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ISBN 2236-7381 versión impresa

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Construtivismo e política externa dos EUA: uma abordagem para Foreign Policy Analysis (FPA)

 

 

Zane Halruth

Mestre em Relações Internacionais no Programa San Tiago Dantas, UNESP-UNICAMP-PUC-SP. Matemática e Analista de Negociações Políticas Internacionais

 

 


RESUMO

O presente artigo discute a contribuições da análise de Foreign Policy Analysis (FPA) sob a perspectiva da teoria construtivista de Relações Internacionais com excertos de fatos da política externa dos Estados Unidos (EUA). Este artigo visa oferecer uma exploração teórica do processo através do qual as decisões de política externa e os acordos se tornam regras constitutivas de um regime de segurança nos EUA. Esta abordagem neste artigo pretende fazer duas coisas: em primeiro lugar, visa à chamada de orientação para uma análise de estudos com o objetivo de abordar explicitamente a questão do arbítrio em ações de um Estado em política externa proporcionando um diferencial entre as teorias de RI e as teorias de FPA nos EUA; em segundo lugar, busca definir uma agenda de investigação.

Palavras chave: política externa dos EUA, regime de segurança, construtivismo


 

 

CONSTRUTIVISMO E POLÍTICA EXTERNA DOS EUA: UMA ABORDAGEM PARA FOREIGN POLICY ANALYSIS (FPA)

Os Estados Unidos da América (EUA) enfrentam um dilema singular na atualidade: com uma hegemonia aclamada por uns e discutível pelo termo em si por outros, encontram-se enquanto Estado, ativamente engajados em uma guerra global contra o terrorismo. No governo Obama esse foco se mescla com um objetivo de recuperação econômica nacional, mas por herdar essa prioridade da gestão anterior não se desvincula da majoritária preocupação com a agenda política de segurança.

Nessas circunstâncias, indaga-se: os EUA pretendem criar, gerenciar e manter um ambiente seguro nas várias regiões do mundo em áreas temáticas diversas? A resposta padrão para essa pergunta poderia ser: um Estado adota uma política externa destinada a realizar seus objetivos de segurança e estes objetivos se baseiam em uma refletida ação conjunta entre as forças políticas constitutivas do país. E a dedução prossegue: Quais seriam essas forças? São objetivos formulados isoladamente entre estas forças e articulados paralelamente por grupos ou ainda são objetivos individualmente determinados pelo presidente?

A história da política externa americana nos traz um fato para a apreciação exemplificada. Para proteger o acesso ao petróleo no final dos anos 1970, os EUA aprovaram a Doutrina Carter, (FUSER, 2006) resume bem o processo quando descreve:

No início de 1980, o presidente Carter anunciou que os EUA consideravam o Golfo Pérsico como uma região do seu interesse vital e que estariam dispostos a defendê-la por "todos os meios necessários, inclusive a força militar". A Doutrina Carter representa uma mudança em relação à política que os EUA seguiam desde 1945, quando o petróleo do Oriente Médio passou a desempenhar um papel importante na sua política externa. Tratava-se, até então, de garantir o acesso a essa matéria-prima sem empregar diretamente o poderio militar. Washington se apoiava em uma ambígua parceria com a Grã-Bretanha e, depois, na aliança com o Irã e a Arábia Saudita - a estratégia dos "Dois Pilares". Esse esquema desmoronou com a revolução islâmica que, em fevereiro de 1979, instalou no Irã um regime teocrático muçulmano que elegeu os EUA como inimigo número 1.  A reviravolta aconteceu ao fim de uma década em que o "choque" do petróleo havia elevado a importância estratégica do Oriente Médio a um patamar sem precedentes. Finalmente, em dezembro de 1979, a União Soviética iniciou sua intervenção militar no Afeganistão. Foi nesse contexto conturbado que os EUA adotaram como política oficial a defesa do petróleo do Golfo Pérsico pela forças das armas. A Doutrina Carter - que o historiador Douglas Little definiu como "uma Doutrina Monroe para o Oriente Médio" - foi anunciada em 23 de janeiro de 1980, no discurso anual "O Estado da União". Essa tomada de posição foi um esforço da Casa Branca para retomar a iniciativa política no Oriente Médio e marcar uma atitude de firmeza do EUA diante um duplo desafio: 1) assegurar o controle das reservas de petróleo do Golfo Pérsico, e 2) reagir à ação militar da URSS na Ásia Central, interpretada, ao menos publicamente, como uma ameaça. O discurso do presidente vinculou o petróleo e a segurança do Golfo Pérsico em dois parágrafos chaves. (FUSER, 2006 p.27)

