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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Interpretações sobre regimes internacionais e a disputa entre EUA e o secretariado-geral da ONU pela formação de consensos sobre o combate ao terrorismo

 

 

William Torres Laureano da Rosa

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP, PUC-SP)

 

 


RESUMO

As perspectivas consideradas como cognitivistas sobre Regimes Internacionais concentram esforços nas dinâmicas comunicativas da aplicação e interpretação das normas. A visão da realidade dos atores passam pela movimento de convencimento e de formação de consensos orientado por normas, a ponto de convergir expectativas que são realimentadas e reinterpretadas a partir da prática da ação comunicativa. O presente trabalho, tendo o apresentado como pano de fundo, quer observar a dinâmica do combate ao terrorismo no interior das Nações Unidas no pós-11 de Setembro. Se no momento posterior aos ataques as medidas tomadas foram de acordo com a vontade dos EUA, no decorrer do tempo o Secretariado-geral obtém novo consenso e altera o modo como a organização atuaria frente ao tema. Envolvendo tais atores principais na investigação, o objetivo central do trabalho será identificar as disputas e a forma como novos consensos são criados no decorrer dos anos 2000, para, no fim, entender como a realidade do combate ao terrorismo no plano internacional foi desenvolvido e como se encontra no presente, procurando incluir atores não estatal na discussão e mostrar a validade da teoria na análise da prática da política internacional.

Palavras-chaves: Regimes Internacionais, Cognitivistas, Terrorismo, EUA, Secretariado-geral das Nações Unidas


 

 

Introdução

A teoria das relações internacionais passa por diferenciações significativas quanto ao estudo das organizações internacionais e dos regimes internacionais. Trabalhos de relevância no tema mostram como o estudo desse campo, que inaugura-se ainda no entre guerras, é alterado substancialmente no decorrer dos anos. Essa alteração se ocorre no foco dos estudos, saindo de organizações institucionalizadas para formas de institucionalização não organizacionais (como os regimes), e na forma de se estudar, partindo de abordagens positivistas para as mais cognitivistas, incluindo abordagens legalistas.

O momento histórico também se mostra muito importante para o desenvolvimento desse tipo de pesquisa, uma vez é possível observar relação entre o papel que as Organizações Internacionais assumem no plano internacional com o número de pesquisas nessa área. Particularmente nesse sentido, o fim da Guerra Fria gerou muitos artigos sobre o tema. O maior ou menos protagonismo de OI leva autores a estudarem o tema da cooperação internacional de forma distinta, podendo ser considerado que o conceito de regimes foi uma forma encontrada para permanecer no estudo, mesmo em um momento em que as OI tiveram papel diminuto (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986).

Com todo o desenvolvimento durante a década de 1990, entender as OI a partir do elemento subjetivista e da abordagem cognitivista permite empreender esforços significativos para a compreensão do tema do contraterrorismo no plano multilateral. Para tanto, foram analisados dois documentos de grande importância. O primeiro é o S/RES/1373 de 2001. Tendo sua origem no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (UNSC), esse documento é o que constitui o órgão denominado de Comitê Contraterrorismo (CTC). O segundo documento é o A/RES/60/288, originado na Assembleia Geral (GA) em 2006, dá origem à Estratégia Global da ONU de Contraterrorismo. Os dois documentos surgem de propostas diferentes e buscam gerar consensos diferentes sobre a questão do contraterrorismo.

A metodologia da presente pesquisa procura seguir a epistemologia de um objeto que se pretende intersubjetivo. Dessa forma, a escolha pela análise de documentos gerados a partir da disputa para a formação de consenso é adequada em um terreno em que as normas formais tendem a cristalizar um tipo de discurso em um dado momento, reinterpretando a realidade e permitindo novos tipos de comportamento entre os Estados. Seguindo Onuf (1989 e 1998), a norma é vista como a intermediadora entre agente e estrutura e ela deve ser o foco da análise e, como Kratochwil (1989) essa norma se constitui a partir de um processo intersubjetivo.

