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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

A agenda hemisférica de defesa da democracia: o caso do Haiti em dois tempos (1991 e 2004)*

 

 

Juliana Viggiano

USP/CPDOC-SP. E-mail: juviggiano@usp.br

 

 


RESUMO

Esse artigo tem por objetivo analisar a política diplomática de promoção da democracia dos Estados Unidos para a América Latina no pós-Guerra Fria a partir do estudo de caso do Haiti em dois momentos de crise política: o golpe de Estado em 1991 e a renúncia do Presidente Aristide em 2004.  Essa leitura busca identificar elementos explicativos para as decisões relacionadas à agenda democrática norte-americana para o hemisfério, levando em consideração o quadro de referência normativo no plano doméstico e regional. Em linhas gerais, o artigo argumenta que as características democráticas institucionais do regime democrático, marcadamente os processos eleitorais, parecem ser o principal elemento a orientar as decisões dos atores acerca da defesa da democracia.

Palavras-Chave: promoção da democracia, Estados Unidos, Haiti, Organização dos Estados Americanos


 

 

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* Esse artigo teve como base a tese de doutoramento da autora, apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo em 2011. Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais - Governança Global e Novos Atores.
1. Terminologia empregada por Kubálková ao se referir aos autores construtivistas das relações internacionais que atribuem à análise de discurso lugar central em suas formulações teóricas. KUBÁLKOVÁ, V. (Ed.). Foreign policy in a constructed world. Armonk: M. E. Sharpe, Inc., 2001.
2. Outro autor de grande relevância dentro dessa vertente é Nicholas Onuf.
3. Esses dois termos são usados de modo intercambiável pelo autor em questão.
4. KRATOCHWIL, F. Errors have their advantage. International Organization, v. 38, n. 2, 1984, p. 308.
5. Idem. Rules, norms and decisions: on the conditions of practical and legal reasoning in international relations and domestic affairs. New York: Cambridge University Press, 1989. p. 72.
6. Ibidem. Onuf coloca a questão nos seguintes termos: "[as] regras tornam a escolha racional relativamente fácil ao informar os agentes [...] o que devem fazer em uma situação na qual se encontram". ONUF, N. G. World of our making: rules and rule in social theory and international relations. Columbia: University of South Carolina, 1989. p. 65
7. Kratochwil apresenta de forma bem específica como as regras atuam como guias e mecanismos de resolução de problemas: "as regras podem descartar certos comportamentos, podem criar esquemas ou inventários para coordenar a distribuição de recursos escassos e funcionam como a base para um discurso no qual as partes podem discutir diferenças, negociar soluções e solicitar a mediação de uma terceira parte" (ZEHFUSS, M. Op. cit., 2002. p. 99).
8. KRATOCHWIL, F. Op. cit., 1989. p. 97.
9. Ibidem.
10. KRATOCHWIL, F. Op. cit., 1989. p. 32.
11. Ibidem, p. 100.
12. Ibidem, p. 98.
13. ZEHFUSS, Maya. Constructivism in International Relations: the politics of reality. New York: Cambridge University Press, 2002.
14. Ibidem, p. 219.
15. Ibidem.
16. Esse exemplo foi utilizado pelo próprio autor (ibidem, p. 219).
17. Preceitos são considerados por Kratochwil como "prescrições de maior generalidade que tentam superar os dilemas entre ações auto-interessadas e ações socialmente desejáveis. Os preceitos são equivalentes a imperativos morais e, em geral, não contêm um escopo de aplicação específico" (Ibidem, p. 97). Enquanto os preceitos podem servir de sustentação para afirmações de validade, as regras práticas "definem a prática em si, por exemplo, o que deve contar como um tratado, uma promessa, um contrato, etc." (Ibidem, p. 93). A falta de especificidade característica dos preceitos dificulta, contudo, sua aplicação em casos concretos.