Esta política externa realizada pelos EUA para patrulhar o Golfo Pérsico e impedir que as forças externas interferissem na região, garantindo fornecimento de petróleo e energia adequada para os EUA e economia global, foi objetivamente articulada pelo poder executivo, mas com apoio da opinião pública americana. E o congresso observava em privilegiada situação de esperar os resultados e testar se os poderes dado ao executivo, no que tange esse assunto, teriam bons resultados. Hoje, os EUA identificam o terrorismo global e a proliferação nuclear, como sendo ameaças de segurança crítica e tal como no passado na culminante Doutrina Carter, os EUA adotaram uma série de posturas e ações em política externa que traduzisse essa nova constatação. Esse conjunto de informações seria convergente se não houvesse apesar desta política, a tentativa dos EUA em criar um novo regime de não proliferação que favorecesse e provavelmente melhorasse a segurança estadunidense. A premissa seria: cada caso é um caso? ou há um padrão decisório em termos de segurança? Os contrastes dessas decisões com sua execução criam um dilema ou uma lacuna explicativa que as teorias políticas e suas hipóteses ficam por vezes em xeque. Portanto como poderíamos explicar esse processo por meio de uma teoria?

As Teorias de Relações Internacionais (TRI) expressam uma perda significativa de elementos para explicar esse processo aparentemente simples da política de segurança americana. Em parte, é porque esta pergunta na verdade abrange dois ramos diferentes das teorias de RI, que operam em dois níveis distintos de análise. As teorias de nível sistêmico de segurança internacional explicam a estrutura de segurança do ambiente internacional e como esses fatores estruturais formam a ação do Estado. Nesse caso, estudos de segurança estão bem posicionados para detalhar os efeitos de um regime global de não-proliferação, como o NPT- Nuclear Non-Proliferation Treaty. Mas, como Waltz (Waltz, 1979) apontou, essas teorias sistêmicas têm pouco a dizer sobre a política externa de qualquer Estado ou de cada um. A Foreign Policy Analysis (FPA)1, por outro lado, também desenvolveu teorias para explicar por que um determinado Estado adota uma política particular. Concentrando-se exclusivamente nos níveis nacional e individual de análise, a FPA explica as ações e decisões de cada um dos tomadores de decisão e não de sistemas (Hudson, 2005). A FPA pode explicar os diversos fatores que levaram à aprovação da Iniciativa de Proliferação da Segurança (PSI) como política oficial dos EUA, mas não pode explicar se essa política irá na verdade fazer algo para prover de fato segurança.

Este artigo visa diminuir esta lacuna, oferecendo uma exploração teórica do processo através do qual as decisões de política externa e os acordos se tornam regras constitutivas de um regime de segurança. Primeiro vou discutir as vertentes teóricas da diferença entre a unidade e abordagens no nível do sistema que produziu o dilema articulado acima. Em seguida, examinarei a abordagem FPA para a política externa, identificando seu foco exclusivo na tomada de decisões. Então, oferecerei uma lente de análise para diminuir esta lacuna. Esta lente baseia-se em insights construtivistas, que os regimes de segurança são conjuntos de regras. Ao estudar a política externa como um processo que adiciona à aplicação de insights construtivistas torna-se possível estudar a produção de regras e a criação de um novo regime de segurança.

 

O NÍVEL DE ANÁLISE

O fosso entre a política externa e de segurança é uma exemplificação dos níveis de discussão de análise na qual mencionei. Conforme (Singer, 1961) originalmente formulada, existe uma diferença entre a análise de um sistema e a análise de uma unidade. Waltz foi especialmente enfático na consideração de uma distinção entre análise sistêmica e nível da unidade, ver (Waltz, 1979). Esta conclusão é na verdade, não muito diferente do problema do agente-estrutura identificado por Wendt (Wendt, 1987). Para a maior parte dos estudiosos das teorias de Relações Internacionais, houve um bom grau de aceitação por esta distinção e classificação de suas teorias ao longo dos dois níveis de análise. A natureza material do neo- realismo e neo-liberalismo serviu para reforçar ainda mais esta distinção.