O presente trabalho, por fim, inicia-se com a apresentação do debate sobre regimes internacionais, focando nos trabalhos que veem o regime a partir da intersubjetividade de seus membros, para, enfim, mostrar a aplicabilidade desse tipo de análise de regimes em um dos temas que permeou as relações internacionais do início do séc. XXI, que é o tema do terrorismo, focando no plano temporal, de 2001 a 2008. Se por um lado as análises tendem a focar o processo unilateral que um ator como os EUA empreenderam, também é verdade que a prática multilateral mesmo nesse campo não deixou de produzir normas e alternativas ao unilateral, indicando a dificuldade de ignorar acordos multilaterais desse porte e como a prática corrente indica a continuidade de regimes.

Ressalto que a bibliografia final indica os trabalhos acadêmicos analisados, enquanto que os documentos, todos com acesso no site da Organização das Nações Unidas estão citados no corpo do texto com a formatação padrão da própria organização.

 

Análise preliminar sobre Teoria de Regimes

A ideia de regimes é muito presente na teoria de relações internacionais, confundindo-se com a ela, no que tange aos debates sobre a possibilidade ou não de cooperação entre os atores. Antes de se perguntar o "como" os Estados cooperam, era necessário compreender o "porquê" deles cooperarem. É com base nessas perguntas que a própria ideia de Regime internacional surge e foi sendo desenvolvida durante toda a segunda metade do séc. XX.

Partindo da sua experiência pessoal no aprendizado da teoria das relações internacionais, Ruggie (1998) procura mostrar o debate entre Waltz, logo após a publicação de "Homem, o Estado e a Guerra", e os trabalhos de Ernst Haas, liderando um movimento liberal institucionalista. O ponto de discórdia entre ambos está na possibilidade de cooperação entre os Estados. Enquanto Waltz afirmava a centralidade do poder e do interesse e a satisfação do interesse próprio em detrimento do interesse coletivo quando é possível, E. Haas argumentava que o padrão do Estado de Bem-Estar Social compelia os Estados a cooperarem, uma vez que há necessidades diárias que devem ser saciadas. Além disso, argumentaria Haas que nenhuma outra forma sociopolítica impeliria tanto os Estados a cooperarem quanto o Estado de Bem-Estar Social (RUGGIE, 1998, p. 1).

Em um trabalho da década de 1980, Kratochwil e Ruggie (1986) se propõe a mapear o desenvolvimento dos estudos sobre Organizações Internacionais (OI), tendo como base a revista especializada no assunto com o mesmo nome desde o seu surgimento em 1947. Eles percebem que o assunto se desenvolve no pós-segunda guerra mundial, em diferenciação ao período do entre guerras em que a disciplina tinha fé no governo mundial. Com um quê de pessimismo, os autores veem que o estudo das organizações internacionais é mais vibrante na década em que escreveram do que o havia sido em qualquer outro momento, ao mesmo tempo em que as mesmas passam por momentos de deterioração da eficácia e performance. (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, p. 753).

Uma vez que há o problema com as próprias instituições, o debate sai da órbita da institucionalização internacional e passa para formas mais amplas de comportamento institucionalizado, focando no conceito de regimes internacionais que deveria resolver problemas sérios na abordagem dos regimes, relacionando meios informais com as organizações internacionais (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, pp. 753-754). Naquele momento era possível observar quatro mudanças de rumos nas pesquisas. A primeira focava nas instituições formais. A segunda, no processo de decisão no interior das organizações. A terceira mudança de rumo procurou analisar o potencial que as organizações tinham em processos de governança internacional. Essa terceira tomada de rumo desmembrou-se em três grupo: os que focaram no papel das OI como solucionadora de problemas, os que percebiam as consequências de longo prazo ao falhar em resolver esses mesmos problemas, relacionado com a teoria neo funcionalista da integração, e os que viam as OI como parte de um processo maior de governança global (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, pp. 754-759).

