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3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Paradiplomacia, desenvolvimento e integração regional de cidades amazônicas: desafios e especificidades do estado do Pará

 

 

William Monteiro Rocha

Internacionalista e Mestrando em Desenvolvimento Sustentável pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA)

 

 


RESUMO

No decorrer das últimas décadas, o estudo das Relações Internacionais diversificou sua análise, deixando de ter um enfoque direcionado sobre a atuação dos Estados nacionais e estudando mais profundamente a dinâmica e ascensão de novos atores no cenário internacional, como as entidades subnacionais, incluindo os municípios e os estados federados, gerando um novo foco de análise, principalmente no contexto da integração regional. No conjunto desse novo cenário, surge a Paradiplomacia ou Cooperação Descentralizada enquanto fenômeno político-econômico-social relativamente recente, que seria uma "Diplomacia Paralela" a do Estado em determinados segmentos e que diante do contexto atual de interdependência das Relações Internacionais, tende a apresentar um notável crescimento durante as próximas décadas. Na Amazônia, em especial no Estado do Pará, a Cooperação Descentralizada deve ser entendida como um fenômeno em pleno desenvolvimento, constituindo-se enquanto fronteira do conhecimento e tendo como pano de fundo, inúmeros desafios e oportunidades nessa região continental. Os municípios e estados federados localizados na Amazônia brasileira, em virtude de vários fatores, tais como: posicionamento geográfico, grandes extensões territoriais, baixa densidade populacional, precária infraestrutura viária, fraca presença do Estado, baixa capacidade institucional, dentre outros, mantiveram-se, ao longo dos tempos, apenas integrados à estrutura político-administrativa do País, mas em considerável afastamento da efetividade de inúmeras políticas públicas voltadas as especificidades da região. Nesse sentido, a Paradiplomacia pode atuar como agenda propulsora e paralela do desenvolvimento regional, foco da pesquisa deste trabalho.

Palavras-chave: Paradiplomacia. Cooperação Descentralizada. Cidades. Região Amazônica. Relações Internacionais


 

 

1 CONTEXTUALIZAÇÃO: AS NOVAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

No estudo das Relações Internacionais é possível identificar a existência de duas correntes teóricas em nível de análise e interpretação do sistema internacional: O Idealismo e o Realismo. A primeira teoria (idealista, transnacional ou liberal) acredita que uma determinada ordem política, racional e moral derivam de princípios abstratos válidos em âmbito universal, confia no uso esporádico de métodos coercitivos e crê na maior interação entre os Estados (interdependência), pois segundo Keohane e Nye (1977), seus problemas e a solução dos mesmos ultrapassam as fronteiras nacionais. Em decorrência dessa interdependência, o Idealismo ou Liberalismo, tem no Estado um importante ator do sistema internacional, no entanto considera a relevância uma série de outros atores. A segunda teoria (realista ou clássica) considera que o mundo imperfeito como é do ponto de vista racional, é o resultado do encontro de forças inerentes à natureza humana. Tendo em vista que vivemos em um universo formado por interesses contrários, em conflito contínuo. Este segmento teórico recorre mais a precedentes históricos do que a princípios abstratos e tem por objetivo a realização do mal menor em vez do bem absoluto (MORGENTHAU, 2003). O Realismo por sua vez, tem no Estado o único ator efetivo das relações internacionais.

Existe um consenso teórico na Teoria das Relações Internacionais, do Realismo Político de Hans Morgenthau ao Institucionalismo Neoliberal de Robert Keohane, de que os Estados Modernos Soberanos tornaram-se, com os Tratados da Paz de Westphalia1 de 1648, os principais atores políticos do Sistema Internacional. Estes tratados significaram a rejeição do poder totalitário da Igreja e consolidaram o sistema interestatal moderno, através de princípios normativos, em uma visão fragmentada de mundo dividido em Estados Soberanos.