Os teóricos sistêmicos são claros ao afirmar que um sistema não é simplesmente uma soma de suas partes constituintes. As decisões individuais, ações, características e capacidades não se adicionam para formarem as estruturas sistêmicas. Pelo contrário, a distribuição global, interação e as relações entre esses elementos formulam propriedades sistêmicas além do controle de qualquer uma unidade. A natureza material das teorias tradicionais leva a uma visão bastante sistêmica de reposição de elementos para um neo-realista, é tão simples como a distribuição de recursos. Neoliberais também podem adicionar distribuição de informação e estruturas institucionais. Enquanto qualquer um pode alterar a unidade de suas próprias capacidades ou de acesso à informação internamente ou alterar as capacidades de outra unidade através de uma interação, o resto do sistema não permanece estático enquanto isso ocorre, há sempre algo acontecendo que influencia um grande todo. Qualquer ação que acontece no âmbito de outras ações está relacionada a alterações e novas distribuições que fornecem efeitos sistêmicos e resultados.

Grande parte da literatura de estudos de segurança, especialmente no realista, neo- realista, e da tradição neoliberal, centra-se neste nível sistêmico e nos constrangimentos sistêmicos da ação estatal. A estrutura destes constrangimentos sistêmicos geralmente é bastante rigorosa e traçam limites de ação do Estado para as práticas que tendem a manter o sistema existente. Na verdade, a crítica do realismo estrutural original era que ele não tinha uma teoria da mudança (Ruggie, 1986), não havia alternativa para a mudança no sistema de uma guerra curta e não há maneira de mudar o próprio sistema em seu todo. Esta crítica, porém, veio de uma veia construtivista. Ataques neoliberais sobre o realismo estrutural desafiou a premissa da competição sobre a cooperação dentro dos limites da sistêmica (Keohane, 1984), mas não de outra maneira a questão da mudança.

O desenvolvimento do construtivismo oferece duas vagas para abordar esta questão. A primeira seria uma nova maneira de ver o problema agente-estrutura (Giddens, 1984; Wendt 1999). Considerando que as teorias anteriores privilegiam um em detrimento do outro (geralmente a estrutura, a expensas do agente), um marco de abordagem construtivista delineia um insight sobre como a estruturação da sociologia pode ter a posição de agente e estrutura de duas partes e do mesmo todo. Assim, os agentes fazem estrutura e estruturas tornam-se agentes. A segunda abertura foi postular um novo tipo de teoria que foi além "por" questões de causa e efeito "como" e "o que" questões de processo e constituição (Wendt, 1998).

O foco no processo é em parte uma conseqüência da abordagem construtivista aos agentes e estruturas, que estão ligados através do processo da prática. Estruturas não são externas, objetivas, objetos estáticos a serem encontrados como muros, mas são linguística e socialmente construídas por normas e regras aprovadas e continuamente referenciadas no processo de produção no sentido social. Este significado social é o material da estrutura social, que é compartilhado entre os agentes intersubjetivamente. Um foco sobre o processo permite que se pergunte como são as práticas de (re) produzir as regras da estrutura social, embora aceitando o fato de que esses processos são por sua vez, moldados por estruturas existentes. O próprio processo de ação da unidade prevê a ligação entre o agente e estrutura. No entanto, segundo (CHECKEL 1998), os construtivistas muito poucos têm aproveitado a oportunidade de explorar a criação de novas regras e normas, dando pouca atenção às questões da agência. Tal como os seus antecessores, o construtivismo mantém um estrutura pesada, oferecendo mais de teorias sociais e como regras, normas dão forma e identidades ao Estado e as suas ações e menos teorias de como os Estados fazem as próprias estruturas.