A quarta mudança de rumo é a que leva aos estudos sobre regimes internacionais. Os regimes são entendidos como arranjos construídos por estados para coordenar expectativas e organizar aspectos do comportamento internacional em várias áreas (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, p. 759). Esses arranjos comporiam, dessa forma, elementos que são ao mesmo tempo normativos, práticas estatais e papéis organizacionais. A importância do conceito de regimes está no fato de que uma vez rejeitada a presunção inicial de identidade entre OI e governança internacional encontrada nos primeiros trabalhos sobre a Sociedade das Nações em 1931, o próprio papel desempenhado pelas instituições nesse processo de governança tornou-se essencial, sem a preocupação de entender o que era o próprio conceitode governança internacional. Na prática, significa dizer que ao campo das organizações internacionais faltava-lhe uma concepção sistemática daquilo que era considerado como o elemento analítico central tradicional, sendo que o conceito de regimes procurava preencher o vazio existente mostrando os parâmetros e os perímetros desse núcleo, dando ao conceito de regimes internacionais ocupasse o espaço ontológico entre o nível de instituições formais e os fatores sistêmicos (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, pp. 759-760).

A última necessidade sentida pelos autores está na relação entre instituições formais e regimes internacionais a despeito da observação de que há menos trabalhos no campo sobre essas instituições. Essa aproximação é realizada por parte da literatura que se propõe a analisar o design organizacional. Essa perspectiva propõe que diferentes problemas devem ser lidados por diferentes tipos de arranjos institucionais. A abordagem de design organizacional leva em consideração três dimensões adicionais. A dimensão intersubjetiva dos regimes é dada pela transparência do comportamento dos atores. A legitimação de um dado regime também é um outro ponto importante, uma vez que, por exemplo, regimes adequados com o que se propõe podem erodir por falta de legitimidade. Por fim, haveria uma dimensão epistêmica (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, pp. 771-773) . Essa dimensão mostra que:

In the international arena, neither the process whereby knowledge becomes more extensive nor the means whereby reflection on knowledge deepens are passive or automatic. They are intensely political. And for the better or for worse, international organizations have maneuvered themselves into the position of being the vehicle through which both types of knowledge enter onto the international agenda (KRATOCHWIL; RUGGIE, 1986, p. 773).

Ideias e conhecimento são as variáveis explicativas para abordagens cognitivistas, mantendo posição crítica contra teorias racionalistas da política mundial pois observando que tais tipos de teorias tratam os interesses e identidades estatais como algo exterior ao não teorizar as condições iniciais de explicação dos fenômenos internacionais.

Há autores indicados como cognitivistas fortes pelo trabalho de Hasenclever, Mayer e Rittberger utilizam abordagem da ação comunicativa. Entender os regimes por meio dessa teoria que é de base habermasiana é compreender que os regimes dependem da prática discursiva entre os Estados, entendida como

[...] a debate conducted by members of a community aiming at establishing or re-establishing a consensus on common norms of conduct as well as on their interpretation and proper application in concrete situations. Theorists of that stamp hold that there is a permanent need for communication in international relations in order to produce and maintain the convergence in expectations that regimes live by. Conversely, persistent lack of success in regime-oriented discourses is expected inevitably to lead to the collapse of rule-governed cooperation (HASENCLEVER; MAYER; RITTBERGER, 2004, p. 176).

Essa abordagem utiliza-se da separação habermasiana de ação instrumental e ação comunicativa para expressar as ações do Estado no plano internacional. A ação comunicativa é orientada pelo entendimento, pela formação de consensos com o objetivo de coordenar o comportamento social, tentando chegar a um acordo sobre características relevantes da situação social e porque determinado comportamento deva ser evitado. O comportamento é orientado pelo entendimento do que uma dada situação requer que os atores façam (HASENCLEVER; MAYER; RITTBERGER, 2004, pp. 176-177).

