas próximas eleições de 20 de junho do corrente ano, enquanto mantém presença forte no G20.

Evidentemente, outras partes do Hemisfério Sul recebem olhares dos responsáveis pela formulação e implementação da política externa brasileira. Na América do Sul, por exemplo, é bem visível esse tipo de escolha. Mas esta parte do mundo, na qual o Brasil se insere, a atenção dirigida para os vizinhos sempre mereceu, historicamente, lugar especial na pauta brasileira, ainda que de forma irregular, dependendo das conjunturas. Daí, por exemplo, criticas do ex-presidente Lula ao seu antecessor responsabilizando-o por ter, verdade ou não, se descuidado e abandonado os parceiros do continente.

Destarte, processos de integração regional e de colaboração mais estreita com diversos países com os quais o país demonstra interesses, e/ou mantém proximidades ideológicas, têm recebido auxílios de formas distintas, inclusive mobilizando-se recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou com a remissão da dívida. Mesmo assim, divergências acentuadas têm sido observadas, nos últimos anos, com vizinhos como a Argentina, com o Paraguai, com a Bolívia, com a Venezuela e até com o Equador.

 

O Brasil além do Atlântico:  qual África?

Várias alternativas sempre existiram para a entrada do Brasil no continente africano: a primeira, pelas identificações históricas, econômicas e culturais, relacionada com aqueles locais de onde veio a mão-de-obra, trazida pela Coroa Portuguesa; a segunda, com as ex-colônias européias sob influência britânica e francesa; a terceira, mais recente, com caráter especial, de um país com status semelhante ao Brasil, ou seja, a África do Sul.

Além dessas, pelo menos mais duas possibilidades se apresentam. Uma delas, a dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), por intermédio da própria Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sendo a outra, a recém-criada União Africana (UA), surgida no lugar da antiga Organização da Unidade Africana (OUA).

Cada uma dessas escolhas passou a representar oportunidades e chances de aumento de intercâmbio, de acordo com as mudanças que foram se processando no continente africano, e com as prioridades estabelecidas pelo governo brasileiro. Daí as diferenças de indicadores quando comparados, em termos de resultados econômicos e, mesmo, do número de acordos e tratados firmados no decorrer dos anos.

As discrepâncias entre os próprios países africanos, em termos de recursos naturais, de absorção dos produtos e serviços brasileiros, são fatores que mostram onde o Brasil tem procurado agir com intensidade mais acentuada, além das modalidades de interesses, se econômicas, políticas, culturais ou estratégico-militares.

Uma das primeiras observações a se fazer acerca do empenho brasileiro voltado para o além-mar, diz respeito às instâncias responsáveis por esse tipo de relacionamento. De forma ampla, aquelas são representadas por três grandes categorias: as político-diplomáticas, as econômicas e as estratégico-militares.

Ainda que os investimentos, vendas de produtos e serviços, e os benefícios possam ser de dois níveis, os governamentais e os privados, não serão consideradas, neste momento, as distinções entre esses conjuntos. Vamos, portanto, considerá-los como resultado da ação direta ou indireta do governo brasileiro como um todo, para solidificar a presença do Brasil na África.

Primeiro ou Terceiro Mundo, com qual deles o Brasil se parece? Ou com o qual gostaria de ser melhor identificado? Esta foi uma dificuldade encontrada desde a década de 1970 na conduta da política externa brasileira e que perdura, mutatis mutandis,  ainda hoje.

Daí, as tentativas de análise comparada regularmente feitas entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva com o de Ernesto Geisel, e mesmo com a política externa independente de Jânio da Silva Quadros e João Belchior Marques Goulart.2

Retirando os possíveis exageros das identificações encontradas, em qualquer dos casos, deve-se ponderar, sobretudo, que as conjunturas políticas domésticas e externas e os agentes são completamente distintos em cada período que se procurou encontrar similaridades.