Pode-se pensar que os estudos de segurança, com seu foco de longa data sobre a aplicação do poder militar, pode oferecer noções consistentes de mudança, mas não é esse o caso. Estudos tradicionais de segurança ainda vêem a capacidade militar como uma condicionante da ação do Estado. Solicita-se de acordo com (Baldwin, 1996) a ampliação do foco de estudos de segurança, um olhar além do poder militar, um olhar na capacidade de ação da sociedade civil, criando um desafio a unidade de análise e não se contestando o viés estrutural do campo. Consequentemente, a grande área da literatura de estudos de segurança é muito mais capaz de oferecer introspecção em que os Estados devem fazer em resposta a uma determinada situação e como uma determinada situação pode influenciar a ação do Estado ao invés de sugerir como um Estado pode reformular a sua situação de segurança ou em que nuances a sociedade civil americana pode atuar. Aquém de seu potencial, essa estagnação deixou o campo sem a visão exploratória necessária da não leitura clara, também segundo a opinião de (Smith, 2004), da nova ênfase militar dos EUA na "definição de estratégias" para utilizar recursos militares americanos para moldar o ambiente estratégico de uma região crítica (Priest, 2003) não se considerando também a sociedade civil como uma variável influenciadora dessas estratégias.

 

O CERNE DA DECISÃO

Foreign Policy Analysis (FPA) evoluiu como uma das muitas críticas das teorias estruturais. Qualquer um que tivesse experiência estudando ou servindo no governo americano facilmente observa que as decisões do governo, raramente, são seguidas de constrangimentos estruturais como neorealistas e neoliberais teorizaram. FPA parte da premissa de que os atores, Estados, indivíduos, organizações e instituições são elementos chaves em decisões de política externa, e essas decisões são resultados relevantes na política internacional para ser explicada (Hudson 2005). O campo, portanto, divide o processo decisório para explicar por que os atores fazem as escolhas que fazem. As teorias desenvolvidas giram em torno de uma literatura centrada em dois diferentes níveis de decisão. A literatura política sob influência da FPA claramente teoriza o óbvio, nenhuma decisão do governo é sempre uma resposta puramente racional aos imperativos sistêmicos (Allison e Zelikow 1999). Pelo contrário, ela reflete a batalha política dentro do governo, a empurrar e puxar políticos de diferentes agendas. A política externa final é, assim, um compromisso, não refletindo o que o sistema exige, mas sim os que as diferentes facções dentro do governo de um Estado podem concordar. Ao trazer de volta a política e as organizações para o estudo da política, a literatura política produz explicações de eventos que são bastante fiéis à experiência política real.

Outros trabalhos de FPA são focados em pessoas. No caso dos EUA em política externa, grande parte da literatura centrou-se na tomada de decisão presidencial, uma vez que é o presidente que faz a maioria das principais decisões de segurança nacional. Há numerosos estudos para investigar os diversos fatores que podem causar um indivíduo a fazer as escolhas que faz; desde fatores psicológicos, personalidade cognitiva à influência do grupo. Ao longo dos anos, o avanço nesse campo têm se tornado muito eficiente em se analisar os vários fatores que contribuem para uma decisão. Uma das consequências globais da agenda de investigação tem sido a redução de uma decisão a uma escolha entre alternativas políticas. Embora esse enfoque possa produzir teoria, dá uma versão reduzida da tomada de decisões e dos processos de política externa. Isso impede que o analista estude o que acontece após a decisão, mais notavelmente a sua implementação. Para ser mais preciso estudiosos de FPA não trabalham em um vácuo. Inicialmente, alguns dos primeiros estudiosos a fazer política externa, designados policy makers, incluiam todo este processo em sua formulação, decisão e execução, ambos relacionados (Snyder et al. 2002). A divisão entre a escolha de política e execução das políticas tem suas raízes em 1890, quando a cadeira acadêmica Woodrow Wilson estabeleceu a distinção entre política e administração (Palumbo, Calista e de Estudos Políticos da Organização,1990). Desde então, a Ciência Política e a Administração Pública mantiveram-se como disciplinas distintas. No entanto, a política de escolha não é resolvida por si só, decisão isolada. A execução é vital nesse modo de análise.