É importante ressaltar que desse ponto de vista, o regime deixa de ser objetivamente um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos. Com base na ação comunicativa, torna-se o produto final de uma auto-interpretação comunitária e auto-definição em resposta a um contexto de mudança em que as partes interpretam o movimento de cada uma e reiteradas vezes renegociam a realidade em que operam. A realidade é, portanto, um fenômeno essencialmente dinâmico e que depende das alterações nos discursos internacionais (HASENCLEVER; MAYER; RITTBERGER, 2004, p. 179).

 

A Disputa pela visão de combate ao terrorismo na ONU

O terrorismo é um tema que não aparece nos órgãos das Nações Unidas somente no momento posterior aos ataques de 11 de Setembro. O primeiro documento é o A/RES/3034(XXVII) de 1972. Entretanto, ao observarmos o comportamento normativo do Conselho de Segurança, entre os ataques à Oklahoma, nos EUA, em 1996 e o período da Administração Bush, percebe-se que há um aumento expressivo no número de documentos a partir dos ataques. A tabela abaixo mostra a quantidade de resoluções aprovadas pelo UNSC entre 1996 e 2008.

 

 

Para esta seção, serão analisados dois documentos de grande importância para a definição do combate ao terrorismo no plano multilateral. O primeiro é a Resolução do Conselho de Segurança 1373 de 2001. O segundo é a Resolução A/RES/60/288.

Enquanto função constitutiva propriamente dita e parte integrante da disputa pela visão de combate ao terrorismo, é de grande importância a aprovação já em 2001 da resolução S/RES/1373, com acréscimos da resolução S/RES/1624 de 2005, por conta dos eventos ocorridos em 11 de Setembro de 2001 nos EUA, em votação unânime dos membros do UNSC em 28 de Setembro de 2001, criando o Comitê de Contraterrorismo, órgão de subsidiariedade direta do UNSC.

A resolução S/RES/1373 inicia sua parte preambular condenando os ataques terroristas de 11 de setembro de 2011, que constituiriam um desafio para a paz e segurança internacional, além de reafirmar que a Carta da ONU permite o combate a esse tipo de ameaça por todos os meios. Além disso, mostra a preocupação dos membros do UNSC com o aumento de atividades terroristas em várias regiões do mundo, motivados por extremismos e intolerância e, assim, chama os Estados a participarem em conjunto na prevenção e supressão dos atos terroristas por meio da cooperação e da completa implementação das convenções sobre o tema, complementadas por medidas legais nos territórios visando impedir o financiamento e a preparação de atos terroristas.

Relembra ainda a resolução que já há a determinação de que os Estados têm o dever de evitar a organização, instigação, assistência, ou participação em atos terroristas em outro Estado ou concordar em organizar atividades internas aos seus territórios direcionadas a cometer tais atos. Por fim, a criação da Comissão é estabelecida com base no direito de aplicar sanções em questões de ameaças à paz e à segurança existentes no Capítulo VII da Carta da ONU1.

A parte dispositiva da resolução apresenta a criação do CTC, composta pelos membros do UNSC, com o objetivo de, com o auxilio de especialistas na área, implementar a resolução 1373, obrigando os Estados a se reportarem em prazo a determinar sobre a implementação da resolução2. A definição do que a resolução procura combater também é categorizada na parte dispositiva, para o que poderia ser crime conexo, como lavagem de dinheiro3 e, nesse caso, espera-se que o Estado criminaliza todas as formas de financiamento ao terrorismo seja de forma direta ou indireta, inclusive congelando os fundos de pessoas ligadas a grupos terroristas4 e que os Estados não tomem parte em ações terroristas contra outros Estados, que julguem os que tomam tais ações e ajudem outros Estados com troca de informações e sejam capazes de impedir que esses grupos tomem conta das fronteiras5. Os Estados também são chamados a encontrar meios de intensificar e acelerar a troca de informações operacionais, principalmente as concernentes à movimentação dos indivíduos identificados com grupos terroristas, incluindo confecção de documentos falsos, tráfico de armas, ações judiciais contra indivíduos específicos6.