Com a política externa independente vivia-se clima conturbado internamente, com o ápice da guerra fria no contexto internacional. No governo de Ernesto Geisel, o clima de distensão lenta e gradual caminhava pari passu com as repressões verificadas no II Exército em São Paulo, e com as divergências encontradas com o general Sílvio Frota, ministro do Exército; ao mesmo tempo, no plano internacional, também se caminhava para a política de distensão entre soviéticos e norte-americanos. No último período, de Lula, no início do século XXI, o país já se encontrava, uma geração pós-autoritarismo, no contexto do pós-guerra fria e no mundo que se convencionou chamar de interdependente e globalizado.

Por isso mesmo, dependendo das conjunturas internas e externas, e dos grupos que se revezaram no poder, concepções de mundo distintas foram observadas. Cada governante preferiu enfatizar uma ou outra alternativa, escolher ou ampliar parcerias, repensar novas oportunidades, e como realizar a inserção internacional do Brasil de forma cada vez mais favorável.

Assim, a percepção que vigorou no país, sobre o que a África poderia representar para os interesses brasileiros, enfrentou dificuldades de entendimento de como e por onde negociar com aquele continente.

Dentro da política externa independente, a África desempenhou papel modesto, ainda que, em termos amplos, o Brasil estivesse voltado para os países em desenvolvimento, e com doutrinas políticas e ideológicas que poderiam estar mais afinadas com o Leste europeu do que com o mundo ocidental.

No final da década de 1960, quando o estamento militar já se tinha assenhoreado do poder, a África recebeu generosa atenção do governo brasileiro, em grande visita a nove países, feita pelo ex-chanceler Mário Gibson Barboza.

As chances de esse intercâmbio prosperar estavam, porém, claramente delimitadas, em face dos modelos diferentes de inserção internacional e de definição de parcerias, defrontando-se diplomatas e setores econômicos. De um lado, o grupo representado pela Chancelaria e, de outro, o ministro da Fazenda Antonio Delfim Neto, que era frontalmente contrário a privilegiar países do Terceiro Mundo.

Enquanto os diplomatas raciocinavam sob o prisma da construção de uma grande empreitada, como o grupo dos 77 depois convertido em realidade, para fazer oposição aos países desenvolvidos, Delfim Neto fazia escolhas distintas dando primazia aos grandes Estados, fornecedores de recursos e investimentos.

Além disso, repetia Delfim Neto: os países pobres, mormente os africanos, não têm o que vender, e, se compram, não têm como e com o que pagar; não se devia esquecer, ainda, o fato de que seus produtos competiam diretamente com os similares brasileiros no mercado internacional. Basicamente, tratava-se de fazer uma simples opção entre o Primeiro e Terceiro Mundos.

No período de Ernesto Geisel, a política do pragmatismo não considerava amigos, mas sim aliados, e descartava as ideologias privilegiando os mercados. Sob essa perspectiva, considerando a necessidade de novos parceiros, além dos Estados Unidos, viajou para o velho continente europeu e ao Japão, realizando inúmeros acordos, como na área nuclear com a República Federal da Alemanha em 1975. Preferiu escolher, igualmente, a República Popular da China, deixando de lado o regime de Taiwan, mesmo descontentando grande parte do resto do mundo ocidental.

Olhando para a África, Ernesto Geisel reconheceu Angola e Moçambique antes dos demais países do Ocidente, considerando legítimos os governos de Agostinho Neto e Samora Machel. Contudo, dentro do próprio governo, pelo menos duas tendências digladiavam-se em torno da nova alternativa africana. Os diplomatas contavam as vantagens que poderiam usufruir, depois, estabelecendo relações diplomáticas com os novos governos recém-libertados dos grilhões colonialistas. Por sua vez, os militares raciocinavam estritamente sob a visão conspirativa e da perspectiva do conflito Leste-Oeste, temendo pela existência de governos com doutrinas por eles consideradas espúrias, sob influência soviética, do outro lado do grande lago Atlântico Sul, muito próximo, portanto, em termos estratégicos.