De Westphalia em diante, preconizou-se um Sistema Internacional constituído de Estados e organizado segundo quatro princípios: Primeiro, o Princípio da Territorialidade, onde os Estados tiveram suas fronteiras territoriais fixadas, definindo os limites de sua jurisdição legal e de sua autoridade política. A territorialidade é o princípio central da moderna organização política do Estado. No modelo Westphaliano, a matriz de toda a regulação jurídica está baseada neste princípio, dentro dos suportes institucionais criados pelos Estados Nacionais. Segundo, pelo Princípio da Soberania, onde os governos dos Estados reivindicam uma supremacia efetiva a partir dos espaços territoriais estabelecidos e tal soberania também lhes garante exercer Poder por meio da força. Terceiro, pelo Princípio da Autonomia, onde os Estados Soberanos como entidades autônomas, não se encontram vinculados a nenhuma autoridade superior, estando em posição de igualdade na Sociedade Internacional. Os Estados Nacionais mantêm, por isto, relações anárquicas e conflituosas uns com os outros, daí é que eles possuem a legitimidade para recorrer ao uso da força quando acharem necessário. O Estado, soberanamente, é o ente responsável para conduzir seus assuntos internos e externos, sendo absolutamente competente para decidir e livrar-se do controle e da intervenção externa. Quarto, pelo Princípio da Legalidade, cujo instrumento legal que regula as relações entre os Estados, é o Direito Internacional. Os limites desse Direito são estabelecidos pelos Estados no Sistema Internacional. Desta forma, não há autoridade externa legal através da qual seja imposta aos Estados deveres legais sobre eles ou sobre seus cidadãos.

A partir da análise desses princípios que foram estabelecidos, é notável a importância dada ao Estado como ator principal e responsável único de efetivar relações no sistema internacional. Tais princípios fundamentaram e nortearam as ações dos Estados principalmente nos Séculos XVIII e XIX, mas foi na segunda metade do Século XX, que alguns desses princípios passaram a ser interpretados e/ou adequados ao novo quadro que começara a se instalar no sistema internacional, e a teoria Liberal passaria a ter destaque em função do quadro de interdependência que ligada a outros fatores, como a intensificação do processo de Globalização e o Fim da Guerra Fria trariam ao novo cenário mundial.

No pós-1945, a Sociedade Internacional empenhou-se na construção de uma nova ordem com a mediação de um organismo supranacional que fosse capaz de exercer uma regência político-legal nas relações internacionais. Desta maneira, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), é perceptível que novos fundamentos de regulação internacional substituíram alguns cânones da concepção Westphaliana de Estado. Held (2001) aponta pelo menos três grandes mudanças na Ordem Westphaliana. A primeira trata-se do relacionamento de atores não-estatais como sujeitos do Direito Internacional, rompendo-se assim uma importante premissa Westphaliana que reconhecia apenas o Estado como seu sujeito de fato.
A segunda mudança mostra que a Sociedade Internacional, através da ONU, deixou de regular apenas assuntos políticos e estratégicos estatais para exercer também uma atuação em matérias econômicas, sociais e ambientais. Dessa forma, foram criados o Conselho Econômico e Social na ONU, que instituiu o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que se destaca no âmbito da cooperação internacional, além de inúmeros fundos, programas, comissões e altos comissariados para assuntos especiais de conjuntura.

A terceira mudança está na fonte do Direito Internacional, que passa a não ser mais simplesmente obra do consentimento dos Estados de maneira tácita ou expressa. A sociedade Internacional criou mecanismos jurídicos capazes de exercerem relativa coerção aos Estados. Estas mudanças fizeram parte de uma nova ordem colocada em curso ao longo do período da Guerra Fria, entre 1945-1989, e aprofundada substancialmente no período pós-Guerra Fria com a aceleração extraordinária dos processos de Globalização.

A segunda metade do Século XX traria ao Mundo um fenômeno irreversível e inauguraria uma nova era em diversas esferas. Uma única definição de Globalização é algo que verdadeiramente não existe. Intelectuais como David Harvey (2003), Anthony Giddens (2005) e James Rosenau (2000) demonstraram em suas argumentações várias caracterizações do fenômeno da globalização, comprovando que não existe espaço no universo teórico para uma única definição. De todo modo, os teóricos centram suas análises nos diferentes aspectos da interdependência econômica, cultural, tecnológica, social e por vezes política que promovem interconexões crescentes a nível global.