Primeiramente, a "sabedoria convencional" sobre a racionalidade e qualidade de uma decisão, muitas vezes depende de como os formuladores de políticas viram algo que não pôde ser conhecido pelo tomador de decisão com antecedência. Essa incerteza sobre os resultados à custa de uma decisão é mais presente na área de segurança. Se as decisões levam ao fracasso, então a conclusão que se toma é que um ator possivelmente relevante, de alguma forma "irracional", faltou conhecer um fator chave que ao fazer uma escolha levou a um resultado subótimo. Então, por essa lógica tem-se como rara a situação em uma decisão amparada de fundamentação adequada ocorra com execução falha. No entanto, essa consideração baseia-se na tendência de antropomorfizar o Estado e outros intervenientes de RI. O fracasso da antropomorfização do Estado que não é sobre se "os Estados são pessoas também", no sentido analítico (Wendt, 1999), mas sim que os Estados não são atores individuais. Estados, como todo ator relevante em RI, são as empresas participantes, o congresso, os movimentos da sociedade civil, a opinião pública e demais derivados. Enquanto um indivíduo pode aplicar suas próprias escolhas, assegurando que a ação corresponde à escolha, os grandes atores corporativos, especialmente aqueles organizados em burocracias, escolha e a aplicação seriam processos separados. Estudos de organizações complexas e suas burocracias demonstram "(...) discrepâncias enormes em organizações de grande porte que produzem espetacular fracasso da interação de muitas vezes erros banais na execução" (Perrow, 1984). Alguém deve fazer uma política escolhida e pautada em uma realidade e normalmente, não será o presidente.

Além disso, grande parte da disputas burocráticas que Allison (1999) descreve como parte do processo de tomada de decisões continua durante todo o processo de execução. Isso ocorre porque o significado de qualquer política não está definido em uma decisão. É preciso ação para interpretar o que a política vai significar na prática. As decisões não podem explicar todas as situações possíveis em que a política será aplicada, cabendo aos executores a aplicação a política em circunstâncias imprevistas para produzir uma regra geral (Howard 2004a; Yanow 1996). O "burocrático experiente" sabe que a decisão é apenas metade da batalha, e estão dispostos e capazes a dar forma ao processo de implementação na mudança de política de preferências. Por exemplo, a decisão da administração Bush para ir à ONU antes de lançar a guerra no Iraque. Embora esta decisão representasse uma vitória para o Departamento de Estado, outras agências foram capazes de moldar a execução da decisão, fazendo a apresentação que o Secretário de Estado Colin Powell fez, refletir essa análise. Assim, embora a "linha dura" possa ter perdido na decisão de ir para a ONU, finalmente conseguiram o que queriam porque a apresentação de Powell na ONU, agora reconhecida como falha em maior parte de seu curso de ação devido a repercussão causada pelo questionamento da legitimidade da guerra quando os EUA decidiram fazê-la mesmo sem a aprovação da ONU; demonstra em outra perspectiva de análise a seguinte constatação: um momento decisivo na condução da guerra foi que uma batalha burocrática venceu na fase de execução, apesar dos pesares das consequências oriundas desta.

A natureza abstrata de muitas críticas as decisões de política externa só contribui para o reconhecimento da importância da implementação. O presidente pode decidir invadir o Iraque ou reabrir as negociações com a Coréia do Norte, mas ele não aprova a relação de batalhões que vigiam as linhas de abastecimento na retaguarda para batalhões de corrida em Bagdá, nem é ele quem escreve o discurso de abertura do principal negociador para a próxima rodada de seis países. Ele escolhe, contando com sua gestão para obter o trabalho feito, mas estes processos são cruciais para o resultado da decisão. Uma declaração bem escrita pode oferecer uma abertura para um avanço nas negociações em área comercial rígida. A área mal guardada na retaguarda abre a possibilidade de ataques de insurgentes contra uma força de ocupação despreparada. São todas considerações relevantes na análise de um todo político estrategicamente articulado.

Das inúmeras decisões de política externa feita a cada ano, cabe-se perguntar: algumas são mais importantes que outras? Algumas têm efeitos mais duradouros do que outras? Algumas funcionam melhor do que outras? Se a análise se reduz a decisão individual, é difícil dizer. No entanto, se a análise é expandida para a execução dessa decisão, então se torna possível responder essas perguntas e até teorizá-las.