Os jovens países africanos, de línguas inglesa e francesa, só depois passaram a fazer parte da pauta da política externa brasileira, principalmente a partir da década de 1990, exemplificado pelo caso sul-africano, com o qual o Brasil mantinha apenas relações formais, em virtude das críticas feitas ao modelo segregacionista lá existente.

Parcerias, opções e interesses

Dentre as opções colocadas, teceremos, a partir de agora, algumas considerações sobre as parcerias brasileiro-africanas.

Os países de língua portuguesa

Nada mais natural do que manter vínculos fortes com os países de língua portuguesa. Este comportamento do governo brasileiro apenas obedece àquilo que, tradicionalmente, se colocou como identificação cultural e histórica com aqueles países que ajudaram a colonizar o Brasil, ainda sob domínio lusitano e no Império. Considere-se, igualmente, aqueles outros que, direta ou indiretamente, contribuíram para a formação da sociedade brasileira, pelo fato de terem sido ex-colônias da coroa portuguesa e, possuírem, pelo menos oficialmente, o mesmo idioma.

Propostas já houve, inclusive, de formação de uma comunidade luso-afro-brasileira, mas nunca levada adiante. Inclusive pelo peso que isso acarretaria, negativamente, à imagem do governo brasileiro, pelo fato de tal proposta ter surgido quando os países estavam ainda subordinados a Lisboa. Levar adiante proposições dessa natureza significaria, se não apoiar, pelo menos mostrar-se conivente com as políticas estabelecidas pela metrópole, justamente quando a década de 1960 se caracterizou por um grande movimento de liberação das ex-colônias do jugo a que até então estavam submetidas.

Angola e Moçambique, como as maiores nações de língua portuguesa do continente africano, passaram a receber cuidados maiores a partir de 1975, mesmo quando ainda não estavam definidos os vencedores dos combates, por exemplo, em Luanda, quando o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) de Agostinho Neto enfrentava a União Total de Angola (UNITA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FLNA). No Índico, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) de Samora Machel não enfrentou as mesmas dificuldades verificadas em Angola.

Motivos diversos não faltavam para que Angola, por exemplo, merecesse interesse por parte do governo de Brasília. Extremamente afetado pelos conflitos, possuidor de recursos naturais e relativa capacidade para comprar produtos e serviços brasileiros foram condições que fizeram com que esse pais se tornasse, no decorrer do tempo, o parceiro maior da Petrobrás no exterior. Posteriormente, a Odebrecht entrou em Angola em 1984, quando iniciou a construção da hidrelétrica de Capanda.

Tais requisitos não apenas de Angola, mas de toda a África, é que foram alvo de atenção do governo brasileiro. Como realça o Ministério das Relações Exteriores, sobre a atuação do Brasil na África no governo Lula, as empresas brasileiras seguem o pragmático raciocínio de instalarem-se em lugares onde possam ser bem sucedidas.3

No caso africano, as empresas estatais e privadas, estão aptas e interessadas em explorar pelo menos três tipos de negócios diferentes, e que contemplam perfeitamente a expertise brasileira: exploração das oportunidades dos mercados nacionais ou regionais; extração de recursos naturais; construção de obras públicas de grande porte, como estradas, usinas de energia, e de infra-estrutura em geral. Daí a forte presença das empreiteiras brasileiras do ramo de construção, com vasta experiência, como Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.

Os países de língua inglesa e francesa

Dentre os países, fora da esfera da CPLP, a África do Sul joga papel de destaque, tanto em termos bilaterais, quanto no âmbito do IBAS. Relegada a plano secundário, enquanto persistia a política segregacionista, com a subida de Nelson Mandela à Presidência da República, passou a jogar papel de parceiro maior, não apenas na região austral mas em todo o continente africano.

Várias razões levaram a esse favorecimento no intercâmbio bilateral. Em primeiro lugar, porque é o país mais rico, usufruindo condições sócio-econômicas melhores do que os demais vizinhos; em segundo lugar, porque, nessas condições, exercendo papel semelhante ao do Brasil na América do Sul, tem reivindicações parecidas, como potência emergente, para ocupar maior espaço no cenário internacional, inclusive pleiteando vaga como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU; em terceiro lugar, pela possibilidade de negociações em setores diversos convenientes aos dois países. Por isso, as trocas comerciais e acordos entre brasileiros e sul-africanos preenchem gama variada de assuntos.