McGrew apud Held (2001) considera a globalização como um crescimento das interações globais, com atributos distintos. Primeiramente, a globalização implica que as atividades política, econômica e social são estruturadas através de fronteiras nacionais, tais que eventos, decisões e atividades que ocorrem em uma parte do mundo, têm imediata significância para indivíduos e comunidades em outras partes do globo. A globalização, na análise de McGrew, também envolve uma intensificação, ou crescimento da densidade nos fluxos e padrões de interação que transcendem os Estados e as sociedades que constituem o Sistema Mundo Moderno. Existe ainda o crescimento da extensividade e intensividade das interações globais, que estão associadas com um aprofundamento das diferenças entre o local e o global, mais do que a distinção entre o que é interno e o que é externo, que se tornam mais e mais obscuro e complexo.

A intensificação do processo de Globalização, aliado ao fim da Guerra Fria e conseqüente fim da bipolaridade mundial trouxeram uma nova configuração e definição Estatal ao cenário mundial. O Estado passa a ser definido sob novos moldes de atuação e regulação, sendo redirecionado a um cenário cada vez mais complexo, dinâmico, rápido e composto por inúmeros outros atores, que por vezes atuam na ausência do Estado ou mesmo paralelamente a ele. O Novo Mundo, segundo Keohane (1986) é uni-multipolar e híbrido. Uni, pois uma nação hegemônica sempre estará à frente em algum sentido liderando, mesmo que essa liderança seja passageira; Multipolar, pois existem os interesses de outras várias nações e tais interesses influenciarão diretamente nessa nova configuração do sistema e Hibrido, pois o autor considera que esse cenário é propício ao surgimento e/ou redefinição atores em diversos segmentos.

 

2 ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

A conseqüente configuração de um mundo multipolar abriu novas perspectivas para a atuação dos Estados nacionais no concerto das nações, sobretudo entre os ditos países em desenvolvimento. Se por um lado, este novo cenário multipolar e participativo favorece a atuação dos Estados nacionais, por outro, constitui-se em espaço aberto para a atuação de novos atores, os quais se constituem objeto deste projeto.

A Mundialização da Economia, a criação de zonas de livre comércio e blocos econômicos, a multiplicação de organismos internacionais, ONGs tal como o crescente número de empresas transnacionais, demonstram claramente a interdependência e a complexidade das relações internacionais contemporâneas, estas por sua vez, não mais restritas a atuação exclusiva dos Estados. No conjunto desse novo cenário, surge a Paradiplomacia ou Cooperação Descentralizada enquanto fenômeno político-econômico-social relativamente recente e ainda pouco estudado no âmbito acadêmico, e que diante do contexto atual de interdependência das relações internacionais, tende a observar um notável crescimento durante as próximas décadas.

Analisando a morfologia da palavra Paradiplomacia, o prefixo 'para' de origem grega significa proximidade e/ou semelhança. Por sua vez, 'Diplomacia' segundo Cervo (2007) compreende a ação externa dos governos expressa em objetivos, valores e padrões de conduta vinculados a uma agenda de compromissos pelos quais se pretende realizar determinados interesses. O elevado grau de determinação externa da diplomacia pode ser observado em sua dimensão global, regional e bilateral. Dessa forma, Paradiplomacia, em outras palavras, seria uma Diplomacia paralela a do Estado, atuando em determinados segmentos e efetivada por diferentes atores.

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (2008), o termo Paradiplomacia foi elaborado pelo basco Panayotis Soldatos, em 1990, para designar as atividades diplomáticas desenvolvidas entre entidades políticas não centrais situadas em diferentes estados nacionais. Daí surge a idéia de Cooperação Descentralizada, ou seja, uma cooperação que não é efetivada pelos auspícios do Estado.

