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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A influência dos conflitos intermésticos socioambientais no processo de integração política sul-americana: da Guerra do Pacífico à atualidade

 

 

Vitor Stuart Gabriel de Pieri

Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas, Mestre em Relazioni Internazionali pela Universitá di Bologna - Itália,Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 


RESUMO

O presente trabalho traz um conjunto de reflexões que buscam entender como os conflitos intermésticos latentes, surgem como vetores fragmentadores no processo de expansão e evolução da integração sul-americana. Nesse sentido, avalia-se o papel que os recursos naturais, classificados como ativos estratégicos comuns, assumem no aprofundamento das relações políticas entre os países do sub-continente, uma vez que, muitas das manifestações de conflitos são derivadas por disputas que envolvem o domínio sobre certos territórios com importante concentração destes recursos estratégicos. Deste modo, as fragilidades geradas pela carência de resoluções de determinados conflitos inter-estatais e domésticos, são consideradas um entrave político-territorial à integração e segurança cooperativa sul-americana. A partir de um levantamento sobre algumas variáveis como: os conflitos inter-estatais e domésticos; os países envolvidos nos conflitos; o período de máxima tensão; o nível de instabilidade gerado; o tipo de território em disputa; os recursos naturais em jogo; o rol de terceiros atores; a situação atual de hostilidades; e o nível de impacto político-institucional interno dos países envolvidos, buscou-se refletir sobre até que ponto é viável a integração política sul-americana sem antes resolver os diversos conflitos intermésticos latentes no sub-continente. Por outro lado, deve-se levar em consideração os limites e desafios que os ativos estratégicos comuns possuem como importantes vetores de convergência dos países sul-americanos em torno da unificação de agendas baseadas na securitização política dos recursos naturais em âmbito sub-regional.

Palavras Chaves: Integração sul-americana, Conflitos Intermésticos, Ativos Estratégicos Comuns


 

 

Introdução

O presente trabalho traz um conjunto de reflexões que buscam entender como os conflitos intermésticos1 latentes, surgem como vetores fragmentadores no processo de expansão e evolução da integração sul-americana. Nesse sentido, avalia-se o papel que os recursos naturais, classificados como ativos estratégicos comuns2, assumem no aprofundamento das relações políticas entre os países da sub-região, uma vez que, muitas das manifestações de conflitos são derivadas por disputas que envolvem o domínio sobre certos territórios com importante concentração destes recursos estratégicos.

Deste modo, as fragilidades geradas pela carência de resoluções de determinados conflitos inter-estatais e domésticos, são consideradas como um entrave político-territorial à integração e segurança cooperativa sul-americana.

A partir de um levantamento sobre algumas variáveis como: os conflitos inter-estatais e domésticos; os países envolvidos nos conflitos; o período de máxima tensão; o nível de instabilidade gerado; o tipo de território em disputa; os recursos naturais em jogo; o rol de terceiros atores; a situação atual de hostilidades; e o nível de impacto político-institucional interno dos países envolvidos, pretende-se entender até que ponto é viável a integração política sul-americana sem antes resolver os diversos conflitos intermésticos latentes na sub-região.

Por outro lado, serão analisados os limites e desafios que os ativos estratégicos comuns possuem como importantes vetores de convergência dos países sul-americanos em torno da unificação de agendas baseadas na securitização3 política dos recursos naturais em âmbito sub-regional.

O conceito de novas ameaças surge no contexto sul-americano e se assenta sobre o crescente aumento das porosidades fronteiriças trazidas pela interdependência global em seus diversos âmbitos, o que repercute na fluidez das zonas de contato e no problema de demarcação sobre o que é interno ou externo. Desta forma, uma série de conflitividades intermésticas surge permeada por novas ameaças que torna mais complexa a percepção sobre o que seriam temas internacionais ou domésticos (Domingues, 1998).

"As alterações políticas e econômicas trouxeram consigo as "novas ameaças" que ordenaram a agenda do sistema internacional. Questões como narcotráfico, terrorismo, proliferação de armamentos, desigualdade social, desrespeito ao meio-ambiente e aos direitos humanos, garantia da democracia e crime organizado passam a integrar a lista de preocupações" (Winand & Saint-Pierre, 2004, p.1).