Em 1996, dois anos após a posse de Mandela, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já visitara a África do Sul, tendo o ex-presidente sul-africano, igualmente aportado ao Brasil em 1998. Um Acordo de Cooperação Técnica entre os dois países foi firmado em 2000, abrangendo tema sensível como a área estratégico-militar, visando desenvolver o míssil A-Darter. Pouco tempo, depois, em 2003, novo Acordo de Cooperação em Assuntos de Defesa foi celebrado entre ambos.

Empresas como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a Petrobrás, além do setor de infra-estrutura como as já mencionadas anteriormente, e órgãos governamentais, como o Ministério de Desenvolvimento e Indústria e Comércio (MDIC), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem marcado forte presença nesses países.

Na Líbia construiu-se o aeroporto de Trípoli. A CVRD encontra-se na Zâmbia, no Gabão, Congo e África do Sul, além de Angola e Moçambique. Da mesma forma, a Petrobrás, marca posição em Angola, Namíbia, Tanzânia, Líbia e Nigéria, esta a principal fornecedora de petróleo ao Brasil. Para a Namíbia o governo brasileiro doou embarcação à sua Marinha, tendo também cedido equipamentos para São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau.

 

CPLP, UA e IBAS

Iniciativa que escapa, geograficamente, do continente africano, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) abrange os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em todo o mundo. Daí, Portugal e Timor Leste, dentre outros, fazerem parte da mesma. No que nos interessa, contudo, Angola e Moçambique, ocupam os espaços maiores dentro da entidade e que, representando a África, apresentam maior intercâmbio com o Brasil.

Com esses países, bem como com os demais parceiros da entidade, o relacionamento se faz sobretudo, nos planos político, econômico e cultural, principalmente através de negociações bilaterais. O fato de pertencerem, ao mesmo tempo, a uma instituição comum, certamente serve como elemento adicional para facilitar e reforçar os tradicionais laços já existentes.

Na realidade, a CPLP enquanto organismo representa uma contribuição modesta, em termos práticos de intercâmbios políticos e econômicos. No caso, seu papel e ajuda se restringe, em termos gerais, ao estabelecimento de acordos no âmbito cultural, abarcando itens relacionados com a educação, ciência e tecnologia, formação de recursos humanos e profissionais.

Mas sua capacidade para representar todos os países de língua portuguesa, apenas os africanos ou incluindo os demais, é limitada, uma vez que seus membros estão localizados em regiões geograficamente e em contextos diversos, portanto, com interesses diferenciados. Como exemplo de uma atuação conjunta, verifica-se o discurso sobre a necessidade de se ampliar o uso da língua portuguesa em todo o mundo, incrementando a importância da mesma, ainda que vários membros da CPLP sejam pequenos países, com papel diminuto nas relações internacionais.

De qualquer forma, no continente americano, no africano, na Europa, na Ásia e na Oceania, encontram-se grupos que se expressam em Português, tanto por influência do governo de Lisboa, como ocorreu desde outros séculos, quanto por brasileiros que, principalmente desde os anos 80, passaram a migrar para outros lugares do continente europeu,  para os Estados Unidos da América e Canadá, ou para a Austrália.

Ainda que, em termos retóricos, o governo brasileiro credite grande importância à CPLP, sabe das limitações dessa, inclusive quando se organizam os periódicos encontros de todos os parceiros. Na reunião de Cabo Verde, por exemplo, o Brasil teve que ceder material de informática para que a mesma se tornasse viável, doando, posteriormente, todos os equipamentos para o país anfitrião. Deve-se levar em consideração,também, a disparidade de indicadores em todos os níveis, entre os parceiros, sendo Brasil e Portugal, os dois maiores agentes dessa iniciativa, tendo esse último, ainda, que enfrentar graves problemas econômicos nos tempos mais recentes.