A noção que se tem atualmente sobre cooperação internacional sem seu início no pós-Segunda Guerra Mundial quando países, como os Estados Unidos, apoiaram a reconstrução de nações abaladas pelo conflito. Essa modalidade de cooperação, tanto naquela época, quanto atualmente é entendida como cooperação oficial, ou seja, entre Estados e firmados por tratados internacionais. O avanço e a intensificação do processo de Globalização trouxeram consigo novos atores de considerada relevância ao cenário internacional, dentre os quais cabe destacar as empresas transnacionais, as organizações não-governamentais (ONG's), os movimentos sociais e o foco deste projeto, os Governos Locais. Esses novos atores, por sua vez, demonstraram e vem demonstrando interesse pela cooperação internacional, que na maioria das vezes, não passam pelo conhecimento dos governos nacionais.

Muitas são as modalidades e as formas de cooperação que vem se tornando oportunidades latentes ao desenvolvimento e nesse sentido, cabe analisar nos Quadros 1 e 2, onde é possível analisar Instrumentos, Atores e Destinos da cooperação ao Desenvolvimento a seguir:

 

 

 

Como visto, as modalidades, os instrumentos, os recursos, os fundos e destinos da cooperação internacional do sistema internacional contemporâneo são vastos, todavia este breve estudo se restringirá ao papel dos Governos Locais (cidades e municípios) podem ter no desenvolvimento regional do Estado do Pará através de mecanismos de Cooperação Descentralizada.

No Brasil, já existem fóruns, órgãos e instituições que atuam no sentido da cooperação descentralizada, como a Confederação Nacional dos Municípios2 (CNM). Na América do Sul, entidades como a Mercociudades3 e o Observatório de Cooperação Descentralizada União Européia-América Latina4, atuam nesse segmento também. Na região amazônica, a temática ainda é um algo novo, no entanto verifica-se devido reconhecimento com a realização do I Congresso de Cidades Amazônicas junto a II Assembléia Geral do Fórum de Autoridades Locais da Amazônia (FALA)5, com a temática da Sustentabilidade relacionada ao Desenvolvimento que se realizou em 2009, na cidade de Belém. E mais recentemente, no âmbito do Estado do Pará, realizou-se em 2010 o I Congresso Paraense de Municípios e em 2011 o II Congresso será realizado em meados de Julho, sob a temática da Sustentabilidade6.

A Paradiplomacia ou Cooperação Descentralizada, por se tratar de um fenômeno em pleno desenvolvimento, constitui-se enquanto fronteira do conhecimento principalmente na região amazônica e muitas são as oportunidades e os desafios nessa região continental. Segundo Bogéa Filho (2001), os Estados federados ou nacionais localizados na Amazônia brasileira, em virtude de vários fatores, como por exemplo: posicionamento geográfico, grandes extensões territoriais, pequena densidade populacional, modesta infraestrutura viária, pequeno número de fronteiras vivas, dentre outros, mantiveram-se, ao longo dos tempos, como se apenas integrados à estrutura político-administrativa da nação, mas em considerável medida de afastamento da vida nacional. Nesse sentido, a Paradiplomacia pode atuar como agenda propulsora e paralela de desenvolvimento regional, no entanto a falta de informação aliada à baixa capacidade institucional fazem com que os governos locais deixem a prática das relações nacionais e até mesmo internacionais apenas no âmbito dos governos centrais.

A cooperação descentralizada, dependendo de sua formulação e efetivação pode ser tornar uma inovação as políticas públicas de determinados governos locais. Tal cooperação descentralizada do ponto de vista do público local pode assumir um conteúdo específico: i) focaliza-se em problemas locais e territoriais; ii) "oferece uma competência e um know-how que se pode transmitir ou intercambiar diretamente desde as instituições locais, sem recorrer a gabinetes de consultoria ou especialistas externos"; iii) tem condições de estabelecer cooperação a médio e longo prazos, isto porque, geralmente, são utilizados recursos próprios, onde os atores estabelecem as modalidades de cooperação; iv) pode promover uma relação mais ampla, uma vez que inclui outros agentes sociais locais; v) pode garantir uma relação mais direta com os cidadãos, o que implica em uma relação mais participativa. Na sua dimensão política, a cooperação descentralizada pública pode ter como objetivo o fortalecimento da dimensão local nas agendas nacionais ou regionais. A cooperação descentralizada pode representar um elemento de pressão para uma maior descentralização do Estado (competências e recursos). Além disso, pode representar uma forma de interferir nas agendas de integração regional.