Pede, ainda, que os Estados ratifiquem protocolos e convenções específicas sobre o tema, como a Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo de 1999 e mostra preocupação com a conexão entre terrorismo internacional e outros crimes organizados transnacionais como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro etc., declarando esses atos, métodos e práticas como contrários aos propósitos e princípios da ONU7.

Essa resolução cria os órgãos que compõem o CTC. Um deles é a Diretoria Executiva do Comitê de Contra Terrorismo (CTED, em inglês) com o objetivo de auxiliar os trabalhos do CTC e monitorar a implementação da S/RES/1373 de 2001. Contribuindo para os trabalhos referentes ao relatório S/RES/1624 de 2005, o CTED foi responsável por dois relatórios, S/2006/737 e S/2008/2.

Segundo essa Convenção, as partes devem impedir e contra-atacar aqueles que financiam os terroristas direta ou indiretamente, seja por grupos sociais, culturais e de caridade, seja por meio de atividades ilícitas como tráfico de drogas. Devem os Estados prender e processar criminal, civil e administrativamente aqueles que financiam o terrorismo, além de ser necessário identificar, congelar e quantificar os fundos alocados para essas atividades. A justificativa de segredos bancários não é mais visto como adequada para recusar a cooperação

O combate ao terrorismo no plano global e de forma organizada, portanto, seguiu à lógica estadunidense de valorizar o UNSC, um órgão em que dá poder de veto aos EUA e que tem a competência para autorizar as medidas militares consideradas legítimas. O CTC foi criado com grandes competências e subsidiário diretamente às máximas instâncias da ONU. O UNSC, entretanto, não é representativo dos Estados-membros da organização e poucos teriam de controle sob as medidas tomadas pelo CTC.

Esse problema de articulação entre os Estados-membros e outros organismos só foi possível a partir de 2006, por esforço inicial do High-level Panel on Threats,Challenges and Change, no seu relatório de Dezembro de 2004 e, posteriormente, de Kofi Annan, na Cúpula de Setembro de 2005, foi desenvolvido a primeira Estratégia Global de Contraterrorismo que deve ser atualizada a cada 2 anos, dando origem à UN Action to Global Counter Terrorism, sem status legal. Dessa tentativa de dar corpo às diversas iniciativas da ONU, foi instituída, também, e no escopo dessa estratégia, a Força Tarefa para a Implementação Contraterrorista (CTITF, em inglês)8.

A CTITF é composta por 30 entidades internacionais e tem a tarefa de auxiliar os Estados Membros a implementar as estratégias de contraterrorismo, buscando observar as condições pelas quais o terrorismo pode ser expandido, as medidas para impedir e combater o terrorismo, aumentando a capacidade dos Estados e fortalecendo o papel da ONU e, ainda, buscando garantir a proteção aos direitos humanos e ao estado de direito como a base fundamental para a luta contra o terrorismo9.

A Ação procura reunir os diversos documentos desde o início da ONU que se relacionam com o terrorismo, muitos já descritos anteriormente. Importa salientar os dois documentos explicitadores da Estratégia Global da ONU.

A resolução n° 288 da 60ª Sessão da Assembleia Geral da ONU estabelece a adoção dessa resolução juntamente com o seu Anexo, como a Estratégia da ONU para o contraterrorismo. Entre outras medidas vistas como necessárias para a continuidade da discussão nos comitês, que o Secretário-Geral fica responsável por revisar a implementação e atualizar a própria estratégia em 2 anos, como de fato ocorreu com o documento A/RES/62/272. Também convida as ONGs a participarem do processo da foram como lhes cabia, sem informar qual seria essa participação.