A falta de uma clara definição sobre os temas internos e externos transformam os espaços e temas intermésticos numa nova ameaça latente quando conflitos inter-estatais perpassam a conflitos domésticos ou vice versa, produzindo um complexo campo de poder que se distende ao longo de diferentes territórios.

De maneira geral, pode-se dizer que o conceito convencional de segurança envolvia ameaças vindas de fora da fronteira do Estado e que são de natureza primordialmente militar, mas nos países instáveis do ponto de vista político, as novas ameaças são, de um modo geral, geradas domesticamente e só ocasionalmente transbordam para Estados vizinhos (Ayoob, 1995; Buzan, 1991).

"Desde el punto de vista de la seguridad internacional, inmediatamente después de la Guerra Fría, la microsecuritización fue clasificada como parte de las "nuevas amenazas"" (Hirst, 2008, p.434).

Neste sentido, a idéia de microsecuritização surge diretamente relacionada à complexidade de realidades e cenários que ameaçam a segurança pública nos países sul-americanos, uma vez que a região concentra 45% do tráfico mundial de cocaína e lidera o índice mundial de homicídios cometidos com armas de pequeno calibre (Hirst, 2008).

"En contraposición a macrosecuritización, la microsecuritización se basa en manifestaciones locales de amenaza y violencia. Mientras su alcance es limitado, su fuerza y capacidad para causar impacto se deben a su vinculación a otros puntos de irradiación, que a su vez reproducen nuevas manifestaciones de violencia" (Hirst, 2008, p.433).   

Nesse contexto de securitização, ganha força a idéia de defesa conjunta dos recursos naturais em âmbito sub-continental - transformados em ativos estratégicos comuns - processo que,  nos últimos anos, vem despertando e sustentando o interesse da maioria dos países sul-americanos a um novo regionalismo.

A tentativa mais ousada de integração regional se deu com a criação, em dezembro de 2004, da Comunidade Sul-americana de Nações, rebatizada formalmente como União de Nações Sul-americanas em 2008 cujo primeiro secretário geral - Néstor Kichner - foi eleito com o desafio de definir uma arquitetura institucional ao órgão. Em dezembro do mesmo ano, firmou-se o acordo de constituição do Conselho de Defesa Sul-americano, cujo objetivo principal fundamenta-se em ampliar os espaços de diálogo e de negociações no intuito de aprofundar as relações políticas, em especial na área segurança e da defesa regional, com o propósito de encontrar uma solução conjunta aos conflitos intermésticos latentes na região, afastando assim, a interferência de países extra-regionais em assuntos internos.

Ao observar a dinâmica geopolítica sul-americana atual, nota-se um continente altamente heterogêneo do ponto de vista das percepções de cada Estado em relação às ameaças às seguranças nacionais e regional.

O objetivo geral desse artigo consiste em refletir sobre a evolução dos conflitos inter-estatais e domésticos na América do Sul, especialmente os de âmbitos socioambientais, com intuito de apontar as fragilidades, as potencialidades e os desafios do ponto de vista político e territorial à integração e segurança sub-regional.

É importante analisar que questões como a defesa conjunta dos ativos estratégicos comuns podem contribuir com a aproximação dos países sul-americanos em torno de uma agenda comum baseada na securitização política dos recursos naturais, ou seja, surge como um potencial vetor favorável à integração regional.

É importante apontar que a maior parte4 dos países sul-americanos são atualmente governados por "uma heterogeneidade de esquerda que representa um questionamento às proposições liberais do fim do século XX, o que confere até certo ponto unidade a este movimento em relação a sua diversidade" (De Lima & Coutinho, 2006)5.

Por outro lado, as visões e o planejamento estratégicos dos diversos países da região, fundamentam-se em processos relacionados a conflitos e tensões domésticos e inter-estatais ainda latentes. Pode-se dizer que neste contexto de fragmentação de agendas políticas, torna-se inviável o aprofundamento e o alargamento do processo de integração regional, especialmente no âmbito da segurança conjunta.