Há ainda muito a se avançar na temática da cooperação descentralizada no Brasil. Contudo, percebe-se que os principais atores envolvidos neste processo fazem, hoje, parte de uma ampla discussão que objetiva um desenvolvimento prático da participação dos governos subnacionais no âmbito internacional. (Andrade e Cezário, 2008. p. 14). Nesse sentido, verifica-se significativa intensificação dos processos de interação entre o local e o global, e em decorrência disso, verifica-se cada vez mais a atuação de cidades nesse cenário. Buarque (2006) reitera que o desenvolvimento local não pode ser confundido com o isolamento da localidade e seu distanciamento dos processos globais; ao contrário, a abertura para os processos externos é um fator de desenvolvimento e estímulo à inovação local.

Jakobsen (2006) adverte que normalmente, a maioria das cidades brasileiras que desenvolve relações internacionais começa pela tentativa de captar recursos no exterior, justamente para compensar um pouco as carências nas mais diversas áreas em que estão inseridos. Essa política tem trazido aportes importantes para elas, tanto financeiros, quanto técnicos, além de ser a entrada para a cooperação política. Nesse sentido também, o caminho da Paradiplomacia vem representando níveis de desenvolvimento em variados segmentos alem de dar ao conhecimento local, um reconhecimento internacional.

No Brasil, alguns Estados federados e municípios começaram a se lançar diretamente no cenário externo, por questões, sobretudo de carestia econômica, em um cenário de endividamento interno e de crise fiscal agravado nos anos 1990, ao mesmo tempo que a globalização e o "Estado-logístico" criaram não apenas oportunidade mas também necessidade de envolvimento dos poderes locais na política externa comercial (RODRIGUES, 2008). A motivação econômica é sem dúvida, o principal fator propulsor dos movimentos paradiplomáticos.

Segundo a CNM (2008):

A maior autonomia dos governos locais, provinda do processo de descentrali-zação política e atrelada a uma série de outros fatores externos, gerou as condições necessárias para estes usufruírem também da cooperação internacional. Pressionado pela dinâmica da globalização, que abre diariamente diversas oportunidades, os Estados nacionais perceberam que não são suficientes para atender a todas as demandas de um mundo extremamente dinâmico. A partir daí, a grande questão é como dinamizar esse tipo de cooperação internacional. Ainda que seja parte de um mesmo sistema governamental, os governos locais não possuem competência de política externa para representar o país diante de outros estados, tendo como foco a atuação no âmbito local (CNM, Op.cit.).

Entender a abrangência que os mecanismos de cooperação podem trazer a determinado governo local é reconhecer a importância de se relacionar com a realidade externa e assim, tornar a Paradiplomacia uma agenda paralela de políticas públicas de cidades e municípios paraenses.

 

3 DESENVOLVIMENTO DE CIDADES AMAZÔNICAS: O CASO DO PARÁ

A nova configuração que o atual sistema internacional se encontra, é reflexo do avanço do processo de Globalização tão quanto da multipolaridade de cenários, atores e interesses. No âmbito da Cooperação Descentralizada é preciso, entretanto, ampliar um pouco mais visão e compreender que a captação de recursos é apenas um meio para alcançar os objetivos do município. Logo, a cooperação descentralizada tem muito mais a oferecer do que a condição de mera fonte de capital. Por meio da cooperação técnica, os governos locais podem aproveitar do potencial da troca de experiências entre seus técnicos para desenvolver políticas eficazes em seus territórios. Ao estabelecer vínculos com o exterior e até mesmo com cidades-irmãs de âmbito regional e/ou nacional, os gestores locais reconhecem que muitos dos problemas enfrentados em suas cidades são semelhantes aos enfrentados por outras localidades. O contato com problemas similares em contextos distintos permite certo distanciamento da sua realidade e a construção de novas perspectivas. Dessa forma, constrói-se um sistema de capacitação dos técnicos locais em que o conhecimento, ao final do projeto, permanece no município, traduzindo-se em projetos concretos para melhorar o governo local no cumprimento de suas responsabilidades. (CNM, Op.Cit).