A parte anexa denominada de "Plano de Ação" inicia-se com o preâmbulo genérico, dividido em 3 itens, em que se reafirma a necessidade dos Estados em condenar o terrorismo10 e de implementar os diversos documentos referentes ao combate ao terrorismo tanto da Assembleia Geral quanto do Conselho de Segurança11. Além disso, afirma que a cooperação no tema de contraterrorismo depende de aceitar as normas e princípios da própria ONU, além das normas de direitos humanos, de refugiados e humanitários12. A partir desse preâmbulo, o anexo é divido em quatro partes: 1) Medidas endereçadas às condições que contribuem para expandir o terrorismo. 2) Medidas para prevenir e combater o terrorismo. 3) Medidas para criar a capacidade dos Estados em combater e prevenir o terrorismo e para fortalecer o papel do sistema das Nações Unidas nessa questão e 4) Medidas para assegurar o respeito aos direitos humanos e o rule of law para todos como a base fundamental para lutar contra o terrorismo.

Na primeira parte, o documento mostra-se preocupado com, na ordem: 1) conflitos prolongados e não resolvidos, 2) com a desumanização da vítima de  terrorismo, 3) com a falta da supremacia do direito, 4) com as violações de direitos humanos, 5) discriminações em geral, 6) exclusões políticas, 7) marginalização socioeconômica e 8) a falta de uma boa governança. Reconhece que essas questões podem levar ao terrorismo e cada item dessa parte responde com uma medida anterior que a ONU já tomou, como convenções e objetivos para resolver13.

A segunda parte conta com 18 itens com medidas concretas para prevenir e combater o terrorismo. O ideal seria conter qualquer ato que possa encorajar, financiar, facilitar entre outras ações que possam levar à ações terroristas a outros Estados14, alertando para a necessidade de completa cooperação para o combate ao terrorismo, em esferas jurídicas (com extradição e processo de qualquer pessoas que cometa qualquer ato conexo ao terrorismo) e econômicas (impedindo paraísos fiscais)15, principalmente com troca de informações corretas e em tempo hábil sobre possíveis ataques16. Outros crimes transnacionais como lavagem de dinheiro e tráfico de drogas entre outros crimes conexos devem ser considerados como parte da cooperação17. Segundo essa proposta, o CTC deve ser utilizado, sem prejuízo de outros organismos não diretamente relacionados com o terrorismo, mas com temas afins, como United Nations Office on Drugs, quando couber, além de relevantes organizações regionais, para criar relevantes centros de combate ao terrorismo, podendo existir inclusive um internacional18. Outros organismos são considerados no contraterrorismo. A Interpol é convidada a participar para assuntos de roubos de documentos e o Comitê criado pela S/RES/1267 seria responsável pela proibição das viagens de indivíduos ligados a Al-Qaida e ao Talibã19.

Na parte III, reconhece-se que dar capacidade aos Estados de prevenir e combater o terrorismo é o ponto central de qualquer combate contraterrorista. Para tanto, os Estados são convidados a fazerem contribuições voluntárias aos projetos de contraterrorismo e assistência técnica das Nações Unidas20, valorizando as melhores práticas regionais dos programas dos programas de capacitação21, racionalizando a forma como as informações são dadas aos diversos órgãos da ONU, evitando a duplicidade e tornando a troca de informação mais frequente entre os membros e os organismos da ONU22. O Counter-Terrorism Implementation Task Force, subsidiário do Secretariado-Geral fica responsável pela coordenação e coerência dos diversos esforços do sistema ONU23. O CTC passa a ser um órgão de assistência técnica24 sendo que os outros itens da parte 3 listam os diversos organismos internacionais que devem fazer parte da Força Tarefa sendo construída e de que forma devem participar, incentivando, inclusive, a participação de parcerias público-privadas25.

Por fim, a parte IV da resolução 288 reafirma a preocupação com a proteção dos direitos humanos, reforçando o papel que organismos, convenções e protocolos já afirmados possuem e que devem ser observados26. Após citar os órgãos de direitos humanos já existentes - o Conselho de Direitos Humanos e o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos28 - o documento dá atenção especial ao Relator Especial sobre a Proteção e Promoção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais enquanto Combatendo o Terrorismo27. Esse mandato de relator foi estabelecido ainda pela Comissão de Direitos Humanos, pelo documento E/CN.4/RES/2005/80 em 2005 e depois confirmado pelo Conselho de Direitos Humanos. Ressalta-se que não há grandes modificações geradas pelo documento A/RES/62/272 que representa a revisão do desse plano de combate ao terrorismo.