Portanto, com a idéia de refletir sobre os limites, possibilidades e desafios que o sub-continente apresenta frente à implementação de um modelo de integração política que tenha uma agenda comum ampla, especialmente no campo da segurança e defesa, apresenta-se como objeto de estudo o continente sul-americano, compreendido a partir da dinâmica geopolítica interna, partindo da conformação e constituição da maioria dos Estados Nacionais em fins do século XIX até a atualidade. É importante observar que este artigo procura enfatizar a análise sobre os níveis de conflitividades inter-estatais e domésticas e sua relação com os processos de integração sul-americana, a partir de um recorte temporal centrado especialmente nas últimas três décadas (período de redemocratização da maioria dos países da região).

Pode-se dizer que as percepções relacionadas às ameaças, alteram-se em função da conjuntura da ordem hegemônica mundial e do papel que os Estados Nacionais assumem na conformação e adaptação às 'novas regras de convivência' que emergem segundo o contexto político e econômico global.

A partir do entendimento do papel do Estado, avaliado, entre outras perspectivas, por meio de sua atuação macroeconômica, é importante observar como os países sul-americanos tem atuado em consonância a modelos criados nos diferentes momentos da história econômica mundial, contribuindo, assim, com a discussão sobre a articulação de diferentes atores geopolíticos e geoeconômicos que influenciaram e até mesmo intervieram nas decisões Estatais em determinados contextos e períodos avaliados.

Pode-se, portanto, dizer que ao securitizar os recursos naturais em âmbito regional, torna-se fundamental observar o aprofundamento dos níveis de relações políticas entre os países sul-americanos, verificando-se as estratégias externas e a coordenação de uma agenda aberta ao diálogo e à negociação do ponto de vista da segurança e defesa conjunta, em face aos conflitos latentes.

Neste sentido, considera-se de extrema importância o entendimento sobre os níveis de conflitividades intermésticas e seus efeitos sobre a integração sul-americana.

"Nunca antes na história democrática deste continente houve tantos conflitos em torno de recursos naturais e controle de território. Na mesma semana tivemos a eclosão de mais um ciclo de rusgas entre Colômbia e Venezuela, e outra rodada de embates entre Chile e Peru. Além disso, persiste a disputa entre Argentina e Uruguai em torno do uso das águas do rio que divide os dois países. Todas estas questões extrapolaram os canais convencionais de diálogo e negociação bilaterais e com freqüência resultaram na mediação de instituições internacionais ou terceiros países" (Santoro, 2009).

Portanto, é importante observar que existe uma série de conflitos inter-estatais e domésticos latentes na América do Sul relacionados, em diferentes níveis, ao domínio de recursos naturais. Pode-se observar nas tabelas a seguir que esses tipos de conflitos, envolvem uma grande diversidade de atores sociais e econômicos e são gerados por diversos fatores como debilidades institucionais, falhas nos sistemas representativos e volatilidade frente a interesses externos.

 

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Numa breve análise sobre o histórico de conflitos inter-estatais na América do Sul, observase que a maioria dos litígios são decorrentes de complicações nas delimitações fronteiriças, as quais, geram desentendimentos de âmbito político-diplomático até os dias de hoje. Por outro lado, o quadro dois abaixo, aponta conflitos decorrentes às questões internas, muitas delas influenciadas por atores supranacionais.

 

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A partir de uma breve análise das tabelas acima, tem-se como hipótese deste artigo, que o maior risco à segurança regional deriva das distintas manifestações de conflitos, especialmente os de âmbito doméstico, uma vez que estes geralmente estão vinculados a fatores como debilidade institucional, falha no sistema representativo e volatilidade dos Estados frente a interesses externos.

Ademais, esses processos envolvem uma grande diversidade e multiplicidade de atores e agentes nacionais e/ou internacionais, que particularizam e tornam mais complexos os níveis de ingovernabilidade e fragilidade política dos Estados da sub-região.