Para a política externa brasileira, de fato, a CPLP tem se convertido muito mais em um foro de congraçamento do que efetivamente de trocas econômicas.

Contudo, em função das demandas brasileiras, a CPLP é considerada importante, porque pode representar votos a mais quando ocorrem eleições para cargos diretivos dos organismos internacionais. Desde 2004 a CPLP tem apoiado a reivindicação brasileira para o preenchimento de uma vaga como membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Da mesma forma, obteve o compromisso de sufragar o nome do representante brasileiro, José Francisco Graziano, que concorre à direção geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, em eleições a serem realizadas no dia 20 de junho deste ano.

Limitada pela sua própria natureza, a União Africana (UA), tem representado pouco na pauta da política externa brasileira. Pelo menos dois motivos poderiam ser elencados para explicar tal fato. Em primeiro lugar, o fato de a instituição ser, ainda, extremamente nova, tendo sido formalmente criada em 2002, substituindo a antiga Organização da Unidade Africana (fundada em 1963).4

Em segundo lugar, a UA contempla amplos objetivos, como favorecer o processo de integração regional do continente, para projetá-lo globalmente, porém, é composta de países com perfis diferenciados, tanto social, quanto econômica e culturalmente. Daí as dificuldades encontradas pela mesma para elaborar acordos conjuntos que atendam a todos os membros simultaneamente. Contudo, na UA existe um instrumento que pode auxiliar no desenvolvimento regional, através da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD).

Ainda que de forma restrita o Brasil tem investido nessa parceria. O próprio presidente da UA, Alpha Konaré esteve no Brasil em duas oportunidades. Na primeira, em julho de 2006, visitou o país quando aqui se realizou a Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (II CIAD), em Salvador.

O ex-presidente Lula também participou de dois grandes eventos reunindo os chefes de Estado e governo africanos. Na primeira, em novembro de 2006, quando viajou a Abuja para o encontro da I Cúpula África-América do Sul. Nessa oportunidade, o evento organizado pela UA, tinha como co-responsáveis a Nigéria e o Brasil. Na segunda oportunidade, o ex-presidente foi convidado a participar da XIII Cúpula dos Chefes de Estado da União Africana, realizada em julho de 2009, na cidade de Sirte, na Líbia.

Até o presente momento, desde a criação da UA, o Brasil firmou com a mesma um Acordo de Cooperação Técnica em 2007, e mais três Ajustes Complementares ao Acordo de Cooperação Técnica, todos em 1º. de julho de 2009, quando da visita de Lula à Líbia.

Embora dois dos três membros do IBAS tenham interesses comuns no continente africano, a entidade tem funcionado muito mais como um foro para apresentar demandas comuns no plano internacional, do que especificamente em uma determinada região do planeta.5 Nesse caso, com os três países sendo considerados potências emergentes, um em cada continente, o instituto tem como finalidade básica aprimorar o relacionamento entre seus membros, e apresentar demandas que possam atendê-los simultaneamente, visando melhorar sua inserção no sistema internacional.

Mesmo assim, o fato de terem, entre si, características bastante diferenciadas, nem sempre as reivindicações coincidem em todos os níveis. Por isso, o intercâmbio entre eles, de maneira significativa, se dá em termos de relações bilaterais.

 

Considerações Finais

Um olhar mais atento da política externa brasileira para o continente africano, pode ser observado na primeira década do século XXI.  Um dos indicadores para constatar tal fato, é verificado pelo aumento expressivo de número de embaixadas abertas no governo Lula. As viagens tanto do ex-presidente, quanto do ex-chanceler também podem ser consideradas como fator indicativo da presença e importância dada pelo governo brasileiro ao continente africano.

Essa região propiciou uma investida acentuada das empresas brasileiras, sobretudo na área de infra-estrutura em construção de grandes obras.  Venda de produtos e serviços foram os mais beneficiados, pelo lado brasileiro, ao mesmo tempo que aumentou, igualmente, o fluxo de viajantes, por exemplo, na rota de Luanda a São Paulo, enquanto culturalmente programas de mídia, como as novelas brasileiras, passaram a ser assistidas em Angola.