O Estado do Pará é um cenário desafiante para se discutir os novos direcionamentos impostos pela Globalização, tal como de desenvolvimento, pois é um estado "que se estruturou socioeconomicamente a partir de relações sociais horizontais, muitas vezes, ancoradas em conflitos sociais de toda ordem" (SILVA &SILVA, 2008), sobretudo, conflitos pela disputa de terra, recursos naturais ou pela manutenção do poder pelas Elites. Um Estado de 1 247 689,515 km2, composto por 143 municipios, 6 mesorregiões e tendo como população 7.588.078 de habitantes (IBGE, 2010), é de se esperar inúmeros desafios e especificidades no que se refere ao Planejamento Regional, tal como na execução de políticas públicas eficientes e nesse sentido, uma agenda paralela de desenvolvimento baseada na Cooperação Descentralizada pode se tornar uma alternativa ao desenvolvimento regional.

De toda sorte, pensar em grande parte do Estado do Pará significa pensar na fronteira a partir de seu conceito clássico, ou seja, significa pensar no sentido de ocupação de áreas pouco povoadas e que têm nesse processo de ocupação uma dinâmica social própria marcada pela ausência do Estado e das regras institucionalizadas que normalmente orientam as ações dos atores sociais (CASTRO e HÉBETTE, 1989). Todavia, mesmo com o tamanho continental do Estado é possível pensar em estratégias endógenas de desenvolvimento como reitera Buarque (op.cit):

Toda região(microrregião, município e localidade) pode ser competitiva em algumas áreas e setores que seguramente tem vantagens competitivas a serem desenvolvidas ou exploradas, com base em suas potencialidades, desde que sejam criadas as "externalidades" adequadas. Quando não tiver as condições consolidadas, deverá procurar construir suas vantagens competitivas seletivas, mesmo com apoio externo. (BUARQUE, op.cit., p.29)

Atualmente, em decorrência de disposições constitucionais, os municípios brasileiros passam a intervir em variados segmentos e a preocupar-se, não somente com as atividades tradicionais ligadas aos serviços públicos, mas também com as atividades referentes ao desenvolvimento econômico, social, ambiental, cultural e etc. O novo marco jurídico concede ao município amplo campo de mobilidade e liberdade em matéria de desenvolvimento local. Jara (1996) consubstancia a idéia de município enquanto célula política da sociedade nacional; instância de direito público funcional e territorialmente descentralizada capas de operar politicamente no sentido de atingir a satisfação das necessidades das comunidades e criar condições de competitividade.

Em uma perspectiva histórica, a Amazônia é advento de um processo que, se tinha (e ainda se tem), de uma região enquanto fronteira permanente de recursos naturais. Desde os primórdios da colonização na região até os Grandes Projetos, duas foram as características presentes e antagônicas na mesma: a da Abundância (de recursos naturais) e a da Escassez (de infraestrutura, do isolamento geográfico, das condições de vida e etc.). Tais fatores são evidentes, reais e presentes na contemporaneidade amazônica, estando a região, como dizem muitos autores, na última fronteira do Capitalismo. Desse modo, pensar em Cidades Amazônicas é pensar sob o enfoque primordial do Desenvolvimento Humano; e é a Cidade ou o Município a unidade política que mais se aproxima do individuo e dele pode fazer um participante ativo e envolvido do desenvolvimento. Buarque (op.cit.) conclui,