Observa-se, portanto, que a forma de combate ao terrorismo idealizado pelo Secretário-Geral, está subordinada a ela, com forte ligação com a GA e muito mais multi-organizacional, possível de ser percebido, já pela escolha do nome, por ser denominada de Força Tarefa. O foco do contraterrorismo é visto ancorado na capacitação dos Estados e na proteção dos direitos humanos, chave na construção da própria da ONU.

 

Conclusão

Há, claramente, duas visões de mundo em choque na determinação da forma como o terrorismo deve ser combatido no plano global. A visão estadunidense, do CTC e a proposta do Secretário-Geral das Nações Unidas, ligada à Estratégia Global de Contraterrorismo. Inicialmente esperava-se que o contraterrorismo fosse tema ligado a questões militares e, por isso mesmo, esperava-se que a sua vinculação estivesse com o UNSC, uma vez que é o órgão competente para implementar medidas desse tipo.

A proposta em vigor há menos tempo, ao submeter o contraterrorismo a diversos organismos tentando articulá-los, embora apresente essa articulação como problema, permite maior transparência e circulação de informações entre um número maior de pessoas. Com um maior número de participantes, maior o debate, maior o número de visões do problema e maior a possibilidade de legitimidade no plano internacional de medidas do porte das tomadas pelo combate ao terrorismo. De certa forma, o que se observa é a tentativa de tornar a questão o mais democrática possível. São certamente dois modos distintos de se conceber o processo e de se atuar no plano internacional. Representando um modo pelos EUA e o outro pelo Secretariado-geral da ONU, vemos que há no plano interno da organização uma disputa entre essas duas partes pela imposição da sua visão, que, em último caso, geraria a realidade do combate ao crime de terrorismo transnacional.

A estrutura da política internacional representada pelas Nações Unidas, em consoante com o debate sobre regimes internacionais do ponto de vista dos processos linguísticos existentes na tentativa de formação de consensos, facilita o debate entre agentes e ora um discurso ganha visibilidade, ora é outra forma de combate que se mostra mais adequada àqueles que influem na estrutura apresentada. No processo da "guerra contra o terror" é visível que o medo descrito pelo governo estadunidense, a possibilidade de novos ataques e o discurso da administração Bush gera consensos e constrói uma realidade. Essa realidade é transformada e re-significada na medida em que o discurso não se sustenta, dando espaço para novas normas que constituem o combate ao terrorismo e a política internacional.

 

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1. Afirmação com base em declaração 1970, promulgada pela declaração da Assembleia Geral, A/RES/2625(XXV) reiterada pela S/RES/1189 de 1998.
2. Cf. S/RES/1373, dispositivos 6 e 7.
3. Idem, dispositivos 1.
4. S/RES/1373, 1
5. Idem, 2.
6. Idem, 3.
7. Idem, 4.
8. http://www.un.org/terrorism/index.shtml
9. http://www.un.org/terrorism/cttaskforce.shtml
10. A/RES/60/288, Anexx, 1.
11. Idem, 2.
12. Idem, 3.
13. Idem, part I.
14. Idem, part II, 1.
15. Idem, 2. A cooperação judiciária está descrita no item 3.
16. A/RES/60/288, Anexx, part II, 4.
17. Idem, 5 e 6.
18. Idem, 8 e 9.
19. Idem, 15 e 16.
20. A/RES/60/288, Anexx, part III, 1.
21. Idem, 2.
22. Idem, 3 e 4.
23. Idem, 5.
24. Idem, 6.
25. Idem, 7 - 13.
26. A/RES/60/288, Anexx, part IV, 1 - 5.
27. Idem, 6 e 7.
28. Idem, 8.