Por outro lado, observa-se que na evolução dos conflitos inter-estatais sul-americanos, existe uma tendência a ter menor ingerência de agentes externos e a busca por resolvê-los se dá no âmbito político-diplomático, representando, assim, menor risco à estabilidade política e às relações entre os países da região10.

Nessa perspectiva, é importante frisar que, por um lado, os conflitos intermésticos latentes fragmentam as relações entre os países da região e conseqüentemente prejudicam a ampliação e aprofundamento dos laços políticos entre os Estados sul-americanos, por outro lado, elementos de âmbito político, econômico e territorial como a defesa conjunta dos ativos estratégicos comuns, potencialmente favorecem a aproximação dos países em torno de uma agenda comum amparada na securitização política dos recursos naturais.

 

 

Por fim, é importante observar que grande parte dos conflitos levantados, decorrem de disputas pelo domínio sobre certos recursos naturais, potencial fator de aproximação política entre os países sul-americanos através do aprofundamento cooperativo entre as forças armadas da região em torno do tema de defesa conjunta dos ativos estratégicos comuns.

Portanto, esse estudo busca, a partir de uma breve discussão sobre a evolução das relações entre os Estados da região e da reflexão sobre os processos que derivaram em instabilidades políticas intra-estatais, apontar e identificar elementos que ao longo da história geraram e/ou ainda geram, diferentes manifestações de conflitividades de ordem sócio-ambiental, política, econômica, territorial e cultural, em âmbito doméstico e inter-estatal, que fragilizam e fragmentam as relações entre os países sul-americanos.

Privilegia-se o estudo sobre a evolução dos conflitos internos e externos na região, gerados por disputas territoriais e/ou fronteiriças, em sua maioria, vinculados ao domínio sobre certos recursos naturais estratégicos, muitos deles, distribuídos em zonas trans-fronteiriças, seja em âmbito continental ou oceânico e em mãos de uma imensa diversidade de atores e agentes sociais, políticos e econômicos.

Por fim, pode-se dizer que este artigo considera de fundamental importância, a compreensão de alguns entraves ao modelo de integração política sul-americana, buscando assim, entender até que ponto é viável a aproximação e a formulação de uma agenda comum cooperativa na área de defesa entre os países da região - favorecida pela securitização política dos ativos estratégicos comuns - frente a um cenário tão complexo de conflitividade regional.

 

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1. Entendido como a conjunção de instabilidades inter-estatais e domésticas com transbordamento político para outros países da região.
2. Termo utilizado na Declaración de Asunción de los ministros de Defensa. Asunción, 06 de abril de 2009.
3. "Securitização entendida como "o uso de uma retórica de ameaça existencial com o objetivo de levar um assunto para fora das condições da política normal", BUZAN et all, Security: a new framework for analysis. London: Lynne Rienner publishers,1998.
4. Com exceção da Colômbia, em menor grau, Peru e Chile (com a eleição do novo presidente Sebastián Piñera em 2009).
5. É valido apontar que existem diversos debates em torno da relação entre governos progressistas e a integração sub-regional. O autor Fabiano dos Santos, por exemplo, é a favor da idéia de que os governos progressistas impulsionam a integração. Por outro lado, autores como Janina Onuki e Amâncio Jorge de Oliveira defendem que a vinculação entre a ascensão de governos progressistas e uma maior promoção da integração é questionável.
6. O resultado do conflito gerou a "Mediterraneidad Boliviana".
7. A crise de Corpus/ Itaipú se enquadra  nesta tabela por sua dimensão de natureza geopolítica.
8. A questão da delimitação fronteiriça entre Chile e Argentina foi resolvida, ficando pendente desde 1991 apenas a demarcação dos Gelos Continentais.
9. Invasão territorial justificada por parte do governo colombiano pelo conceito de ataque preemptive.
10. É importante ressaltar que inúmeros desses conflitos foram levados para a Corte de Haia (como o caso da Guerra das Malvinas ou da Crise das Papeleiras) ou contam com a mediação de atores extra-regionais (como no caso da disputa pelo canal de Beagle, que contou com a arbitragem britânica e com a mediação papal).