O município e a comunidade consistem cortes importantes de autonomia de gestão, mas devem estar articulados com os macroespaços, demandando um esforço de coordenação com instâncias e mecanismos capazes de exercer o papel articulador na distribuição de responsabilidades no espaço, numa espécie de descentralização coordenada (BUARQUE, op.cit. p.53)

No Pará, essa "descentralização coordenada" vem ocorrendo sob os auspícios da Federação das Associações dos Municípios8 (FAMEP) que congrega 6 associações, AMAM (Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó), AMAT (Associação dos Municípios do Araguaia e Tocantins), AMUCAN (Associação dos Municípios da Calha Norte), AMBEL (Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belém), AMUNEP (Associação dos Municípios do Nordeste Paraense), AMUT (Associação dos Municípios da Região da Transamazônica Santarém/Cuiabá e Região Oeste do Pará); e 2 consórcios, O Consórcio Integrado dos Municípios Paraenses (COIMP) e o Consórcio de Desenvolvimento Socioeconômico Intermunicipal (CODESEI). Em 2006, teve seu estatuto alterado para que os municípios pudessem participar diretamente nas ações de desenvolvimento local, ação que também qualificou Federação à se tornar uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP). Desde então, os entes federativos municipais paraenses passaram a se engajar nas lutas municipalistas em conjunto com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a Associação Brasileira de Municípios (ABM).

Ainda que recente, é real e evidente as oportunidades que os municípios paraenses podem e poderão ter se a Cooperação Descentralizada for assumida enquanto agenda paralela de desenvolvimento regional. Algumas conquistas podem ser apontadas, tais como: (i) Diálogo direto com a bancada federal paraense para destinação de recursos, algo que antes se centralizava no governo Estadual, (ii) Descentralização da Gestão Ambiental, e como conseqüência dessa descentralização, (iii) Implementação do Programa Municípios Verdes para diminuir o desmatamento no estado; (iv) além da realização de fóruns permanentes de discussão sobre o Desenvolvimento Local, com o I Congresso de Cidades Amazônicas e o I e II Congresso Paraense de Municípios.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS9

Ao mesmo tempo em que uniu os mercados e a economia mundial, a Globalização provocou uma fragmentação do espaço. Tal fenômeno de Integração e ao mesmo tempo de fragmentação do espaço levaram a uma redução da centralidade de decisões por parte dos Estados-Nação, o que aumentou a autonomia relativa e as possibilidades de Cidades e Municípios interagirem e se articularem com outras regiões e localidades, para além da sua vizinhança e entorno institucional. O local se globalizou e agora traça alianças em uma rede vasta e diversificada de cidades e centros econômicos, seja a nível nacional ou internacional. A proximidade de problemas e interesses locais permite uma maior aderência à realidade, e assim, a Cooperação descentralizada tende a ser um mecanismo de democratização dos processos decisórios uma vez que a unidade política, em questão (cidades e municípios) está mais próxima dos indivíduos de uma comunidade, do que o Governo Estadual. Além do que, são os munícipes que diretamente são influenciados pela efetividade ou não de políticas públicas descentralizadas.

No Estado do Pará, a realidade da Cooperação Descentralizada ainda é recente e vem aos poucos ganhando forças no anseio dos governos locais. Todavia, dado as inúmeras especificidades históricas, sociais, geográficas e institucionais, esse fenômeno tende a se expandir contribuir para a participação cada vez maior de cidades e municípios no contexto nacional e até internacional, para que eles busquem um real desenvolvimento aos amazônidas em suas localidades frente as égides de um mundo cada vez mais conectado, cada vez mais globalizado.

 

REFERÊNCIAS

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AYLLÓN, B. O sistema Internacional de Cooperação ao Desenvolvimento e seu estudo nas Relações Internacionais: a evolução histórica e as dimensões teóricas. In Revista de Economia e Relações Internacionais Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). V.5. Ed. 8. São Paulo: 2006.

BOGÉA FILHO, Antenor Américo Mourão. A diplomacia federativa. 2001.197 f. Tese (Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco) - Instituto Rio Branco, Brasília, DF, 2001.