Significativamente, a FPA é secretamente um projeto estrutural, que procura articular os fatores que produzem uma determinada decisão, mas em nenhum lugar na FPA há espaço para a creditação da criatividade individual pura, inovação e escolha. Relatos descritivos de batalhas políticas burocráticas creditadas a indivíduos criativos para saltar por uma janela política perfeitamente aberta soam como propaganda política, mas as mais rigorosas teorias sejam de FPA ou de RI indicam a redução do tomador de decisão a uma equação, eliminando a criatividade individual. O arbítrio é necessariamente imprevisível, mas não desconectos de uma estrutura decisória mais complexa. Existe a crença de se estar construindo uma solução criativa para problemas repentinos, no terreno, que é a marca de uma política de sucesso. Normalmente, essas adaptações políticas podem acontecer no processo decisório majoritariamente em nível de trabalho, não em nível de decisão política, e são, portanto, fora da vista de teorias FPA entrando nas fronteiras das Teorias de Relações Internacionais com um olhar mais detalhado no elemento e no conjunto. Portanto, a FPA repousa seu foco principal, quase exclusivo, na tomada de decisões, enquanto as Teorias de Relações Internacionais analisam as possíveis conseqüências e efeitos das tomadas de decisão. Não havendo uma análise coerentemente relacional entre tomada de decisão, implementação e consequências-efeitos do contexto decisório. Isso implica em se considerar como esses termos se relacionam em uma análise

 

SEGURANÇA NÃO É UMA DISTRIBUIÇÃO FAVORÁVEL DE RECURSOS MATERIAIS

Um insight construtivista central se estabelece na afirmação de que o sistema internacional não é fixo, externo, material-estrutura, é em vez disso uma estrutura socialmente produzida de significados compartilhados (regras ou normas) (Onuf 1989; Wendt 1999). As regras do sistema são produzidas pelas interações dos Estados e, por sua vez a prática do Estado as forma. Segurança não é uma distribuição favorável de recursos materiais (Mearsheimer 2001, Waltz, 1979), mas sim um regime especial de regras (Howard 2002; Kratochwil 1989). Kratochwil argumenta que mesmo os mais básicos dos acordos de segurança constituem um regime. Qualquer política externa move negociação, conciliação, ameaça, compromisso ou desafio e requer um quadro comum para fazer a ação compreensível para todos os participantes. Atores contam com "conhecimentos básicos" como uma base para a interpretação de outros movimentos (Kratochwil, 1978). Para uma política externa produzir segurança, deve ser capaz, em contribuir de alguma forma, para o entendimento comum de que constituem um sistema de segurança. A linguagem é a chave para desbloquear este processo, pois é como os atores percebem ou compartilham o significado. A linguagem não é apenas um meio para a comunicação através do qual as idéias fluem, não é apenas uma representação pictórica da realidade. A linguagem é em si um conjunto de entendimentos partilhados que produzem o mundo social (Fierke, 2002; Howard, 2004; Onuf, 1989; Wittgenstein, 1953). O insight central de base construtivista sobre esta interação é que não podemos ir além da nossa capacidade linguística para uma realidade mais objetiva, a linguagem constitui a nossa realidade. Isso não significa que atores não possam falar da existência de qualquer realidade. No entanto, linguagem só tem sentido como um conjunto comum de regras a seguir, mas que falam uma língua, mais que entender as regras é se comungar uma interação constitutiva de objetivos e significados, este é o ato poderoso da língua. Exemplificando, temos um alto- falante que emite aleatoriamente palavras sequencialmente, mas essa emissão deve seguir as regras do discurso compreendido, a fim de fazer sentido. Não há maneira de determinar o que um falante dirá, sua autonomia é preservada, porque cada ator detém o controle criativo sobre suas próprias ações. No entanto, um analista pode determinar o que é possível um ator dizer, para ser compreendido. Como esta possibilidade torna-se este espaço o reino da constrição, os atores se vêem atrelados as regras de uma língua (Howard, 2002). A realidade material de estudos de segurança é dado pelo significado e propósito da linguagem compartilhada que permite a sua utilização. Aqui está a chave para ligar o nível da unidade de análise da FPA e do nível sistêmico de análise de estudos de segurança (Kubálková, 2001). O link é a prática de falar, de modo a ser compreendida, a partilha de significado. Um ator tem uma série de coisas possíveis de se dizer e devem chegar a um ato de fala. Há decisões a serem tomadas e as oportunidades para a atitude e criatividade na forma como é feito. Mas, também existem constrangimentos estruturais, um ator não pode simplesmente dizer o que ele quer e esperar que o mundo se ordene de acordo com tal ato. Os atores precisam dizer as coisas de certa maneira a serem compreendidos. Idioma, instância, sentido e significado são contextuais. Este significado compartilhado passa a ser chamado de regras. Assim, regimes como o Estado são um conjunto de entendimentos partilhados. Regimes de segurança é um conjunto de entendimentos partilhados sobre o que é segurança e como os Estados podem atuar para perceber a segurança. Regimes habilitam e dão sentido às práticas do mundo material. Este significado evolui e muda com a prática.