18. O principal conjunto de documentos que delineiam os propósitos e estratégias da política externa norte-americana é formado pelas publicações intituladas National Security Strategies (NSS). Instituídos em 1986, pelo Ato de Reorganização Goldwater-Nichols do Departamento de Defesa (Goldwater-Nichols Defense Department Reorganization Act), esses documentos formulam os interesses e objetivos estratégicos da política externa norte-americana e estabelecem como os recursos políticos, econômicos, militares e qualquer outra natureza devem ser empregados para alcançar tais propósitos no curto e longo prazo. O Ato demanda que os presidentes apresentem as orientações de política externa anualmente, mas nem todos os governos cumpriram os prazos. Foram disponibilizados, portanto, três no governo Bush (1990 e 1991), sete no governo Clinton (1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000), dois no governo Bush W. (2002, 2006) e um do governo atual do presidente Obama (2010). Como sua própria elaboração sugere, trata-se de documentos de natureza política e, em decorrência disso, alteram-se seguindo as orientações de cada um dos governos. Apesar desse caráter relativamente volátil das propostas, a democracia como fundamento da política externa aparece como um elemento constante em todos eles.
19. As regras práticas se caracterizam por sua especificidade em proporcionarem instruções sobre o que deve ser feito para determinada ação ser considerada válida e por conterem verbos cuja ação só pode ser realizada por meio da linguagem, ou seja, os verbos performativos[19] (KRATOCHWIL, F. Op. cit., 1984. p. 92).
20. NSS, 1990. p, 2.
21. idem, 1991 p, 5.
22. idem, 1991 p, 4. E também idem 1990. p, 3.
23. idem, 1990 p,12.
24. Carta da Organização dos Estados Americanos. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/carta.htm#CARTA%20DA%20ORGANIZA%C7%C3O%20DOS%20ESTADOS%20AMERICANOS>.
25. HAWKINS, D.; SHAW, C. M. The OAS and legalizing norms of democracy. In: LEGLER, T.; LEAN, S. F.; BONIFACE, D. S. (Ed.). Promoting democracy in the Americas. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007. cap. 2. p. 21-39.
26. Esse suporte, no entanto, não foi completamente isento de ceticismo por parte dos políticos e pensadores norte-americanos. O pessimismo e/ou excessiva cautela não foram, contudo, generalizados entre o Congresso e membros do Departamento de Estado norte-americano. Ao contrário, pela leitura dos documentos e declarações publicadas nos meios de comunicação, transparece a prevalência de um olhar positivo frente aos processos de transição de regime que ocorreram nos anos 80, na região. Depoimentos e relatórios salientam com recorrência o fato do hemisfério ser um continente onde 34 dos 35 países - à exceção de Cuba - tornaram-se democracias e o potencial de tal situação estimular a convergência de interesses e de ações cooperativas em favor do regime democrático.
27. AG/RES. 1.080 (XXI-O/91). Democracia Representativa. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/english/agres1080.htm>. Acessado em: 25 set 2008.
28. Subscrevem a esse grupo autores como Jonathan Monten (MONTEN, Jonathan. The Roots of the Bush Doctrine: Power, Nationalism and Democracy Promotion in U.S. Strategy. International Security, v. 29, n. 4 , 2005) e G. John Ikenberry (IKENBERRY, G. J. America's Liberal Grand Strategy: Democracy and National Security in the Post War Era. In: COX, M.; IKENBERRY, G. J.; INOGUCHI, T. (ed.) American Democracy Promotion. Impulses, Strategies, and Impacts. Oxford: Oxford University Press, 2000).
29. NSS, 1990, p. 2.
30. As propostas consistem em promover o estado de direito e a solução diplomática de conflitos regionais, manutenção do equilíbrio militar regional, apoio à ajuda externa, comércio e investimentos como incentivos para o desenvolvimento econômico, promover instituições democráticas como fonte de progresso social e econômico, e combater ameaças à segurança que possam minar o desenvolvimento de instituições democráticas. (Ibidem).
31. Dentre as prioridades, contudo, encontram-se "encorajar maior reconhecimento dos princípios de direitos humanos, incentivos de mercados e eleições livres na União Soviética ao mesmo tempo incentivando o refreamento de gastos militares na União Soviética e desencorajando aventurismos por parte dos soviéticos". (Ibidem).
32. Ibidem, p. 12.