Alguns dos maiores parceiros das empresas brasileiras localizam-se na África, como são os casos de Angola e da Nigéria.  O fluxo econômico sofreu aumento apreciável, se comparado com os anos anteriores, mas ainda está longe de ser esgotado. Ou mesmo de se aproximar da investida feita pelo governo chinês no continente africano - como de resto em todo o mundo - em busca, igualmente, de mercados e de recursos naturais, enquanto vendem serviços e realizam acordos e tratados em inúmeras áreas.

Longe de procurar resolver os problemas locais, as operações brasileiras, no continente africano, se fazem motivadas por fortes interesses, em locais que recém ingressaram no mercado adquirente/consumidor de produtos e serviços. Países que precisam, praticamente, de tudo, em todas as áreas, converteram-se em objeto de cobiça das grandes empresas e países, e não apenas do Brasil. Apenas como ilustração vale lembrar que em 2008, 5.14% do total das exportações brasileiras eram dirigidas para o continente africano, enquanto o Brasil importava daí 9.11% de suas compras do mundo.

Considerando sua atuação como investimento de longo prazo, em troca da atenção dedicada ao continente africano, o Brasil espera retorno igualmente sem pressa. Ao mesmo tempo, procura ver atendidas suas demandas de curto prazo, como são as reivindicações que apresenta no sistema internacional, esperando apoio das nações africanas, para se projetar com intensidade maior no cenário global de poder.

 

Referências Bibliográficas

* A produção deste texto e a participação no evento contaram com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (1B), concedida ao autor. Esta é uma  versão preliminar, uma primeira aproximação ao tema bastante resumida, que faz parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento, sobre as relações do Brasil com a África. Nesta oportunidade, são tecidas apenas notas gerais sobre o assunto. O texto será oportunamente ampliado, e dados empíricos serão acrescentados, visando esclarecer melhor os argumentos e fatos aqui listados. Por isso, o texto também não incorpora, ainda, as referências necessárias, nem menciona a importante bibliografia já produzida por colegas e outros autores.
1. Consultar : http://unilab.edu.br. Acesso em 19 de maio de 2011. A missão da UNILAB é, segundo os dirigentes: Produzir e disseminar o saber universal de modo a contribuir para o desenvolvimento social, cultural e econômico do Brasil e dos países de expressão em língua portuguesa - especialmente os africanos, estendendo-se progressivamente a outros países deste continente - por meio da formação de cidadãos com sólido conhecimento técnico, científico e cultural e compromissados com a necessidade de superação das desigualdades sociais e a preservação do meio ambiente.
2. Sobre a política externa desses dois últimos, ver: QUADROS, Jânio (1961) - A Nova Política Externa do Brasil , Revista Brasileira de Política Internacional, Rio de Janeiro, ano IV, n°. 16, dezembro, p. 150-156; DANTAS, San Tiago (1962) - Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
3. Cf. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (2011) - Balanço de política externa 2003/2010. http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010. Acesso em 20 de maio de 2011.
4. A formação da União Africana, suas origens, bem como a dificuldade encontrada para resolver seus problema, frente às grandes diferenças observadas no continente, podem ser encontradas no texto de RIBEIRO, Cláudio  Oliveira. (2004?) - União Africana: possibilidades e desafios. http://www.casadasafricas.org.../img
/upload/306470.pdf. Acesso em 23 de maio de 2011.
5. Sob distintos ângulos, há uma boa bibliografia que trata do IBAS. Ver, por exemplo, LIMA, Maria Regina S. & HIRST, Mônica. (2009) - Brasil, Índia e África do Sul. Desafios e oportunidades para novas parcerias. São Paulo: Paz e Terra. Especificamente sobre as relações do Brasil com a África do Sul, ou com a Índia, consultar: BALADÃO, Maíra Baé (2010). Relações Brasil-Índia (1991-2006), Porto Alegre: Editora da UFRGS.