Os estudos de como os Estados fazem as regras de segurança, exige um estudo de como os Estados desenvolveram linguagens comuns de segurança com e no outro e em torno de um tema específico ou dentro de uma região específica. Este é o estudo do processo. Ele pode ser analiticamente discriminado em etapas (Howard, 2002). Nota-se que este é um processo recursivo, não se pode apenas proceder através de A para B para C, como se estivesse descendo por uma escada. Pelo contrário, é como uma orquestra. Começa-se com um instrumento musical, adiciona-se os cinco primeiros, em seguida, um sexto, e assim sucessivamente então juntos formam uma melodia completa. Uma vez concluída, a música está composta e os elementos individuais são difíceis de distinguir na prática final, do todo completamente formado.

E esse processo é difícil de teorizar, mas as teorias sejam as de RI ou as de FPA colaboram no sentido de construir e desconstruir processos que contribuem para um exercício decisório mais consciente em política externa e na percepção do que é segurança, seja em situações inéditas ou a semelhantes já ocorridas. Esta abordagem neste artigo pretende fazer duas coisas: em primeiro lugar, visa à chamada de orientação para uma análise de estudos com o objetivo de abordar explicitamente a questão do arbítrio em ações de um Estado em política externa proporcionando um diferencial entre as teorias de RI e as teorias de FPA nos EUA; em segundo lugar, busca definir uma agenda de investigação.

Ao estudar a política externa como um processo que adiciona à aplicação de insights do construtivismo oriundos de RI, em FPA, tornar-se-á possível estudar a produção de regras e se conceber o surgimento dos regimes de segurança mais interligados com as demais esferas de influência no cenário americano e internacional. No que tange a especificidade estadunidense, necessário se faz o entendimento, acompanhamento constante e detalhado de suas políticas internas onde se condiciona a reflexão elementar de suas ações pela assunção da variabilidade que está embutida no sistema político americano e a complexidade de possibilidades que essa realidade implica. O que mais considero interessante nessa conceituação é que de um caso particular, à aplicação de insights do construtivismo oriundos de RI em FPA, avalia-se um padrão de relação conjuntural e nesta perspectiva se torna possível incluir em uma linguagem da teoria de conjuntos, a inclusão de sistemas como novas variáveis no sistema internacional tais como a consideração sociológica e cultural de uma nação ou grupo social, as ações das organizações da sociedade civil, em uma análise de um sistema e regime de segurança. E essa ligação seria possível porque por meio de uma correlação biunívoca da linguagem compartilhada ou não entre os conjuntos definidos, pois o que não se pode ser dito por meio de um sistema de códigos, mas evidenciado por outro sistema de códigos ou linguagem; pode ser hipotetizado e o que se pode ser hipotetizado pode ser configurado em um sistema de funções os quais podem produzir convergências e mapeamentos estratégicos decisórios e operacionais, possibilitando análises conjunturais mais apuradas no contexto de políticas internacionais, não se restringindo apenas ao caso particular dos EUA, relacionando-se porém a uma rede maior de possibilidades a qual pode ser sistematicamente explorada.

 

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1. Foreign Policy Analysis is a decision-making approaches and theories fall within the subfield of foreign policy analysis, within the larger field of international relations. Foreign policy analysis (known as FPA) is distinguished from other theoretical approaches in international relations by its insistence that the explanatory focal point must be the foreign policy decision makers themselves and not larger structural or systemic phenomena. Explanatory variables from all levels of analysis, from the most micro to the most macro, are of interest to the analyst to the extent that they affect the decision making process. Thus, of all subfields in international relations, FPA is the most radically integrative theoretical interprise. Investigations into the roles that personality variables, perception and construction of meaning, group dynamics, organizational process, bureaucratic politics, domestic politics, culture and system structure play in foreign policy decision making are the core research agenda of FPA. Fonte: http://www.americanforeignrelations.com/A-D/Decision-Making-Decision-making-and-foreign-policy- analysis.html#ixzz0yHmlqx8I. Acesso em junho de 2010.