BUARQUE, S.C. Construindo o Desenvolvimento Local Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

CASTRO, Edna Maria Ramos de e HÉBETTE, Jean (Org.) Na trilha dos grandes projetos. Modernização e conflitos na Amazônia. Belém: UFPA/NAEA. Cadernos NAEA, nº 10. 1989.

CERVO, A. Inserção Internacional: Formação dos Conceitos Brasileiros. Ed.1. Brasília: Ed.Saraiva, 2007.

CNM, Confederação Nacional dos Municípios. Atuação Internacional Municipal: Estratégias para Gestores Municipais Projetarem Mundialmente suas Cidades. Confederação Nacional dos Municípios - Brasília : CNM, 2008. ISBN 978-85-99129-28-9.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Coletânea de Direito Internacional. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

GIDDENS, A. Mundo em Descontrole: O que a Globalização está fazendo de nós. 4ª.Ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança. 12ª. Ed. São Paulo: Editora Loyola, 2003.

HELD, D. The Global transformations Reader: An Introduction to the Globalization debate. Cambridge: Polity Ed. 2001.

IBGE Estados. UF: Pará. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/index.php Acesso: 11 Mar. 2011.

Jakobsen, Kjeld. A política de Relações Internacionais do município de São Paulo de 2001 a 2004. In: Tullio Vigevani; Luiz Eduardo Wanderley; Rodrigo Cintra (Orgs). Ação Internacional das cidades no contexto da globalização. Cadernos Cedec nº 80. São Paulo: Cedec, abril 2006. (Edição Especial Cedec/PUC-SP).

JARA, C. Planejamento do Desenvolvimento Municipal com participação de diferentes atores sociais. Cadernos Debates 11. Fundação Konrad Adenauer, 1996, p.9-40.

KEOHANE, R. O. e NYE, J. S. La interdependencia en la política mundial. In: Poder e interdependencia. La política mundial en transición. Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1977.

____________, Power and Interdependence, Second Edition, Harper Collins Publishers, 1989.

KEOHANE, Robert O. Theory of World Politics: Structural Realism and Beyond. In: Keohane, Robert O. (ed.). Neorealism and Its Critics. New York: Columbia University Press, 1986.

MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Tradução: Oswaldo Biato. 6 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2003. 1152 p.

RODRIGUES, G. M. A. Relações Internacionais Federativas no Brasil. Dados. V.51 N.4. Rio de Janeiro: 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v51n4/07.pdf . Acesso: 8 Out. 2009.

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O autor agradece o apoio do CNPq.

1. Foram uma série de tratados, que alem de encerrarem conflitos, como a Guerra dos Trinta Anos, inauguraram o moderno sistema internacional ao colocarem consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado Nação. Em suma, delimitaram as fronteiras de poder de um Estado com o outro e se transformaram em um marco das Relações Internacionais.
2. www.cnm.org.br/
3. http://www.mercociudades.org/
4. http://www.observ-ocd.org/
5. http://www.cidadesamazonicas.com.br/
6. http://www.congressofamep.com.br/index.html
7. Mazzuoli (2008) apresenta na Coletânea de Direito Internacional, a Constituição Brasileira de 1988 destaca o seu art. 21 inciso I, compete à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais, reafirmando no art. 49 inciso I, onde verifica-se que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Logo, compete apenas ao Estado ações referentes à política externa do mesmo. Para tal, deve-se levar em consideração, em especial a segunda parte do art. 49 inciso I, onde diz que sejam esses "tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional", sendo assim, as relações entre Estados que não ocasionem esse tipo de dano á União, fica livre de execução, encaixando-se nesse excerto a Paradiplomacia, visando o desenvolvimento em diversas áreas, de cooperação técnica, ambiental e sendo as econômicas, sociais, culturais de maior relevância.
8. http://www.famep.org.br/famep/
9. Ainda que preliminarmente, este artigo buscou trazer o debate sobre essa recente temática de estudo acerca das Relações Internacionais e do Desenvolvimento Regional, estudo esse, que futuramente pretende-se dar continuidade em forma de dissertação de mestrado.