33. Há o reconhecimento, contudo, de que questões não-processuais são relevantes para o fortalecimento da democracia. A assistência externa possui um papel fundamental nesse sentido, assim como outros organismos da sociedade civil: "[A] mídia, a troca acadêmica e cultural, informações para a imprensa (press briefings), publicações, palestras e conferências" consistem nos recursos com os quais o país deve engajar os atores externos em um diálogo, informado " a audiência externa sobre [suas] políticas,  tradição democrática, sociedade pluralista e sua diversidade acadêmica e cultural". (NSS, 1991, p.13).
34. O otimismo com o rumo democrático para o qual se encaminhava a região se manifestou formalmente no National Security Strategy  de 1990 e 1991. "O hemisfério" enuncia o documento em 1990, tem ao seu alcance a possibilidade de se "transformar no primeiro hemisfério inteiramente democrático da história"(p.12). Reitera em 1991: "[o] ressurgimento da democracia, um fenômeno mundial que é tão inspirador para nós, se encaminha para um feito dramático - um hemisfério completamente democrático" (p.9).
35. Evidenciada pelo episódio do Panamá, o mais emblemático caso de envolvimento dos EUA na região nesse período. Os documentos também mantêm preocupação com a influência comunista na região e atribui responsabilidade à URSS no sucesso da instituição de regimes democráticos dos seus 'clientes' regionais. (NSS, 1990, p.12).
36. Ibidem, p. 2.
37. NSS, 1991 p. 8.
38. CAROTHERS, T. Critical Mission: essays on democracy promotion. Washington, D.C., Carnegie Endowment for International Peace, 2004, p. 15; 19.
39. DOYLE, M. Peace, Liberty and Democracy: Realists and Liberals Contest a Legacy. In: COX, M.; IKENBERRY, G. J.; INOGUCHI, T. (Ed.). American Democracy Promotion: Impulses, Strategies, and Impacts. Oxford: Oford University Press, 2000. p. 21-40.
40. Tradução livre do termo.
41. Essa nova doutrina está presente em todos os NSSs elaborados pelo governo Clinton. Antes mesmo de publicarem o primeiro NSS, Anthony Lake, Assistente da Presidência para Assuntos de Segurança Nacional, proferiu um discurso na School of Advanced International Studies da John Hopkins University, em 21 de setembro de 1993, intitulado From Containment to Enlargement (Da contenção à ampliação), em que traçava os principais pontos de orientação do governo Clinton para os anos que viriam, no qual a promoção das democracias de mercado aparece como ponto central. LAKE, Anthony. From Containment to Enlargement. Johns Hopkins University. School of Advanced International Studies. Washington, D.C. 21 set, 1993.
42. Em documento semelhante de 2006, fazem a seguinte observação: "Apesar da tirania ter poucos defensores, precisa de mais adversários. No mundo de hoje, nenhum governo tirano pode sobreviver sem o apoio ou, ao menos, a tolerância de outras nações. Para dar fim à tirania, devemos demonstrar (summon) o ultraje coletivo do mundo livre contra a opressão, o abuso e o empobrecimento que regimes autoritários infligem à sua população - e agir de forma coletiva contra os perigos que os tiranos representam à segurança do mundo" (NSS 2006, p.4). Também NSS 2002, p. 4.
43. UNITED STATES GENERAL ACCOUNTING OFFICE (GAO). Haiti. Costs of U.S. Programs and Activities Since the 1991 Military Coup. Fact Sheet for the Honorable Charles B. Rangel, House of Representatives, August, 1993, p.3.
44. Embora a partir da metade de 1993 a preocupação estava mais relacionada ao potencial aumento do número de refugiados, que havia diminuído desde os primeiros anos da crise.
45. UNITED STATES GENERAL ACCOUNTING OFFICE (GAO). Haiti. Costs of U.S. Programs and Activities Since the 1991 Military Coup. Fact Sheet for the Honorable Charles B. Rangel, House of Representatives, August, 1993, p.3. e  PALMER, David. U.S. Relations with Latin America during the Clinton Years. Gainesville, FL, University Press of Florida, 2006.
46. Câmara dos Deputados - 102nd Congress (1991-1992). The Haitian Refugee Crisis. Congressional Record, 27 maio, 1992, p. H3828.
47. Senado - 102nd Congress (1991-1992). Restoring Democracy in Haiti. Congressional Record, 26 nov, 1991, p. S1859.
48. Ibidem.
49. WHITE, Robert. Los Angeles Times. Los Angeles. 1 jun.1992.
50. LOBE, Jim. Haiti To Cause Trouble For Bush. OneWorld. Washington, D.C., 9 fev. 2004.
51. BOUCHER, Richard. Daily Press Briefing. Washington, D.C., 14 jan, 2004.
52. LOBE, Jim. Op. cit. 2004.
53. LOBE, Jim. Op. cit. 2004.
54. BEHN, Sharon. U.S. Opts Not to Intervene in Haiti. Washington Times. Washington, D.C., 11 fev, 2004.
55. Ibidem
.